Páginas

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Confiança dos pais no gerenciamento da alergia alimentar: Desenvolvimento e validação da Escala de Autoeficácia de Alergia Alimentar para os Pais (FASE-P)


Parental confidence in managing food allergy: Development and validation of the Food Allergy Self‐efficacy Scale for Parents (FASE‐P)

Knibb, R. C., Barnes, C., & Stalker, C. (2015). Parental confidence in managing food allergy: Development and validation of the food allergy self‐efficacy scale for parents (FASE‐P). Clinical & Experimental Allergy45(11), 1681-1689. Doi: 10.1111/cea.12599

Resenhado por Daiane Nunes

A alergia alimentar é uma condição de saúde que afeta de 5 a 10% das crianças em todo o mundo. O principal foco de tratamento consiste na evitação da proteína que provoca a reação alérgica ou a administração de anti-histamínico em casos de ingestão acidental. O gerenciamento dessa condição tem sido relatado como um ônus significativo para a família, produzindo impactos na qualidade de vida, nas atividades diárias e eventos sociais e no bem-estar emocional familiar. A crença dos pais em sua capacidade de gerenciar a alergia do filho incide nos níveis de estresse e ansiedade vivenciados e auxilia no processo de ajustamento psicológico diante dessa condição. Assim, o objetivo do presente estudo foi desenvolver e validar a primeira escala de autoeficácia específica de alergia alimentar para medir a confiança dos pais no gerenciamento da alergia alimentar de seus filhos [Food Allergy Self‐efficacy Scale for Parents (FASE‐P)].
Para o desenvolvimento da escala foram realizadas entrevistas com os pais de crianças com diagnóstico clínico atual de alergia alimentar. A amostra foi constituída em sua maioria por mães [n = 46 (86,8%)], com idade média de 42,7 anos (faixa de 32 a 59 anos). As crianças tinham idade média de 9,9 anos e eram alérgicas ao amendoim (60%), nozes (54,5%), ovo (12,7%), leite (12,7%), frutas e legumes (10,9%). Entre outros aspectos, os pais foram questionados sobre como lidavam com a alergia alimentar de seus filhos; o que consideravam fácil ou difícil; o que sabiam sobre alergia alimentar; o que fizeram para evitar uma reação alérgica; e como a alergia alimentar teve um impacto em suas vidas. Os 22 itens da escala foram desenvolvidos através de análise de conteúdo das entrevistas, revisão da literatura sobre o tema e aconselhamento de profissionais da saúde especializados em alergias alimentares (pediatras e psicólogos). Para avaliar a confiabilidade e validade de medida, a escala foi aplicada em 434 pais que atenderam aos critérios de inclusão da pesquisa (ter ao menos um filho com diagnóstico de alergia alimentar).
Foram identificados cinco fatores (precaução e prevenção, tratamento alérgico, identificação de alergênicos alimentares, busca de informações e gerenciamento de atividades sociais) e todos os itens apresentaram cargas fatoriais acima de 0,40. A FASE-P apresentou boa consistência interna com α de Cronbach de 0,88 na escala como um todo, o menor α foi visto no fator “Identificação de Alergênicos Alimentares” (α = 0,63) e o maior no fator “Gerenciamento das Atividades Sociais” (α = 0,89). Outros resultados demonstraram que os pais de crianças com alergia à proteína do leite de vaca (APLV) tiveram menores níveis de autoeficácia (n  = 114, M = 73,38, DP = 12,16), comparativamente aos pais de crianças sem APLV [n  = 304, M = 77,08, DP = 10,91; t (416) = -2,99, p  = 0,003]. Da mesma forma, pais de crianças alérgicas ao ovo apresentaram níveis mais rebaixados de autoeficácia (n  = 155, M = 73,09, DP = 12,40) do que aqueles que não tinham [n  = 263, M = 77,83, DP = 10,35; t (416) = −0,4,20, p < 0,001].
Por fim, conclui-se que a FASE‐P é uma medida válida e confiável para avaliar a autoeficácia de pais no gerenciamento das demandas inerentes à alergia alimentar de seus filhos. Sua aplicação em ambientes clínicos fornece subsídios para melhor direcionamento das intervenções, identificando as áreas de menor autoeficácia dos pais e auxiliando no processo de ajustamento psicológico.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Ideação suicida na adolescência: Prevalência e fatores associados


 Souza, L. D. M., Ores, L., Oliveira, G. T., Sica Cruzeiro, A. L., Silva, R. A., Pinheiro, R. T., & Horta, B. L. (2010). Ideação suicida na adolescência: Prevalência e fatores associados. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 59(4), 286–292. doi: 10.1590/S0047-20852010000400004

Resenhado por Giulia Oliveira

Terceira principal causa de morte na adolescência, o suicídio se caracteriza como um importante problema de saúde pública, assim como a ideação suicida, a qual constitui um importante preditor de tentativas de suicídio. Estudos apontaram uma prevalência de tentativas suicidas de 7% entre jovens, havendo uma maior propensão do sexo feminino a apresentar esse tipo de comportamento. Desse modo, políticas públicas foram criadas com o intuito de reduzir as altas taxas de mortalidade e morbidade causadas pelo comportamento suicida, além de auxiliar na elaboração de mais investigações sobre o tema, que ainda são extremamente necessárias. O estudo de Souza et al. (2010) objetivou avaliar a prevalência de ideação suicida e seus fatores associados em jovens de 15 a 18 anos.


