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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Otimismo: Teoria e Aplicabilidade para a Psicologia

 

Santos, L., & Faro, A. (2020). Otimismo: Teoria e aplicabilidade para a psicologia. Revista Psicologia e Saúde. https://doi.org/10.20435/pssa.v0i0.898

 

Resenhado por Daiane Nunes

 

O interesse da Psicologia em estudar o otimismo como aspecto pessoal importante para o funcionamento humano esteve atrelado ao conhecimento das diferenças entre otimistas e pessimistas e o modo de se relacionarem com o mundo a partir dessas crenças. O otimismo é uma variável cognitiva que reflete quão favorável uma pessoa é em relação ao seu futuro. Diante dos desafios da vida, pessoas otimistas tendem a ter mais comportamentos de confiança e persistência mesmo quando confrontadas com grandes dificuldades. Isso não implica afirmar que esses mesmos indivíduos não experimentam sentimentos aversivos diante das adversidades, mas que se mostram mais motivados para despender esforços para alcançar uma meta. Noutra direção, as pessoas mais pessimistas tendem a duvidar mais e a serem menos persistentes e podem, em alguns casos, antecipar um possível fracasso mesmo que ele não seja passível de acontecer.

Com isso, vê-se que o conteúdo do que se espera que aconteça no futuro pode afetar a forma como as pessoas vivenciam as situações no dia a dia, exercendo impacto sobre a saúde e a maneira como lidam com as emoções e com o estresse. Isso ocorre, pois o otimismo está relacionado à maior probabilidade de adoção de comportamentos de promoção de saúde e de estratégias de enfrentamento que viabilizam o melhor ajustamento psicológico. Em comparação com os otimistas, os pessimistas estão mais propensos à adoção de comportamentos de risco, como também a uma percepção de mundo menos favorável e uma reação e adaptação às adversidades de modo mais prejudicial.

Então, quer dizer que ser otimista sempre será positivo para o funcionamento humano? Para entender melhor os efeitos do otimismo é importante fazer a distinção entre o otimismo realista e irrealista e entre o otimismo explicativo e disposicional. O otimismo realista corresponde às crenças de que mais coisas boas acontecerão pautadas no contexto em que o indivíduo está inserido. Assim, otimistas realistas avaliam o seu futuro baseando-se em suas metas, expectativas e esforços despendidos para alcançá-las. Já o otimismo irrealista diz respeito às crenças irreais ou distorcidas que podem, por exemplo, disseminar a ideia de imunidade perante tipos de doenças, podendo justificar comportamentos de risco em saúde. O otimismo explicativo pressupõe que as expectativas quanto ao futuro derivam de causas relacionadas a eventos passados. Enquanto que o otimismo disposicional é definido como expectativas positivas quanto ao futuro, sem levar em consideração os meios para se chegar a tais resultados, corresponde às crenças do indivíduo de que coisas boas acontecerão independentemente de sua ação direta sobre os eventos que lhe afetam.

Portanto, crenças adaptativas em relação ao futuro demonstram ser um importante aspecto para a produção de bem-estar, qualidade de vida e ajustamento psicológico. Estima-se que os otimistas se adaptam melhor às adversidades, apresentam menores chances de desenvolver transtornos mentais, além de exibirem mais comportamentos de saúde que se relacionam a uma melhor qualidade de vida. Diante dos efeitos positivos do otimismo, os autores recomendaram a realização de mais pesquisas voltadas à explicação sobre o desenvolvimento, os efeitos e as intervenções no campo da saúde, visto que o tema ainda é relativamente escasso e se mostra profícuo para investigações e práticas em Psicologia da Saúde.

 


quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Três psicoterapias para a anorexia nervosa: Um ensaio randomizado e controlado

  

McIntosh, V. V. W., Jordan, J., Carter, F. A., Luty, S. E., McKenzie, J. M., Bulik, C. M., Frampton, C. M. A., & Joyce, P. R. (2005). Three psychotherapies for anorexia nervosa: A randomized controlled trial. The American Journal of Psychiatry, 162(4), 741-747. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.162.4.741

 

Resenhado por Michelle Leite

 

            A anorexia nervosa (AN) é uma doença grave com morbidade substancial e taxa de mortalidade de aproximadamente 5% por década. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem se estabelecido como tratamento de escolha para bulimia nervosa e possui algumas evidências de eficácia para a AN. A terapia interpessoal (TI) também pode ser considerada um tratamento eficaz nesse grupo, porém promove uma melhora mais lenta em detrimento da TCC. Em relação a anorexia nervosa, de modo específico, há uma lacuna na literatura a respeito de ensaios clínicos randomizados que examinaram a eficácia de tratamentos psicoterápicos. Dessa forma, o presente estudo objetivou examinar a eficácia da TCC e da TI, comparando-as a um tratamento de controle denominado manejo clínico de suporte não específico, na AN.

            Quanto ao método, participaram do estudo apenas mulheres, entre 17 e 40 anos, diagnosticadas com anorexia nervosa primária atual. As terapias aplicadas possuíam fases bem demarcadas, a saber: a fase 1 da TCC consistiu na introdução da abordagem e seus fundamentos, bem como se trabalhou a motivação para o tratamento. Na fase 2, o paciente aprendeu habilidades de reestruturação cognitiva, seguido pela fase 3 que preparou o paciente para a alta e prevenção de recaídas. A TI inicialmente trabalhou com a relação entre história de vida, relacionamentos interpessoais e problemas alimentares, explorando os problemas identificados na segunda fase. Na última fase, objetivou-se a preparação do paciente para um enfrentamento independente. Por fim, o tratamento de controle combinava características de manejo clínico (educação, cuidado e suporte) e promoção da adesão ao tratamento. Além disso, utilizou-se a psicoterapia de apoio através do uso de reforçadores e aconselhamento.

            Os resultados atestaram que, ao final do tratamento, 9% dos indivíduos tiveram um resultado muito bom, 21% melhoraram consideravelmente e 70% não completaram o tratamento ou obtiveram pequenos ou nenhum ganho. Contrariamente às hipóteses, os pacientes que receberam o tratamento controle (manejo clínico de suporte) tiveram um resultado tão bom ou melhor do que aqueles tratados com as psicoterapias especializadas (TCC e TI). A TI foi a menos eficaz das três terapias para o tratamento da AN. Possíveis explicações para este achado foram a relativa falta de foco nos sintomas, o tempo curto da terapia e a falta de reatividade dos sintomas da AN aos gatilhos interpessoais. As razões para os resultados insatisfatórios da TCC, por sua vez, incluem a grande quantidade de material de psicoeducação e a extensa aquisição de habilidades, incapacidade de gerar pensamentos alternativos frente às distorções cognitivas e a natureza egossintônica da AN. Por fim, o manejo clínico de suporte obteve sucesso nos resultados do tratamento pois incluiu discussões detalhadas sobre as maneiras de aumentar as opções e quantidades de alimentos para ganhar peso, um maior senso de autonomia e controle do paciente, e contou com profissionais especialistas em transtornos alimentares.

