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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

O transtorno de personalidade antissocial e sua relação com a reincidência criminal


Forato, M. M., & Beluco, A. R. (2019). O transtorno de personalidade antissocial e sua relação com a reincidência criminal . Revista UNINGÁ , pp. 1-9.
Resenhado por Giulia Oliveira

            O transtorno de personalidade antissocial (TPAS) é caracterizado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) como um padrão de desconsideração e violação dos direitos alheios, estando ligado a um transtorno de conduta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (1993), é percebida uma disparidade constante entre o comportamento do indivíduo com esse transtorno e as normas sociais predominantes, que são constantemente menosprezadas em virtude de tentar sempre alcançar satisfação e prazer pessoal, mesmo que isto signifique infligir leis.
            O diagnóstico de TPAS só pode ser feito de forma precisa a partir dos 18 anos, quando se acredita que a construção da personalidade já está consolidada, e ocorre através da avaliação de fatores como cognição, afetividade, funcionamento interpessoal e controle de impulsos. Esse transtorno aparece na literatura frequentemente ligado a terminologias como psicopatia e sociopatia. Tal psicopatologia tem determinantes biológicos e ambientais, podendo ter relação genética, assim como pode estar associado a nível socioeconômico, relacionamento conjugal dos pais, cuidado materno e paterno, privação afetiva, condição mental da mãe e ambiente escolar. Indivíduos com TPAS normalmente vivenciaram complicações psicossociais como conflitos familiares constantes e fracasso escolar, e apresentaram conduta infratora durante a adolescência, como por exemplo agressões a outras pessoas ou animais ou furtos.
            Devido a esse comportamento padrão de violações de direitos alheios e normas sociais, essa patologia psíquica representa risco de reincidência criminal cerca de três vezes maior que os dos demais criminosos. Entretanto, inúmeras indagações têm sido levantadas a respeito da capacidade do indivíduo com esse transtorno de responder por suas ações, de forma que avaliações psicológicas têm sido aplicadas no âmbito judicial para analisar o discernimento do infrator com relação às violações por ele praticadas. Assim, averígua-se se este tem consciência do que fez e pode sofrer sanções da Lei (imputável), se tem capacidade reduzida de discernimento (semi-imputável), ou se não tem consciência do ato criminoso, não sendo passível de sofrer sanções da Lei (inimputável). As medidas corretivas aplicadas ao sujeito dependerão da conclusão dessa análise psicológica.
            Tratamentos psicológicos têm se mostrado eficazes na redução de comportamentos disfuncionais e identificação do transtorno de personalidade antissocial, o que ameniza os efeitos dessa condição psíquica e o sofrimento do indivíduo acometido por ela. Para tanto, o principal instrumento utilizado tem sido o teste de Transtorno de Personalidade Antissocial, o qual ajuda a investigar o grau de periculosidade do ser e as possibilidades de readaptação social.            A Psicologia pode ser de grande utilidade para desenvolver novos instrumentos de identificação e tratamento do TPAS, melhorar técnicas de avaliação da capacidade de discernimento do indivíduo com relação a seus atos infratores e auxiliar na criação de novas medidas judiciais que visem reduzir a probabilidade de reincidência criminal desses sujeitos, o que ampliaria, por fim, o restrito agregado de materiais científicos desse tópico.


quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Avaliação de transtornos da personalidade em moradores de rua


Bartholomeu, D., Carvalho, L. F., Montiel, J. M., & Pessotto, F. (2015). Avaliação de transtornos da personalidade em moradores de rua. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(2), 488-502. doi: 10.1590/1982-370301992013

Resenhado por Uquênia Lemos Brito

Pessoas em situação de rua, ainda que sejam um grupo heterogêneo, apresentam características em comum, como: condição de pobreza, inexistência de moradia regular, entre outros. Entre os fatores que levam uma pessoa a morar na rua, estão: a situação de ruptura de relações familiares, com o mercado de trabalho e a não participação social efetiva, gerando assim uma exclusão social. Ainda existem outras variáveis que também influenciam para a pessoa ir morar na rua, como violência, drogas e problemas de saúde. No que se refere à saúde, os moradores de rua podem apresentar problemas físicos, assim como sofrimento psíquico e transtornos. No caso dos transtornos de personalidade, considera-se que o modo de funcionamento do indivíduo esteja atrelado a decréscimos da atuação social. Assim, o presente estudo objetivou comparar a prevalência de tendências de personalidade patológicas entre três grupos divididos em moradores de rua, pacientes psiquiátricos e universitários (grupo controle).
Nesta pesquisa foi utilizado como instrumento o Inventário Dimensional dos Transtornos da Personalidade (IDPT). As respostas aos itens foram disponibilizadas em escala Likert de quatro pontos. Os escores foram obtidos através da fatoração bruta das respostas apresentadas. O cabeçalho do próprio teste foi utilizado para obter dados sociodemográficos (data de nascimento, sexo e histórico de tratamento psiquiátrico ou psicológico). Neste último item, em caso positivo, os participantes deveriam informar por quanto tempo. Participaram 72 moradores de rua, desempregados, com idades entre 18 e 68 anos (M = 34; DP = 11,17), sendo 90,7% do sexo masculino. Mantiveram-se na amostra de moradores de rua apenas os que relataram não estar realizando tratamento psiquiátrico ou psicológico, para não serem confundidos com a amostra clínica. O grupo de pacientes psiquiátricos foi composto por 74 pacientes e a idade variou entre 18 e 67 anos (M = 37,85; DP = 13,04), sendo 73% mulheres. Todos desse grupo informaram estar realizando tratamento psiquiátrico e fazendo uso de medicação. O grupo controle constituiu-se por 250 universitários, sendo na sua grande maioria mulheres. Todos responderam negativamente sobre realizar tratamento psiquiátrico ou fazer uso de medicação e possuíam idades entre 18 e 67 anos (M = 23,40; DP = 6,18).
Quanto aos resultados, foi possível observar que nas pessoas em condição de rua os escores estavam acima das médias do grupo clínico e controle em cada um dos transtornos. Os padrões de personalidade com maiores alterações em moradores de rua em detrimento dos demais grupos estudados foram Paranoide (M = 2,6; DP = 0,56), Antissocial (M = 2,3; DP = 0,58), Histriônico (M = 2,2; DP =0,68) e Esquizotípico (M = 2,5; DP = 0,75). Com isso, percebeu-se uma tendência para desconfiança, impulsividade, necessidade de atenção e comportamentos excêntricos na amostra de moradores de rua.
Por fim, os dados mostraram que os problemas relacionados aos transtornos de personalidade estão mais proeminentes em moradores de rua, demandando cuidado e atenção em termos de saúde mental. Assim, é necessário que haja um maior direcionamento de políticas públicas e pesquisas para essas pessoas. Dada à relevância do tema e por existirem poucos estudos na área da psicologia para moradores de rua, fica clara a importância da Psicologia da Saúde na promoção destas pesquisas, maior participação nas políticas públicas e estratégias de cuidado à saúde mental dos moradores de rua.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Autolesão sem intenção suicida entre adolescentes


Fonseca, P. H. N. D., Silva, A. C., Araújo, L. M. C. D., & Botti, N. C. L. (2018). Autolesão sem intenção suicida entre adolescentes. Arquivos Brasileiros de Psicologia70(3), 246-258.

