Páginas

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Estresse e bem-estar no trabalho: o papel moderador da regulação emocional

"Stress and Well-being at Work: The Moderating Role of Emotion Regulation"


Hirschle, A. L. T., Gondim, S. M. G., Alberton, G. D., & Ferreira, A. S. M. (2019). Estresse e bem-estar no trabalho: o papel moderador da regulação emocional. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho19(1), 532-540.

Resenhado por Nayara Chagas Carvalho 

Eventos novos ou até mesmo situações a qual a pessoa percebe que não possui estratégias para lidar com os desafios apresentados são consideradas estressores, uma vez que ocasionam efeitos negativos. A percepção dos eventos estressores está associada a relação pessoa-ambiente e a forma como a pessoa percebe e lida com o contexto adverso, envolvendo processos psicológicos que podem impactar nesta relação e no modo como a situação é enfrentada.

Desse modo, as competências emocionais, o desenvolvimento e o uso de estratégias de regulação emocional, funcionais e adaptativas, se tornam imprescindíveis na medida em que contribuem para o bem-estar geral e minoração dos efeitos danosos do estresse no trabalho. Numa abordagem cognitiva, a regulação emocional (RE) faz alusão a forma como as pessoas gerenciam suas emoções e expressões para lidar com situações diversas, podendo produzir assim respostas coerentes com as demandas do ambiente ocupacional.

As organizações tem focado nas potencialidades dos seus empregados e nos fenômenos que causam impactos na percepção de Bem-estar no trabalho (BET), ao invés de focar apenas no estresse e no Burnout. O BET abarca aspectos afetivos (percepção subjetiva de bem-estar) e cognitivos (processos psicológicos), sendo conceituado tomando como base a presença de emoções positivas, da satisfação com a vida e trabalho, tendo uma percepção de que o indivíduo está desenvolvendo potencialidades e alcançando as suas metas pessoais.

O estudo buscou investigar a interface da regulação emocional nas relações entre estresse percebido e BET, baseado no modelo que aborda dois tipos de regulação emocional: a Regulação Ascendente (RA) que foca no uso de estratégias adaptativas (para aumentar o impacto das emoções positivas) ou desadaptativas (para reduzir os efeitos das emoções positivas); e Regulação Descendente (RD) que abarca estratégias funcionais (diminuição dos efeitos das emoções negativas) ou disfuncionais (constância do foco nos efeitos negativos) que são utilizadas para lidar com emoções negativas. Participaram deste estudo 480 trabalhadores de 12 indústrias, nacionais e multinacionais, situadas no estado da Bahia. Para coleta de dados, utilizou-se os seguintes instrumentos: Medida de regulação emocional no trabalho (RE-Trab); Escala de estresse no trabalho (EET); Escala de Bem-estar no trabalho (EBET).

Nos resultados, os autores observaram que os participantes exibiram um nível baixo de estresse e moderado de EBET. Verificou-se uma relação positiva entre as estratégias funcionais e adaptativas, sendo esta última melhor preditor de BET. Além de evidenciarem uma correlação positiva entre as estratégias disfuncionais e desadaptativas. O uso de estratégias desadaptativas mostrou um menor prejuízo no BET quando utilizado com estratégias disfuncionais. A pesquisa ainda encontrou uma correlação negativa entre o estresse e o BET, sendo mais significativa num cenário em que se tem que lidar com emoções positivas, do que num cenário em que os participantes tenham acesso às emoções negativas e precisem lidar com elas.

Por fim, viu-se também que a utilização de estratégias para regulação das emoções positivas, provocadas por situações favoráveis de trabalho, contribuíram para o BET. Em contrapartida, o efeito negativo do estresse se mostrou menos evidente em situações desfavoráveis de trabalho. A longo prazo, isto poderia acarretar prejuízos para o bem estar do trabalhador e dificuldades em desenvolver estratégias adequadas para lidar com os diversos cenários do ambiente organizacional. Portanto, a diminuição do estresse no ambiente de trabalho seria uma possibilidade para que os trabalhadores pudessem desenvolver e utilizar estratégias de regulação emocional mais adequadas ao cenário.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

COVID-19 e Solidão: Podemos fazer algo sobre isso?

