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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Mudanças na Autoeficácia Parental e nos Sintomas de Humor na Transição para a Paternidade: Uma associação bidirecional


Kunseler, F. C., Willemen, A. M., Oosterman, M., & Schuengel, C. (2014). Changes in parenting self-efficacy and mood symptoms in the transition to parenthood: A bidirectional association. Parenting14(3-4), 215-234. Doi: 10.1080/15295192.2014.972758

 

Resenhado por Daiane Nunes

 

A autoeficácia parental, definida como a crença dos pais acerca da sua capacidade de exercer com sucesso práticas parentais, é considerada um importante construto cognitivo durante a transição da gravidez para a paternidade. Há evidências do seu papel na adaptação à maternidade, aos estilos e práticas parentais e aos resultados infantis. Além disso, sintomas de ansiedade e depressão relatados nesse período foram associados a níveis rebaixados de autoeficácia dos pais. No presente estudo, avaliou-se a direção dos efeitos entre as mudanças na autoeficácia de mães e os sintomas depressivos e de ansiedade desde a gravidez (primeira gestação) até um ano após o parto.

A amostra final do estudo foi constituída por 822 gestantes, com idade média de 30,1 anos. A maioria era casada (43%) ou vivia com o companheiro (53%). As mulheres que aceitaram participar da pesquisa receberam os questionários na 32ª semana de gestação (T1), três meses (T2) e doze meses (T3) após o nascimento do filho. Utilizou-se uma escala de autoeficácia parental que mede as expectativas pré e pós-natal das mulheres sobre sua competência em cuidar de seus filhos. Os sintomas depressivos foram avaliados pelo Inventário de Depressão de Beck – Segunda Edição (BDI-II) e os sintomas ansiosos pelo Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE).

Os níveis de autoeficácia parental na transição para a maternidade aumentaram, com aumento significativamente maior do T1 para o T2, do que do T2 para o T3. Os níveis de ansiedade avaliados pela subescala de estado diminuíram do T1 para o T2 e permaneceram estáveis entre T2 e T3. A ansiedade-traço também diminuiu de T1 para T2, mas aumentou novamente de T2 para T3. Com relação aos sintomas depressivos, observou-se diminuição continuada entre os diferentes momentos de coleta dos dados. Níveis mais elevados de autoeficácia no período pré-natal previram menor presença de sintomatologia depressiva na transição para a maternidade. A mesma tendência foi observada para os níveis de ansiedade, isto é, pontuações mais altas de autoeficácia foram significativamente relacionadas à maior diminuição nos níveis de ansiedade de T1 para T2, sendo essa relação bidirecional. No entanto, de T2 para T3 os efeitos entre as variáveis não foram estatisticamente significativos.

Em resumo, o presente estudo demonstrou que para a maioria das participantes, os efeitos de reforço mútuo da autoeficácia parental e dos sintomas de humor levam a trajetórias positivas na transição para a maternidade (ou seja, aumentos na autoeficácia, diminuições nos sintomas de humor). Tais achados reforçam o relevante papel das crenças de competência pessoal para gerenciar demandas parentais, recomendando a realização de intervenções com ênfase no desenvolvimento de crenças positivas da autoeficácia nesse público. 



quinta-feira, 27 de agosto de 2020

O que todos precisam saber sobre a Psicologia

 

Postado por Giulia

O entendimento geral acerca da Psicologia normalmente envolve os aspectos relacionados às intervenções em saúde mental, o que contribui para a majoritária associação da figura do psicólogo ao ambiente clínico. No entanto, uma pesquisa realizada pela Associação Americana de Psicologia (APA) aponta que poucas pessoas percebem a Psicologia como uma ciência e raramente lembram do psicólogo como um pesquisador dos processos mentais e comportamentos, apesar de haver um determinado consenso sobre a importância do estudo desses tópicos na resolução dos problemas atuais.

Os resultados denunciam um déficit no conhecimento público sobre a Psicologia, o que pode ajudar a explicar por que a profissão do psicólogo não foi identificada, nessa pesquisa, como tendo um grande impacto na vida das pessoas, além de possibilitar entender melhor a maneira como essa área ainda é subvalorizada quando comparada a outros ramos de estudo. Diante disso, alguns esclarecimentos precisam ser feitos.

É preciso que o público geral saiba que a pesquisa psicológica é chave para entender muitos dos desafios dos dias de hoje, incluindo os associados aos cuidados em saúde. Durante décadas os psicólogos vêm utilizando o método científico com o intuito de investigar inúmeros aspectos da vida cotidiana e buscar as melhores estratégias baseadas em evidências para resolver problemas e promover o bem-estar. Os estudos em Psicologia, assim como em qualquer outra ciência, envolvem delineamentos bem definidos, incluindo procedimentos de coleta e mensuração de dados, assim como técnicas avançadas de análise estatística, que permitem a melhor organização e interpretação dos resultados.

É preciso que as pessoas tenham conhecimento da contribuição da Psicologia nos mais diferentes setores da vida humana, não apenas como uma profissão, mas também como uma ciência. A aplicação das pesquisas psicológicas vem ajudando a reduzir os impactos negativos das doenças no governo e na sociedade em geral, assistindo indivíduos com dificuldades de aprendizagem, ampliando o entendimento de como crianças pensam e processam informações, auxiliando no desenvolvimento de novos métodos de ensino e contribuindo no exercício da justiça. E esses são apenas alguns dos meios pelos quais a Psicologia tem colaborado para a melhoria da qualidade de vida.

É preciso entender que o psicólogo é, sim, um profissional da saúde, mas que pode permear uma variabilidade de ambientes, compondo inclusive a força de trabalho de algumas das companhias e organizações mais bem-sucedidas do mundo, como a Google e a NASA. Existem psicólogos trabalhando para governos federais em vários países e em renomadas organizações de saúde, nas quais desenvolvem programas para a promoção do bem-estar em diferentes lugares. A atuação do psicólogo não se resume ao ambiente clínico, tampouco pode ser desvinculada de sua base científica.

É preciso reconhecer a Psicologia como um campo de estudos fundamental para a manutenção da vida em sociedade no presente e um instrumento para a ampliação do bem-estar social e individual. Por fim, é imprescindível entender também que ciência e Psicologia são indissociáveis, não podendo ser admitidas práticas psicológicas cujos princípios não estejam apoiados em evidências e pesquisas prévias.