Diante do resultado não usual, a replicação do estudo utilizando o manejo clínico de suporte inespecífico como variável de ensaio clínico para AN é necessária. No entanto, uma abordagem escalonada tem sido defendida no tratamento de transtornos alimentares e o manejo clínico de suporte não específico pode ser uma boa primeira fase do tratamento. A Psicologia da Saúde é uma das áreas que podem auxiliar em tais investigações, uma vez que busca, através de pesquisas psicológicas, a aplicação de princípios para a melhoria da saúde, prevenção e o tratamento de doenças como a AN.



terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Transtorno obsessivo-compulsivo: Avanços no diagnóstico e tratamento

  

Hirschtritt, M. E., Bloch, M. H., & Mathews, C. A. (2017). Obsessive-compulsive disorder: Advances in diagnosis and treatment. JAMA317(13), 1358–1367. https://doi.org/10.1001/jama.2017.2200.

 

Resenhado por Michelle Leite

 

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é caracterizado pelo consumo de tempo, distresse, obsessões (pensamentos, imagens ou impulsos repetitivos e indesejados) e compulsões (pensamentos e comportamentos repetitivos), geralmente acompanhados por comportamentos de esquiva. A idade de início do TOC costuma ser na adolescência ou início da vida adulta, e o curso do transtorno tende a ser crônico. Indivíduos com sintomas de TOC possuem menor qualidade de vida, uma vez que o transtorno tem estado associado a mais anos vividos com incapacidade do que esclerose múltipla e doença de Parkinson. Apesar disso, o TOC é pouco diagnosticado e menos de 10% dos pacientes que chegam à atenção clínica recebem tratamento baseado em evidências. Diante disso, o artigo objetivou realizar uma revisão acerca dos avanços no diagnóstico e tratamento do TOC em adultos.

A pesquisa foi realizada nas bases de dados PubMed, EMBASE e PsycINFO, utilizando os descritores: obsessive compulsive disorder, assessment, screening, diagnosis, treatment, and management. Os critérios de inclusão foram artigos em inglês, pesquisas apenas com adultos nos últimos cinco anos com foco em ensaios clínicos randomizados, meta-análises, revisões sistemáticas e diretrizes de prática clínica. Por outro lado, artigos de opinião e comentários foram excluídos. As recomendações PRISMA foram utilizadas. Foram identificados 792 artigos, dos quais 27 foram selecionados para as análises.

Quanto aos avanços no diagnóstico, sabe-se que o diagnóstico de TOC é baseado em avaliação clínica. Os critérios diagnósticos do transtorno são presença de obsessões ou compulsões, angústia e comprometimento das funções diárias. Importa salientar que devem estar presentes obsessões ou compulsões, mas não necessariamente ambas. O TOC é heterogêneo e os sintomas podem variar amplamente entre os pacientes, porém costumam ser acompanhados por comportamentos de evitação. Além disso, em 2013, houve a remoção do TOC dos transtornos de ansiedade e colocação em uma nova categoria exclusiva no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-V). Essa decisão foi baseada no fato de que a ansiedade não é um componente central no TOC. Por fim, ferramentas de triagem podem ser muito úteis diante da suspeita do diagnóstico de TOC. Alguns exemplos que podem ser utilizados são: Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale (Y-BOCS), Obsessive-Compulsive Inventory, Short Version (OCI-SV) e Florida Obsessive Compulsive Inventory.

Em relação ao tratamento, há evidências substanciais que apoiam o uso de psicoterapias de abordagem cognitivo-comportamental (TCC) e tratamentos farmacológicos com inibidores seletivos de receptação de serotonina. Esses tratamentos, realizados isoladamente ou em combinação, resultaram em um alívio dos sintomas de TOC. A TCC é a intervenção psicológica mais eficaz e baseada em evidências para o TOC. Ela envolve dois componentes que podem ser utilizados em conjunto: reestruturação cognitiva e intervenções comportamentais. Na prática, a prevenção da exposição-resposta é a abordagem mais frequentemente usada, cuja estrutura envolve expor o paciente a estímulos que provocam as obsessões e instruí-lo a inibir as compulsões ou comportamentos de evitação associados. Por fim, algumas limitações para o tratamento com a TCC são a falta de disponibilidade, tempo e motivação do paciente para se envolver na terapia.



segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Lá vamos nós outra vez: A reemergência do ativismo antivacina na internet

 

Camargo Jr., K. R. (2020). Lá vamos nós outra vez: A reemergência do ativismo antivacina na internet. Cadernos de Saúde Pública, 36(Supl. 2), e00037620. https://doi.org/10.1590/0102-311x00037620.

 

Resenhado por Michelle Leite

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a relutância ou recusa em vacinar é considerada uma das dez maiores ameaças para a saúde global. O movimento antivacina não é novo. Historicamente, há relatos de resistências relacionadas ao ato de vacinação, os quais relacionavam-se principalmente à falta de informações acerca da sua eficácia e riscos. No entanto, mesmo com o desenvolvimento educacional e a ampla propagação de informações, sociedades instruídas têm sido palco para tal movimento no século XXI. O ensaio em questão apresenta algumas respostas provisórias que podem ajudar a explicar tal fenômeno.

A primeira das explicações possíveis se relaciona à eficácia das vacinas. Com o sucesso da erradicação, muitas doenças graves deixaram de ser vistas com frequência, de modo que o benefício da vacinação tornou-se cada vez mais intangível para a população em geral. Em segundo lugar, há incompreensões sobre os riscos de vacinar, que são superestimados, e de não vacinar, que são subestimados. Sabe-se que, apesar de haver chances de ocorrência de efeitos adversos das vacinas, em geral elas são extremamente baixas, sendo os prejuízos da não-vacinação muito mais prejudiciais do que qualquer complicação da vacina. Em terceiro lugar, é possível verificar uma aversão à objetividade científica e reduzida confiança na expertise. Ou seja, o ceticismo face a ciência ou a medicina leva a recusa sistemática de qualquer afirmação dessas fontes, cuja atitude está amparada na ideia de que os especialistas estão a serviço da indústria farmacêutica e visam apenas interesses econômicos.