Resenhado por Sara Andrade

A autolesão representa qualquer comportamento intencional de agressão direta ao corpo, sem intenção de suicídio, que não é aceita socialmente em meio a sua própria cultura e nem para exibição (Giusti, 2013). Os comportamentos autolesivos mais comuns são cortes superficiais na pele, arranhões, mordidas, queimaduras, bater partes do corpo contra a parede e enfiar objetos pontiagudos no corpo (Cedaro & Nascimento, 2013).
De acordo com a versão atual do Manuel Diagnóstico dos Transtornos Mentais – DSM-V (American Psychiatric Association, 2014), a autolesão aparece como dimensão diagnóstica independente, precisando ainda de pesquisas e revisão dos critérios diagnósticos. Há varias explicações sobre os motivos ou funções de tal comportamento na literatura. Os autores Nock e Prinstein (2004) delimitam que as funções da autolesão são: reforço automático negativo (remover sentimentos ruins, aliviar estresse, tensão etc.); reforço automático positivo (gerar sensação agradável); reforço social positivo (ser aceito num grupo, chamar atenção, etc.); e reforço social negativo (escapar das responsabilidades ou compromissos). Visto a existência de lacuna no conhecimento sobre a autolesão em amostra de adolescentes no Brasil, este estudo objetivou avaliar a frequência de autolesão entre escolares de 10 a 14 anos de idade,  e as características do comportamento autolesivo como, o nível de gravidade da autolesão, as variáveis psicossociais, e as funções/motivos para tal.
A pesquisa teve caráter exploratório, transversal, descritiva com abordagem quantitativa. A amostra foi constituída de 517 adolescentes de 10 a 14 anos, matriculados em quatro escolas estaduais do município de Divinópolis, Minas Gerais. Para a coleta de dados foi aplicada a Escala de Comportamento de Autolesão (ECA) (Functional Assessment of Self-Mutilation). Foram utilizados os critérios adotados pelo Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5) para considerar a frequência da autolesão.
Dentre os 517 adolescentes, 9,48% (49) relataram ter se engajado cinco ou mais vezes em autolesão no último ano. Com relação à gravidade do comportamento, 6,77 (n = 34) vivenciaram de forma leve, 6,40 (= 32) de forma moderada, e 6,59 (n= 33) de forma grave. Além disso, 4,10% (n= 20) dos adolescentes praticaram tal comportamento nos três níveis (leve, moderado e grave).  Os resultados sugeriram que a autolesão teve a função principal de regulação emocional, realizada com a intenção de “aliviar sensações de vazio o indiferença” (15,94%, 15,63%, e 18,18% de respectivamente gravidade leve, moderada, grave) e para “cessar sentimentos ou sensações ruins” (16,36%, 15,63% e 14,49% de respectivamente gravidade leve, moderada e grave).
O estudo contribuiu para reforçar a hipótese de que a autolesão procede das vulnerabilidades intrapessoais e sociais e das dificuldades em regular as emoções. Os adolescentes com comportamento autolesivo experimentam sentimentos e pensamentos negativos ou dificuldades interpessoais e assim sentem a necessidade de se envolver com comportamento de autolesão. Propostas de prevenção devem ser voltadas para o ensino de habilidades alternativas para o enfrentamento positivo e o gerenciamento funcional das emoções. Portanto, deve-se considerar a necessidade de profissionais da área de saúde, dentre eles da Psicologia, que estejam preparados para identificar, avaliar os riscos e promover ações no âmbito da escola, setor de saúde e família.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O Método de Autópsia Psicossocial como Recurso de Investigação acerca do Suicídio


Teixeira, S. M. O. (2018). O Método de Autópsia Psicossocial como Recurso de Investigação acerca do Suicídio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34.

Resenhado por Renata Elly

O suicídio vitima aproximadamente um milhão de pessoas por ano, o que torna este problema uma questão de saúde pública. Por se tratar de um fenômeno multifatorial, suas causas não devem reduzir-se a apenas um acontecimento específico, por isso, deve ser estudado a partir de diversas facetas, tais como a história de vida do sujeito, eventos circunstanciais, familiares e ambientais e questões subjetivas, culturais e socioeconômicas. O presente artigo apresenta o método de autópsias psicossociais, que proporciona, por meio de análise retrospectiva, a identificação de fatores psicossociais que envolveram casos de suicídio. O intuito é que a compreensão desses fatores possibilitem o desenvolvimento de ações preventivas eficazes para novas atuações dos setores da saúde, social e direitos humanos.
O método de autópsia psicológica foi proposto nos Estados Unidos na década de 1950. As autópsias acontecem a partir do depoimento de parentes, amigos ou profissionais que testemunharam um caso de suicídio e acompanharam de perto o sujeito que executou o ato, estimulando o resgate da história de vida do indivíduo, para posterior identificação das motivações e possíveis causas que levaram à morte autoprovocada. Em geral, o método responde aos seguintes questionamentos: a) O que ocorreu?; b) Por que ocorreu?; c) De que maneira aconteceu?
O método adotado pelo seu criador, Edwin Schneidman, aborda uma visão sistêmica e integral do fenômeno, considerando a realidade social e peculiaridades de cada caso. A literatura aponta que a autópsia psicossocial, em casos de suicídio, compreende um completo instrumento de avaliação clínica e pesquisa, porém, no contexto brasileiro, trata-se de um método ainda pouco divulgado, carecendo de novos estudos, uma vez que se configura como uma medida complexa e multidimensional.
As vantagens apresentadas pelos autores sobre o uso desse método é a possibilidade de conhecer fatores de risco e correlatos sociodemográficos do suicídio, além de apresentar diferentes perspectivas sobre a morte e a intenção de morrer. Além disso, usualmente, a efetivação de um suicídio faz com que familiares e amigos tomem para si a responsabilidade por não terem impedido o sofrimento ou mesmo não terem percebido a possibilidade do ato vir a ocorrer, portanto, as entrevistas permitem, além da compreensão do que aconteceu, a elaboração do luto aos informantes, produzindo esclarecimentos sobre um tema que ainda é tratado como tabu na sociedade atual
A autópsia psicossocial possibilita a identificação de demandas emocionais e riscos de suicídios nos próprios informantes, realizando encaminhamentos quando necessários, contribuindo para a prevenção de um suicídio, assim como o enfraquecimento do tabu que perpassa o tema. A experiência do sofrimento psíquico, apesar de singular, é estabelecida dentro de um contexto, sendo assim, não pode ser entendida separada deste. Por fim, esse tipo de investigação requer manejos delicados e uma escuta empática dos entrevistados, por isso, ressalta-se a importância da Psicologia da Saúde na produção desses estudos.