 

Fontes: https://www.apa.org/science/about/psa/2012/03/about-psychology

https://www.psychologytoday.com/us/blog/theory-knowledge/201601/the-is-psychology-science-debate

https://www.apa.org/action/science





A prática profissional do psicólogo no Brasil: marcos históricos e desafios (nada) atuais

Postado por Maísa Carvalho

No dia 27 de agosto de 1964, através da lei 4.119/64, a psicologia obteve sua prática profissional devidamente regulamentada no Brasil. Não obstante, a trajetória feita até esse marco histórico foi iniciada ainda no século anterior, podendo ser dividida de forma educativa em três grandes períodos, sendo eles:

Pré-profissional (1833-1890)

Os primeiros passos da psicologia no Brasil surgiram com a criação das faculdades de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro (RJ) em 1833. Nelas os médicos apresentavam grande interesse acerca de temas psicológicos principalmente relacionados à higiene mental, psiquiatria forense e psicologia experimental – crescente no cenário internacional. Apesar da ciência médica ter se apropriado em maior proporção de estudos e pesquisas concernentes à psicologia, o comportamento humano e sua subjetividade também era de grande interesse de saberes como a filosofia, pedagogia e teologia.

De profissionalização (1890/1906-1975) e Profissional (1975-atual)

A medicina e a educação foram dois saberes que impulsionaram o processo de profissionalização da psicologia no Brasil. A aproximação da psicologia com a educação veio primeiro a partir da Reforma Benjamim Constant (1890), que incorporou a disciplina de Psicologia nos currículos das escolas normais, proporcionando o início desse processo. Em 1906 foi criado o primeiro laboratório de psicologia experimental no Brasil, com posterior inclusão obrigatória da psicologia nos currículos dos cursos de pedagogia. Concernente à medicina, a materialização do interesse pelo saber psicológico ocorreu com a criação de um laboratório de psicologia experimental dentro da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro no RJ. Fatos posteriores como a criação de um currículo totalmente dedicado à psicologia em 1957 no Rio e em São Paulo, o curso pioneiro na Pontifícia Universidade Católica, a criação do curso na Universidade de São Paulo (USP) em 1958, o primeiro mestrado em 1966 e o de doutorado em 1974 levaram aos dois marcos mais importantes desse período: a criação dos Conselhos Regionais de Psicologia pela Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971 e o surgimento do primeiro código de ética através da Resolução nº 8 de 02 de fevereiro de 1975 do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

O primeiro código de ética surgiu em um momento de efervescência profissional, visto que a década de 70 foi marcada por um crescimento significativo de profissionais formados em psicologia decorrentes dos surgimentos de cursos universitários particulares e também por uma demanda de serviços psicológicos – tido na época como fator de status social. Assim, desde seu surgimento até o momento presente, o psicólogo no Brasil ainda vivencia alguns dilemas identitários e profissionais.

 

Desafios (nada) atuais

Ao longo desse processo de definição e identidade, a prática profissional do psicólogo foi atravessada por obstáculos que se estendem até o presente. Dados e pesquisas das décadas de 70 e 80 sinalizavam - além de outros aspectos identitários - que a psicologia era exercida na tríade educação-trabalho-clínica, sendo esta última a área de atuação predominante. Em 2020, aos 56 anos da psicologia no Brasil, levantamentos realizados pelo CFP e por demais pesquisadores apontam que essa continua sendo a realidade do psicólogo no país: uma profissão feminina, jovem, mal remunerada e preferencialmente clínica. Ainda que seja considerada uma ciência moderna e uma profissão recente no país, o saber psicológico é flexível e passível de ser inserido em áreas que vão além da prática clínica, a exemplo da saúde, social, jurídica, esporte, dentre outras. Entretanto, os currículos dos cursos de psicologia ainda são pautados em fatos, personalidades históricas e teorias, além da inclinação à área clínica. Dessa forma, tornam-se ultrapassados, pouco científicos e homogêneos, não acompanhando as necessidades e evoluções urgentes à própria área do saber, que sofre com a desvalorização profissional, apropriação por outras áreas do saber e confusão identitária dos profissionais em formas de atuação que fujam à prática clínica convencional.

Em conclusão, é possível perceber que os desafios vivenciados pela psicologia no Brasil possuem um caráter sintomático que precisa ser superado com urgência. Faz-se necessário que o saber psicológico e sua prática sejam continuamente construídos de uma forma que valorizem sua riqueza científica e multiplicidade de práticas, buscando superar os obstáculos que são entraves ao processo de consolidação desse saber como necessário e relevante para o crescimento da humanidade.

 

Fontes:

Cassepp-Borges, V. (2013). Desafios para o futuro da Psicologia: Contribuições da Psicologia na construção do conhecimento no século XXI. Psicologia: Ciência e Profissão33(spe), 14-23. Recuperado em 15 de agosto de https://www.scielo.br/pdf/pcp/v33nspe/v33speca03.pdf

Conselho Federal de Psicologia. Quantos somos. Recuperado em 15 de agosto de 2020 de http://www2.cfp.org.br/infografico/quantos-somos/

Pereira, F. M., & Pereira Neto, A. (2003). O psicólogo no Brasil: Notas sobre seu processo de profissionalização. Psicologia em estudo8(2), 19-27. doi: 10.1590/S1413-73722003000200003




quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Sintomas de insônia, percepção de estresse e estratégias de enfrentamento em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico

  Palagini, L., Mauri, M., Faraguna, U., Carli, L., Tani, C., Dell'Osso, L., Mosca, M., & Riemann, D. (2016). Insomnia symptoms, perceived stress and coping strategies in patients with systemic lupus erythematosus. Lupus, 25(9), 988–996. https://doi.org/10.1177/0961203316631630.

Resenhado por Kelyane Sousa 

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença crônica, multissistêmica, inflamatória e autoimune caracterizada por uma variedade de manifestações clínicas. Algumas manifestações neuropsiquiátricas são frequentemente observadas em pessoas com LES e interferem significativamente na qualidade de vida, nas relações sociais e na produtividade dos pacientes.

Nas últimas décadas, o curso do LES é caracterizado por surtos recorrentes que têm sido relacionados ao estresse, à depressão e a distúrbios do sono, podendo levar à incapacidade progressiva. Evidências apontam que condições de perda de sono podem atuar como um estressor neurobiológico, conduzindo à superativação do sistema nervoso simpático e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. EM decorrência, surgem respostas pró-inflamatórias que, por sua vez, podem afetar na modulação da depressão, dor e fadiga.

