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quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Vantagens e desvantagens da terapia de exposição virtual para o transtorno de estresse pós-traumático


Barbosa, M., Valle, L. P, Moura, T. C, & Kristensen, C. H. (2018). Vantagens e desvantagens da terapia de exposição virtual para o transtorno de estresse pós-traumático. Revista Brasileira de Psicoterapia, 20(1), 81-94. https://doi.org/10.5935/2318-0404.20180008

Resenhado por Kelyane Sousa 

Nas últimas décadas, a Terapia de Exposição Virtual (TEV) vem sendo testada com bons resultados no tratamento do Transtorno Estresse Pós-Traumático (TEPT). Esse tipo de intervenção tem como ferramenta a Realidade Virtual (RV), que pode ser utilizada para avaliação e modificação de cognições, emoções e comportamentos, já que o ambiente virtual permite um bom controle sobre os estímulos e interação dos pacientes com contextos complexos. Dessa forma, é realizada a Terapia de Exposição Prolongada (TEP) com a finalidade de reduzir a ansiedade pareada com estímulos relacionados ao trauma e alcançar a reestruturação da memória traumática.

O TEPT é uma psicopatologia que ocorre posteriormente à exposição a um evento traumático diretamente experienciado, testemunhado, através do recebimento de informações sobre eventos traumáticos ocorridos com pessoas próximas de forma violenta ou acidental ou, ainda, através de exposições repetidas a detalhes aversivos de eventos traumáticos. É caracterizado por sintomas intrusivos relacionados ao evento como pensamentos, sonhos, reações dissociativas e sofrimento intenso, evitação de estímulos associados ao trauma, alterações negativas na cognição e no humor, na excitação e na reatividade fisiológica.

O objetivo desse estudo foi avaliar vantagens e desvantagens do uso da realidade virtual em comparação com outras técnicas que também se mostraram eficazes para tratar o TEPT, como a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC). A TCC tem se mostrado eficaz no tratamento do TEPT através da modificação de representações mentais que se mostrem distorcidas e do enfrentamento dos sintomas de evitação que são responsáveis pela manutenção do transtorno. Entretanto, estudos apontam que apesar da sua eficácia para o TEPT, existe um número significativo de casos que podem ser considerados refratários ao tratamento ou que o abandonam antes do seu término.

O uso da RV para o tratamento de TEPT provoca a potencialização da percepção da pessoa ao favorecer uma interação com o ambiente através de estímulos sensórios contínuos. Para que isso ocorra, o paciente deve perceber-se parte do cenário, como se estivesse em um ambiente real. Quanto mais fontes de informação (imagens, sons, cheiros, movimento) e possibilidades de interação com o ambiente virtual forem apresentadas, maior será o grau de ativação de respostas cognitivas e emocionais. O paciente é submetido a estímulos evocadores de ansiedade, aumentando, de forma gradual, a intensidade de ansiedade provocada, enquanto o mesmo se habitua a ansiedade despertada. A RV é utilizada como um sistema imaginário avançado e pode ser aplicada de forma isolada ou somada a técnicas de reestruturação cognitiva e relaxamento.

As principais vantagens para o uso desse recurso são: o aumento da motivação dos pacientes em participar deste formato de tratamento, a ausência de necessidade do uso da imaginação para ativação das respostas emocionais relacionadas ao trauma e realização da exposição em ambiente seguro. Em contrapartida, os aspectos elencados como desvantagens foram atrelados à recursos tecnológicos que, por sua vez, vêm sendo superados através da modernização e desenvolvimento de novos softwares. Para a psicologia da saúde, o uso da RV é de suma importância e merece atenção de pesquisas empíricas, visto que seu uso pode inferir na velocidade de resposta aos tratamentos, maior adesão principalmente pelo público jovem e, ainda, se apresenta como um recurso que surge para modernizar e potencializar a atuação do psicólogo diante dos casos de traumas.



terça-feira, 27 de outubro de 2020

Autocuidado e adoecimento dos homens: Uma revisão integrativa nacional

 Garcia, L. H., Cardoso, N. D., & Bernardi, C. M. (2019). Autocuidado e adoecimento dos homens: Uma revisão integrativa nacional. Revista Psicologia e Saúde, 19-33. doi: 10.20435/pssa.v11i3.933

Resenhado por Giulia 

As políticas de saúde costumam ser baseadas em grupos socialmente vulneráveis, como mulheres, crianças e idosos. Por conta disso, os cuidados em saúde da população masculina costumam ser menos noticiados, o que perpetua a desinformação entre os homens, que têm baixa adesão aos serviços de saúde.

A fim de verificar os fatores culturais, emocionais e laborais relacionados ao processo de adoecimento e autocuidado dos homens brasileiros, o presente estudo realizou uma revisão integrativa da literatura nacional sobre o tema. As buscas foram feitas nas bases de dados eletrônicas: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e nos Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) e os termos utilizados foram: “Men’s Health” AND “Self Care”. O único filtro adotado nas bases de dados foi o de artigos no idioma Português.

Os achados foram divididos em 3 categorias: fatores culturais, sentimentos manifestados e valor do trabalho na vida dos homens. Como principal fator cultural, verificou-se que as crenças patriarcais permeiam a relação dos homens com a saúde. O modelo de masculinidade prega o ideal de um homem invulnerável, forte e viril, diante do qual qualquer adoecimento é sinal de fraqueza. Assim, o autocuidado é percebido como uma prática feminina, de modo que os homens não procuram os serviços de saúde para fins de prevenção, mas apenas quando já existem sintomas.

Com relação aos sentimentos manifestados, diversos estudos apontaram que a população masculina sente impotência, desconforto, medo e constrangimento quando realizam exames, vão à uma consulta ou passam por internação hospitalar. Tal quadro de constrangimento é agravado quando o homem possui uma doença psiquiátrica.