domingo, 22 de setembro de 2019

Crenças desadaptativas como mediadoras da relação entre traços de personalidade e sintomas do Transtorno de Personalidade Borderline / Maladaptive beliefs as mediators of the relationship between personality traits and Borderline Personality Disorder symptoms


Saldanha-Silva, R., Nunes, F. L., Rezende, H. A. D., & Mansur-Alves, M. (2019). Maladaptive beliefs as mediators of the relationship between personality traits and Borderline Personality Disorder symptoms. Estudos de Psicologia (Campinas)36.

Resenhado por Millena Bahiano

O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é marcado por intensa instabilidade emocional, comprometimento da autopercepção e das relações interpessoais, sentimento de vazio, medo de abandono e comportamentos prejudiciais. As pessoas que apresentam este diagnóstico tendem a se expor a comportamentos de risco e tentativas recorrentes de evitar o abandono real ou imaginário. Ademais, os indivíduos com presença de algum tipo de psicopatologia e determinados traços de personalidade podem vir a desenvolver crenças desadaptativas que envolvem inaceitabilidade, vulnerabilidade e sentimento de impotência.
O presente estudo foi realizado na região metropolitana da cidade de Belo Horizonte e contou com a participação de 823 adultos com idades entre 18 e 39 anos (M = 24,09; DP = 4,71). Os instrumentos utilizados na pesquisa foram: questionário sociodemográfico,
Questionário para avaliação dos sintomas do TPB, Entrevista Diagnóstica do Transtorno da Personalidade Borderline - versão revisada (DIB-R), Inventário dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade (IGFP-5) e Questionário de Crenças de Transtorno da Personalidade.
O objetivo foi verificar a relação entre traços de personalidade, crenças não adaptativas e sintomas relacionados ao TPB usando um modelo preditivo baseado na modelagem de equações estruturais. Utilizando esse tipo de análise, os autores buscaram traçar relações de causa-efeito, ainda que por meio de um estudo transversal.
Dentre os principais resultados encontrados, viu-se que o modelo final encontrado apresentou como traços de personalidade, alto neuroticismo e baixa consciência, e os seus efeitos foram mediados por crenças desadaptativas. Isso significou no estudo que, quando o indivíduo é constantemente apresentado a eventos estressores, um alto nível de neuroticismo e um baixo nível de consciência tende a aumentar as chances do paciente de apresentar crenças desadaptativas associadas à falta de afeto, abandono e falha, o que pode incidir também no aumento de chances de desenvolverem sintomas característicos do TPB. As análises de correlação indicaram que neuroticismo, consciência, abertura à experiência e simpatia foram significativamente correlacionados com o número de sintomas do TPB.
 Dado o exposto, compreende-se que estudos que abordem o conhecimento dos traços de personalidade e as suas aplicações clínicas se fazem importantes para psicólogos e profissionais de saúde. Visto que favorece a elaboração de estratégias preventivas, identificação precoce de vulnerabilidades e possibilita elaboração de protocolos de intervenção que possam considerar às diferenças individuais como parte importante da adesão e resposta ao tratamento de pacientes com condições psiquiátricas.

sábado, 21 de setembro de 2019

Mortalidade por suicídio na população brasileira, 1996 – 2015: qual é a tendência predominante?


D’Eça Júnior, A.; Rodrigues, L. S.; Meneses Filho, E. P.; Costa, L. N.; Rêgo, A.  S.; Costa, L. C.; & Batista, R. F. L. (2019). Mortalidade por suicídio na população brasileira, 1996-2015: qual é a tendência predominante? Cadernos Saúde Coletiva27(1), 20-24.
Resenhado por Michelle Leite

            O suicídio é definido como comportamento autolesivo e intencional de matar a si mesmo. No mundo, está entre as 20 maiores causas de morte para todas as idades, com a estimativa de 1 milhão de óbitos. O Brasil está entre os 10 países com os maiores números de casos de suicídio, registrando um aumento de 56,5% nas taxas de mortalidade por essa causa. O objetivo do artigo foi o de analisar a tendência da mortalidade por suicídio nas regiões brasileiras no período de 1996 a 2015 e a associação com o sexo.
            O estudo foi realizado a partir de todos os registros de óbitos por suicídio no Brasil analisados por regiões entre 1996 e 2015. A declaração de óbito contida na base de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade foi utilizada como instrumento de coleta. Foi considerado suicídio todos os óbitos autoprovocados e foram analisados por região do Brasil, sexo e faixa etária. Para as análises de dados, utilizou-se o teste de qui-quadrado e o modelo de regressão de Prais-Winsten processados através do programa Tabwin e analisados no programa STATA. 
            No Brasil, 172.051 óbitos por suicídio foram registrados entre 1996 a 2015. O menor número de casos aconteceu na região Norte (1.714) no período de quatro anos (1996 a 2000) e o maior na região Sudeste (20.467), em igual intervalo de tempo (2011 a 2015). O aumento progressivo de suicídios consumados foi observado em todas as regiões do país, sendo a região Norte e a região Sul as que tiveram maior e menor oscilação, respectivamente. Os resultados apontaram uma tendência crescente de suicídio nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, decrescente na região Sul e estável na região Centro-Oeste. Além disso, o sexo masculino e a faixa etária entre 20 e 29 anos tiveram predomínio significativo dentre os óbitos. 
            Tendências cada vez mais decrescentes na região Sul podem ser reflexo do programa de prevenção ao suicídio (PPS) criado no ano de 2009. O PPS possibilitou o fortalecimento da atenção básica, a reorganização da rede intersetorial de atendimento e o estabelecimento de uma linha de cuidados, além da capacitação profissional na identificação dos riscos. Outrossim, variáveis como o apoio político-institucional, controle social, educação permanente, ações de sensibilização, melhoria no preenchimento das declarações de óbito e notificação compulsória das tentativas também propiciaram uma redução das taxas de suicídio na região.
            Em estudo realizado no período de 1980-2006, observou-se que as capitais com maior crescimento das taxas de suicídio foram Goiânia, Aracaju e Macapá. Pesquisas como essas são fundamentais para a visualização do suicídio como um importante problema de saúde pública no Brasil. Por fim, conhecer as tendências predominantes ajudam no desenvolvimento de programas de prevenção tanto para a população geral quanto para os grupos de risco específicos aqui evidenciados, bem como ajudam no direcionamento do trabalho dos profissionais envolvidos, possibilitando a diminuição das estatísticas apresentadas.


sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Psicologia da saúde: Visão Geral e Questões Profissionais/ Health Psychology: Overview and Professional Issues


Nezu, Arthur M.; Nezu, Christine Maguth; Geller, Pamela A.; Weiner, Irving B. (2003). Handbook of Psychology. Hoboken, New Jersey: John Wiley & Sons, Inc.
Resenhado por Giulia Oliveira

            O crescente reconhecimento da psicologia da saúde está ancorado nas descobertas, cada vez mais evidentes, sobre a capacidade que alguns comportamentos possuem de reduzir a morbidade e a mortalidade. Dessa forma seus impactos na saúde e nos estados de doença ganharam destaque no meio científico, fazendo com que a psicologia da saúde passasse de um mero campo de pesquisa a um dos dispositivos do serviço de saúde.
            A definição de psicologia da saúde mais amplamente aceita tem sido a proposta por Matarazzo (1982), que identifica a área como o conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais da psicologia que visa promover e manter a saúde, através da prevenção e tratamento da doença. Embora seja a mais adotada, essa conceituação ainda é alvo de críticos que a classificam como sendo demasiada genérica e explicitam a necessidade de ser delimitada e aprimorada, levando em conta inclusive os determinantes sociais e econômicos para a expressão de bem-estar no indivíduo e seu grupo. Apesar dessas divergências conceituais, o objetivo central da psicologia da saúde é uma constante entre seus profissionais: promover, melhorar e manter a saúde através de intervenções que permitam a aplicação de conhecimentos psicológicos, diminuindo comportamentos de risco e promovendo comportamentos saudáveis. Para tanto, a profissão deve manter uma interdisciplinaridade com outros profissionais da saúde e receber um treinamento adequado.
            A formação em psicologia da saúde consiste no ensino de habilidades práticas na assistência da saúde, bem como habilidades de pesquisa e avaliação, as quais permitem aos profissionais lidar com os desafios recorrentes e atender às demandas que surgem. O objetivo é sempre complementar o conhecimento de psicologia ao unir teoria e prática, possibilitando, por fim, a autonomia do psicólogo da saúde. No entanto, as estruturas curriculares e as habilidades nelas desenvolvidas variam de acordo com as políticas da região ou país, a exemplo dos diferentes treinamentos introduzidos por Estados Unidos, Europa e Reino Unido. Em face disso, surgem duas abordagens diferentes, mas complementares, uma baseada no modelo biopsicossocial, que atua no sistema de saúde e comporta os profissionais do domínio clínico e outra baseada no modelo socioeconômico, que visa à ação e à pesquisa na comunidade.
            Finalmente, a psicologia da saúde é marcada por um intenso debate acerca da sua preparação para assumir status de profissão, o que gera muitas implicações éticas e políticas que, se não resolvidas, podem acabar prejudicando os indivíduos, ao invés de ajudar. Antes de mais nada, é evidente que os serviços psicológicos de saúde devem ser expandidos e se tornarem mais acessíveis, a partir de análises de custo-eficácia e da alocação de recursos priorizando os grupos mais vulneráveis, para que possam cumprir seu dever de promover integração social.



terça-feira, 17 de setembro de 2019

No health without mental health


Martin Prince, V. P. (2007). No health without mental health. Lancet, 859–877 .
                                  
                                               Resenhado por Giulia Oliveira

            Cerca de 14% das doenças têm sido atribuídas à transtornos neuropsiquiátricos, o que torna evidente a importância da saúde mental para as demais condições de saúde, formando uma íntima ligação com a saúde física, de forma que uma não pode existir sem a outra. Não existe saúde geral sem saúde mental, pois os transtornos psicológicos contribuem para diversos quadros de doença numa escala global, bem como representam um quarto dos anos vividos com incapacidade. Assim, suas colaborações para o estado de saúde devem ser avaliadas juntamente com os demais fatores que influenciam esse resultado, de maneira que deve sempre ser ressaltada a interdependência contínua entre a saúde mental e a saúde de forma geral.
            Entretanto, a percepção da saúde mental como sendo um domínio independente das demais condições de saúde tem levado a um afastamento dela com relação à saúde pública, o que faz com que o serviço de saúde não possua aparato suficiente para tratamento adequado dos transtornos mentais. Assim, a saúde mental permanece não sendo uma prioridade, principalmente em países com baixa e média renda, uma vez que é considerada um custo adicional e insustentável. Torna-se necessário avaliar como os transtornos mentais contribuem para as taxas de mortalidade e incapacidade, rever as evidências da interação entre saúde física e mental e discutir as implicações que trazem para as políticas públicas e serviços de saúde.
           Os transtornos mentais são uma das principais causas de incapacidade e dependência, podendo predizer tanto a inaptidão física quanto a social, além de representarem um enorme fator de risco para todas as causas de mortalidade, principalmente em pessoas com depressão e esquizofrenia. Síndromes e sintomas medicamente inexplicáveis como dor, fadiga e tontura também estão fortemente associados a condições neuropsiquiátricas, assim como doenças não transmissíveis, à exemplo de diabetes e doenças cardíacas. Além disso, desordens psiquiátricas podem significar maior risco de contração de doenças transmissíveis como AIDS e tuberculose.
        Fatores socioeconômicos são determinantes para a saúde mental, de maneira que mulheres representam um grupo de maior risco nesse quesito, possivelmente por conta da desigualdade social entre os gêneros. Assim, estados neuropsicológicos podem estar associados a efeitos na saúde reprodutiva, de forma que transtornos mentais podem causar morbidade ginecológica, e vice-versa. Consequentemente, mães que sofrem com psicopatologias podem ter bebês prematuros ou abaixo do peso esperado, assim como existe o maior risco de mortalidade infantil para crianças cujas mães se encontram sob essas condições. A relação entre mãe e filho também pode ser severamente afetada e o desenvolvimento psicológico e físico da criança pode ser comprometido.
            Problemas de saúde mental são tanto causa como consequência de lesões acidentais e intencionais, de forma que qualquer esforço para controle e prevenção deve levar em conta questões psicológicas. Da mesma maneira, comportamentos violentos e lesões compõem um importante fator de risco para a desordem mental, como por exemplo o desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático como uma consequência de lesão não intencional ou a depressão maternal como potencializadora do risco de lesão infantil, que pode resultar em transtornos psiquiátricos e comportamento suicida.
            Transtornos neuropsicológicos também podem atrasar a o diagnóstico, diminuir a procura por ajuda profissional e dificultar a aderência ao tratamento, o que pode levar ao agravamento das condições gerais de saúde, bem como acelerar a progressão de determinados estados de doença. Ademais, a desvalorização da saúde mental constitui um obstáculo para o alcance de importantes metas de desenvolvimento, como igualdade de gênero, melhoria da saúde maternal, redução da mortalidade infantil e diminuição da disseminação de doenças perigosas. Portanto, é primordial incluir a saúde mental no atual quadro social e das políticas de saúde, trabalhando para diminuir as ineficiências do sistema, de forma que intervenções dessa dimensão sejam integradas às práticas de cuidados primário e secundário. Tratamentos básicos e profissionais treinados devem ser disponibilizados em todos os níveis do sistema de saúde para proporcionar um acompanhamento diário e diminuir as desigualdades no acesso de pessoas com transtornos neuropsiquiátricos a cuidados de qualidade.
            Para que esses objetivos sejam alcançados é preciso aumentar as evidências da interação entre saúde mental e as demais condições de saúde. Conjuntamente, investigar mais à fundo os mecanismos subjacentes à essa interação, para que então medidas interventivas efetivas sejam desenvolvidas e adotadas. Nesse sentido, as intervenções psicológicas têm se mostrado de grande valor e apresentam resultados satisfatórios, o que destaca a importância do campo da psicologia para o estreitamento das relações entre saúde física e mental, em especial a psicologia da saúde, a qual pode atuar no desenvolvimento de modalidades de cuidado mais eficazes e ampliar os conhecimentos já existentes no campo científico.