Diversos estudos estabelecem a relação entre estresse e exacerbação da doença e recomendam que pacientes com lúpus reduzam o estresse percebido. Deste modo, é importante a forma como o paciente se auto regula e reduz o estresse através de estratégias de coping (enfrentamento). Consequentemente, respostas desadaptativas são consideradas fatores de risco psicológico e têm relação com a saúde e bem-estar geral de pessoas com lúpus, interferindo no curso da doença, qualidade de vida e bem-estar mental.

Os autores pesquisaram a relação entre estresse percebido, insônia e coping no LES através da avaliação de dois grupos de pacientes com lúpus, um com sintomas de insônia e outro sem. Participaram do estudo 90 mulheres diagnosticadas com lúpus. Os resultados apontam que pacientes com LES e insônia, em comparação aos pacientes com LES mas sem insônia, mostraram aumento do estresse percebido, estratégias de enfrentamento menos eficazes e maiores taxas de sintomas depressivos. Especificamente, o grupo de mulheres com insônia apresentou pior qualidade do sono, baixa frequência de uso de medicamentos para dormir (apesar dos problemas com o sono), taxas mais altas de sintomas depressivos, e escores mais altos de estresse percebido. Além disso, relataram ter menos engajamento comportamental, maior culpabilização e fazerem uso mais frequentemente de estratégias de enfrentamento voltadas à emoção, que são consideradas menos eficazes para pacientes portadores de doença crônica.

Os resultados sugerem intervenções relacionadas à insônia como forma de prevenção à depressão em pacientes com lúpus, pois indivíduos com lúpus e sintomas de insônia podem apresentar maior risco negativos para a saúde. Além disso, a relação entre insônia, estresse percebido e estratégias de coping ineficazes denotam a necessidade e importância do papel do psicólogo da saúde na reestruturação cognitiva do paciente, no manejo de transtornos relacionados ao sono e na elaboração de estratégias de enfrentamentos eficazes.




terça-feira, 25 de agosto de 2020

A invisibilidade lésbica em estudos da saúde

 Resenhado por Luiz Guilherme L. Silva

Marques, A. M., Oliveira, J. M. D., & Nogueira, C. (2013). A população lésbica em estudos da saúde: Contributos para uma reflexão crítica. Ciência & Saúde Coletiva18(7), 2037-2047.

 

A sigla LGBTQ+ agrupa diversas identidades não heterossexuais, mas que possuem particularidades em vários aspectos, como os fatores que influenciam o processo saúde-doença. Desde o século XX, há um intenso debate acerca do gênero e da sexualidade. As identidades não heterossexuais eram consideradas patologias segundo a primeira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-I), em 1952. A partir de movimentos sociais e de psiquiatras e psicólogos, a homossexualidade foi retirada do DSM em 1973; entretanto, a transexualidade continuou categorizada como transtorno até 2018. Assim, esse texto objetiva abordar alguns aspectos da saúde de mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM) e lésbicas e como a pouca visibilidade desse grupo minoritário pode agravar o processo saúde-doença.

As minorias sexuais possuem um histórico de preconceito e discriminação, o que acarreta a baixa procura por serviços de saúde. Vale ressaltar, nessa perspectiva, o estresse de minoria, cujo conceito é uma gama de estressores próprios vivenciados pelos grupos minoritários, que têm a capacidade de agravar o status de saúde desses indivíduos (Meyer, 1995). Em estudos sobre a saúde LGB, encontra-se vasta literatura sobre homens gays e IST, mas poucos têm como foco mulheres lésbicas. Isso se deve, em parte, ao viés da marginalização, ou seja, a estigmatização de minorias sexuais desfavorece a afirmação de sua identidade. Porém, alguns estudos identificaram que mulheres lésbicas e bissexuais têm maior tendência à dependência de álcool e substâncias ilícitas, bem como ao sofrimento psicológico, ansiedade, depressão, ideação suicida e transtornos psiquiátricos (King et al., 2008; Mercer et al., 2007).

Em relação aos comportamentos preventivos em saúde, verifica-se uma baixa adesão à mamografia, ao autoexame da mama e exame citopatológico, assim como práticas preventivas de IST durante o sexo. As lésbicas citam as mesmas razões que as heterossexuais, a saber: desconforto, desmotivação e emoções negativas relacionadas ao exame preventivo do câncer de mama. Além disso, as lésbicas creem que, se não têm relações sexuais com penetração peniana, o risco de câncer de colo do útero é menor. Outra crença que não condiz à realidade é acerca das IST, exclusivamente o HIV, uma vez que uma parcela das mulheres lésbicas associam a infecção aos comportamentos heterossexuais prévios ou ao uso de substâncias injetáveis. Outro fator que dificulta a promoção de uma sexualidade saudável nesse grupo é a inexistência de preservativos que contemple o sexo entre mulheres, visto que eles são feitos para atividades sexuais nas quais há um pênis na relação.

Existem inúmeras lacunas na literatura acerca da saúde das MSM e lésbicas que precisam ser preenchidas como forma de mitigar as inequidades em saúde. Uma dessas inequidades pode ser diminuída por profissionais de saúde em prática clínica, como médicos, ginecologistas e psicólogos ao não pressupor a heterossexualidade e a cisgeneridade para quaisquer pacientes. Tal pressuposição fundamentada na heteronormatividade denota escassez de conhecimentos acerca da sexualidade e uma não adequação da prática clínica à realidade do indivíduo. Ressalta-se aos ginecologistas que, sempre quando for necessário, pergunte às pacientes quanto à sua orientação sexual a fim de poder fazer um melhor aconselhamento profissional com base na atividade sexual, visto que essa atitude é pouco vista nesses profissionais de saúde.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Desenvolva suas habilidades de enfrentamento

 Traduzido e adaptado por Michelle Leite

 

O enfrentamento (coping) pode ser definido como os esforços que fazemos para gerenciar situações que avaliamos ser potencialmente prejudiciais ou estressantes. Aqueles que lidam melhor possuem uma diversidade de estratégias de enfrentamento flexíveis para preparar suas respostas a uma situação. As habilidades de coping envolvem: gerenciamento de estresse, de tempo, solução de problemas, tomada de decisões e gestão do estilo de vida. Uma outra forma que podemos aprimorar nossos mecanismos de enfrentamento é melhorar ou desenvolver nossa resiliência. A resiliência é o processo de se adaptar bem diante de adversidades, traumas, ameaças ou outras fontes significativas de estresse. Cuidar de um ente querido com uma doença incapacitante ou estar em quarentena por um longo período são exemplos de fontes significativas de estresse. Resiliência não é algo com que nascemos; mas é algo que todos podem aprender e desenvolver.