            Foi realizado um estudo transversal na cidade de Pelotas (RS) no ano de 2002, com uma amostra de 960 jovens entre 15 e 18 anos. O instrumento adotado foi um questionário autoaplicado e sigiloso elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que abordava fatores como sexo, nível socioeconômico, escolaridade, uso de substâncias e comportamento agressivo, além do Self Reporting Questionnaire (SRQ-20), para aferição da presença de transtornos psiquiátricos menores e de ideação suicida. Para a análise estatística foi adotada a regressão logística, utilizada para a análise bivariada e multivariada. As variáveis de primeiro nível foram associadas ao desfecho de ideação suicida através da análise multivariada. Posteriormente, foram inseridas as variáveis de segundo nível e por fim, as variáveis de terceiro nível. Três níveis de variáveis foram analisados.
            Após a análise dos dados verificou-se a prevalência de 7,7% de ideação suicida entre os participantes. Os fatores mais significativamente associados a esse desfecho foram: baixa escolaridade materna, baixa escolaridade do adolescente, sedentarismo, uso de drogas no último mês bem como ter tomado “porre” no mesmo período, carregado revólver, faca ou canivete e ter se envolvido em duas ou mais brigas com agressão no último ano.
            Foi constatada uma variação dos resultados do estudo apresentado com relação à literatura científica, o que pode ser atribuído às diferenças metodológicas na aferição de ideação suicida, à seleção da amostra e a fatores socioculturais importantes. Apesar dessas divergências, o estudo corrobora resultados já encontrados na literatura sobre suicídio, como a tendência estatística de associação significativa da ideação suicida com o sexo feminino e a maior propensão de adolescentes com baixa escolaridade ou que possuem mães com baixa escolaridade a ideias suicidas. As limitações do estudo estão expressas na adoção do autorrelato como forma de investigação e a forma de aferição da ideação suicida que pode não ser a ideal para o desfecho. Os resultados encontrados embasam a criação de programas e projetos focalizados em adolescentes de baixa escolaridade como medidas interventivas a fim de prevenir o suicídio nesse grupo.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Relação conjugal na transição para a parentalidade: Gestação até dezoito meses do bebê



Menezes, C. C., & Lopes, R. C. S. (2007). Relação conjugal na transição para a parentalidade: Gestação até dezoito meses do bebê. Psico-USF, 12(1), 83-93.

Resumido por Elvis Leal

Para a maioria dos casais, a chegada do primeiro filho é o evento mais marcante da vida familiar, tornando-se a primeira experiência de parentalidade do casal. Os primeiros estudos acerca desse evento mostraram que a felicidade e a satisfação com a relação diminuem durante essa transição, sendo as mulheres que mais sofrem o impacto do nascimento do primogênito. O objetivo desse estudo foi avaliar a relação entre o casal durante a transição para a parentalidade.
Após o nascimento do primeiro filho é comum que exista um declínio do romance, pois o casal se reconhece como fazendo parte de algo maior. Um estudo longitudinal, comparando casais que estavam passando pela parentalidade com casais que não tinham filhos, observou que os casais com filhos tiveram um declínio maior na satisfação conjugal. Por outro lado, alguns pesquisadores relataram que, apesar do declínio no romance, o casal pode perceber um aumento no companheirismo e na parceria durante a transição. Esses últimos propõem que não é a parentalidade que causa o declínio da relação.
 Outra hipótese, pesquisadores afirmam que a forma como o casal se relaciona antes da transição é crucial. Fatores como apoio emocional, envolvimento paterno e satisfação com a divisão das tarefas influenciam a parentalidade. Outro aspecto apontado pelo estudo, foi que as representações que os pares tinham do casamento dos pais é um importante fator de impacto na forma como os cônjuges se relacionam até os 2 anos do bebê.
Participaram deste estudo quatro casais, passando pela gestação do primeiro filho e com idade mínima de 20 anos. Eles foram entrevistados em cinco momentos: no último trimestre da gestação, no terceiro, oitavo, décimo segundo e décimo oitavo meses de vida do bebê, atentando para a avaliação de cada casal, da relação nos diferentes momentos da pesquisa e da interação comunicacional entre os pares. A primeira entrevista abordou a história do casal e as expectativas, as entrevistas seguintes investigavam a vida familiar, parentalidade e conjugalidade como o envolvimento emocional do casal, o envolvimento de cada um com as funções parentais e a presença de eventos estressores. Para analisar a interação comunicacional foram usadas as categorias: apoio, conflito e não apoio.
Um ponto que esteve presente na discussão dos quatro casais foi a respeito da natureza do relacionamento anterior à transição para a parentalidade. Nos casais 1 e 2, que apresentaram um distanciamento após a chegada do primogênito, já apresentavam um distanciamento antes. Por outro lado, os casais 3 e 4 mantiveram o envolvimento emocional alto mesmo após o nascimento. Mais um aspecto comum aos casais 3 e 4 foi a intenção de conservar a conjugalidade, de modo que reservaram um tempo para o cônjuge. Além disso, esses casais se mostraram empenhados em construir papéis de mãe e pai, o que não aconteceu com os primeiros, que eram marcados pelo distanciamento paterno.
Quando analisadas as categorias de comunicação conjugal, foi observada que a categoria de apoio foi a predominante em todos os casais, contudo as categorias de conflito e não apoio aumentaram com o decorrer da parentalidade nos casais 1 e 2, ao passo que nos demais elas se mantiveram baixas ou inexistentes.
Apesar da pequena amostra, foi observado que a transição para a parentalidade não explica os conflitos da relação, mas sim a forma como o casal se relaciona antes que é importante. Para a Psicologia da Saúde, os achados contribuem para o desenvolvimento de estratégias que visem a administração do estresse decorrente da transição, seja pela procura de uma rede de apoio ou pela divisão justa das novas tarefas.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Como jovens descrevem o impacto de viver com diagnóstico de câncer: Viabilidade do uso de redes sociais como método de pesquisa