Setembro Amarelo e Suicídio: Uma campanha pela valorização da vida


Por Maísa Carvalho

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde (2017), cerca de 11 mil pessoas se suicidam todos os anos. O fenômeno é considerado como a quarta causa de morte em jovens com faixa etária de 15-29 anos e, quanto ao sexo, é a terceira maior causa em homens e a oitava em mulheres. Em virtude da dimensão epidemiológica envolvendo o suicídio, em 2015 foi criada a campanha “Setembro Amarelo”, idealizada em conjunto pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). O mês inteiro é voltado à conscientização e prevenção do tema, com uma gama de ações educativas propostas principalmente por profissionais de saúde, com o intuito de abranger a população em geral.

Fatores de Risco e de Proteção
O suicídio é um fenômeno de caráter multicausal, ou seja, ocorre em razão de uma série de fatores. Alguns dos elementos de risco mais comuns estão relacionados ao sexo (masculino: maior índice de consumação; feminino: mais tentativas), idade (jovens: mais tentativas; idosos: suicídio), histórico familiar de comportamentos suicidas, presença de transtornos mentais, dependência de álcool e outras substâncias, ideação ou tentativas anteriores de suicídio, isolamento social, histórico de abuso sexual, físico ou emocional na infância e também a ocorrência de alguns eventos importantes, tais como perda de emprego, ruptura de relações amorosas e problemas familiares. É importante ressaltar que a junção desses fatores potencializa ainda mais as chances de o indivíduo tentar suicídio.
A presença de alguns fatores contextuais, tais como coesão familiar, suporte social e condições econômicas favoráveis são considerados protetivos ao comportamento suicida. Aspectos individuais como religiosidade, autoeficácia, boa capacidade para resolução de problemas, resiliência e a presença de algumas habilidades sociais também são importantes para a prevenção.

Como identificar e como auxiliar?
Muitos mitos sobre o suicídio que são compartilhados pela população estão relacionados, sobretudo, à natureza majoritariamente privada do evento. Ou seja, muitas pessoas acreditam que quem deseja se matar não expressa ou não avisa previamente. Embora possa acontecer, é importante estar atento aos sinais de risco, sejam eles explícitos ou não. Além dos fatores de risco clássicos já mencionados, frases de alerta como “eu preferia estar morto (a)”, “eu não aguento mais”, “não quero mais viver”, “sou um peso para os outros” e “todos viverão bem sem mim” costumam ser elementos precoces e importantes para intervir no problema, tratando-o ou prevenindo-o.
Caso você conheça alguém que expresse sinais de risco ou verbalize que pensa em se matar, ouça atentamente e sem julgamentos, orientando a pessoa a buscar ajuda profissional, preferencialmente com psicólogo e psiquiatra, além de apoiar o tratamento. Esses serviços podem ser encontrados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) locais. Caso seja preciso uma ajuda emergencial, busque ajuda nas UPAs 24h, SAMU (192), hospitais e pronto-socorro. Ademais, o Centro de Valorização da Vida (CVV), através do número 188, é uma ferramenta que promove apoio emocional e prevenção ao suicídio mediante a escuta de voluntários qualificados.  

Fontes
Ministério da Saúde. (2017). Perfil epidemiológico das tentativas e óbitos por suicídio no Brasil e a rede de atenção à saúde. Disponível em http://portalms.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf
World Health Organization (2014). Preventing suicide: A global imperative. Suiça: Autor.




segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Transtorno da Personalidade Evitativa: Uma Revisão Atual / Avoidant Personality Disorder: A Current Review


Weinbrecht, A., Schulze, L., Boettcher, J., & Renneberg, B. (2016). Avoidant personality disorder: A Current Review. Current Psychiatry Reports, 18(3), 29. DOI 10.1007/s11920-016-0665-6