A Associação de Psicologia Americana (APA) listou 10 estratégias que podemos adotar para ajudar a construir a resiliência:

Faça conexões. Mantenha bons relacionamentos com parentes e amigos próximos (mesmo que virtualmente); aceite ajuda e apoio de quem se preocupa com você; ajude outros em seus momentos de necessidade.

Evite ver as crises como problemas intransponíveis. Tente olhar além do presente para ver como as circunstâncias futuras podem mudar e ser melhores. Observe todas as maneiras sutis pelas quais você já pode estar se sentindo melhor ao lidar com circunstâncias difíceis que está enfrentando atualmente.

Aceite que a mudança faz parte da vida. Tente aumentar sua flexibilidade e entenda que alguns objetivos podem não ser mais atingíveis. Aprender a aceitar as circunstâncias que não podem ser mudadas, lhe ajudará a concentrar sua atenção nas circunstâncias que você pode mudar.

Mova-se em direção ao seu objetivo. Desenvolva objetivos realistas e divida-os em objetivos menores e alcançáveis.

Tome ações decisivas. Se for do seu alcance, aja em situações adversas o mais rápido que puder. Aja em vez de se desligar dos problemas e desejar que eles desapareçam.

Procure oportunidades de autodescoberta. Avalie e reestruture suas situações adversas e examine as maneiras como você cresceu no processo de lidar com elas. Pessoas que passaram por tragédias e intensas dificuldades pessoais relataram relacionamentos melhores, maior senso de força própria, maior autovalorização, uma espiritualidade mais desenvolvida e um maior apreço pela vida.

Cultive uma visão positiva de si mesmo. Desenvolva a confiança em sua capacidade de resolver problemas.

Mantenha as coisas em perspectiva. Tente considerar as situações estressantes em um contexto mais amplo e mantenha uma perspectiva de longo prazo.

Mantenha uma perspectiva otimista. Tente visualizar o que você quer, em vez de se preocupar com o que teme. Uma perspectiva otimista lhe permite esperar que coisas boas aconteçam na vida.

Se cuide. Preste atenção às suas próprias necessidades e sentimentos. Participe de atividades que você considere divertidas e relaxantes, como exercícios (em casa), entretenimento e hobbies.

Fonte: https://www.hopkinsmedicine.org/about/community_health/johns-hopkins-bayview/services/called_to_care/develop_battery_coping_skills.html

domingo, 23 de agosto de 2020

Intervenções não farmacológicas para o enfrentamento à epidemia da COVID-19 no Brasil

  Garcia, P. L., Duarte, E. (2020). Intervenções não farmacológicas para o enfrentamento à epidemia da COVID-19 no Brasil. Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 29(2).

Resenhado por Renata Elly

A Covid-19 foi considerada uma Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em fevereiro de 2020, além disso, foi também declarada como pandemia em março do corrente ano. No período atual as vacinas ainda estão em testes e não existe evidência sobre a imunidade prévia dos seres humanos, por isso, intervenções não farmacológicas (INF) são indicadas. Tais alternativas visam diminuir a transmissão entre seres humanos, desacelerar o espalhamento da doença, e consequentemente diminuir ou postergar o pico de ocorrência da curva pandêmica.

As INF são medidas de saúde pública com alcance individual, ambiental e comunitário. Em relação à Covid-19, as medidas de caráter individual incluem a lavagem de mãos, uso de máscara, distanciamento social e a prática voluntária de não frequentar locais com aglomeração de pessoas. As medidas ambientais referem-se ao arejamento e exposição solar dos ambientes, limpeza rotineira. O vírus pode permanecer estável fora do corpo, por isso é necessário atenção máxima nas superfícies, como os botões de elevadores, maçanetas, apoios em transportes públicos, celulares, etc.

As medidas comunitárias são ações tomadas por gestores e líderes comunitários, incluindo a restrição ao funcionamento das escolas, de estabelecimentos comerciais, teatros, eventos sociais, serviços que não são considerados essenciais. A adoção de tais medidas possui impactos importantes nas atividades diárias, na vida das pessoas e da sociedade. Países que adotaram medidas rígidas no isolamento social tiveram sucesso em reduzir a propagação do vírus, a exemplo da Nova Zelândia e Dinamarca. No Brasil, o número de casos ainda é crescente, o que poderia ser diferente se as medidas tivessem sido iniciadas nos primeiros casos e fosse longa o suficiente para cobrir a curva pandêmica.

A implementação de determinadas intervenções não farmacológicas devem ser consideradas de forma particularizada para alguns grupos vulneráveis, por exemplo a população carcerária, idosos institucionalizados, portadores de necessidades especiais, população de rua. O isolamento social, uma dessas intervenções, acarreta na deterioração da saúde mental e aumenta a vulnerabilidade de diversos grupos, como mulheres, crianças e idosos vítimas de violência doméstica e intrafamiliar, pessoas que perderam suas fontes de renda. Por isso, a atuação do Sistema Única de Saúde (SUS) é fundamental para minimizar consequências negativas.

 A Psicologia da Saúde também é importante no combate da pandemia. A atuação pode favorecer na adesão das pessoas às intervenções não farmacológicas e no fornecimento de melhores evidências que possam sustentar decisões efetivas dos gestores.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Transtorno do Espectro do Autismo: Diretrizes para gerenciamento durante o período de isolamento social por Coronavírus (COVID-19)

 Echavarría-Ramírez, L., Díaz-Reyes, D. V., & Narzisi, A. (2020). Trastorno del espectro autista: pautas para el manejo durante el periodo de aislamiento social por el coronavirus. Cuadernos de Neuropsicología/Panamerican Journal of Neuropsychology, 14, 37-41. doi: 10.7714/cnps/14.1.205

 

Traduzido e adaptado por Márcio Diego Reis 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento com etiologia multifatorial. Estima-se que mais de 1 a cada 100 crianças tenham essa condição. As crianças com TEA necessitam de acesso a diferentes terapias, de acordo com suas necessidades, para aprimorar e/ou desenvolver suas habilidades. Desde que começaram as notificações dos primeiros casos de Coronavírus (COVID-19) no mundo, muitos governos estabeleceram medidas restritivas que geraram um grande impacto psicológico nas pessoas. Para os pais que têm filhos com TEA, gerenciá-los durante a quarentena pode se tornar um grande desafio.