How young people describe the impact of living with and beyond a cancer diagnosis: Feasibility of using social media as a research method

Gibson, F., Hibbins, S., Grew, T., Morgan, S., Pearce, S., Stark, D., & Fern, L. A. (2016). How young people describe the impact of living with and beyond a cancer diagnosis: Feasibility of using social media as a research method. Psycho‐Oncology25(11), 1317-1323. doi: 10.1002/pon.4061

Resenhado por Luiz Guilherme L. Silva.

Um diagnóstico de câncer pode ser um evento traumático e capaz de mudar o curso de vida das pessoas em qualquer idade. Em pessoas jovens, o diagnóstico traz uma significância adicional, visto que é algo incomum nessa fase da vida e acarreta incertezas quanto ao futuro. Ser acometido pelo câncer é algo desafiador porque afeta a autoestima e a percepção de controle em uma fase em que autoimagem e autonomia são fundamentais para o desenvolvimento do indivíduo. Além dos impactos citados, ressalta-se a diminuição do contato com família e amigos devido à conciliação da rotina de tratamento com as atividades diárias. Nesse cenário, o artigo teve como objetivo relatar o uso de redes sociais para jovens com câncer como forma de compartilhar narrativas acerca do tema.
Para a coleta de dados desse estudo, foram utilizados vídeos disponíveis no website do JTV Cancer Support, uma comunidade online para jovens com câncer. A pesquisa teve delineamento qualitativo, fundamentado nos princípios da etnografia virtual e, para auxiliar na análise dos dados, foram incluídos dois jovens com diagnóstico prévio de câncer. Foram analisados 18 vídeos filmados por 18 pacientes com câncer, sendo 11 pacientes do sexo feminino e 7 pacientes masculinos, com idade entre 11 e 25 anos com duração média de 10 minutos. Os diagnósticos foram: câncer cerebral, leucemia, linfoma, sarcoma e carcinoma. As filmagens foram feitas em locais como hospitais, eventos sociais e casa dos pacientes.
Os temas mais recorrentes nos vídeos foram tratamento e efeitos indesejados, reabilitação, reincidência e aceitação da proximidade da morte. Eles relataram na maior parte das vezes os efeitos adversos, sintomas diversos, problemas emocionais e estratégias para manejo desses estressores. O tédio foi um tema comum nos relatos, assim como a frustração que o diagnóstico e tratamento acarretaram por ser um evento que mudou drasticamente os planos de vida.
A sensação de normalidade no cotidiano foi considerada importante mesmo para os jovens com um prognóstico ruim. A importância do contato com amigos demonstrou ser essencial para que a normalidade continuasse na rotina dos pacientes, bem como a aproximação com outros jovens com câncer. A criação de uma rotina foi importante até para os pacientes terminais, sendo que muitos demonstraram sentimentos de esperança e crença em um desfecho positivo, ao passo que outros descreveram frustração e falta de controle sobre a própria vida devido à incapacidade de realizar tarefas rotineiras como, por exemplo, preparar chá. Os jovens em estado terminal em suas últimas semanas de vida buscavam, como estratégia de enfrentamento, manter normalidade na rotina como, por exemplo, suporte de amigos e familiares, atividades escolares, planejamento de festividades, controle do tratamento e cuidados paliativos.
Portanto, ressalta-se o interesse da Psicologia da Saúde em como as redes sociais podem auxiliar os jovens com câncer a se engajar em estratégias de enfrentamento do câncer, visto que muitos dos relatos se basearam em problemas emocionais e na criação de uma rotina considerada normal pelos pacientes. Vale destacar, ainda, o papel da equipe de saúde como conselheiro em estratégias focadas no problema e na emoção, as quais contribuem para uma rotina diária satisfatória, que concilie tratamento e atividades comuns a essa fase da vida.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Estratégias de enfrentamento de adultos vítimas de acidente vascular cerebral e sua relação com o ajustamento psicológico