O movimento antivacina ganha ainda mais força nas redes sociais. Elas são um solo fértil para propagação de teorias da conspiração e reforço positivo de conceitos errados. Os principais argumentos utilizados pelos ativistas são: (1) A vacina é produzida com ingredientes perigosos. Porém, sabe-se que o etil-mercúrio, uma das substâncias apontadas, não representa qualquer risco para a saúde. (2) Os danos da vacina são mais prevalentes do que os admitidos pelo establishment biomédico. Tal crença é alimentada por mal-entendidos sobre a forma como possíveis eventos adversos são relatados. (3) São utilizados como evidências argumentos de autoridade produzidos por “experts” questionáveis. (4) As doenças teriam diminuído por outras razões que não as vacinas e/ou não teriam diminuído de forma nenhuma. Esse argumento é baseado em análises epidemiológicas equivocadas e teorias da conspiração. (5) A imunidade “natural” é melhor. Essa crença subestima os riscos de exposição a doenças e se ancora numa incompreensão de como a imunidade funciona. (6) Os pais teriam maior conhecimento. De acordo com essa ideia, intuições dos pais (especialmente das mães) devem prevalecer sobre qualquer prova científica que ateste o oposto.

Pelo fato de tais narrativas serem carregadas de componente emocional, é difícil contra argumentar de um modo puramente racional. Uma abordagem possível é recorrer a medidas legais para coagir as pessoas a vacinar, uma vez que elas são eticamente justificáveis em prol da saúde pública.  Além disso, devido à dificuldade em convencer os ativistas antivacina acerca da importância da vacinação, um público alvo para tais esforços são os indivíduos “em cima do muro”, que acabam sendo conquistados por omissão. O oferecimento de fontes de informações corretas para esse público pode corrigir a desinformação na internet. As mensagens pró-vacinas eficazes devem evitar repetir os argumentos antivacina, considerar a ressonância emocional das ideias apresentadas, evitar o paternalismo ou antagonismo e ocupar espaço nos meios de comunicação social. Ao menos, com o emprego de tais estratégias no debate público, o ativismo antivacina pode deixar de conquistar as pessoas pela simples omissão dos pró-vacina.



domingo, 27 de dezembro de 2020

Desmascarando os mitos do TOC



            Postado por Giulia 

            O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é uma doença grave que pode ocasionar diversas incapacitações na vida do indivíduo com essa condição. Ainda assim, o imaginário social acerca do TOC é permeado por diversos equívocos que levam à sua estigmatização. A fim de ampliar a compreensão do tema, o vídeo a seguir esclarece de forma simples alguns dos mitos mais populares



sábado, 26 de dezembro de 2020

Ajustamento Psicológico à doença Crônica

Ridder, D., Geenen, R., Kuijer, R., & van Middendorp, H. (2008). Psychological adjustment to chronic disease. Lancet (London, England)372(9634), 246–255. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(08)61078-8

 

Resenhado por Kelyane Sousa

 

Doenças crônicas possuem características como persistência a longo prazo e repercussões no funcionamento normal das pessoas. Algumas, a exemplo da artrite reumatoide, precisam de tratamento farmacológico por um tempo considerável e podem ter como consequências dor e incapacidade física. Outras, como a diabetes, são controladas clinicamente, entretanto demandam adesão ao controle alimentar dentre outras estratégias. Assim, a doença crônica tem como impacto a necessidade de mudanças significativas, podendo gerar em decorrência em efeitos negativos na qualidade de vida e bem-estar.

Dessa forma, pessoas com doenças crônicas são confrontadas com situações até então desconhecidas, o que demanda delas novas estratégias de enfrentamento. A maioria das pessoas conseguem alcançar um bom ajustamento psicológico diante das novas circunstâncias, porém para cerca de 30% dos pacientes esse ajustamento é mais lento do que o esperado e, algumas vezes, malsucedido. Neste artigo, são elencados 5 elementos-chave para o ajustamento bem-sucedido: (1) bom desempenho de tarefas adaptativas; (2) ausência de transtornos psicológicos, (3) presença de baixo afeto negativo e alto afeto positivo; (4) estado funcional adequado; e (5) satisfação e bem-estar em vários domínios da vida.

Neste estudo foi realizada uma revisão de literatura acerca dos aspectos fisiológicos, emocionais, comportamentais e cognitivos do ajustamento psicológico a doença crônica. Como resultado, os autores identificaram que para promover o ajuste psicológico, os pacientes devem permanecer tão ativos quanto for razoavelmente possível, reconhecer e expressar suas emoções de uma forma que lhes permitam assumir o controle de suas vidas, se envolver em seu próprio autocuidado e tentar focar nos potenciais resultados positivos de sua doença. Com o uso de tais estratégias, pessoas com doenças crônicas têm a melhor chance de se ajustar com sucesso aos desafios impostos.

A pesquisa buscou compreender as condições através das quais os pacientes podem manter suas vidas em condições favoráveis. Assim, os autores consideraram que o engajamento em tais atitudes pode ajudar os indivíduos a enfrentarem e trabalharem os sentimentos negativos induzidos pela doença e a se envolverem em comportamentos exigentes de autogestão que podem melhorar sua condição. Para alcançar o ajuste psicológico, os pacientes precisam enfrentar a realidade de estar cronicamente doentes e fazer esforços para mudar suas vidas para se ajustar às novas circunstâncias impostas por sua doença.

Conhecer o mecanismo de ajustamento das pessoas diante do acometimento por uma doença crônica é fundamental para a psicologia da saúde, que tem como alicerce justamente a adaptação e o enfrentamento das pessoas diante de condições de saúde e doença. Dessa forma, o presente artigo se faz relevante ao se traduzir como ferramenta ao psicólogo que deve servir como instrumento para que as pessoas consigam se ajustar de forma saudável e com o máximo de bem-estar possível frente ao diagnóstico de uma doença crônica.

 


terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Sobrecarga em familiares de indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo

Burden in families of individuals with obsessive-compulsive disorder

 

Neto, E. B. S., Teles, J. B. M., & dos Santos Rosa, L. C. (2011). Sobrecarga em familiares de indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo. Archives of Clinical Psychiatry38(2), 47-52.