Em geral, as crianças com TEA costumam ter intervenções por muitas horas semanais em casa, em hospitais e/ou instituições especializadas. No entanto, neste momento, devido às medidas de contenção, para evitar o contágio, é quase impossível que famílias e crianças sejam fisicamente assistidas por seus terapeutas, o que exige um gerenciamento cuidadoso para evitar um aumento no estresse dos pais e uma exacerbação dos problemas de comportamento das crianças. As mudanças de rotina exigidas pela pandemia podem causar sofrimento e mudanças no comportamento. Nesse sentido, ao fazer uma revisão de diferentes estudos, algumas diretrizes foram elaboradas e resumidas em dez sugestões, com o objetivo de ajudar as famílias a gerenciar crianças com TEA durante esse período de permanência em casa.

 

DICAS PARA AJUDAR PAIS E CUIDADORES DE CRIANÇAS COM TEA

 

1- Explique à criança "o que é COVID-19" - Crianças com TEA têm pensamento e estilo cognitivos específicos, o que exige uma explicação simples e concreta. Se possível, peça ajuda ao terapeuta da criança para essa tarefa.

2- Estruture as atividades da vida cotidiana - A casa é o único ambiente em que as atividades ocorrerão. Seria útil subdividir as atividades diárias, na medida do possível, atribuindo um ambiente diferente para cada uma delas.

3- Ofereça atividades lúdicas semiestruturadas - As crianças com TEA podem achar alguns tipos de brincadeiras difíceis. As atividades estruturadas ou semiestruturadas que seguem um funcionamento pré-definido, como o LEGO, podem ser uma boa alternativa para as crianças.

4- Utilize jogos formativos ("Jogos Sérios") - Eles podem ser úteis para melhorar a cognição social e reconhecer emoções faciais, gestos e situações emocionais em crianças com TEA.

5- Permita que utilizem os jogos de vídeo compartilhados - Os videogames e a internet, supervisionados, são extremamente atraentes para crianças com TEA.

6- Compartilhe dos interesses "específicos" da criança. – As crianças com TEA costumam ter interesses específicos (trens, mapas, geografia, eletrônica, história...). E benéfico o apoia dos pais e/ou cuidadores por esses interesses.

7- Atendimento psicológico on-line para crianças com alto funcionamento - É muito importante que as crianças continuem o acompanhamento psicoterapêutico. Isso pode reduzir a ansiedade

8- Atendimento psicológico on-line para pais e cuidadores - Os pais de crianças com autismo experimentam mais estresse. Pode ser muito útil ser acompanhado por um psicoterapeuta.

9- Mantenha o contato com a escola - O relacionamento das crianças com seus professores e colegas tem impacto no aprendizado. Essa relação, mesmo à distância, deve ser mantida.

10-Dê à criança tempo livre - As crianças com TEA devem ser incentivadas a algumas atividades, conforme indicado em todas as dicas anteriores, mas também é possível deixá-las com uma quantidade adequada de tempo livre durante o dia.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Estratégias de enfrentamento e qualidade de vida relacionada à saúde após o AVC

 Coping strategies and health-related quality of life after stroke

 

Lo Buono, V., Corallo, F., Bramanti, P., & Marino, S. (2017). Coping strategies and health-related quality of life after stroke. Journal of Health Psychology, 22, 16-28. doi: 10.1177/1359105315595117

Resenhado por Geovanna Turri

 O acidente vascular cerebral (AVC) é a terceira principal causa de morte nos países ocidentais. A taxa de ocorrência do AVC é estimada em cerca de 75% em pacientes com mais de 65 anos. Os pacientes que sofrem um AVC apresentam alto risco de morte durante as primeiras semanas após o evento, e cerca de 20 a 50% morrem no primeiro mês, a depender da idade, gravidade e comorbidades. O AVC causa uma piora significativa da qualidade de vida relacionada à saúde, acarretando sérias consequências que podem causar mudanças na vida das pessoas, tanto física como emocional e socialmente, a exemplo de ansiedade, estresse pós-traumático, incapacidade de manter o próprio papel social, dificuldade de interação, entre outras coisas. Nesse contexto, um importante fator psicossocial que influencia a qualidade de vida após o AVC são as estratégias de enfrentamento utilizadas para lidar com situações de doenças.

As estratégias de enfrentamento são modalidades cognitivas e comportamentais empregadas para gerenciar o impacto negativo de situações estressantes e a depender do sucesso ou falha deste processo, o enfrentamento pode ser definido como funcional (adaptação) ou disfuncional (aumento do estresse). Somente nos últimos anos, os estudos sobre AVC estão começando a focar nos desfechos psicológicos, como qualidade de vida e bem-estar subjetivo. Diante disso, o presente artigo realizou uma revisão descritiva de estudos que investigaram se os níveis de qualidade de vida foram influenciados pelas estratégias de enfrentamento utilizadas por pacientes com AVC.

Os autores pesquisaram os bancos de dados PubMed e Web of Science. Das 389 publicações iniciais, apenas 6 estudos atenderam aos critérios de inclusão. Todos os estudos conduziram pesquisas com 506 sobreviventes de AVC e examinaram a associação entre qualidade de vida e estratégias de enfrentamento. Os autores identificaram 8 medidas diferentes de qualidade de vida e 3 medidas de enfrentamento.

Em geral, os resultados mostraram que os pacientes que preferem estratégias de enfrentamento acomodativas ou ativas tiveram uma melhor qualidade de vida após o AVC quando comparados aos pacientes que adotaram o enfrentamento assimilativo. Após o AVC, muitos pacientes relatam uma redução na qualidade de vida e o bem-estar parece ser o componente mais afetado. Além disso, os autores também observaram que as consequências emocionais do AVC, como sensação de perda e decepção com o processo de recuperação, aumentaram o risco de um segundo AVC, bem como de morte.