Reis, C., & Faro, A. (2020). Estratégias de enfrentamento de adultos vítimas de acidente vascular cerebral e sua relação com o ajustamento psicológico. Psicogente, 23(43), 1-18. doi: 10.17081/psico.23.43.3379

Resenhado por Renata Elly

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é um déficit neurológico ocasionado por uma lesão aguda no sistema cerebral, sendo responsável por 27% das internações mundiais. No Brasil, doenças cardiovasculares são a maior causa de mortes e internações. Muitas vítimas de AVC são compelidas a viverem com a cronicidade das limitações advindas da doença, ocasionando a perda da independência, alterações na dinâmica familiar, afastamento ocupacional e, consequentemente, impactos financeiros. É possível afirmar que o AVC é um episódio estressor, uma vez que essas modificações ocorrem de modo rápido e inesperado na vida do vitimizado, demandando uso de recursos cognitivos e comportamentais para gerir essa carga estressora. Na Psicologia da Saúde esses recursos são conhecidos como estratégias de enfrentamento.
Estratégias de enfrentamentos são mecanismos adaptativos que buscam manejar os efeitos estressores de um evento que excede os recursos pessoais de ajustamento às adversidades. A depender dos contextos que essas estratégias são usadas e os recursos individuais disponíveis, a mobilização dessas estratégias pode levar a desfechos positivos ou negativos. No caso do AVC, o uso de estratégias funcionais possibilita a aceleração do processo de reabilitação e a melhoria de qualidade de vida. 
O presente estudo objetivou descrever e analisar as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas pessoas após o AVC e de que forma o uso delas afetam de maneira positiva ou negativa na adaptação. Participaram da pesquisa 23 pessoas vítimas de AVC, contatadas por conveniência nas cidades de Lagarto e Aracaju/SE. Utilizou-se um questionário sociodemográfico e entrevistas abertas, as quais foram transcritas em sua totalidade e analisadas no programa Interface de R pour les analyse Multidimensionalles de textes et de Questionaires (IRAMUTEQ). O software possibilita a análise estatísticas de dados textuais, utilizando como um dos métodos a Classificação Hierárquica Descendente (CDH), que possibilita a obtenção de classes geradoras de sentido, através da repartição das palavras com base em sua frequência.
O dendrograma gerado pelo software apresentou três categorias que representam as teorias de enfrentamento, sendo elas foco no problema, foco na emoção e suporte social. O tipo de enfrentamento mais citado foi o foco no problema, sendo detectadas estratégias como busca pela reabilitação, superação das sequelas e reorganização financeira. Na categoria foco na emoção, duas estratégias de enfrentamento foram mais descritas pelos entrevistados, sendo elas, fé pra enfrentar a culpa e regulação emocional. A terceira categoria foi a do suporte social, que consiste na relação que as vítimas de AVC possuem com as pessoas ao seu redor, principalmente no período agudo da doença. Derivou-se dessa categoria três estratégias, reconhecimento da importância do apoio comunitário, ressignificação da vida e busca pelo suporte familiar.
Os achados da pesquisa demonstraram que as principais estratégias utilizadas pelos adultos vitimizados por AVC tiveram denotação positiva, atuando de forma beneficente no processo adaptativo, porém, também foi observado que o uso de estratégias de enfrentamento foram mais comuns entre indivíduos com funcionalidade pouco comprometida. O presente trabalho fornece evidência para a possibilidade da construção de programas de intervenção para esse público, melhorando a adaptação e, consequentemente, a qualidade de vida.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Crescimento pós-traumático e fatores relacionados ao pós-operatório de pacientes com câncer de mama



Posttraumatic Growth and Related Factors among Postoperative Breast Cancer Patients

Resenhado por Millena Bahiano

Baglama, B., & Atak, I. E. (2015). Posttraumatic growth and related factors among postoperative breast cancer patients. Procedia- Social and Behavioral Sciences140, 448-454. doi: 10.1016/j.sbspro.2015.05.024