Resenhado por Millena Bahiano

 

A família, na maioria das vezes, possui o papel de principal cuidadora quando ocorre uma situação de adoecimento físico ou mental em algum familiar. Contudo a falta de preparo e suporte, para lidar com tal situação, pode acarretar uma sobrecarga aos familiares e ocasionar prejuízos em saúde. A sobrecarga familiar, de quem possui um indivíduo diagnosticado com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), tanto pode estar relacionada com a dinâmica do tratamento e assistência prestada quanto pelo estresse ocasionado pelos sintomas da doença e falta de suporte psicológico diante do enfrentamento da doença. Ademais, o envolvimento da família na prestação de cuidados e apoio ao indivíduo com TOC pode favorecer a evolução positiva do quadro clínico e adesão ao tratamento, como também pode ocasionar o agravamento da situação e aumento do desconforto emocional do paciente.

O presente estudo foi realizado no Brasil com 60 participantes. A amostra foi composta por 30 pessoas com TOC em tratamento na rede privada (consultórios psiquiátricos) e na rede pública (Centro de Atenção Psicossocial – CAPS II), além de 30 familiares (um referente a cada indivíduo com TOC). O objetivo foi identificar a sobrecarga em familiares e verificar a existência de diferentes graus de sobrecarga, conforme a rede assistencial utilizada pelo paciente com TOC. Os instrumentos utilizados foram um questionário sociodemográfico e clínico, voltado aos indivíduos com TOC e seus familiares, a Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares – FBIS-BR para a investigação dos graus de sobrecarga e o Mini International Neuropsychiatric Interview – MINI para confirmação diagnóstica de TOC e identificação de comorbidades.

Dentre os resultados, observou-se que a amostra dos pacientes com diagnóstico de TOC foi composta em sua maioria por mulheres (56,6%), com idade entre 35 e 40 anos. Viu-se também que houve confirmação diagnóstica do TOC com o uso do MINI e 40% dos pacientes entrevistados foram identificados com comorbidades (16,6% com episódio depressivo maior e 10% com transtorno de ansiedade generalizada). Quanto ao familiar/cuidador a média de idade foi entre 45 e 60 anos e também foi composta em sua maioria por mulheres (80%). Segundo os autores ainda foi possível identificar que a maior sobrecarga objetiva dos familiares (transporte do paciente, comportamentos desconcertantes, alterações nos serviços e rotina da casa, entre outros) estiveram presente na amostra dos pacientes do CAPS.

Já com relação a sobrecarga subjetiva, os maiores graus ocorreram na rede privada indicando maior sentimento de incômodo da família ao prestarem assistência ao paciente com TOC, principalmente no quesito “realização de tarefas de casa”. No estudo os familiares respondentes informaram que, de modo geral, não receberam orientações referentes aos cuidados a serem realizados com o familiar com TOC. Para a Psicologia da Saúde o entendimento destes fatores, apresentados no estudo, tendem a contribuir para a elaboração de estratégias de intervenção mais eficazes e assertivas, no atendimento do paciente e cuidador da pessoa com TOC. Desse modo, a atuação do psicólogo da saúde se faz fundamental na orientação e acompanhamento destes familiares/cuidadores, a fim de minimizar danos psicológicos e em saúde durante a prestação de cuidado, apoio, compreensão da doença e assistência a ser realizada ao familiar com TOC.   



sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Como controlar o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) em conjunto com a COVID-19: Um guia clínico do Colégio Internacional de Transtornos do Espectro Obsessivo Compulsivo (ICOCS) e da Rede de Pesquisa de Transtornos Obsessivo-Compulsivos e Relacionados (OCRN) do Colégio Europeu de Neuropsicofarmacologia

How to manage obsessive-compulsive disorder (OCD) under COVID-19: A clinician's guide from the International College of Obsessive Compulsive Spectrum Disorders (ICOCS) and the Obsessive-Compulsive and Related Disorders Research Network (OCRN) of the European College of Neuropsychopharmacology

 

Fineberg, N. A., Van Ameringen, M., Drummond, L., Hollander, E., Stein, D. J., Geller, D., ... & Rodriguez, C. I. (2020). How to manage obsessive-compulsive disorder (OCD) under COVID-19: A clinician’s guide from the International College of Obsessivo Compulsive Spectrum Disorders (ICOCS) and the Obsessive-Compulsive and Related Disorders Research Network (OCRN) of the European College of Neuropsychopharmacology. Comprehensive Psychiatry, 100, 152174. doi: 10.1016/j.comppsych.2020.152174

 

Resenhado por Geovanna Turri

 

O rápido avanço da pandemia de coronavírus, além aumentar significativamente a mortalidade mundial, também demonstrou potencial considerável para impactar na saúde mental da população, aumentado níveis de estresse e Transtornos Mentais Comuns como a ansiedade e a depressão por exemplo. No contexto atual, é de particular importância o impacto causado em indivíduos diagnosticados com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), que por natureza já possuem pensamentos e comportamentos intrusivos relacionados a evitar “perigos” por meio de comportamentos compulsivos. Durante a pandemia tem sido enfatizada a prática de cuidados preventivos que, nesses indivíduos, refletem em obsessões e compulsões relacionadas à contaminação.

Em resposta à crise emergente e aos pedidos crescentes de pacientes e médicos por orientação, um grupo de trabalho de especialistas clínicos do College of Obsessive Compulsive Spectrum Disorders (ICOCS) e do Obsessive-Compulsive and Related Disorders Research Network (OCRN) do Cólegio Europeu de Neuropsicofarmacologia produziu um guia clínico para os profissionais de saúde com objetivo de fornecer orientação pragmática em relação à temática com o grupo específico de pacientes com TOC.

As orientações, em síntese, são: 1. Abordar de forma calma e compassiva, sempre que possível com o uso de telemedicina; 2. Registrar cuidadosamente a história do paciente, confirmando o diagnóstico de TOC e possíveis comorbidades, esclarecendo até que ponto os sintomas atuais são reações racionais ou disfuncionais; 3. Avaliar o risco de suicídio, especialmente em pacientes com transtornos mentais comórbidos; 4. Psicoeducar com informações equilibradas sobre reflexos da COVID-19 na saúde física e mental; 5. Informar-se sobre o uso de internet e consumo de notícias do paciente, tentando equilibrar esses índices e sugerir fontes confiáveis; 6. Caso os sintomas de TOC sejam o problema principal deve-se rever as necessidades de uso de medicação como prioridade; avaliar o custo-benefício da realização de terapia cognitivo comportamental em termos de disponibilidade de profissionais; ativar o cuidado social e ocupacional, com estabelecimento de rotinas mesmo em casa, entre outras recomendações.