Em suma, a presente revisão apontou algumas implicações importantes para a gestão preventiva que deve ser realizada durante a reabilitação e recuperação da atividade funcional pós AVC. Ressalta-se que mais atenção deve ser direcionada a fatores psicológicos, a fim de ajudar pacientes a criarem os recursos necessários para lidar com a vida após um AVC. Assim, a psicologia da saúde pode auxiliar pacientes gravemente prejudicados pelos déficits residuais do AVC, ajudando na modificação de estratégias desadaptativas durante a reabilitação. Por fim, ressalta-se que programas de treinamento podem aumentar o processo de aceitação das consequências e ajudar a otimizar a qualidade de vida após o AVC, se realizado na fase aguda.

domingo, 16 de agosto de 2020

O que fazer quando amigos e familiares não estão levando a COVID-19 a sério

Traduzido e adaptado por Luanna Silva

No estado atual do mundo, é provável que você tenha alguém em sua vida que simplesmente não está levando o vírus (e as precauções para retardar sua disseminação) a sério. E embora você possa sentir que precisa evitá-los ou eliminá-los de sua vida até que a pandemia passe, existem algumas coisas que você pode tentar antes de recorrer a medidas mais extremas. Especialmente se você mora com pessoas que não concordam com as medidas de segurança em relação a COVID-19, estabelecer limites é essencial para o seu bem-estar físico e mental. Você pode definir limites em torno de tudo, desde o que vai falar e se envolver, até o que está disposto a fazer fisicamente com alguém que não está levando as coisas a sério.

"Definir um limite com os membros da família pode parecer desconfortável no início, mas é uma maneira saudável de deixar os outros saberem o que podem esperar de você. Quando se trata de medidas de segurança, diga aos membros da família quais são suas expectativas em sua casa e quando estão ao seu redor ", diz o Dr. Capanna-Hodge, psicólogo e especialista em saúde mental integrativa. Quando você informa seus amigos e familiares sobre suas expectativas, é provável que eles se sintam confusos ou até chateados no início, mas é importante comunicar suas necessidades e expectativas. "Você só pode controlar a si mesmo, você não pode controlar os outros, então estabelecer esses limites ajuda a proteger sua saúde mental e reduzir seu estresse".

            Se você deseja compartilhar informações ou discutir medidas de segurança, pode fazê-lo de uma forma que comunique sua preocupação, mas sem críticas. "Ao falar com um familiar querido sobre questões como COVID, sua pressão arterial, exercícios físicos ou qualquer tópico relacionado à saúde, é sempre melhor começar de um lugar de amor e apoio. Pergunte o que você pode fazer para ajudar em vez de criticar ", explica o Dr. Capanna-Hodge. Também é útil usar declarações utilizando "eu" ao conversar com amigos e familiares, para que eles entendam de onde sua preocupação vem. Por exemplo, dizer "Pai, estou preocupado com a sua saúde e, portanto, não quero expô-lo ao vírus se eu for aí te visitar". Lembre-se de que algumas pessoas, especialmente idosos, são resistentes a mudanças. Portanto, saiba quando é hora de parar de pressioná-los.

Fonte: https://www.cnet.com/health/what-to-do-when-friends-and-family-arent-taking-covid-19-seriously/

sábado, 15 de agosto de 2020

Resiliência, burnout e mecanismos de enfrentamento em médicos do Reino Unido: Um estudo transversal

 Resilience, burnout and coping mechanisms in UK doctors: A cross-sectional study

 

Mckinley, N., McCain S., Convie, L., Clarke, M., Dempster, M., Campbell, W. J., & Kirk, S. J.  (2019). Resilience, burnout and coping mechanisms in UK doctors: A cross-secional study. BMJ Open, 10(e031765). doi: 10.1136/bmjopen-2019-031765. 

Resenhado por Luana C. Silva-Santos

A sobrecarga de trabalho é uma característica de profissões como a medicina e fortemente associada ao fato de médicos terem maior risco de desenvolver ansiedade, depressão e abuso de substâncias. Além disso, a natureza do trabalho de um médico o expõe com frequência a situações com alta carga estressora. Em conjunto, sobrecarga de trabalho e alta percepção de estresse são os principais fatores que levam a predisposição ao burnout, como é conhecido o esgotamento profissional. São necessárias estratégias de enfrentamento (coping), que são esforços realizados para lidar, reduzir ou tolerar situações percebidas como estressoras. A capacidade de se recuperar de estresses ou adversidades significativas é denominada resiliência, influência por fatores biopsicossociais como personalidade, suporte social, fatores institucionais. Nesse contexto, Mckinley et al. (2019) objetivaram avaliar resiliência, qualidade de vida profissional, burnout e coping em médicos do Reino Unido.

Um total de 1651 médicos responderam questionário online de 90 itens composto pelas escalas Connor Davidson Resilience Scale (CD-RISC), Professional Quality of Life Scale (ProQOL) e Brief Cope, além de questões sociodemográficas. Foi considerado o burnout como desfecho e as demais variáveis como covariáveis em um modelo de regressão linear. A média de pontuação na variável resiliência foi inferior às normas populacionais [Média (M) = 65,01], mas superior em relação aos valores de burnout (M = 28,1) e estresse traumático secundário (M = 23,7). A estratégia de coping mais relatada foi a autodistração. No modelo de regressão, estratégias de coping desadaptativas, desligamento comportamental e abuso de substâncias foram preditores do desenvolvimento do burnout.

Os resultados do estudo sugerem grupos específicos de médicos com pior qualidade de vida profissional e relatando maior cansaço, em geral aqueles que trabalham na linha de frente de emergências. Tais achados enfatizam a importância de direcionar atenção à qualidade do ambiente profissional, tanto do ponto de vista profissional como interpessoal. Além disso, demonstrou que estratégias desadaptativas de coping foram associadas ao desfecho burnout, o que denota o importante papel do profissional da psicologia na construção de estratégias eficazes e direcionadas ao coping como forma de prevenção do esgotamento profissional.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Definição de preocupações parentais: Revisão sistemática de literatura

 Algarvio, S., & Leal, I. (2016). Parental concerns definition: A literature review. Psicologia, Saúde & Doenças17(3), 423-440. doi:10.15309/16psd170310

Resenhado por Millena Bahiano 

A literatura tem evidenciado que a avaliação das preocupações parentais é considerada fundamental na prática clínica. No entanto, nem sempre esses critérios relativos às preocupações parentais se encontram bem definidos e refletem diferentes níveis de análise. Para os pais, a preocupação pode ser expressa como proteção, envolvimento, apoio e encorajamento ou mesmo como raiva, quando a criança, por exemplo, apresenta comportamentos que podem colocar o seu desenvolvimento em risco.

O presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura sobre preocupações parentais. Para tanto, foi realizada uma com a palavra-chave parental concerns. As bases de dados escolhidas foram MEDLINE, ERIC, PsycINFO, PsycARTICLES, Academic Search Complete, Education Research Complete, PEP Archive, Psychology e Behavioral Sciences Collection. Ao final, 128 artigos de um total de 4130 estudos primários foram selecionados. Os estudos foram agrupados em 7 categorias a partir dos temas identificados: definição de preocupações parentais, determinantes de preocupações parentais, preocupações parentais preditivas de problemas das crianças, preocupações parentais preditivas do comportamento parental, resultado de preocupações parentais, influência das preocupações parentais nos técnicos de saúde e preocupações parentais e estratégias de intervenção.

Os resultados demonstraram que as preocupações parentais foram um aspecto esperado e positivo da parentalidade. Vários estudos forneceram evidências de que as preocupações dos pais incidiram em alta sensibilidade na identificação de atrasos motores, cognitivos, da linguagem e do desenvolvimento. Verificou-se na pesquisa que a preocupação com as necessidades da criança permitiu a formação de laços interpessoais fortes, sendo preditivo de resultados positivos para comportamentos durante a infância e a adolescência. As preocupações parentais também foram associadas à pró-atividade de mães de crianças com algum tipo de deficiência, hemofílicas e com sobrepeso, sendo consideradas fundamentais para o fortalecimento do vínculo e envolvimento dos pais no processo de cuidados.

No geral, a influência do comportamento parental contribuiu positivamente no desenvolvimento infantil e a elevada sensibilidade dos pais em relação aos problemas das crianças também foi eficaz para os cuidados prestados pelos profissionais de saúde. Ademais, para a psicologia da saúde, a compreensão sobre as preocupações parentais pode resultar em benefícios para a relação dos pais com a criança e favorecer estratégias que proporcionem melhor ajustamento frente às situações de adoecimento e conflitos.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Nível de estresse, exaustão profissional e coping em profissionais de enfermagem num serviço de cuidados paliativos em situações agudas

 Silva, N., J., R. & Neto, H., V. (2018). Nível de estresse, exaustão profissional e coping em profissionais de   enfermagem num serviço de cuidados paliativos em situações agudas. International Journal on Working Conditions, 15 , 96-112.

Resenhado por Franciely Santos

Os cuidados paliativos são voltados para pacientes que estão em situações de intenso sofrimento e/ou na fase terminal da vida. Tem o objetivo de auxiliar para que o enfermo nesse momento tenha uma melhor qualidade de vida, tentando amenizar o sofrimento, assim como auxiliando os familiares e preparando-os para a perda. Os profissionais que trabalham com esse direcionamento, além dos estressores diários que o ambiente institucional traz, a exposição frequente a situações de morte é visto como mais um fator de risco para o burnout. As estratégias de coping podem ajudar esses profissionais.

Foi utilizado nesse estudo um questionário sobre exposição a situações de estresse e exaustão profissional em atividades de saúde. Esse questionário foi dividido em 4 blocos. O primeiro relacionado a Escala de estresse em atividades de enfermagem(NSS), com 34 itens; o segundo com 21 itens referente ao Inventário de coping em situações estressantes(CISS-21); no terceiro utilizou-se o Maslach Burnout Inventory - (MBI-HSS) com 22 itens e o quarto bloco foi composto por questões socioprofissionais. Participaram do estudo 16 enfermeiros de uma unidade de cuidados paliativos do foro oncológico, divididos em menos e mais experientes.

Foi apurado o nível de cansaço antes e após a jornada de trabalho, os mais experientes se disseram mais cansados nos dois momentos em comparação ao grupo menos experiente. Já em relação a exposição ao estresse, no grupo mais experiente o total pontuado foi de 93 enquanto que no menos foi de 85. Ao analisar as estratégias de coping, a estratégia voltada para o problema foi a mais pontuada nos dois grupos, seguidas de evitamento e gerenciamento de emoções. As médias em relação ao inventário de burnout mostrou que os dois grupos apresentaram níveis de realização pessoal altos, seguidos de exaustão emocional, e por fim a despersonificação.

O fator visto como mais estressante para os dois grupos foi “carga de trabalho”, seguido de situações relacionadas “a morte e o morrer” para os mais experientes, e nos menos experientes é “preparação inadequada para lidar com as necessidades emocionais dos doentes e dos seus familiares”. Referente as estratégias de coping, os menos experientes tiveram uma alta pontuação para a gestão de emoções, que pode estar relacionado a falta de prática em utilizar as estratégias voltadas para a tarefa, enquanto que os mais experientes já estão mais habituados a essas condutas diárias.

Portanto, apesar da alta pressão depositada nos profissionais de saúde, foi visto nesse estudo que eles se encontram realizados profissionalmente. O estudo foi limitado pelo seu tamanho da amostra. Assim sendo, a Psicologia da Saúde pode contribuir com estudos mais representativos. Além disso, discussões sobre as estratégias de coping voltadas para o problema e para ambientes de trabalhos com estressores específicos seriam eficientes, visto que é uma estratégia bastante eficaz segundo a teoria.

domingo, 9 de agosto de 2020

O silêncio dos homens - Saúde e masculinidade

 Postado por Márcio Diego Reis 

As concepções e práticas relacionadas à saúde e doença estão ligadas aos diversos contextos sociais, econômicos, políticos e culturais de cada indivíduo. Os estereótipos sociais e a construção de gênero influenciam os hábitos relacionados à saúde gerando padrões de comportamento, que em nosso contexto, distanciou os homens das práticas de autocuidado, contribuindo para a negligência em relação à própria saúde e escassez de pesquisas no tema. O vídeo a seguir é trailer do documentário "O Silêncio dos Homens”, o qual traz depoimentos de homens e profissionais ligados à saúde mental e sociologia, além de dados de uma pesquisa do Consórcio de Informações Sociais (CIS) da USP (Universidade de São Paulo) que ouviu mais de 40 mil pessoas em questões relacionadas à masculinidade. De acordo com a pesquisa, os homens têm uma expectativa de vida menor do que as mulheres, se acidentam mais, compõe a maioria esmagadora da população carcerária e cometem mais suicídio.


sábado, 8 de agosto de 2020

As contribuições da psicologia nas emergências e desastres

 Melo, C. A., & Santos, F. A. (2011). As contribuições da psicologia nas emergências e desastres. Psicólogo informação, 15(15), 169-181.