Resenhado por Luanna Silva

O transtorno da personalidade evitativa é caracterizado por um padrão de inibição social, sentimento de inadequação e acentuada sensibilidade à avaliação negativa. Indivíduos que apresentam esse diagnóstico preocupam-se intensamente com críticas e rejeição, mostram-se reservados em relacionamentos íntimos, se percebem como indesejados e evitam interações sociais. Em decorrência dos sintomas vivenciados, prejuízos sociais, físicos e mentais afetam o funcionamento social das pessoas que sofrem com esse transtorno. Quando comparado a outros transtornos da personalidade, o transtorno da personalidade evitativa apresenta os maiores níveis de comprometimento do funcionamento diário. Estudos indicam que pacientes com esse diagnóstico tendem a apresentar doenças somáticas, baixa autoestima, menor nível de escolaridade e menor renda. Fatores genéticos e ambientais estão envolvidos no desenvolvimento do transtorno da personalidade evitativa. Além disso, estudos sugerem como fatores de risco a vivência de experiências negativas na infância e transtornos de ansiedade na infância ou adolescência.
O transtorno de ansiedade social (TAS) é o diagnóstico comórbido mais comum do transtorno da personalidade evitativa. Há dois modos distintos de abordar esses transtornos e entender suas delimitações. Muitos estudos apoiam a hipótese de que os dois distúrbios são consequência de graus variados de ansiedade social. Ou seja, ambos os transtornos expressam representações clínicas de ansiedade social, contudo, pacientes diagnosticados com transtorno da personalidade evitativa apresentam sintomas e prejuízos funcionais mais severos do que aqueles com TAS. Observando as diferenças qualitativas entre os transtornos, evidências indicam que o sentimento de inferioridade e passividade são específicos do transtorno da personalidade evitativa.
Não existem muitos estudos de tratamento focados exclusivamente em pacientes com transtorno da personalidade evitativa. Entretanto, as pesquisas realizadas demonstram que os pacientes respondem bem a Terapia Cognitivo-Comportamental. Intervenções como exposição, dessensibilização sistemática, ensaio comportamental, dramatizações e treinamento de habilidades sociais fazem parte do processo terapêutico. As técnicas cognitivas incluem a identificação de crenças centrais disfuncionais e o desenvolvimento de crenças mais adaptativas. Ademais, a Terapia de Esquemas tem mostrado potencial promissor para o tratamento do transtorno da personalidade evitativa. Essa abordagem integra técnicas de Terapia Cognitivo-Comportamental, Psicodinâmica e da Gestalt.
Por fim, destaca-se que o transtorno da personalidade evitativa é um diagnóstico prevalente e que provoca sérias implicações na vida daqueles que apresentam esse quadro patológico. Apesar disso, esse é um distúrbio negligenciado na pesquisa clínica sobre transtornos da personalidade. Mais estudos sobre sintomas e tratamentos específicos para esse transtorno são necessárias, de modo que a Psicologia da Saúde pode contribuir para preencher essa lacuna.

domingo, 15 de setembro de 2019

Transtorno dissociativo de identidade

Postado por por Luana C. Silva-Santos

O transtorno dissociativo de identidade, antes conhecido como distúrbio de personalidade múltipla ou transtorno de múltiplas personalidades, é marcado pela presença de duas ou mais identidades distintas que continuamente têm poder sobre o comportamento da pessoa, possuindo características próprias (raça, sexo, idade, mania, gestos, etc.). Trata-se de um transtorno no qual o aspecto dissociativo é visto como um mecanismo de enfrentamento,a pessoa dissocia-se de uma situação ou experiência traumática a partir da produção de uma falta de conexão com pensamentos, memórias, sentimentos, ações ou senso de identidade. Seu diagnóstico ainda é controverso. Muitos especialistas acreditam que é um fenômeno resultante de outros problemas, como o transtorno de personalidade borderline. Não há um tratamento específico para este transtorno, mas tanto a psicofarmacologia, como a psicoterapia, ajudam a lidar com comorbidades associadas ao quadro, como depressão ou vício em substâncias psicoativas.


sábado, 14 de setembro de 2019

Possibilidades analítico-comportamentais para análise e investigação dos Transtornos de Personalidade


Calixto, F., & Banaco, R. A. (2019). Possibilidades analítico-comportamentais para a análise e investigação dos Transtornos de Personalidade. Perspectivas em Análise do Comportamento, 10(1), p. 027-041. doi: 0-18761/PAC.TAC.2019.010

Resenhado por Lizandra Soares

O estudo das características individuais e de como essas modulam o comportamento do homem sempre foi uma área de interesse de diversas vertentes da psicologia. A pesquisa a respeito do que torna cada ser humano único, assim como o conjunto de características responsável por sua subjetividade é concebido como personalidade. Na psicologia, a personalidade é compreendida como uma entidade imaterial responsável pela individualidade expressa através do comportamento manifesto. Na perspectiva comportamental, por sua vez, entende-se a personalidade como o próprio “comportar-se” fruto das contingências históricas e vigentes. Personalidade saudável seria, então, entendida como um conjunto de caraterísticas comportamentais ajustados a realidade. Enquanto que a personalidade adoecida estaria relacionada a questões comportamentais patológicas e desviantes do comum. Neste sentido, o DSM descreve 10 transtornos de personalidade agrupados em três conjuntos que compartilham sintomas comuns.
No grupo A estão as personalidades paranoide, esquizoide e esquizotípica, caracterizadas por isolamento, inexpressividade e desconfiança. O grupo B inclui boderline, histriônico, antissocial e narcisista, conhecidos pelo seu comportamento impulsivo, dramático e imprevisível. Por fim, o grupo C é composto pela personalidade esquiva, a dependente e a obsessivo-compulsiva que compartilham o perfil medroso, ansioso, dependente, fóbico e submisso. Esses transtornos possuem em comum três características: 1) padrão comportamental destoando socialmente; 2) início precoce; e 3) se mostram estáveis ao longo da vida. O objetivo da presente pesquisa foi expor as possibilidades de avaliação e investigação dos Transtornos de Personalidade na perspectiva analítico-comportamental com base em um modelo complementar ao do DSM na avaliação e definição de intervenções.
A perspectiva analítico-comportamental da personalidade e seus transtornos aponta que as características de personalidade são fruto das interações do indivíduo com o ambiente. Assim, diferentes ambientes selecionam padrões de comportamento diferentes, o que sugere que é importante levar em consideração a cultura e as contingências históricas para diagnosticar um transtorno de personalidade. No tratamento de transtornos de personalidade é necessária a realização de analise funcional do comportamento afim de compreender a que classe ele pertence e entender quais as contingências que os mantém.
A percepção da análise do comportamento a respeito dos transtornos de personalidade é importante para a psicologia da saúde, uma vez que ela oferece formas de intervenções para o tratamento psicoterapêutico de pessoas com tais diagnósticos. Além disso, a perspectiva de umas das visões de homem da psicologia pode contribuir para a compreensão da complexidade do homem e possibilitar melhoras de sintomas e mais eficácia no tratamento. Como limitações do estudo, tratou-se de um estudo teórico não sistematizado. Neste sentido, seria interessante a construção de um estudo com objetivo semelhante, porém em uma estrutura de revisão sistemática ou integrativa, o que proporcionaria uma visão mais técnica e possível de generalização do assunto.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Avaliação da criatividade a partir do nível de inteligência de crianças