Dado o contexto atual, esforços rigorosos da psicologia da saúde devem ser feitos para fornecer cuidados eficazes para indivíduos com TOC e tais orientações devem direcionar os cuidados dados a esses indivíduos. Compreender o impacto de uma pandemia como a COVID-19 na expressão do TOC em pacientes afetados e no desenvolvimento de novos casos de TOC pode fornecer informações importantes sobre os determinantes ambientais do transtorno. Consequentemente, lidar com tais manifestações e agravamentos previne a necessidade de cuidados mais intensivos no futuro e diminui a gravidade das consequências psicológicas para estes indivíduos.



quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Variabilidade de diagnósticos psicológicos frente à avaliação dermatológica da escoriação psicogênica

 

Alves, C. J. M., Martelli, A. C. C., Prado, R. B. R., & Fonseca, M. D. S. (2009). Variabilidade de diagnósticos psicológicos frente à avaliação dermatológica da escoriação psicogênica. Anais Brasileiros de Dermatologia84(5), 534-537. doi: 10.1590/S0365-05962009000500016

 

Resenhado por Maísa Carvalho


A Psicodermatologia, a interface entre a Psicologia e a Dermatologia, propõe-se a pesquisar as relações entre as condições psicopatológicas e seus efeitos nas dermatoses, por exemplo, os Transtornos Depressivos, Transtornos de Ansiedade, Transtornos Alimentares, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, dentre outros. Uma dessas dermatoses, frequentemente associada a quadros ansiogênicos, é a Escoriação Psicogênica (EP) - também denominada como Skin Picking ou Transtorno de Escoriação -, a qual é caracterizada pelo comportamento do indivíduo de arranhar, beliscar, cortar ou escavar a pele normal de forma recorrente, lesionando-a. Essa é o objeto do presente estudo, que apresentou três relatos de caso objetivando realizar associações entre variáveis psicológicas e a doença.

Os três casos são de pacientes do sexo feminino, com idades de 45, 40 e 49 anos, respectivamente, todas diagnosticadas com a EP através de avaliação feita por equipe interdisciplinar. Além desse diagnóstico, a paciente do caso 1 foi diagnosticada com Transtorno Obsessivo-Compulsivo, e as dos casos 2 e 3 com Transtorno de Personalidade Borderline. Para o caso 1, foram prescritas a psicoterapia, o uso de antidepressivo tricíclico e após dois anos, o uso de inibidor seletivo de recaptação de serotonina aliado à psicoterapia. No caso 2, foram prescritas as mesmas medicações do caso anterior e também psicoterapia e no caso 3, antidepressivo tricíclico e posteriormente o uso de antidepressivo atípico.

Em todos os três casos percebeu-se que a EP foi desenvolvida em termos somáticos como uma forma de manifestação psíquica, visto que as pacientes possuíam conteúdos psicológicos reprimidos e/ou não elaborados de forma saudável. Apesar dos diagnósticos e terapêuticas serem diferentes, as três pacientes apresentaram aspectos convergentes em seus casos, como traumas emocionais da infância, dificuldade em lidar com problemas cotidianos, comportamentos impulsivos e difíceis relacionamentos interpessoais, além das dificuldades em se comprometerem com o tratamento. Apesar dos percalços durante os processos de tratamento, as pacientes relataram melhor compreensão e controle do quadro psicodermatológico.

Por fim, as pesquisas nas áreas da Psicodermatologia e da Psicologia da Saúde são benéficas quanto à realização de levantamentos epidemiológicos que estimem a prevalência da EP na população geral. Com vistas, principalmente, a realizar capacitações em profissionais de saúde que objetivem capacitar o diagnóstico diferencial e os tratamentos adequados aos diferentes casos e públicos.

 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Desfechos do transtorno obsessivo-compulsivo em longo prazo: Acompanhamento de 142 crianças e adolescentes


Micali, N., Heyman, I., Perez, M., Hilton, K., Nakatani, E., Turner, C., & Mataix-Cols, D. (2010). Long-term outcomes of obsessive–compulsive disorder: Follow-up of 142 children and adolescents. The British Journal of Psychiatry, 197(2), 128-134.

Resenhado por Luanna Silva

 

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é uma condição crônica, frequentemente iniciada na infância. Crianças e adolescentes que apresentam esse diagnóstico têm taxas de persistência de sintomas mais elevadas e mais chances de desenvolver outros quadros psiquiátricos, como transtornos de ansiedade e de humor. Apesar dessas evidências, pouca atenção é direcionada para o curso a longo prazo do TOC pediátrico e as suas consequências na vida adulta. Entende-se que compreender melhor a história natural e os resultados psiquiátricos e sociais a longo prazo nesse transtorno, pode ser útil tanto para profissionais quanto para as crianças e adolescentes com TOC e suas famílias.

Diante disso, este estudo objetivou acompanhar uma coorte de crianças diagnosticadas com TOC, durante o período de julho de 1996 a junho de 2005. A pesquisa foi realizada em Londres e contou com 142 participantes, sendo a maioria do gênero masculino (88, 6%). O tempo médio entre a avaliação inicial e follow up foi de 5,1 anos (DP = 2,70). A média de idade dos participantes na etapa de avaliação inicial da pesquisa foi de 13,2 anos (DP = 2,60) e na fase de follow up foi de 18,6 anos (DP = 3,50). Na avaliação inicial foi utilizado o Children’s Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale (CY-BOCS) para medir o impacto e a gravidade do TOC e o Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ) foi administrado como uma medida geral dos sintomas emocionais e comportamentais da infância. Na etapa de follow up foi aplicado aos pais e crianças o Developmental and Well-Being Assessment (DAWBA) a fim de investigar a presença e severidade de outros transtornos psiquiátricos. Além disso, as crianças responderam ao Patient’s Global Impression (PGI) que avalia a percepção do paciente sobre a severidade da doença, o Work and Social Adjustment Scale (WSAS) que investiga o prejuízo na funcionalidade em diferentes áreas da vida e novamente o CY-BOCS. Dados demográficos e clínicos relevantes também foram obtidos.