A última categoria de achados diz respeito à posição privilegiada que o trabalho assume na vida dos homens, sendo inclusive, mais valorizado que o cuidado com sua própria saúde. A visão dos homens de si mesmos como seres cuja maior prioridade é prover para a casa e a família leva à crença de que não têm o direito de adoecer pois não podem “se dar ao luxo” de sacrificar o trabalho. Assim, a falta de tempo e o medo de perder o emprego ou de se ausentar no trabalho fazem com que os homens procurem por ajuda somente quando o estado de saúde passa a afetar a atividade laboral. Esse retardamento pode ter consequências graves pois a procura por ajuda só acontece quando a doença se encontra em estágios mais avançados, indicando uma visão curativa da saúde, ignorando os cuidados preventivos.

            Vale salientar que o desconhecimento dos homens a respeito da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) e do seu próprio corpo também estão relacionados à baixa adesão à prevenção e à visão puramente curativa da saúde. É evidente, portanto, que o autocuidado é um atributo ainda pouco desenvolvido nos homens, o que traz repercussões sérias para sua saúde.

            A Psicologia da Saúde pode atuar nesse cenário de forma a investigar outros mecanismos que possam estar associados à baixa adesão aos serviços de saúde de forma geral, principalmente os de prevenção. Além disso, pode, através de pesquisas científicas, desenvolver estratégias que visem incentivar o autocuidado em homens e diminuir os sentimentos negativos relacionados às práticas de saúde.



segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Arteterapia: A arte como instrumento no trabalho do psicólogo

 

Reis, A. C. (2014). Arteterapia: A arte como instrumento no trabalho do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão, 34, 142-157, doi:10.1590/S1414-98932014000100011

Resenhado por Márcio Diego Reis

Área de atuação profissional que emprega recursos artísticos com finalidade terapêutica por meio de técnicas expressivas, a arteterapia tem como essência a criação estética e a elaboração artística em benefício da saúde. Estabelecida como um dos métodos de trabalho do psicólogo, a arteterapia pode ser adaptada a diferentes objetivos e sustentada sobre diferentes abordagens teóricas que a reconhecem como meio de autoconhecimento e como potencializadora da criatividade, habilidade essencial ao desenvolvimento do indivíduo.

As teorias de Freud e Jung trouxeram as bases para o desenvolvimento da arteterapia como campo específico de atuação. A ideia freudiana de que o inconsciente se expressa por meio de imagens levou à compreensão da arte como uma via de acesso privilegiada ao inconsciente. A mediação da arte na comunicação apresenta vantagens, entre as quais a expressão mais direta do universo emocional, por não passar pelo crivo da racionalização que acompanha o discurso verbal. Com isso, o objetivo do artigo foi refletir sobre a arte como uma ferramenta de trabalho do psicólogo, contextualizando-a historicamente e discutindo os pressupostos fundamentais que sustentam essa prática em suas principais abordagens teóricas.

Jung foi quem propriamente começou a usar a linguagem artística associada à psicoterapia, pois considerava a criatividade artística uma função psíquica natural e estruturante, cuja capacidade de cura estava em transformar conteúdos inconscientes em imagens simbólicas. Contudo, a educadora norte-americana Margareth Naumburg é quem pode ser considerada a fundadora da arteterapia por ser a primeira a sistematizá-la. No Brasil, Osório Cesar e Nise da Silveira foram os psiquiatras precursores no trabalho com arte junto a pacientes em instituições de saúde mental.

Desenvolvida a partir de diferentes referenciais teóricos, a arteterapia encontra em cada um deles um ponto em comum: seu uso como meio de expressão da subjetividade. Na abordagem psicanalítica a atividade pictórica favorece a projeção de conteúdos inconscientes, facilitando, por uma via simbólica, a comunicação entre paciente e terapeuta. Uma vez que ao iniciar um processo psicoterapêutico o paciente se encontre com o próprio discurso bloqueado devido as resistências, a arte vem a ser um canal que facilita a comunicação.

Na psicoterapia junguiana, a função da atividade artística é mediar a produção de símbolos do inconsciente. Os símbolos são verdadeiros transformadores de energia psíquica, o psicólogo acompanha a pessoa em seu caminho para a autorrealização, dialogando e procurando facilitar essa jornada através da arte.

Sendo a psicologia da gestalt originalmente uma teoria da percepção, em que a vivência artística tem como finalidade ampliar a percepção do sujeito sobre si mesmo, a função terapêutica do fazer artístico é a aquisição de insights sobre como percebemos, nas formas criadas, tanto o mundo como a nós mesmos. Dessa forma, a vivência de criar arte promove a descoberta de sentimentos e de qualidades pessoais, auxiliando no desenvolvimento do potencial único de cada um.

Assim, a arte tem se constituído como um instrumento diferenciado de trabalho do psicólogo. Seja a atividade artística concebida como projeção do inconsciente na psicanálise, seja expressão do self na psicologia analítica ou como função de contato na autopercepção dentro da gestalt-terapia, a arteterapia vem ganhando espaço cada vez maior na área da saúde apresentando-se como uma das ferramentas fundamentais na promoção do bem-estar da pessoa com sofrimento psíquico.



quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Mulheres vítimas de violência doméstica e transtorno de estresse pós-traumático: um enfoque cognitivo comportamental

 

Gomes, R. M. (2012). Mulheres vítimas de violência doméstica e transtorno de estresse pós-traumático: Um enfoque cognitivo comportamental. Revista de Psicologia da IMED4(2), 672-680. 

Resenhado por Millena Bahiano

A violência psicológica é uma questão de saúde pública que pode comprometer ou impedir o desenvolvimento da mulher no âmbito social, familiar, profissional e emocional. O termo violência doméstica engloba todas as formas de violência praticadas no ambiente familiar, sendo um fenômeno bastante complexo desencadeado por múltiplas causas. No que se refere ao tratamento, o modelo cognitivo-comportamental tem sido um dos mais indicados no cuidado e atenção psicológica às mulheres em situação de violência doméstica. As pessoas que são expostas a situações de violência doméstica costumam apresentar constante sensação de perigo, medo, depressão e sintomas de estresse pós-traumático e necessitam de apoio psicológico especializado para o enfrentamento da situação adversa.