Nakano, T.C., & Brito, M.E. (2013). Avaliação da criatividade a partir do controle do nível de inteligência em uma amostra de crianças. Temas em Psicologia, 21(1), 1-15. doi: 10.9788/TP2013.1-01

Resenhado por Laís Santos

A criatividade pode ser compreendida a partir de pelo menos três vertentes. A primeira pressupõe a relação direta entre esse construto e a inteligência. A segunda expõe a criatividade e a inteligência como construtos independentes e diferentes, considerando que uma pessoa pode ter elevada inteligência e baixos níveis de criatividade, por exemplo. A terceira vertente defende que a relação entre inteligência e criatividade, embora não linear, é passível de acontecer mediante determinado nível de inteligência. Nesse ínterim, constata-se a baixa quantidade de estudos que investigaram a associação entre inteligência e criatividade entre crianças, visto que as pesquisas disponíveis tendem a se concentrar entre os jovens adultos. Com isso, o presente estudo buscou avaliar a criatividade por meio do controle dos níveis de inteligência em um grupo de crianças, analisando o impacto das variáveis sexo e nível de inteligência em referência aos níveis de criatividade de crianças.
Para tanto, a amostra foi composta por 135 crianças, de ambos os sexos, com média etária de 10,3 anos (DP = 1,05). Os instrumentos usados foram Bateria de Provas de Raciocínio Infantil e o Teste de Criatividade Figural Infantil. O nível de inteligência das crianças foi estratificado em três grupos (alta, média e baixa inteligência). Observou-se baixa correlação (r = 0,22) entre inteligência e criatividade entre as crianças entrevistadas. Além disso, verificou-se que em geral os participantes do sexo feminino obtiveram melhor desempenho nas provas de raciocínio verbal, prático assim como nos fatores 1 e 4 de criatividade. Os meninos tiveram melhor desempenho nas provas de raciocínio numérico. Já entre as provas de raciocínio abstrato e fatores 2 e 3 da criatividade, ambos os sexos obtiveram desempenho semelhante. Quando a variável inteligência foi controlada, em geral, os meninos se destacaram nas provas de raciocínio numérico e as meninas na criatividade, exceto o grupo de inteligência média. Estratificando os níveis de inteligência a partir do percentil (abaixo da média – percentil 1 e 33; na média – percentil 43 e 57, e acima da média de inteligência – percentil 67 e 99). A partir dessa análise por grupos, constatou-se que a variável sexo não exerceu impacto significativo nos níveis de criatividade entre as crianças entrevistadas, já o grupo com inteligência acima da média apresentou melhor desempenho no Fator 1 de criatividade (enriquecimento de ideias).
Por fim, o estudo em questão abordou uma lacuna presente na literatura, a escassez de estudos sobre a identificação da criatividade e inteligência na infância e adolescência. Ao se levar em consideração aspectos da Psicologia Positiva e necessidade de ações de prevenção primária voltadas para a infância e adolescência, a criatividade pode ser estimulada a fim de produzir melhores resultados em saúde e adaptação às adversidades. Ressaltasse, portanto, a importância do estudo da criatividade e variáveis relacionadas, uma vez que esse construto pode atuar como uma ferramenta para tomada de decisões e melhores níveis de saúde física e mental.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Câncer e suicídio em idosos: Determinantes psicossociais do risco, psicopatologia e oportunidades para prevenção


Santos, M. A. D. (2017). Câncer e suicídio em idosos: Determinantes psicossociais do risco, psicopatologia e oportunidades para prevenção. Ciência & Saúde Coletiva22, 3061-3075.

Resenhado por Joelma Araújo

O suicídio é um sério problema de saúde pública. Segundo a OMS, na medida em que há aumento de pessoas nessa faixa etária idosa, as mortes autoprovocadas crescem no mesmo ritmo, o que coloca o suicídio como um problema mundial, já que há aumento de idosos tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Atrelado a isso, outro fator preocupante é a incidência de câncer, que está diretamente associada ao avanço da idade e a limitações físicas e funcionais decorrentes da doença. Estes são fatores associados ao comportamento suicida nessa faixa etária. 
 O estudo teve por objetivo investigar na literatura os fatores de risco associados ao suicídio em pacientes idosos com câncer, examinando os determinantes psicossociais de risco e a psicopatologia. Para isso, realizou-se uma revisão integrativa da literatura publicada nos últimos anos, na qual foram consultadas as seguintes bases indexadas: PubMed, CINAHL, PsycINFO, Lilacs e SciELO. Foram selecionados 20 artigos, publicados entre 2000 e 2015. Não foram encontrados estudos em países latino-americanos, incluindo o Brasil.
Os resultados do estudo sugerem que o risco de suicídio em idosos foi maior entre os pacientes com câncer do que entre aqueles que apresentavam outras condições médicas. O que enfatiza o grau de acometimento psicológico relacionado ao diagnóstico do câncer, que pode estar relacionado à percepção de sentença de morte. 
Os tumores localizados no pulmão e brônquios, estômago, cabeça e pescoço, incluindo cavidade oral, faringe e laringe, são os responsáveis por maiores taxas de suicídio, o que pode ser por conta do impacto causado, como o de cabeça e pescoço que interfere na aparência física e capacidade de realizar funções básicas como alimentar-se e falar. Também há um aumento do risco de suicídio quando o diagnóstico é feito tardiamente, em uma fase já avançada da doença, em que o sujeito já tem que lidar com os efeitos devastadores da doença. 
Além disso, estudos indicam que homens são mais suscetíveis a cometerem suicídio após um diagnóstico de câncer, e que a falta de suporte social também contribuem para o aumento da taxa de suicídio entre esses pacientes. Sendo que, depressão e a desesperança são os mais fortes preditores do desejo de acelerar a morte nessa população.  
Desta forma, percebeu-se que as repercussões psicológicas do acometimento de câncer em idosos, se não tratadas adequadamente podem levar a uma antecipação da finitude. O efeito devastador do adoecimento, o tipo de câncer e a fase em que o tumor se encontra pode levar o sujeito a não suportar tamanho sofrimento. Sendo que o suporte social aparece no estudo como um dos fatores importantes na prevenção ao suicídio. O que sugere que as intervenções psicológicas para aliviar os sintomas depressivos e prevenir autoextermínio em pacientes com câncer devem considerar algumas características demográficas, como sexo e idade, e reforçar com a família e amigos a importância do apoio prestado. 
Dada a importância do tema, novas pesquisas na área da psicologia da saúde, principalmente no Brasil, como sugerem os autores, devem ser realizadas. Assim como, a temática reforça a importância do acompanhamento psicológico aos pacientes oncológicos desde a investigação diagnóstica se estendendo a todo o processo de tratamento.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Transtornos da personalidade