Resenhado por Renata Elly

As emergências e desastres são assuntos pouco discutidos na graduação de psicologia. Situações de desastres são cada vez mais comuns no Brasil e no mundo, e frequentemente produzem um número elevado de vítimas. Fenômenos naturais, como chuvas, secas e deslizamentos, a depender do local e da vulnerabilidade da comunidade atingida, podem produzir desastres. Além disso, situações de violência urbana, doenças crônicas e acidentes são também situações que impactam à pessoa atingida e sua família. Os desastres atuais, devido ao avanço da tecnologia, já não são sofridos apenas por uma comunidade específica ou quem vive diretamente as consequências deles, pois as suas informações são veiculadas rapidamente para o mundo inteiro. O indivíduo diante tais repercussões midiáticas se sente inseguro e teme que o mesmo aconteça em seu país, consigo ou com entes queridos.

A área da psicologia das emergências e dos desastres estuda as diferentes mudanças e fenômenos pessoais envolvidos em uma catástrofe, seja esta natural ou provocada. As consequências psicológicas de um desastre são inevitáveis e a psicologia pode atuar na prevenção e redução de desastres, e no tratamento das consequências psicológicas. É recente a inserção da psicologia nos debates e reflexões nas práticas da defesa civil, sendo a área pouco difundida no Brasil. No entanto, em grande parte da América Latina, a área é bem pesquisada, e são produzidos estudos constantemente na tentativa de aperfeiçoar as técnicas e no desenvolvimento de novas estratégias de apoio psicológico as populações atingidas por uma emergência ou calamidade.

A defesa civil deve estar voltada prioritariamente para a prevenção, e a psicologia pode contribuir na elaboração de projetos didáticos de prevenção, percepção de riscos e educação ambiental. Na fase de emergência, o psicólogo pode ajudar nas consequências diretas de um desastre na vida das vítimas, da comunidade e dos profissionais. O trabalho é feito por meio da escuta atenta, entrevistas de apoio ou mesmo provendo informações básicas e precisas que possam ajudar a pessoa a se orientar e se situar diante da situação de caos. A atuação também envolve o cuidado com os profissionais que operam nessas situações, levando em conta as reações, condutas e os sentimentos desses trabalhadores.

A fase assistencial abrange especificamente a ajuda humanitária, o fornecimento de suprimentos básicos e o encaminhamento das famílias desalojadas a casas de familiares, amigos ou abrigos. Nessa fase, o psicólogo pode ajudar a identificar, com a equipe multiprofissional, os recursos disponíveis no local, como serviços de cultura, saúde, lazer e educação, inserindo a comunidade nas atividades ofertadas por esses setores. Na fase da reconstrução, o psicólogo pode auxiliar na elaboração de políticas públicas, alinhando projetos de obras e reconstrução apresentados como demanda da população.

Sendo assim, o psicólogo pode atuar em todas as fases de uma situação de emergência e desastre. Os construtos da psicologia da saúde podem auxiliar para que o profissional esteja preparado para agir nessas situações, desenvolvendo as potencialidades que cada comunidade possui, na expectativa de administrar o risco e minimizar os efeitos do desastre.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Problemas de comportamento, coping da hospitalização e qualidade de vida em crianças

Bastos, J.A., Dias, T.L., & Enumo, S.F. (2018). Problemas de comportamento, coping da hospitalização e qualidade de vida em crianças. Revista Brasileira de Qualidade de Vida, 10 (1), e8112. doi: 10.3895/rbqv.v10n4.8112.

Resenhado por: Catiele Reis

            A hospitalização em crianças pode acarretar problemas emocionais e de comportamento. Estes, por consequência influenciam no coping da hospitalização na Qualidade de Vida QV, especialmente de crianças na fase de transição para a idade escolar, inseridas no contexto hospitalar por doenças crônicas. A pesquisa mostrada aqui teve como objetivo analisar problemas de comportamento, coping da hospitalização e QV em crianças de cinco a sete anos internadas com doenças crônicas

            A amostra foi composta por 33 crianças internadas em um hospital universitário em Cuiabá (MT). Os instrumentos aplicados nas crianças foram o Kidcope (para mensuração do coping) e o Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfante Imagé (para mensuração da qualidade de vida). Os pais ou responsáveis responderam o Child Behavior Checklist (1 ½-5 anos e 6-18 anos – mensura comportamentos de enfrentamento usados pelas crianças. A análise de dados seguiu aquilo que foi preconizado em cada instrumento.

            Foram identificados problemas de comportamento internalizantes crianças mais novas (71,4%) e em crianças entre 6-7 anos (52,6%). Percebeu-se que as crianças usavam estratégias (EE) adaptativas e mal adaptativas para lidar com a hospitalização. As adaptativas mais vistas foram foram regulação emocional e a busca pelo suporte social. De modo contrário, as estratégias desadaptativas encontradas foram a autocrítica e a culpabilização dos outros. Com relação a qualidade de vida, 59,26% das crianças apresentou qualidade de vida positiva em relação à família (M=10,22; DP = 2,89) e função (atividades na escola, refeições (M=8,88; DP = 3,06). Comparando os resultados encontrados com o desenvolvimento das crianças, percebeu-se que as crianças menores apresentavam EE típicos da idade, como distração, regulação emocional e suporte social. Ressalta-se que as crianças apresentaram diversificação do repertório. Já as crianças mais velhas apresentaram com maior frequência as EE de distração, pensamento mágico e busca de suporte social, mostrando um processo de autorregulação voltado para as mudanças decorrentes da doença e hospitalização, no qual a ajuda do adulto e as demandas internas se fazem presentes. Tais dados permitem afirmar que algumas crianças precisam de suporte ou de atendimento que lhes ensinem a lidar com o estresse gerado pela hospitalização, assim como dos seus familiares (NABORS et al., 2018).

     Por fim, faz-se importante ressaltar uma particularidade da amostra que foi a presença de comportamentos prévios à hospitalização, a exemplo dos sintomas ansiosos e depressivos, comuns em doenças crônicas. Associados à presença de EE mal adaptativas, esses problemas indicam a necessidade de atenção à saúde mental das crianças internadas, podendo contribuir para a melhora de sua qualidade de vida e os desfechos em saúde.