Apesar de eventos traumáticos serem causadores de sofrimento físico e psíquico, algumas pessoas, após vivenciarem tais eventos, apresentam reações e mudanças positivas em suas vidas. O estudo do crescimento pós-traumático (CPT) tem viabilizado aos pesquisadores o entendimento das reações positivas e processos de enfrentamento utilizados pelo indivíduo diante da situação de adoecimento. Para a psicologia positiva, o estudo desse constructo viabiliza uma maior compreensão quanto às respostas positivas do indivíduo aos acontecimentos traumáticos e estressantes da vida. Segundo os autores, o CPT tem sido um dos conceitos mais estudados entre as mulheres com câncer de mama.
O objetivo do estudo foi avaliar a relação entre o suporte social, esperança disposicional, lócus interno e externo de controle e crescimento pós-traumático entre pacientes no pós-operatório de câncer de mama. A pesquisa foi realizada com 31 mulheres (idade média = 50,4; DP = 11,59) de cidades diferentes da República Turca do norte de Chipre e que se encontravam em tratamento pós-operatório do câncer de mama. Os instrumentos utilizados na pesquisa foram o Multidimensional Scale of Perceived Social Support (MSPSS), Posttraumatic Growth Inventory (PTGI), The Hope Scale (HS) e a Rotter’s Internal-External of Control Scale (IELCS).
Os resultados indicaram que após a cirurgia, as mulheres com câncer de mama apresentaram crescimento pós-traumático. O estudo apresentou três hipóteses e, com base nos resultados encontrados, duas hipóteses foram confirmadas. De acordo com os dados, o apoio social (r = 0,47; = 0,007) e a esperança disposicional (r = 0,47; = 0,008) desempenharam um papel importante no desenvolvimento do CPT. Mulheres com alto apoio social e alta esperança experimentaram níveis mais altos de crescimento pós-traumático. Contudo, não foi encontrada relação entre o lócus de controle, que é a terceira variável independente do estudo, e a experiência de CPT após a operação  (r = 0,47; = 0,0241). Em geral, a pesquisa contou com uma amostra pequena, o que pode acarretar problemas quanto à generalização dos resultados. Para melhorar o poder estatístico, os pesquisadores sugeriram amostras maiores na coleta de dados.
Em suma, viu-se que embora o câncer de mama seja um evento traumático e altamente desafiador, a compreensão dos fatores protetivos e de risco que se encontram associados ao processo de enfrentamento da doença se tornam contributivos para o desenvolvimento do CPT. Além disso, trata-se também de uma questão importante para a melhoria da saúde psicológica de mulheres e homens diagnosticados com câncer de mama.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Relações entre a parentalidade e a personalidade de pais e mães: Uma revisão integrativa da literatura


Silva, M. L. I., & Vieira, M. L. (2018). Relações entre a parentalidade e a personalidade de pais e mães: uma revisão integrativa da literatura. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18, 361- 383.

Resenhado por Michelle Leite

A parentalidade pode ser definida como um conjunto de atitudes e comportamentos realizados pelas figuras parentais que objetivam assegurar a sobrevivência e o desenvolvimento dos filhos, de modo a socializá-los e torná-los gradativamente mais autônomos. Ela pode ser dividida em três grandes dimensões: atividades parentais, áreas funcionais e pré-requisitos. A primeira diz respeito as atitudes que envolvem cuidado físico, social e emocional, a disciplina e o desenvolvimento da criança. A segunda se relaciona aos aspectos da saúde física, funcionamento intelectual, comportamento social e à saúde mental. Já a terceira, se refere às características e habilidades necessárias para o desenvolvimento da atividade parental, tais como compreensão das necessidades da criança, recursos, traços de personalidade, entre outros.
O modelo dos determinantes da parentalidade, desenvolvido por Belsky e Jafee (2006), preconiza que três fatores podem influenciar as práticas parentais: a personalidade dos pais, o temperamento dos filhos e os fatores do contexto social no qual eles estão inseridos. Dentre esses, a personalidade parental é o determinante de maior peso, pois ela representa um padrão comportamental existente na maioria das situações vividas, influenciando na forma de pensar, sentir e se comportar dos pais. Dessa forma, os fatores da personalidade podem facilitar a parentalidade, bem como dificultar a realização desse papel. Diante desse contexto, o estudo em questão objetivou apresentar um panorama da produção cientifica acerca das relações existentes entre parentalidade e personalidade parental, utilizando o modelo do “Big Five”.
Através de uma revisão integrativa da literatura, na qual foram analisados 18 artigos na íntegra, se observou que os trabalhos encontrados se distribuíam em três temas: relação entre personalidade e parentalidade; personalidade, parentalidade e comportamento dos filhos; e parentalidade e personalidade influenciadas por outras variáveis. No que se refere aos traços de personalidade e às dimensões da parentalidade, os estudos indicaram que amabilidade está mais relacionada à pais e mães calorosos, cuidadosos e envolvidos; a extroversão à atividades lúdicas, descontraídas; a introversão aos pais envolvidos e que respeitam as opiniões e perspectivas da criança; a conscienciosidade à habilidade de impor limites e disciplina; a abertura à experiência à capacidade de ser flexível, e quando combinada com outros traços, pode estar associada a certa permissividade; e por fim, o neuroticismo pode estar relacionado tanto à rigidez, insegurança e também à negligência ou ao envolvimento nos cuidados básicos.
Estudos acerca dessa temática contribuem para a identificação de características paternas e maternas predominantes no exercício da parentalidade, bem como ajudam na elaboração de estratégias de intervenção eficazes para pais com dificuldades parentais. Além disso, a personalidade parental é fator de impacto na saúde mental e comportamento dos filhos, podendo a Psicologia da Saúde colaborar com estudos que analisem o efeito da personalidade dos pais a longo prazo no desenvolvimento dos filhos.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Sintomas depressivos em cuidadores familiares de pacientes com insuficiência cardíaca: Revisão integrativa



Resenhado por Gabriela de Queiroz

Lacerda, M. S., Prado, P. R. D., Barros, A. L. B. L. D., & Lopes, J. D. L. (2019). Sintomas depressivos em cuidadores familiares de pacientes com insuficiência cardíaca: Revisão integrativa. Revista Gaúcha de Enfermagem40.
      