O presente estudo corresponde a uma revisão da literatura a respeito da violência psicológica contra a mulher, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e as estratégias terapêuticas mais utilizadas pela Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) no tratamento do TEPT em mulheres vítimas de violência doméstica. Os tópicos apresentados no artigo se subdividiram em sete categorias, sendo elas: (1) Violência psicológica e transtorno de estresse pós-traumático; (2) Tratamento; (3) Psicoeducação; (4) Técnica de Exposições; (5) Reestruturação cognitiva; (6) Treino de autoinstrução e (7) Respiração controlada.

No estudo foi visto que ofensas e agressões, praticadas frequentemente contra a mulher, podem causar intenso sofrimento psicológico e ocasionar alterações de comportamento, que podem comprometer vários setores da vida.  Os sintomas psicológicos, característicos de vivências traumáticas, mais encontrados na literatura foram os sintomas de choque, negação, recolhimento, confusão, entorpecimento e medo. Observou-se que a depressão, desesperança, baixa autoestima e negação também estiveram fortemente associados ao TEPT e a violência doméstica. A abordagem terapêutica mais recomendada para o tratamento de eventos traumáticos, vivenciados por mulheres em situação de violência doméstica, foi a cognitivo-comportamental. Segundo a autora, a TCC tem apresentado eficácia comprovada no tratamento do TEPT e geralmente tem sido o tratamento de primeira escolha de muitos psicólogos (as).

Ressalta-se que as crenças disfuncionais desenvolvidas sobretudo após o evento traumático podem colaborar para o surgimento de sentimentos disfóricos e comportamentos desadaptativos, o que pode favorecer o acometimento e/ou agravamento de patologias. Além disso, o papel do terapeuta consiste em familiarizar o paciente em relação aos seus problemas, esclarecendo acerca das implicações e consequências do diagnóstico de TEPT. Conforme a autora, as formas de tratamento da TCC (psicoeducação, exposição e reestruturação cognitiva) para o TEPT podem variar de acordo com a ênfase que o profissional dará a cada um deles. Sendo assim, os profissionais precisam estar habilitados a desenvolver um atendimento especializado, com vistas na detecção precoce de sintomas e consequentemente na minoração de agravos a saúde física e mental das mulheres em situação de violência doméstica.



sábado, 17 de outubro de 2020

O terapeuta na psicoterapia de grupo

 Bechelli, L. P. D. C., & Santos, M. A. D. (2005). O terapeuta na psicoterapia de grupo. Revista Latino-Americana de Enfermagem13(2), 249-254. doi: 10.1590/S0104-11692005000200018 

Resenhado por Maísa Carvalho

Humanos são seres sociais e possuem o desenvolvimento a nível biopsicossocial potencializado ao iniciar a vida social. Diversos teóricos da Psicologia -  mesmo de abordagens que não focalizam propriamente no aspecto social - tais como Skinner, Vygotsky, Piaget, Wallon, Beck, Rank, Moreno, dentre outros, apontam a importância de uma vivência social plena e diversificada para o desenvolvimento como um todo. Além disso, algumas dificuldades e problemas psicológicos podem surgir da deficiência do aspecto social ou, até mesmo, podem fazer emergir limitações indiretamente associadas, por exemplo, a alexitimia. Do contrário, potencialidades e aspectos pessoais relevantes podem ser melhor ajustados em meio a uma vivência grupal. Pensando nisso, as psicoterapias grupais objetivam a melhora de sintomas ou o trabalho de determinados temas a partir da utilização do dispositivo grupal; sendo uma modalidade psicoterapêutica amplamente utilizada em distintos problemas e contextos.

 O papel e a atuação do psicoterapeuta diferem da forma tradicional no setting individual. Na psicoterapia grupal, o psicoterapeuta se constitui não só como um guia, mas também como parte do grupo. No início do processo psicoterapêutico grupal, o trabalho costuma ser maior, visto que os membros do grupo não se conhecem e podem possuir dificuldades iniciais de ajustamento, além do aproveitamento do processo. Dessa forma, o psicólogo, em colaboração com os membros, institui as normas, cultura, valores e formas de funcionamento do grupo, visando e incentivando a participação de todos no processo. Insta salientar que o psicólogo que trabalha com grupos tem o papel de facilitar a participação e interação dos membros, fortalecendo a expressão emocional imediata no aqui e agora. Além disso, medeia conflitos e assegura o cumprimento das regras decididas por todos. Portanto, especialmente nas primeiras sessões, o psicólogo deve promover condições para que os membros participem ativamente e consigam expressar suas emoções, sem censura e medo de se sentir humilhado pelos outros.

Ao longo do processo, o psicólogo busca ajustar as intervenções de acordo com as respostas e maturidade do grupo, desenvolvendo a interação, facilitando a expressão e envolvendo os membros pelo diálogo, inserindo tópicos em comum e analisando as interações grupais. Assim, aplica o princípio de interação terapêutica, o qual aborda que o relacionamento entre os membros do grupo é mais importante do que a interação com o psicoterapeuta. Um ponto a ser evitado é a atenção a um membro específico do grupo. Alguns membros tendem tomar o espaço da sessão racionalizando emoções, falando das suas vidas por muito tempo ou interrompendo a fala de outros participantes. Nessas situações podem existir membros que se sintam desmotivados ou com raiva, colocando em risco a coesão grupal. O psicólogo precisa ter habilidade para tentar neutralizar de forma compassiva essas situações, inclusive sugerindo psicoterapia individual concomitante para esses membros “monopolizadores”.