Traduzido e adaptado por Daiane Nunes 

A COVID-19 vem modificando muitas vivências cotidianas, dentre elas, o modo como as pessoas percebem a solidão. A solidão sempre esteve atrelada a interpretação negativa de experiências sociais. Para muitos, estar sozinho pode significar que ninguém deseja estar perto de você ou que não se é bom o suficiente para estar rodeado de pessoas. Portanto, a solidão sempre foi profundamente estigmatizada e pouco se falava sobre ela. No entanto, a COVID-19 trouxe a temática para um lugar de destaque, passando a ser uma queixa comum e a ser abordada mais abertamente. Atualmente, em decorrência da pandemia, estar sozinho não é interpretado, necessariamente, como uma fraqueza ou deficiência.  
Para entendermos melhor a solidão e sermos capazes de lidar melhor com ela, certos conceitos precisam ser esclarecidos. A solidão não se trata de um sentimento, mas de uma experiência que tem dimensões emocionais e cognitivas. Essa experiência, na maioria das vezes, para a maioria das pessoas, é dolorosa e angustiante e, o modo como a percebemos é influenciado por aspectos da personalidade, história de vida e variáveis situacionais. A solidão pode ser diferenciada entre reativa e essencial. A solidão reativa é aquela solidão ocasional, que pode ser consequência da perda de uma pessoa significativa ou uma grande interrupção na vida, como mudar para outra cidade ou se separar de um ente querido. A solidão essencial está associada a aspectos de nossa personalidade e, provavelmente, é resultado de experiências com os cuidadores diretos. 
A experiência que denominamos solidão é construída a partir de cinco dimensões. A primeira e mais importante delas é o sofrimento emocional que sentimos quando estamos sozinhos. A segunda dimensão decorre da percepção de inadequação social e alienação experimentada a partir da preocupação de não estar sendo bom o suficiente. A terceira é o isolamento interpessoal marcado por pensamentos como “não sou amado por ninguém, não tenho um relacionamento íntimo ou romântico significativo e, basicamente, não sou importante”. A autoalienação (quarta dimensão) reflete a sensação do corpo separado da mente que, na verdade, trata-se de um mecanismo de defesa para impedir de sentir a dor provocada pela solidão. Por fim, a dimensão crescimento e descoberta que se referem à percepção positiva da experiência, como a capacidade de perceber que temos mais recursos para lidar com uma situação difícil do que pensávamos, uma nova apreciação dos outros e das relações interpessoais e uma compreensão mais clara de nós mesmos e do nosso mundo. 
Tem sido comum reclamações sobre solidão devido ao isolamento social imposto pela COVID-19 e muitos tem questionado sobre a melhor maneira para lidar com ela. O primeiro passo é entender a diferença entre solidão e solitude, ou seja, que estar sozinho não precisa ser interpretado como solidão. Para alguns, essa tendência de perceber negativamente a experiência de estar sozinho já persistia antes da pandemia e, provavelmente, persistirá quando as medidas de isolamento forem flexibilizadas. A psicoterapia é uma ferramenta crucial para ajudar esses indivíduos. Outro passo importante é realizar atividades que auxiliem na recuperação do senso de controle sobre o que nos afeta e afeta nossas relações interpessoais. Para tanto, entender que a intimidade não está unicamente ligada ao contato físico pode ajudar a minimizar a angústia associada ao distanciamento social 
Por fim, destaca-se que a humanidade está vivenciando um momento sem precedentes e é esperado que as pessoas estejam interpretando a experiência de isolamento social como solitária e carregada de sofrimento emocional. Cabe à Psicologia da Saúde a incumbência de entender como isso tem impactado a capacidade adaptativa das pessoas diante das demandas desse contexto, a fim de orientar a prática de psicólogos e outros profissionais da saúde.  

terça-feira, 28 de julho de 2020

The two roads of passionate goal pursuit: links with appraisal, coping, and academic achievement

Os dois caminhos para a busca impetuosa de um objetivo: ligação com appraisal, coping e sucesso acadêmico 

Schellenber B. J. I. & Bailis D. S. (2016). The two roads of passionate goal pursuit: links with appraisal, coping, and academic achievement. Anxiety, Stress & Coping, 29:3, 287-304. DOI: 10.1080/10615806.2015.1036047 

Resenhado por Matheus Macena 

O objetivo desta pesquisa foi testar e explicar o papel de avaliações cognitivas (appraisals) na manifestação de formas distintas de estratégias de enfrentamento (coping) para as diferentes dimensões da busca impetuosa, obsessiva e harmoniosa e se a performance foi impactada pelos diferentes appraisals e processos de coping. As pesquisas relatam um modelo dualístico de busca impetuosa que pode levar o indivíduo entre dois caminhos. O primeiro, envolve uma relação harmoniosa com o ímpeto que leva a experiências psicológicas positivas. O segundo, no entanto, se apresenta na forma de uma relação obsessiva com o ímpeto, levando a experiências menos desejáveis como emoções negativas e experiências de vida conflitantes. 

Dificuldades e percalços são comuns na busca por objetivos na vida. A maneira com que indivíduos impetuosos lidam com as demandas desafiadoras depende do caminho que eles tomam. Aqueles que apresentam um ímpeto harmonioso costumam apresentar coping focado no problema enquanto obsessivos estão ligados a estratégias de evitação. Essas tendências para adoção de diferentes estratégias podem ser resultado de diferentes appraisals para as demandas. As estratégias focadas no problema presentes nas “pessoas harmoniosas” indicam um appraisal de desafios como obstáculos a serem superados enquanto táticas de evitação sugerem a interpretação de desafios como além das capacidades de resolução das “pessoas obsessivas”. Estas manifestações de appraisal e coping, por sua vez, impactam o alcance de objetivos e metas. 

 Um estudo longitudinal com a aplicação de três questionários ao longo de um ano acadêmico foi realizado. Inicialmente, foram realizadas avaliações da dimensão de ímpeto, seguida do appraisal e coping no período das provas de meio de ano e das notas finais em uma disciplina curricular numa amostra de 489 estudantes universitários. Para tanto, utilizou-se a Passion Scale, Stress Appraisal Measure e revised COPE scale, respectivamente. Além das notas finais na disciplina. Participaram do estudo 488 estudantes na primeira aplicação, 443 na segunda aplicação e 345 na terceira aplicação. 

Os resultados indicaram uma relação entre estratégias de coping de confronto (approach) e evitação (avoidant) para pessoas de ímpeto harmonioso e obsessivo, respectivamente. Processos de appraisal cognitivo, especialmente desafio e descontrole (uncontrollability), apresentaram um papel indireto nessas relações. Tanto as respostas de coping quanto appraisal demonstraram efeito indireto na relação entre dimensão de ímpeto e nota final na disciplina. 

Compreender como estudantes com diferentes ímpetos lidam com aspectos desafiadores permite pensar em intervenções eficazes do ponto de vista da psicologia da saúde. Sendo a estratégia de enfrentamento inadequada um possível fator negativo para a manutenção de saúde mental, intervir para diminuir o impacto das mesmas na realização das atividades educacionais é necessário para oferecer maior bem estar psicológico.