            As doenças cardiovasculares, incluindo a Insuficiência Cardíaca (IC), são a principal cauda de mortalidade no mundo, sendo considerado um problema de saúde pública que afeta principalmente os idosos. Assim como em outras doenças crônicas, pacientes com IC demandam muitas mudanças na rotina diária em decorrência da própria patologia, e consequentemente afetando a vida de seus cuidadores familiares, que na maioria das vezes são os responsáveis por oferecer apoio social aos pacientes, ajudando-os a superar, monitorar e administrar a doença, além de manter o autocuidado.
            Por considerar a importância da relação paciente/família, vários estudos têm sido realizados no âmbito da cardiologia, dentre os quais a depressão tem sido avaliada em cuidadores familiares de pacientes com IC, bem como análises de qualidade de vida, sobrecarga e ansiedade do cuidador. Com base nessas constatações, o estudo objetivou identificar na literatura a ocorrência de sintomas depressivos em familiares cuidadores de pacientes com IC, e a correlação de outras variáveis com esses sintomas.
            Para isto, foi realizada uma revisão integrativa da literatura a partir das seguintes bases de dados: Web of Science, Medline, LILACS e PubMed, cuja coleta ocorreu em março de 2017. Foram incluídos artigos publicados entre 2004 e 2016, escritos em inglês, espanhol ou português, usando os descritores saúde, insuficiência cardíaca, depressão, cuidadores e familiares.
            Foram selecionados 26 artigos, nos quais foi possível identificar que 6% a 64% dos cuidadores avaliados relataram sintomas depressivos. A sintomatologia foi associada à fatores como: estado funcional, satisfação com a relação estabelecida entre paciente e cuidador, tempo gasto em atividades assistenciais, dificuldades na prestação de cuidados, qualidade do sono, gravidade da doença do paciente, sintomas depressivos do paciente, dentre outros. Na maioria dos casos, verificou-se que os sintomas de depressão foram mais frequentes entre os cuidadores familiares do que na população geral, relacionando-se principalmente com a sobrecarga do cuidado e aspectos relacionados à qualidade de vida.
            Diante destes achados, é possível concluir que a avaliação dos cuidadores familiares é de extrema importância, uma vez que as mudanças que ocorrem na vida dos pacientes, afetam diretamente os hábitos dos cuidadores familiares, acarretando não só no desenvolvimento de sintomas depressivos, mas também causando impacto negativo na qualidade de vida e surgimento de sintomas de ansiedade. Portanto, entende-se a importância da psicologia da saúde nesta área, dedicando seus esforços ao desenvolvimento de estratégias de cuidados que possam ser oferecidas à estes cuidadores, a fim de minimizar o impacto provocado por todas as mudanças em sua rotina causadas pela condição de saúde do paciente familiar.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Autismo e mães com e sem estresse: Análise da sobrecarga materna e do suporte familiar


Faro, K. C. A., Santos, R. B., Bosa, C. A., Wagner, A., & da Costa Silva, S. S. (2019). Autismo e mães com e sem estresse: Análise da sobrecarga materna e do suporte familiar. Psico50(2). doi: 10.15448/1980-8623.2019.2.30080.

Resenhado por Maria Clara

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento cujo paciente apresenta comprometimento na comunicação social recíproca e na interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades, além de ocorrer prejuízo no funcionamento diário. O nascimento de uma criança é permeado de inúmeras expectativas dos pais e a chegada do diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) frustra muitas dessas expectativas, exigindo uma nova readequação familiar.
A literatura aponta que as maiores dificuldades enfrentadas pela família são os prejuízos na interação, na comunicação e na linguagem, e além disso a presença do membro com TEA limita a participação da família em atividades sociais, de lazer e viagens. Outrossim, a necessidade de cuidado integral, a dificuldade em controlar impulsos, os anos no julgamento de perigo e os comportamentos autolesivos exigem uma nova adaptação e distribuição de papéis na família. Pesquisas referem que as mães de crianças autistas possuem maior grau de sofrimento devido ao cuidado intensivo, pois em geral são as cuidadoras principais. Assim, mães com menor nível de educação, menor renda e maior sobrecarga apresentam níveis mais elevados de estresse. Em contrapartida, o suporte social emerge como variável atenuante dessa condição.
Este estudo objetivou comparar a sobrecarga de cuidado, autonomia da criança e percepção do suporte familiar em mães de autistas, com e sem estresse. Os resultados revelaram que mães com estresse apresentaram quase o dobro da sobrecarga devido as altas demandas do TEA. Enquanto isso, a percepção do suporte social tende a ser maior em mães sem estresse, e à proporção em que demandas de suporte não são atendidas, os índices de estresse materno aumentam. Dessa forma, o suporte social se apresenta como fator protetivo contra essa condição. Os achados também indicam que uma boa adaptação familiar e distribuição de papeis auxiliam na redução do estresse materno, minimizando a sobrecarga. Os resultados apontam para necessidade de um trabalho psicoeducacional preventivo que promova a potencialização dos sentimentos de controle e domínio dos familiares diante dos desafios inerentes ao TEA. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O estresse parental medeia a associação entre afetividade negativa e parentalidade severa: Uma análise diádica longitudinal