Existem diferentes situações que podem emergir durante o processo de psicoterapia grupal, tanto situações comumente esperadas quanto outras não tão comuns. Mesmo assim, a responsabilidade do psicoterapeuta é manter o grupo funcionando, encontrando soluções eficazes, intervindo no grupo e não de forma individual. Assim, possui um papel relevante, no entanto, não central. Os membros precisam encontrar auxílio entre si, sendo esse fator imprescindível para a melhor vivência grupal possível. Por fim, existem muitas evidências científicas que relacionam temas da Psicologia da Saúde e vivências grupais que sustentam a eficácia das psicoterapias grupais, sendo elas frequentemente utilizadas por psicólogos clínicos, comunitários e da saúde nos mais diversos níveis de atenção à saúde, como a atenção básica.



sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Análise comparativa entre a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Terapia do Esquema

 

Ghisio, M. S., Lüdtke, L., & Seixas, C. E. (2016). Análise comparativa entre a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Terapia do Esquema. Rev. Bras. Psicoter. (Online), 17-31. Recuperado em: https://cdn.publisher.gn1.link/rbp.celg.org.br/pdf/v18n3a02.pdf

Resenhado por Luanna Silva 

A Terapia Cognitivo-Comportamental foi desenvolvida na década de 60 por Aaron Beck. Essa abordagem pressupõe que a forma como os indivíduos interpretam o evento medeia o modo como se comportam. Beck propõe que representações negativas de si mesmo, do mundo e do futuro podem explicar a ocorrência da sintomatologia psicopatológica. A TCC é estruturada, diretiva, ativa, de prazo limitado e pode ser usada para tratar uma variedade de transtornos psiquiátricos. O engajamento e motivação do paciente são fatores essenciais para eficácia da TCC, contudo para pacientes caracterológicos, a capacidade de desenvolver novas habilidades, se comprometer com tarefas prescritas e adotar estratégias trabalhadas pode ser custoso. Assim, um dos desafios enfrentados pela TCC é o tratamento de pacientes crônicos e com transtornos de personalidade.

A Terapia de Esquema de Jeffrey Young surge com o objetivo de aperfeiçoar o modelo da terapia cognitiva e criar novas estratégias para o tratamento de pacientes mais rígidos, que não respondem bem a proposta padrão da TCC. Além de utilizar princípios da abordagem de Beck, a TE adota elementos da Gestalt-terapia, da psicodinâmica e conceitos da teoria do apego. De acordo com Young, os esquemas são a estrutura mais profunda do aparelho psíquico e direcionam os outros níveis de cognição. Esquemas iniciais desadaptativos são o centro dos transtornos psiquiátricos, são rígidos e difíceis de mudar. Eles são resultados de necessidades emocionais não atendidas na infância, como por exemplo, a necessidade de estabilidade ou carinho. Ainda que comecem a se formar na infância, os esquemas iniciais desadaptativos continuam em desenvolvimento durante toda a vida, não havendo a necessidade de um evento traumático para que sejam gerados, podendo surgir de eventos negativos regulares e constantes.

Young descreve 18 esquemas iniciais desadaptativos principais, os quais estão agrupados em cinco domínios. Pacientes com esquemas no domínio de conexão e rejeição são caracterizados pela incapacidade na formação de vínculos seguros. No domínio de autonomia e desempenho prejudicados, os esquemas se relacionam com dependência e sentimento de incompetência. Os esquemas do domínio de limite prejudicados colaboram para a falta de limites no cumprimento de regras, autodisciplina e respeito aos direitos alheios. Indivíduos com esquemas no domínio de orientação para o outro tendem a atender a necessidade de outras pessoas em detrimento da sua, a fim de receber aprovação e evitar retaliação. Por último, o domínio de supervigilância e inibição é marcado pela repressão de sentimentos e impulsos com o propósito de cumprir regras internas rígidas.

Diferente da TCC, a TE pode ser breve, médio ou longo prazo. Além disso, se observa na TE uma ênfase maior em questões da infância e adolescência como possível origem de problemas psicológicos. Em comparação com a TCC, essa abordagem envolve uso mais amplo da relação terapêutica e explora mais a experiência afetiva, como por exemplo através da utilização de imagens e dramatização. Adota-se uma postura de confrontação mais ativa dos padrões cognitivos e comportamentais e utiliza-se menos a descoberta guiada. O desenvolvimento da TE indica a necessidade de ampliação de possibilidades de tratamento de pacientes com problemas caracterológicos e transtornos de personalidade. Esse tipo de paciente pode ser um desafio para a prática do psicólogo da saúde, logo conhecer e estudar possibilidades de atenção a esse público se mostra relevante.



quinta-feira, 15 de outubro de 2020

O impacto psicológico da quarentena e como reduzi-lo: Revisão rápida das evidências

 The psychological impact of quarantine and how reduce it: Rapid review of the evidence

 

Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., et al.  (2020). The psychological impact of quarantine and how reduce it: Rapid review of the evidence. The Lancet, 395(10227), 912-920. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30460-8 

Resenhado por Luana C. Silva-Santos 

O surto do novo coronavírus foi denominado a sexta Emergência de Saúde Pública Internacional (ESPI) pela Organização Mundial da Saúde, sendo necessárias medidas extremas como a quarentena e o isolamento social como tentativa de conter o contágio e disseminação do vírus causador da COVID-19. Quarentena refere-se à separação e restrição do movimento de pessoas potencialmente expostas a uma doença contagiosa a fim de que se ficarem doentes, o risco de contágio é reduzido. Já o isolamento social é a separação de pessoas que foram diagnosticadas com uma doença contagiosa de outras pessoas que não estão doentes. Nas cinco ESPI anteriores, estudos evidenciaram que o período de quarentena aumentou a probabilidade de alguns desfechos negativos, tais como preocupação, incerteza, ideação e comportamentos suicidas, ansiedade, depressão, condutas autolesivas, dentre outros. A formulação de ações de políticas públicas de saúde deve considerar tais evidências anteriores com vistas a produzir orientações ao público e diminuir os desfechos negativos associados ao período de restrição do fluxo. Nesse sentido, Brooks et al. (2020) objetivaram reunir evidências acerca do impacto psicológico da quarentena a partir da uma revisão de evidências anteriores.