Os resultados mostraram que 60% dos participantes diagnosticados com TOC na etapa inicial do estudo não apresentavam quadro clínico completo no follow up. As taxas de persistência dos sintomas foram de 41%, com apenas um terço dos respondentes demonstrando sintoma moderado ou grave. Aproximadamente dois terços dos participantes se classificaram como melhor ou muito melhor em relação aos seus sintomas. O principal preditor para a persistência do TOC foi o tempo de duração do transtorno. Adicionalmente, observou-se que 70% dos respondentes apresentavam um outro diagnóstico psiquiátrico, sendo os transtornos de ansiedade identificados como os mais frequentes. Notou-se que os níveis de comprometimento funcional dos respondentes na fase de follow up foram leves, sugerindo que estavam desempenhando de modo satisfatório suas funções em diferentes áreas da vida. Por fim, aproximadamente 50% dos participantes ainda estavam recebendo tratamento, sendo o tratamento farmacológico o mais comum. No entanto, a maioria dos pacientes expressaram a necessidade de realizar psicoterapia.

Os achados deste estudo demonstram que o TOC pode ser uma condição que persiste na vida adulta, mas que é possível se adaptar à doença, ainda que seja necessário conviver com os sintomas. Ademais, evidenciou-se a importância do reconhecimento e tratamento precoce para prevenir a cronicidade do transtorno. As informações obtidas através de estudos longitudinais como esse podem auxiliar no desenvolvimento e melhoria dos serviços prestados, sendo importante que sejam desenvolvidos trabalhos dessa natureza na área da Psicologia da Saúde.



terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Perfil empiricamente derivado de estresse do professor, burnout, autoeficácia e coping associados aos resultados dos alunos

Empiricallly derived profiles of teacher stress, burnout, self-efficacy, and coping and associated student outcomes

 

Herman, K. C., Hikmon-Rosa, J., & Reinke, W. M.  (2018). Empirically derived profiles of teacher stress, burnout, self-efficacy, and coping and associated student outcomes. Journal of Positive Behavior Interventions, 20(2), 90-100. doi: 10.1177/1098300717732066

 

Resenhado por Luana C. Silva-Santos

 

A literatura sobre a docência e fatores associados ao burnout em professores aponta que professores que experimentam altos níveis de esgotamento ou se sentem emocionalmente exaustos demonstram ensino de qualidade inferior, além de relações interpessoais deficitárias. Somado a isso, baixa percepção de autoeficácia e estratégias desadaptativas de coping tendem a influenciar seu desempenho e culminar no rendimento dos alunos também. Tais fatores parecem gerar um aumento da rotatividade de professores ainda nos primeiros cinco anos de atuação, o que torna a rede de ensino instável e prejudica toda a comunidade envolvida no âmbito escolar. Nesta temática, Herman, Hikmon-Rosa e Reinke (2018) objetivaram explorar esses construtos para determinar sua relação com os resultados dos alunos, incluindo comportamentos perturbadores e desempenho acadêmico.

Participaram 121 professores e 1817 alunos entre jardim de infância e a quarta série de nove escolas, com consentimento livre e esclarecido (dos pais, no caso dos alunos). Aproximadamente metade dos professores (42%, n = 51) participaram de um programa de desenvolvimento profissional denominado Incredible Years (IY), que consiste em seis workshops de um dia, distribuídos ao longo do ano, visando promover o gerenciamento eficaz da sala de aula. Todos os professores responderam medidas avaliativas sobre seus alunos, seus níveis de burnout, estresse e coping e autoeficácia. A análise de perfil latente foi usada para determinar os padrões de adaptação do professor em relação ao estresse, enfrentamento, eficácia e esgotamento. Esses perfis foram então vinculados aos resultados comportamentais e acadêmicos dos alunos. Quatro perfis de adaptação do professor foram identificados: três classes foram caracterizadas por altos níveis de estresse e foram distinguidas por variações no enfrentamento e burnout variando de (a) enfrentamento alto e baixo desgaste (60%), (b) enfrentamento moderado e desgaste moderado (30%), (c) baixo enfrentamento e alto desgaste (3%). A quarta classe foi distinguida por baixo estresse, alto enfrentamento e baixo desgaste, com apenas 7% da amostra se enquadrou nesta classe bem ajustada.

Nos resultados, os autores encontraram que os professores nas combinações das classes de alto estresse, alto esgotamento e baixo enfrentamento foram associados aos piores resultados dos alunos, incluindo menores comportamentos adaptativos e comportamentos perturbadores mais elevados em comparação com as outras classes em quase todas as comparações. Essas descobertas apoiam a alegação de que o estresse e o enfrentamento do professor podem ter um impacto não apenas no bem-estar do professor, mas também nos alunos em suas salas de aula.

Essas descobertas sugerem a importância de adotar uma abordagem holística para examinar o ajuste do professor e o impacto no aprendizado do aluno e no desenvolvimento socioemocional. Ainda que uma manipulação experimental para permitir uma interpretação causal não tenha sido conduzida, tal inferência seria consistente com a teoria e a literatura existente que, segundo os autores, mostra o impacto do sofrimento dos adultos no desenvolvimento e desempenho infantil. Assim, investir recursos no apoio à adaptação do professor, tanto em relação a variáveis psicológicas ao equipá-los com habilidades de enfrentamento quanto ao fornecer mais apoios estruturais, pode melhorar não apenas seu bem-estar, mas também o bem-estar e o funcionamento dos alunos em sua classe.



sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Estudo sobre a relação entre sintomas psicopatológicos e IMC na adultez e velhice

 

Dias, I., Afonso, R. M., Gonçalves, D., Lopes, T., Pereira, H., Esgalhado, G., Monteiro, S., & Loureiro, M.
(2020). Estudo sobre a relação entre sintomas psicopatológicos e IMC na adultez e velhice. Psicologia, Saúde & Doenças21(1), 198-204. 
doi.org/10.15309/20psd210129.

Resenhado por Ariana Moura


O Índice de Massa Corporal (IMC) é um indicador de risco nutricional que permite categorizar os indivíduos em função da avaliação nutricional, sendo uma forma de operacionalização fundamental para que se possam realizar estudos sobre a temática. Estima-se que mais de 1.9 bilhões de adultos tem excesso de peso e mais de 650 milhões são obesos. O excesso de peso e a obesidade são um desafio para a saúde pública uma vez que a sua prevalência está a aumentar em todo o mundo.