Parenting stress mediates the association between negative affectivity and harsh parenting: A longitudinal dyadic analysis

Le, Y., Fredman, S. J., & Feinberg, M. E. (2017). Parenting stress mediates the association between negative affectivity and harsh parenting: A longitudinal dyadic analysis. Journal of Family Psychology31(6), 679-688. doi: 10.1037/fam0000315
Resenhado por Maísa Carvalho

Para alguns indivíduos, vivenciar a paternidade e/ou a maternidade é a concretização de um sonho, mesmo com todas as dificuldades concernentes a esse processo. No entanto, a baixa adaptação psicológica na experiência da parentalidade, principalmente nos primeiros anos de vida da criança, pode acarretar no desenvolvimento de afetos negativos e estresse parental. De acordo com a literatura, essas variáveis estão comumente associadas à parentalidade severa, fator que pode dificultar uma relação sadia entre pais e filhos. Nesse contexto, o estudo em questão avaliou o estresse parental, tanto no domínio individual quanto no da criação dos filhos, como mediador entre afetividade negativa e parentalidade severa em um contexto diádico, ou seja, na influência do parceiro nas práticas parentais.
Participaram 164 casais heterossexuais, recrutados de forma randomizada pelo Family Foundations (FF), que é um programa de psicoeducação que com quatro sessões no pré-natal e quatro no pós-natal busca auxiliar pais a manterem um relacionamento saudável e forte após o nascimento do primeiro filho. Os homens possuíam idade média de 28,33 (DP = 4,93) e mulheres de 29,76 (DP = 5,58). Para o estudo foram utilizados dados pós-natais coletados em três momentos: 6 meses após o nascimento (Tempo 1, T1), 12 meses após o nascimento (Tempo 2, T2) e 3 anos após o nascimento (Tempo 3, T3). O único critério de inclusão era de que os participantes tivessem idade acima de 18 anos, coabitassem e esperassem o primeiro filho juntos.
Os instrumentos utilizados para mensurar o afeto negativo no T1 foram o Taylor Manifest Anxiety Scale (MAS) e o Center for Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D). O estresse parental foi mensurado no T2 usando o Parenting Stress Index Short Form (PSI-SF). Já a parentalidade severa foi mensurada no T3 por meio de nove itens da The Parenting Scale. Para testar a hipótese principal, foi utilizado um plano analítico com base no Actor-Partner Interdependence Mediation Model (APIMeM).
Os resultados confirmaram a hipótese de que ambos domínios do estresse parental medeiam a associação longitudinal entre a afetividade negativa dos pais e a parentalidade severa. Além disso, no contexto da análise diádica, houve efeitos indiretos (EI) na parentalidade severa de um parceiro por meio do estresse parental do outro parceiro, com efeito indireto mais forte no afeto negativo da mãe contribuindo para o exercício da parentalidade severa do pai (EI = 0,23; p < 0,07). Especificamente, o efeito mediador do distresse pessoal foi encontrado para mães e pais, ao passo que o efeito mediador do estresse na criação de crianças foi encontrado apenas no afeto negativo das mães.
Vivenciar a parentalidade de forma saudável, seja a nível subjetivo ou compartilhado, auxilia os pais a manterem bons relacionamentos com seus filhos e também, segundo estudos, é um fator que promove o desenvolvimento saudável das crianças em diferentes áreas da vida. Estudos em Psicologia da Saúde envolvendo essa temática são bastante relevantes socialmente, visto que promovem um apanhado geral sobre os efeitos que os diversos estilos parentais podem promover no desenvolvimento de uma criança a longo prazo Logo, o enriquecimento científico sobre o tema facilita mais discussões e propostas psicoeducativas para a população enfrentar melhor os desafios relacionados à parentalidade.

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Burnout parental: Cuidar dos filhos te deixa exausto?


Postado por Luanna Silva

Ser pai e/ou mãe pode ser uma experiência maravilhosa, mas ainda assim desgastante. O Burnout parental é caracterizado pela falta de recursos para lidar com os estressores envolvidos nas funções parentais. Nessa condição, os pais se sentem sobrecarregados, incapazes de desenvolver positivamente seu papel e emocionalmente distante de seus filhos. Como resultado, as crianças podem vivenciar violência e negligência. O Burnout parental é uma condição séria que requer atenção. Psicólogos da saúde podem contribuir tanto com o estudo desse fenômeno, investigando suas características e fatores associados, quanto desenvolvendo intervenções que possam ajudar os pais a lidar de modo mais hábil com os desafios da parentalidade.
  