Ao todo, foram analisados 24 trabalhos, realizados em dez países durante surtos de SARS (11 estudos), Ebola (cinco estudos), H1N1 (três estudos), síndrome respiratória do Oriente Médio (um estudo) e influenza equina (um estudo), sendo que um estudo tratou tanto da H1N1 como da SARS. Nos estudos, foram identificados como estressores na quarentena a sua duração, o medo de infecção, o tédio, a escassez de suprimentos, a situação financeira e as informações inadequadas ou consideradas insuficientes. Os estressores situação financeira e estigma relacionado ao surto ainda foram observados mesmo após o encerramento do período de quarenta.

Os autores sugerem que, a partir dos dados encontrados, manter o período de quarenta o mais curto possível, fornecer informações claras e precisas sobre a doença e o motivo e benefícios da quarentena, prover suprimentos adequados e meios de redução do tédio, melhorar a comunicação visual e destacar qualidade como altruísmo podem ser eficazes formas de manejar a percepção de estresse durante e após a quarentena. Em surtos de doenças infecciosas, a quarentena é uma medida preventiva necessária e eficaz, entretanto considerar seus desfechos psicológicos negativos a curto e longo prazo permite a construção de medidas que mitiguem tais efeitos dentro do projeto de saúde pública de planejamento da quarentena.




quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Construindo uma vida que vale a pena ser vivida, o lema da terapia comportamental dialética

 Texto por Luiz Guilherme L. Silva.

 

Linehan, M. (2020). Building a life worth living: A memoir. New York, USA: Random House.

 

“Eu estava me afogando em um oceano de vergonha e autodesprezo, sentimentos de não ser amada e incapaz de que alguém me amasse, e uma indescritível agonia emocional que eu só queria estar morta”. Estas são as palavras de Marsha Linehan, criadora da Terapia Comportamental Dialética (DBT), que conviveu com sintomas do Transtorno da Personalidade Borderline (TPB). Ela conta a sua história sobre como desenvolveu os sintomas de TPB e criou a DBT no livro autobiográfico Building a life worth living: A memoir (sem tradução). Linehan relata que se sentir suicida era semelhante a estar presa em um pequeno quarto escuro com paredes altas e sem janelas. Esse quarto seria quente e úmido, e que gritar ou se jogar contra as paredes seria inútil, restando apenas o suicídio como saída para seu sofrimento. Desde as primeiras páginas, a autora consegue prender a atenção do leitor à sua história de vida, fazendo com que a leitura seja fluida e fácil para pessoas leigas em Psicologia.

A DBT foi desenvolvida originalmente com foco no tratamento de pacientes suicidas crônicos, com diagnóstico de TPB. Essa psicoterapia possui fundamentação comportamental e foi a primeira a demonstrar efetividade por meio de ensaios clínicos com pacientes com TPB. Entretanto, ela é usada em diversos casos, como em falta ou excesso de controle das emoções, comportamentos e cognições, pessoas com problemas com álcool, vítimas de violência doméstica e pessoas LGBTQ em ambientes invalidantes. A meta da DBT é alterar padrões emocionais, cognitivos e comportamentais em relação a problemas da vida, ou seja, ajudar pessoas a terem uma vida que valha a pena viver. Ela se baseia em uma teoria biossocial e dialética da psicopatologia, portanto, disposições para afetos negativos e impulsividade são precursores biológicos da desregulação emocional. Por outro lado, a tendência em estar em um ambiente invalidante, o apego não saudável às figuras parentais devido ao estilo parental e o reforço de excitação ou inibição emocional são componentes sociais que favorecem o desenvolvimento da desregulação emocional.

A psicoterapia na DBT tem por função aprimorar o repertório comportamental habilidoso do paciente, melhorar e manter a adesão ao tratamento, garantir que a mudança seja generalizada, motivar o terapeuta a conduzir tratamentos eficazes e auxiliar o paciente a modificar o ambiente a fim de manter o progresso e a evolução rumo às metas. Para que essas funções sejam consolidadas, a DBT conta com terapia individual, treinamento de habilidades individual ou em grupo, coaching de habilidades com um psicólogo e consultoria dos terapeutas. O acompanhamento de pacientes na DBT dura cerca de um ano devido às inúmeras modificações cognitivas e comportamentais a serem trabalhadas, por exemplo, habilidades de mindfulness, efetividade interpessoal, regulação emocional e tolerância ao mal-estar.

Building a life worth living: A memoir é um livro bem objetivo para aqueles que querem conhecer mais sobre os sintomas do Transtorno da Personalidade Borderline ou sobre o desenvolvimento da Terapia Comportamental Dialética que tem se mostrado eficaz em tratar diversos transtornos relacionados à desregulação emocional. Entretanto, se você tem interesse em relatos de memórias sobre o TPB, é indicado assistir ao filme Garota, interrompida com Angelina Jolie e Winona Ryder ou ler o livro de mesmo título com autoria de Susanna Kaysen.



terça-feira, 13 de outubro de 2020

Felicidade e bem-estar na visão da psicologia positiva

Camalionte, L. G., & Boccalandro, M. P. R. (2017). Felicidade e bem-estar na visão da psicologia positiva. Boletim Academia Paulista de Psicologia, 37(93), 206-227.

Resenhado por Geovanna Turri

A psicologia positiva é uma teoria da psicologia que busca pesquisar e entender os aspectos positivos do ser humano, de modo a tornar a vida dos indivíduos mais gratificante, visando ainda prevenir doenças e promover saúde. Para Seligman, a experiência dos aspectos da psicologia positiva (emoção positiva, engajamento, sentido na vida, realização positiva e relacionamentos positivos) pode levar ao estado de bem-estar que todos buscam alcançar. A emoção positiva, assim como o engajamento, são variáveis subjetivas. Já o sentido de vida, os relacionamentos positivos e a realização têm componentes subjetivos e objetivos. O bem-estar é uma combinação desses fatores e da percepção de felicidade, e o modo como vivemos deve maximizar todos esses elementos. Pensando nisso, Camalionte e Boccalandro (2017), realizaram essa pesquisa com intuito de investigar como os principais aspectos estudados por esta abordagem psicológica (a exemplo de emoção positiva, engajamento, sentido de vida, relacionamentos positivos, realização positiva, resiliência e otimismo) aparecem no relato de experiências e vivências das pessoas e como estas definem a felicidade.