As consequências do excesso de peso e obesidade encontram-se solidamente fundamentadas em relação à saúde física, contudo, no que concerne à saúde mental o impacto causado não é tão claro e os resultados nem sempre são conclusivos ou consensuais. Porém, alguns estudos, que estabelecem associações entre a saúde mental e o peso corporal, sugerem que tanto a desnutrição como a obesidade estão associadas a uma pior saúde mental.

O objetivo da pesquisa foi avaliar e comparar a existência dos vários sintomas psicopatológicos avaliados pelo Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI) entre as diversas fases do ciclo vital e categorias do IMC. Tratou-se de um estudo quantitativo e transversal, em que participaram 628 indivíduos, 401 mulheres e 227 homens, com uma média de idades de 39,14 (DP = 20,78). Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram o Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI) e o cálculo do IMC.

Os resultados mostraram que a prevalência do “Excesso de Peso” é maior nas mulheres (18,6%) do que nos homens (12,1%), a prevalência da obesidade é maior entre as mulheres (6,8%; Homens = 5,7%) e na população idosa é maior nos homens (15,9%; Mulheres = 13,1%). Além disso, as médias das dimensões “Depressão” e “Ansiedade” aumentaram com o aumento do IMC.

Verificou-se, ainda, que as pessoas com “Obesidade” apresentaram resultados médios mais elevados na maioria das dimensões. No entanto, nas dimensões “Ideação Paranoide” e “Psicoticismo” as pessoas com “Excesso de Peso” registraram maior média. Ao analisar as diferenças dos resultados do BSI no início da idade adulta tendo em conta as categorias do IMC, apurou-se que as pessoas com “Obesidade”, apresentaram médias mais elevadas na Somatização.

Desse modo, os achados enfatizam a importância do IMC na compreensão da psicopatologia e a necessidade de se considerarem as questões nutricionais tanto na avaliação como na intervenção psicológica nos sintomas psicopatológicos na adultez e velhice. No contexto da Psicologia da Saúde e para os profissionais que trabalham com pacientes que apresentam transtornos alimentares, este estudo permite refletir acerca da importância do IMC na avaliação, compreensão e promoção da saúde mental ao longo do ciclo vital. Os dados apresentados contribuem para a construção de projetos de intervenção levando em conta os aspectos multidisciplinares da obesidade.



 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Habilidades sociais e estratégias de enfrentamento de estresse: Relação com indicadores de bem-estar psicológico em cuidadores de idosos de alta dependência

Pinto, F.N.F.R., & Barham, E.J. (2014). Habilidades sociais e estratégias de enfrentamento de estresse: Relação com indicadores de bem-estar psicológico em cuidadores de idosos de alta dependência. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 17(3), 525-539. doi:org/10.1590/1809-9823.2014.13043.

Resenhado por Ariana Moura

Com a elevação da expectativa de vida, o cuidador de idosos torna-se cada vez mais indispensável. No entanto, mesmo cuidando de alguém que se ama, uma rotina de trabalho constante pode acarretar aumento no nível de estresse e diminuição na qualidade de vida do cuidador. Sabe-se que para desenvolver relacionamentos bem-sucedidos, é preciso adquirir um repertório de habilidades sociais. As habilidades sociais se referem a uma classe específica de comportamentos que um indivíduo emite para completar uma tarefa social e que lhe permite lidar de maneira adequada com as demandas psicológicas de situações interpessoais. No entanto, por mais que o cuidador passe a dominar diferentes habilidades sociais, nem sempre é possível remover um estressor potencial por meio de ajustes e acordos com outras pessoas, como no caso de lidar com comportamentos problemáticos de um idoso com demência. Assim, complementando e auxiliando as habilidades sociais, também existem as habilidades de enfrentamento de estresse, que podem ser divididas em duas funções.

A primeira função envolve o gerenciamento ou alteração do evento estressor – nesse caso, o enfrentamento está focalizado no problema. A segunda função diz respeito ao controle, redução ou eliminação das respostas emocionais ao evento estressor. No entanto, essas duas formas de enfrentamento são inter-relacionadas, visto que as pessoas, diante de um mesmo evento estressor, utilizam ambas as formas de enfrentamento, pois uma estratégia que, a princípio, está focalizada no problema, também tem função focalizada na emoção.

O objetivo do estudo foi investigar as habilidades sociais e estratégias de enfrentamento de estresse e verificar se elas se correlacionam com medidas de percepção de bem-estar psicológico em cuidadoras de idosos. Tratou-se de estudo descritivo de correlação onde foram entrevistadas 20 cuidadoras familiares de idosas de alta dependência.

Nos resultados, observou-se que as cuidadoras que relataram conseguir controlar reações agressivas com maior frequência percebiam menor impacto sobre seu bem-estar e sobre a relação com a idosa. Além disso, várias formas de usar habilidades sociais e a capacidade de resolução de problemas também estavam associadas a uma menor percepção de sobrecarga, especialmente em relação à autoeficácia.

Ao analisar a relação entre diferentes habilidades sociais e estratégias de enfrentamento de estresse por parte das cuidadoras com a qualidade da relação que tinham com sua parente idosa, foi possível verificar que cuidadoras que conseguiam recusar pedidos abusivos apresentavam uma interação mais positiva com a idosa. Constata-se então que o uso dessas habilidades contribui para evitar conflitos na relação entre a cuidadora e a idosa.

Assim, no campo da Psicologia da saúde, a principal contribuição deste estudo se dá por verificar as habilidades que os cuidadores utilizam relacionando-as com o bem-estar, estes resultados podem ajudar a desenvolver habilidades específicas em pessoas que trabalham cuidando de idosos a fim de diminuir os conflitos e melhorar a saúde mental.



sábado, 5 de dezembro de 2020

Tudo que eu quero no Natal é descansar - mudanças no bem-estar afetivo dos funcionários antes e depois das férias


Syrek, C. J., Weigelt, O., Kühnel, J., & Bloom, J. (2018) All I want for Christmas is recovery – changes in employee affective well-being before and after vacation, Work & Stress, 32(4), 313-333. doi: 10.1080/02678373.2018.1427816

Resenhado por Amanda Feitosa

O Natal é um dos feriados mais celebrados do mundo, sendo esta época associada a reuniões de família, comemorações e planos de vida. Acredita-se que esse feriado influencie o bem-estar afetivo da população, seja pelo seu valor sentimental ou também por conta do recesso que os funcionários usufruem no final do ano. Apesar de sua importância e alcance mundial, há uma escassez de pesquisas acerca de quais fatores específicos da época exercem influência no estado afetivo dos trabalhadores e se os benefícios do recesso (e.g. maior tempo de descanso e aproximação com a família) têm efeitos de longo prazo na saúde mental desse grupo. Assim, este estudo objetivou investigar o desenvolvimento do bem-estar afetivo de trabalhadores antes, durante e depois das férias natalinas.