Mazer, K.A., Macedo, B.B. D., & Jurena, M.F. (2017). Transtornos da personalidade. Revista de Medicina, 50(supl.1), 85-87. doi: 10.3389/fpsyg.2017.02274

Resenhado por  Iracema R. O. Freitas

O transtorno de personalidade (TP) se caracteriza como padrão de comportamento divergente das expectativas da cultura do indivíduo. Pessoas com TP costumam ter um repertório limitado de emoções, atitudes e comportamentos para enfrentar problemas e estresse da vida cotidiana. Os principais critérios para diagnóstico em TP abrangem cognição, afetividade, funcionamento interpessoal, controle de impulsos e as respostas desadaptativas que levam ao sofrimento para si e aos outros.  Estima-se que 9 a 15% dos adultos apresentem algum tipo de transtorno de personalidade. Dados internacionais apontam maior existência de TP nas áreas urbanas e entre indivíduos em contato constante com os serviços de saúde
O artigo realizou uma revisão descritiva para apresentar o TP e informações referentes ao diagnóstico, as comorbidades, ao curso e ao tratamento dos transtornos com ênfase no transtorno de personalidade Borderline. Os transtornos de personalidade (TP) são classificados em três grupos: A (Paranóide, Esquizóide, Esquizotípica), B (Narcisista, Histriônica, Borderline, Antissocial), C (Obssessivo-compulsiva, Dependente, Evitativa). Os resultados da revisão apontaram que o diagnóstico foi dificultado pela condição dos sintomas que são considerados pelo indivíduo como “seu jeito de ser”, pelas comorbidades prevalentes que podem ocultar o transtorno e pelo  uso de substâncias psicoativas. Os demais transtornos mentais (por ex., depressão e ansiedade), associados ao TP, tenderam a se agravar e cronificar, além de aumentar a chance de suicídios, que é a maior causa de morte de pacientes com TP. Quanto ao curso do TP, destacou-se que o surgimento é precoce quando ocorre na infância ou adolescência, entre os idosos há menor prevalência  do que entre os jovens. O tratamento considerado de primeira linha para TP foi a psicoterapia, embora o uso de tratamentos farmacológicos também seja recomendado para o controle de sintomas nucleares e no tratamento de comorbidades.
O transtorno de personalidade borderline tem apresentado maior demanda para tratamento, facilitando a análise das intervenções terapêuticas.  O acompanhamento deve ser multiprofissional, com uso de fármacos estabilizadores de humor e antipsicóticos, os recursos terapêuticos são a terapia comportamental, psicoeducação, terapia de grupo, terapia familiar e outros.
Diante do levantamento realizado, os pacientes com TP necessitam de tratamento que concilie a intervenção terapêutica e medicamentosa. Enquanto o medicamento atua nos sintomas físicos, a terapia realiza o trabalho no campo cognitivo promovendo a capacidade de reorganização psíquica. Para a psicologia da saúde, o estudo dos TP permite que o diagnóstico e tratamento sejam mais precisos, uma vez que boa parte dos pacientes que procuram o serviço de saúde pode apresentar comorbidades como doenças principais, deixando em segundo plano o TP como doença secundária e sem o devido tratamento.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Teoria da Ação Planejada e intenções dos pedestres de violar as regras de trânsito/Theory of planned behavior and pedestrians intentions to violate traffic regulations


Dıaz, E. M. (2002). Theory of planned behavior and pedestrians intentions to violate traffic regulations. Transportation Research Part F: Traffic Psychology and Behaviour, 5(3), 169-175.

Resenhado por Geovanna Turri

Os acidentes de trânsito são motivo de crescente preocupação nos países em desenvolvimento com altos níveis de crescimento econômico e consequente crescimento da motorização, principalmente acidentes que envolvem pedestres. Os acidentes envolvendo pedestres são o segundo tipo de acidente mais frequente após colisões entre veículos e esse tipo de acidente contribui com o maior número de mortes. Nesse contexto, cabe pesquisar as atitudes em relação a violações e as causas atribuídas por motoristas e pedestres a acidentes de trânsito. A Teoria da Ação Planejada (TAP) pode auxiliar nesse entendimento, visto buscar entender, explicar e prever o comportamento humano. Diante disso, Diaz (2002) buscou usar a TAP para entender as atitudes dos pedestres em relação a violações de tráfego e autoavaliações de violações, erros e lapsos.
Foram entrevistados 146 pedestres, de forma a mensurar as atitudes, normas subjetivas, percepção de controle e intenção comportamental em relação à travessia da estrada no meio do quarteirão. Essa parte do instrumento foi composta por 16 itens do tipo Likert de cinco pontos. O autor também usou uma medida de autorrelato acerca do comportamento dos pedestres contendo 17 itens do tipo Likert de seis pontos em relação a violações de pedestres (11 itens), erros (4 itens) e lapsos (2 itens). Ambas as escalas apresentaram boa confiabilidade. A avaliação do modelo da ação planejada mostrou um ajuste significativo. Violações, erros e lapsos se mostraram relacionados à intenção de violar regulamentos, o que por sua vez apresentou uma relação causal com atitudes positivas, norma subjetiva e controle comportamental percebido.
Os resultados revelaram que as pessoas jovens apresentaram uma atitude mais positiva em relação a cometer violações como pedestres, além de perceberem a norma subjetiva como menos inibitória, terem menos controle sobre violações, uma intenção mais positiva para cometer violações e relatarem mais violações, erros e lapsos do que os adultos mais velhos. Viu-se ainda que homens relataram violações das regras de trânsito mais frequentemente do que as mulheres.
O autor concluiu que os pedestres em particular homens jovens, são pelo menos em parte responsáveis ​​pelas altas taxas de acidentes e sugere que ações corretivas sejam aplicadas com base nesses dados. Enfim, o texto mostra que o modelo da TAP parece ser adequado para entender e prever as intenções comportamentais dos pedestres, uma vez que seu ajuste é significativo. As correlações entre violações, erros e lapsos indicam que a travessia do pedestre pode ser entendida como comportamento de risco, ao passo que o indivíduo se coloca em risco ao cometer uma ação irresponsável.
O presente trabalho revela sua importância para a Psicologia da Saúde ao mostrar a relevância de ações que visem controlar comportamentos de risco de pedestres que podem levar à morte. As campanhas de prevenção de acidentes e educação no trânsito devem ampliar a percepção de que o pedestre é sempre uma "vítima" de motoristas irresponsáveis e direcionar campanhas para o cumprimento dos regulamentos de pedestres, tornando-os mais ativos em relação a seu comportamento no transito.