Para isso foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 10 estudantes universitários de ambos os sexos e idade entre 20 e 28 anos, seguindo o método qualitativo de pesquisa. Os participantes estavam no período final da graduação e responderam o questionário por e-mail.

Os resultados mostraram que os aspectos da psicologia positiva estudados estão muito presentes nos relatos dos participantes, indicando a importância deles para a promoção de felicidade e bem-estar. Ao serem questionados sobre a satisfação com a vida, 8 dos 10 participantes a avaliaram como média e disseram que ela poderia melhorar. Em relação aos planos para o futuro, 8 dos participantes mencionaram a preocupação em se estabelecer no mercado de trabalho, de modo que isso pode contribuir consideravelmente para a felicidade e para o sentido de vida. Ademais, o ressalta-se que os relacionamentos interpessoais foram relatados como sendo importante para a felicidade. Todos os participantes também disseram que sua felicidade poderia aumentar e 9 deles relataram também buscar por melhorias no bem-estar.

Enfim, os autores apontaram que a psicologia positiva ainda não é muito estudada no Brasil e, portanto, se faz necessário mais pesquisas sobre esse tema com a população brasileira para que se possa conhecer melhor as diferenças e similaridades das ideias de felicidade e bem-estar e também da psicologia positiva no Brasil.


segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Terapia de Aceitação e Compromisso: É uma proposta de Intervenção Cognitivista?

 Costa, N. (2012). Terapia de aceitação e compromisso: É uma proposta de intervenção                cognitivista?. Perspectivas em análise do comportamento3(2), 117-126.

Resenhado por Franciely Santos 

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) foi fundada em 1987 por Steven Hayes e colaboradores, faz parte da terceira geração das terapias cognitivo-comportamentais. Essa geração tem seu foco em estratégias de mudanças contextuais e experienciais. Nessa perspectiva, a ACT trabalha a partir da concepção que o sistema verbal, a depender do modo que é concebido, leva ao sofrimento, assim, a mesma se apresenta como um modelo de saúde e não de doença.

Em outro momento, a ACT foi definida como abordagem contextual de intervenção. Atualmente, tem a percepção de que o sofrimento é originado pela inflexibilidade psicológica gerada pela esquiva experiencial e fusão cognitiva. Está pautada também no contextualismo funcional que consiste em predizer e influenciar organismo no e com um contexto histórico e circunstancial. Além disso, essa teoria está apoiada na teoria dos quadros relacionais (RFT) que estuda aspectos da linguagem e da cognição, acredita que as relações humanas são feitas de relações arbitrárias, ou seja, de forma indireta.

Os conceitos-chave da intervenção na ACT são evitação ou esquiva experiencial (tentar evitar ou controlar os eventos psicológicos) e a fusão cognitiva (fusão de pensamentos e palavras). A partir disso, essa teoria tem os objetivos de aceitar, escolher e agir. Em se tratando da aceitação, pode ser entendida como uma ação de experimentar todo e qualquer evento psicológico sem julgamentos, enquanto a fusão está relacionada a diminuição dos efeitos literais da linguagem, ou seja, diminuir a sensação de que o evento verbal fosse o evento em si.

Com isso, a ACT é caracterizada como um tratamento centrado nas ações valorizadas pelo cliente. A abordagem considera o sofrimento como algo natural, apontando que o sofrimento psicológico é ocasionado pela resistência a ele. A terapia propõe análise funcional dos comportamentos do paciente, flexibilização a reação do mal-estar e aceitação dos eventos privados (Luciano et al., xxxx). Além disso, a ACT apresenta aspectos tanto da teoria cognitivista quanto da comportamental, mas ainda gera contradições a respeito. O artigo conclui que apesar do uso do termo “cognição” essa proposta se mantém fiel a interpretação dos eventos psicológicos de Skinner, e trata as cognições como variáveis dependentes.



sexta-feira, 9 de outubro de 2020

O modelo de coping: Conceitos básicos

Dias, E. N., & Pais-Ribeiro, J. L. (2019). O modelo de coping de Folkman e Lazarus: Aspectos históricos e conceituais. Revista Psicologia e Saúde, 11(2), 55-66. doi: 10.20435/pssa.v11i2.642