Participaram do estudo 145 funcionários de várias indústrias com contrato permanente ou que trabalhavam integralmente, sendo 78% (n = 113) composto pelo público feminino. A idade variou entre 19 a 62 anos (M = 36, DP = 9,7). Os trabalhadores responderam duas vezes por semana um questionário online, sendo os dados inicialmente coletados um mês antes do Natal até meados de março. O período total de coleta durou 15 semanas. Mensuraram-se os níveis de afeto positivo e negativo, os níveis de antecipação para o feriado, assim como a quantidade de tarefas incompletas, relacionadas ao trabalho ou pessoais. Os níveis de relaxamento e distanciamento em relação ao trabalho foram mensurados através do Recovery Experience Questionnaire. Para a análise dos dados se utilizou o software R.

Observou-se em relação ao bem-estar afetivo dos trabalhadores que o afeto positivo aumentou antes do Natal, chegou ao seu pico durante o feriado e lentamente diminuiu nos meses de janeiro e fevereiro. Além disso, quanto maiores foram os níveis de antecipação para o natal maiores foram os afetos positivos observados. Sobre os afetos negativos, estes se correlacionaram positivamente com a quantidade de tarefas incompletas que os funcionários possuíam. Apesar do acúmulo de obrigações desacelerar a diminuição dos níveis de afetos negativos antes do Natal, elas não impactaram os afetos positivos. Ademais, pessoas que se distanciaram das obrigações do trabalho e relaxaram, demonstraram maiores níveis de afetos positivos, uma vez que o recesso permitiu que elas recuperassem seus recursos (como níveis de energia e melhoria da atenção).

O período natalino é esperado ansiosamente pela maioria da população devido ao recesso de final de ano e a possibilidade de se recuperar das longas jornadas diárias de trabalho. Pensando na importância da antecipação natalina, do descanso e do distanciamento do trabalho para o bem-estar dos trabalhadores, ressalta-se a necessidade de mudanças nos ambientes organizacionais para torná-los espaços que contribuam para a saúde mental desse grupo. Portanto, profissionais da área da Psicologia da Saúde em colaboração com psicólogos organizacionais podem desenvolver estratégias nas empresas que promovam os efeitos protetivos dos feriados, em especial o do Natal. Como exemplos, a negociação de horários de trabalho que facilitem o retorno do recesso e a diminuição das tarefas nos meses posteriores as férias, atuando assim na prevenção de problemas mentais relacionados ao trabalho, como estresse, ansiedade e burnout.



sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Estresse e enfrentamento infantil no contexto do divórcio parental

 

Roseiro, C. P., Paula, K. M. P., & Mancini, C. N. 2020. Estresse e enfrentamento infantil no contexto do
divórcio parental. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 72 (1), 55-71. doi: 10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.55-71

Resenhado por Ariana Moura 

É imperativo que o contexto familiar é configurado como um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento dos sujeitos, de maneira que a sua dinâmica, recursos e características se tornam fatores de forte influência nos desdobramentos do ciclo vital, especialmente durante a infância e a adolescência. A promoção de uma estrutura de apoio sólida e uma dinâmica de acolhimento e estimulação, já nos primeiros anos de vida, mostra-se essencial na garantia de um desenvolvimento sadio, o que contribui para o bem-estar do indivíduo. O divórcio tem sido descrito como um evento estressor que abrange uma série de mudanças e ajustamentos na vida de todos os membros da família, aumentando com isso a probabilidade de mal-estar psicológico entre pais e crianças. Desta maneira, a exposição a contextos caóticos e constantes episódios de disputa/conflito entre o ex-casal, como forma de relacionamento pós-divórcio, tende a contribuir incisivamente para o desencadeamento de estresse em níveis prejudiciais, representando portanto risco ao desenvolvimento dos filhos.

O uso de estratégias positivas de enfrentamento pela criança é considerado um importante fator protetivo que favorece trajetórias desenvolvimentais adaptativas, assim como o suporte social, a percepção/crença sobre o divórcio sem autoculpa e os arranjos de guarda facilitadores da convivência do filho com os genitores. Em conjunto, esses fatores protetivos poderão atenuar os possíveis efeitos negativos do divórcio e promover o processo de resiliência da família. O presente estudo tratou-se de uma pesquisa empírica com delineamento descritivo e correlacional para identificação, análise e relações entre variáveis. A amostra foi composta por 30 crianças, com idade entre 10 a 12 anos, e seus pais, os quais responderam a um roteiro de entrevista semiestruturado, bem como a Escala de Stress Infantil, Escala de Eventos Percebidos para Adolescentes e Escala de Enfrentamento do Divórcio Parental.

Nos resultados viu-se que quase 37% dos participantes apresentaram algum nível de estresse, manifestando principalmente reações psicológicas e psicofisiológicas, cujos efeitos podem produzir resultados duradouros e prejudiciais ao desenvolvimento e bem-estar infantil. As fases de Alerta e Resistência, indicaram a evolução do estresse ao longo do contato com o estressor, mostrando que as crianças deste estudo provavelmente estavam lidando com a situação de divórcio parental de maneira intensa e imediata, caminhando para o estabelecimento do estressor enquanto crônico e reagindo diante das consequências desta nova realidade. Além disso, os participantes apresentaram reação de tristeza, muito intensa, nas três situações estressoras específicas do contexto de divórcio parental (conflito interparental, afastamento de um genitor e problemas financeiros). Contudo, a situação avaliada como mais ameaçadora foi a de afastamento de um dos genitores, condição potencialmente angustiante.

Desse modo, salientou-se que o cuidador (pai ou mãe) pode ser um importante ator na promoção de estratégias adaptativas para os filhos, reforçando o uso do coping engajado e desenvolvendo a autoestima da criança para lidar com diferentes estressores. Os pais, como correguladores, ao proporcionarem um ambiente em que os filhos se sintam seguros e assistidos podem auxiliar na diminuição do estresse e na promoção de desfechos de resiliência. Por fim, no campo da Psicologia da Saúde, este estudo contribui para a atuação dos profissionais da área, bem como na proposição de programas de atendimento e orientação às famílias que se encontram na situação de divórcio, indicando práticas mais protetivas para o desenvolvimento das crianças.