Você já deve ter ouvido falar na síndrome de Burnout – um estado de exaustão emocional, mental e física causado pelo estresse excessivo e contínuo. Ela costuma ser associada a empregos e ambientes de trabalho muito tensos, que exigem demais do profissional. O estresse prolongado pode fazer com que a pessoa apresente irritabilidade e perca o interesse e a motivação em suas tarefas. Mas tudo isso já era conhecido. A novidade é que a ciência acaba de mostrar que pais e mães também podem sofrer desse mal, justamente pelos cuidados que os filhos demandam – é o que tem sido chamado de “Burnout parental”.
Pesquisadores da Universidade Católica de Louvain (Bélgica) analisaram 2 mil adultos e concluíram que 12% deles (tanto homens quanto mulheres) estavam sofrendo com um alto nível de Burnout parental. Segundo os cientistas, essas pessoas se sentiam exaustas, incapazes e desinteressadas por suas tarefas mais do que uma vez por semana.
De acordo com os autores da pesquisa, o Burnout parental não é apenas cansaço e estresse, mas também pode estar relacionado à depressão, vícios e outros problemas de saúde, por se tratar de uma condição emocional angustiante.
“A síndrome de Burnout está associada ao estresse e ao esgotamento ligados ao trabalho. Mas criar um filho e cuidar dele também dá trabalho”, explica Marilena Bigoto, psicóloga especialista em desenvolvimento humano e diretora do Espaço Elaborado para o Desenvolvimento e Essência do Ser (SP). “Não acho que a criança sozinha traga esse esgotamento, mas os cuidados com os filhos somados ao ritmo que os pais têm atualmente nas grandes cidades pode levar à síndrome de Burnout”, pondera a psicóloga. Ela afirma que, no passado, as famílias tinham muitos filhos, mas viviam no campo, em um ambiente que demandava menos dos pais.
“A vida hoje tem muita informação. A primeira coisa a ser feita é estabelecer prioridades. Os pais precisam ter condições físicas e emocionais para cuidar do filho”, diz Marilena. A ajuda de familiares e de um psicólogo é sempre bem-vinda nessas situações.

Fonte: https://revistacrescer.globo.com/Familia/Saude-e-Beleza-dos-pais/noticia/2017/05/burnout-parental-cuidar-dos-filhos-te-deixa-exausto.html

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Uma metanálise dos efeitos da personalidade do professor na sua efetividade e burnout

A meta-analysis of the effects of teacher personality on teacher effectiveness and burnout 

Kim, L. E., Jörg, V., & Klassen, R. M. (2019). A meta-analysis of the effects of teacher personality on teacher effectiveness and burnout. Educational Psychology Review, 31(1), 163-195. doi: 10.1007/s10648-018-9458-2 

Resenhado por Luana C. Silva-Santos 

Em 2017, existiam 84,23 milhões de professores no mundo todo (World Bank EdStats apud Kim, Jörg, & Klassen, 2019), que além da importância estatística, também têm papel preponderante a curto e longo prazo na vida acadêmica de seus alunos. Nesse sentido, quais seriam as características pessoais de professores eficazes e com baixa tendência ao esgotamento profissional ou burnout? Diante dessa questão, Kim et al. (2019) observaram que não existia até então estudo meta-analítico que investigasse personalidade dos professores e sua autoeficácia e esgotamento. Assim, realizaram uma metanálise de estudos relatando relações entre os cinco domínios da personalidade baseados no modelo Big Five (abertura, conscienciosidade, extroversão, aceitação e estabilidade emocional), medidas de autoeficácia e burnout. Avaliaram, ainda, a influência dos moderadores tipo de medida de autoeficácia do professor (avaliações, desempenho do aluno, observação em sala), fonte do relatório de personalidade (autorrelato ou outro) e o nível educacional do aluno. 
Após busca eletrônica com descritores específicos, foram excluídos os estudos que não eram aplicáveis à metanálise (opiniões de especialistas, artigos teóricos, dados qualitativos) e aqueles que relatavam relações não associadas às perguntas de pesquisa do estudo, o que resultou em 129 estudos. Como resultados principais, os autores encontraram que todos os domínios de personalidade baseados no modelo Big Five, exceto aceitação, foram positivamente associados às medidas de eficácia dos professores, principalmente relacionadas a avaliações de ensino. Em relação ao burnout, os domínios estabilidade emocional, extroversão e conscienciosidade se correlacionaram negativamente a esta variável. Os relatos de personalidade que não foram realizados por autorrelato foram mais associados aos resultados que os autorrelatos, ao passo que os níveis educacionais não demonstraram moderação significativa. 
Os achados da pesquisa demonstram a importância da influência das características pessoais dos professores na efetividade do seu ensino, assim como em seu nível de esgotamento profissional. Dada a escassez de trabalhos semelhantes, ainda são necessários mais estudos desse tipo para melhor compreensão e uso apropriado destas informações. Assim, além de estender resultados de estudos anteriores, o presente trabalho também fornece evidências para construção de programas preventivos de esgotamento profissional e de promoção da saúde mental dos professores no local de trabalho.