Resenhado por Lizandra Soares

    O coping é entendido como estratégias utilizadas por um indivíduo pra lidar com as situações adversas do cotidiano. Ou seja, trata-se de um mecanismo importante para o processo de adaptação e ajustamento. Muitas pesquisas evidenciam associação desse construto com aspectos de saúde física e mental. Isso sugere que as estratégias de coping podem alterar o funcionamento biológico, em especial por sua associação com estresse. Com objetivo de investigar o construto denominado coping e contribuir com o debate sobre as implicações desse mecanismo para a saúde, realizou-se uma revisão narrativa da literatura englobando aspectos históricos e conceituais do modelo de coping proposto por Folkman e Lazarus. Na atualidade, o coping pode ser definido a luz de duas grandes correntes conceituais. A primeira aborda o conceito de um ponto de vista disposicional, compreendendo-o como um traço ou estilo influenciado pelas características de personalidade. Já a segunda, denominada situacional, entende o fenômeno como um processo cognitivo, ativo e consciente de avaliação frente a situações de estresse. Essas duas abordagens apesar de serem divergentes, são percebidas na literatura como complementares. 
    O modelo mais famoso a respeito do coping é o teorizado por Folkman e Lazarus. Os autores postularam a teoria estresse e coping na qual o estresse é um processo contextual, ou seja, é definido como uma situação avaliada pelo indivíduo como significativa e com demandas que excedem seus recursos para lidar. Dessa forma, o coping é a resposta que o sujeito usa para adaptar-se às circunstâncias adversas ou estressantes. Frente ao estresse, o indivíduo pode reagir de maneira acomodativa ou manipulativa. Na primeira, o sujeito inibe suas ações diante do evento, impedindo-o de superar adversidades e fazendo-o utilizar-se, por exemplo, de álcool, relaxamento ou mesmo mecanismos de defesa. Já na resposta manipulativa, busca-se enfrentar o acontecimento estressante que esteja modificando o contexto, se afastando do evento estressor. Todavia, antes de optar por uma das respostas ao estresse descritas acima, são realizadas duas avaliações frente ao evento estressante. A primeira, chamada de avaliação primária, busca verificar se o evento é potencialmente prejudicial e ameaçador. Se a resposta for positiva, será iniciada a avaliação secundária, onde são examinados os recursos disponíveis para lidar com evento.
    A escolha do recurso dependerá da avaliação cognitiva do agente estressor. Existem três tipos principais de avaliação: 1) perda ou dano; 2) ameaça; e 3) desafio. No primeiro caso, o indivíduo entende que o dano já aconteceu. Em relação à ameaça, percebe-se que o dano ou a perda ainda não aconteceu, mas possivelmente ocorrerá. Esse tipo de interpretação permite que o organismo se organize e se prepare para o futuro. Já nas situações de desafio, o indivíduo se sente capaz de superar, portanto utiliza estratégias eficazes de enfrentamento. Por fim, o modelo de Folkman e Lazarus pressupõe que o coping se divide em duas categorias funcionais. A primeira focalizada no problema que permite a gestão comportamental do sofrimento. A segunda focada na emoção cuja função é regulação de emoções ou angústias. Ambas as formas de enfrentamento serão entendidas como positivas ou negativas a partir da avaliação de sucesso ou insucesso resultante da implementação da estratégia. A compreensão do coping na psicologia da saúde é importante por considerar os aspectos psicológicos do estresse e relaciona-los a muitos quadros de saúde física e mental. Dessa forma, entender os mecanismos de enfrentamento ao estresse (coping) pode auxiliar na compreensão da forma como o indivíduo gerencia o seus conflitos.





quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Vulnerabilidade ao estresse, coping e burnout em educadoras de infância

Capelo, M. R. T. F. (2017). Vulnerabilidade ao estresse, coping e burnout em educadoras de infância portuguesas. Educar em Revista, (64), 155-169. doi: 10.1590/0104-4060.49793

Resenhado por Lizandra Soares

    Na modernidade, o trabalhador passa cerca de oito horas do seu dia trabalhando. Acrescido a isso, são mais duas horas de almoço e cerca de duas horas de deslocamento. Ou seja, o homem moderno passa grande parte do seu tempo a disposição de suas atividades laborais. O trabalho é o ambiente no qual o indivíduo concentra a maioria de suas relações sociais e interações, sendo também o ambiente ao qual está mais exposto a níveis de estresse que podem provocar problemas de saúde física e mental. A Síndrome de Burnout se caracteriza pelo esgotamento mental e físico em função de altos níveis de estresse vivenciados no âmbito organizacional. Assim sendo, o estresse no trabalho tem se mostrado um fator de adoecimento, necessitando de estudos a cerca dessa temática.

    O estresse é compreendido como a resposta fisiológica do organismo frente a uma demanda que ultrapassa a capacidade atual para manejar eventos. Pessoas vulneráveis aos efeitos do estresse podem apresentar pouca capacidade autoafirmativa, baixa tolerância à frustração, dificuldade em confrontar e resolver problemas, preocupação excessiva pelos acontecimentos quotidianos e elevada emocionalidade. Os esforços cognitivos e comportamentais realizados pelo indivíduo para enfrentar o estresse interno e externo é concebido como estratégias de coping. Trata-se de um fenômeno adaptativo que contribui para a sobrevivência dos organismos e adaptação aos eventos da vida. Ele pode ser focado no problema ou nas emoções, ou ainda na interação social.

    O objetivo do estudo foi analisar a relação entre vulnerabilidade ao estresse, estratégias de coping e burnout em educadoras infantis portugueses. Foi realizado por meio de um desenho quantitativo e transversal com uma amostra de 119 educadoras de crianças portuguesas. Os instrumentos utilizados foram o Questionário de Vulnerabilidade ao Estresse, o Coping Job Scale e o Maslach Burnout Inventory. 

    Viu-se que, em situações de trabalho, os professores se perceberam como não vulneráveis ao estresse, utilizaram majoritariamente estratégias de coping proativas para lidar com situações indutoras de estresse e apresentaram baixa prevalência de burnout. Além disso, evidenciaram-se associações estatisticamente significativas entre vulnerabilidade ao estresse e as subescalas do burnout (exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal); não foram observadas relações estatisticamente significativas entre as estratégias de coping e burnout.

    A compreensão do estresse e das estratégias de coping é importante para a psicologia da saúde, em especial, porque permite a elaboração de estratégias de promoção e prevenção em saúde. Indivíduos capazes de criar estratégias adaptativas frente às demandas cotidianas possuem menor probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental e queixas físicas.



segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Abordagem centrada na pessoa – relação terapêutica e processo de mudança

 Borja-Santos, C. (2004). Abordagem centrada na pessoa – relação terapêutica e processo de mudança. PsiLogos1(2), 18-23. doi: 10.25752/psi.6071

Resenhado por Amanda Feitosa

A abordagem centrada na pessoa (ACP) surgiu como uma tendência contrária aos paradigmas comportamentais e psicanalíticos predominantes. Criada por Carl Rogers na década de 40, buscou uma forma de encarar o indivíduo diferente das teorias dominantes da época. Enquanto o behaviorismo condicionava o comportamento humano a fatores externos e a psicanálise responsabilizava fatores internos, esta abordagem humanista considerou o ser humano como dotado de liberdade e poder de escolha. Rogers acreditava que o indivíduo - mesmo em situações adversas - possui a capacidade de autonomia e determinação, sendo um ser motivado para um processo construtivo. Atualmente, a ACP não se restringe somente à psicoterapia, podendo ser aplicada em diversos contextos, a saber: relações familiares e áreas relacionadas à aprendizagem. Assim, este estudo objetivou revisar os principais conceitos trazidos por esta abordagem.

A ACP ressalta a importância da experiência subjetiva e pré-reflexiva como critério de conhecimento. Ou seja, é papel do terapeuta partir do ponto de vista do paciente, procurando sua compreensão de si e do mundo. Diferente de outras abordagens, esta atitude é a base do processo terapêutico. A aproximação com o indivíduo através da empatia é um tipo particular de compreensão, não sendo considerada somente uma etapa inicial da psicoterapia ou um instrumento que sirva para fortalecer a relação terapeuta-paciente. A compreensão empática permite transmitir ao paciente os elementos necessários que lhe deem poder de autodireção. Rogers considerava esta relação com o paciente como uma experiência profunda de aprendizagem, que lhe permitiu observar a tendência natural para o crescimento e para a socialização dos indivíduos.

Além disso, o estudo salientou a tendência atualizante e a não-diretividade como conceitos essenciais da ACP. Rogers destaca que nas condições adequadas, o indivíduo possui potencial para se desenvolver de forma construtiva. A tendência atualizante é um conceito motivacional de sua teoria, sendo todas as motivações e necessidades do indivíduo uma expressão desta tendência. É importante ressaltar a necessidade de um meio que permita o desenvolvimento desta personalidade construtiva. Por sua vez, a não-diretividade é a atitude do terapeuta de criar as condições adequadas para que o paciente possa se reorganizar e encontrar sua própria direção. Caso a pessoa não tenha um referencial de acolhimento e respeito, ela pode ter uma imagem distorcida de si, falseada por trazer como critérios de avaliação a experiência de outros. Logo, o principal objetivo da relação terapêutica é restabelecer o acordo entre a experiência total da pessoa e a experiência consciente do self, o qual se desenvolveu afastado da realidade do indivíduo.

A abordagem centrada na pessoa acredita na tendência individual de crescimento e de autorrealização. Para os psicólogos da saúde, a exemplo dos que atuam na área hospitalar, estes podem se beneficiar dos pressupostos da ACP no processo de realização de acolhimentos e abordagens clínicas. Os profissionais deste campo também podem auxiliar na formulação de políticas públicas com base na abordagem humanista e sugestões para abordagens em contexto de saúde, como propostas de acolhimento.



sexta-feira, 2 de outubro de 2020

A pesquisa em prevenção em saúde mental no Brasil: A perspectiva de especialistas

 

Abreu, S., & Murta, S. G. (2018). A pesquisa em prevenção em saúde mental no Brasil: A perspectiva de especialistas. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, e34413. https://doi.org/10.1590/0102.3772e34413 

 

Resenhado por Brenda Fernanda 

 

A prevenção primária em saúde mental diz respeito à realização de ações que visam a minimizar ou impedir o surgimento de transtornos específicos. Alguns fatores de risco para a saúde mental podem ser apontados, a exemplo de condições socioeconômicas precárias, desemprego, baixa escolaridade, rede de suporte enfraquecida, moradia insegura, trabalho informal, estressores laborais e falta de acesso aos bens de consumo. Considerando que a prevenção é um aspecto fundamental para índices positivos de saúde mental da população, é importante conhecer a opinião de pesquisadores atuantes na área, a fim de se levantar subsídios para agendas de trabalho que busquem o avanço das práticas de pesquisa e ensino no Brasil. Para tanto, o objetivo do presente estudo foi descrever a perspectiva dos especialistas sobre a pesquisa em prevenção em saúde mental no Brasil.  

Participaram 10 pesquisadores brasileiros que apresentavam publicações contínuas em prevenção em saúde mental. Tratou-se de um estudo descritivo, no qual foram realizadas entrevistas com os participantes. O conteúdo das entrevistas foi organizado em seis eixos temáticos: história profissional relacionada à prevenção; ciclo da pesquisa em prevenção; recursos pessoais e profissionais para se tornarem referências na área; formação e competências necessárias para atuar com prevenção; desafios e estratégias de enfrentamento para a prevenção em saúde mental no Brasil; e agenda de pesquisa para a área 

A história dos pesquisadores com a prevenção em saúde mental foi marcada pela inquietação com o modelo tradicional de saúde e de psicologia. O início das discussões sobre a temática no Brasil é similar ao vivenciado em outros países, fortemente atrelado ao conceito de justiça social. No que diz respeito ao ciclo da pesquisa, os participantes apontam que, no Brasil, a prevenção em saúde mental acontece de forma “artesanal” e difere do proposto pela literatura, principalmente pela necessidade da validação de instrumentos e estudo piloto. Quantos aos recursos para construção de carreira na área, foram destacados a paixão pela temática estudada, dedicação, resiliência, resistência à frustação e habilidades em gestão. Foram citados também recursos educacionais e ocupacionais, bem como os recursos ambientais. Em relação à formação necessária, destaca-se a importância da metodologia científica, estatística, métodos de avaliação e psicologia baseada em evidências. Quanto aos desafios e perspectivas, cita-se o acúmulo de funções dos professores-pesquisadores e a falta de suporte e recursos. 

Por fim, no que concerne à agenda de pesquisa em prevenção de saúde mental no Brasil, três pontos são fundamentais: a implementação e avaliação de programas preventivos, a formalização da área de prevenção em saúde mental e a disseminação das intervenções. A área da psicologia da saúde se encontra intrinsecamente relacionada à prevenção em saúde mental, de modo que todos os pontos aqui apresentados também são válidos para o estudos e pesquisas da psicologia da saúde.