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terça-feira, 27 de abril de 2021

“Para mim, a anorexia é só um sintoma e a causa é o autismo”: Investigando transtornos de restrição alimentar em mulheres autistas


Brede, J., Babb, C., Jones, C., Elliott, M., Zanker, C., Tchanturia, K., Serpell, L., Fox, J, & Mandy, W. (2020). “For me, the anorexia is just a symptom, and the cause is the autism”: Investigating restrictive eating disorders in autistic women. Journal of Autism and Developmental Disorder, 50, 4280-4296. https://doi.org/10.1007/s10803-020-04479-3

Resenhado por Giulia

 

            Mulheres autistas têm risco elevado de desenvolver anorexia nervosa. Quando analisadas as motivações para restrição alimentar nesse grupo, notam-se diferenças em relação àquelas de mulheres não autistas: estas geralmente se preocupam com a influência do próprio peso na autoestima; já as mulheres autistas são motivadas por dificuldades específicas ao autismo. O estudo conduziu uma série de entrevistas para investigar os mecanismos associados ao autismo responsáveis por propiciar comportamentos relacionados a transtornos alimentares. Seis temas foram frequentes nos discursos dos participantes, os quais serão descritos a seguir.

            Um dos temas mais mencionados nas entrevistas como impulsionador dos comportamentos relacionados a transtornos alimentares foi a sensibilidade sensorial, o que causava sobrecarga sensorial geral, sensibilidade sensorial específica a alimentos e desconforto quanto a sensações corporais internas. Consequentemente, muitas mulheres autistas relataram parar de comer para aliviar sensações aversivas a determinados barulhos, texturas e iluminação. Outra razão citada por elas para restringir a alimentação foi evitar experiências sensoriais negativas a certos alimentos que causavam repulsa (por conta do cheiro ou temperatura, por exemplo). Pular refeições também foi mencionado como formar de evitar sensações internas aversivas relacionadas ao ato de comer (como se sentir inchada ou a sensação de digerir alimentos). Além disso, pode haver hiposensitividade, o que causa dificuldade em reconhecer e entender emoções e estranheza quanto a sensações relacionadas ao ato de comer, como fome e saciedade. Algumas mulheres relataram que deixavam de comer, pois não conseguiam reconhecer sua fome, e que dependiam de dicas externas, como horário do dia ou tamanho do prato, para regular seus hábitos alimentares.

            Outro tema citado foram as dificuldades com interações sociais. Em muitos casos, a restrição alimentar foi descrita como uma estratégia para se distrair ou aliviar sentimentos resultantes da solidão e exclusão das mulheres autistas. Comumente, as dificuldades sociais pioravam na adolescência, coincidindo com o início do transtorno alimentar. A falta de identidade e de senso de si foram citados por quase toda as participantes como fatores centrais para o desenvolvimento do transtorno alimentar, levando-as a focar no seu peso e formato e, por vezes, pensar no seu corpo como o motivo por não conseguirem se encaixar socialmente ou adotar certos hábitos alimentares para se “camuflarem no mundo neurotípico”.

            As dificuldades emocionais em identificar, regular e comunicar emoções também estimularam comportamentos relacionados a transtornos alimentares, como se exercitar em excesso, para diminuir a confusão e sobrecarga emocional ou se distrair dela, dando maior sensação de controle. Além disso, os comportamentos alimentares eram utilizados como maneira de canalizar a ansiedade e outras questões de saúde mental, pois assim as mulheres podiam focar sua preocupação na comida. A necessidade de controle e previsibilidade associados ao autismo, levava as mulheres a adotarem rotinas fixas e rituais envolvendo comida, evitando dificuldades em lidar com mudanças. O último fator citado por todas as mulheres foram os estilos de pensamento característicos do autismo, como o pensamento literal, os interesses obsessivos e o pensamento enrijecido. Isso tornava as mulheres mais vulneráveis a desenvolver regras rígidas envolvendo a alimentação, tornando-se difícil interrompê-las uma vez que eram estabelecidas, principalmente porque essas características ficavam mais nítidas quando estavam com fome.

            Essas descobertas fornecem novas informações valiosas sobre fenômenos de grande relevância para a psicologia da saúde atualmente, além de delimitar importantes focos para intervenção em um público específico cujos estudos ainda são escassos.

 




domingo, 25 de abril de 2021

O que é a procrastinação?


Postado por Luiz Guilherme Lima Silva.

A procrastinação é um comportamento que consiste em atrasar voluntariamente o início ou a execução de tarefas que são importantes para o indivíduo em detrimento de atividades prazerosas. A procrastinação é considerada uma falha no processo de autorregulação emocional do indivíduo e pode ser encontrada em diversos ambientes, como o acadêmico, laboral e até mesmo em relação aos cuidados em saúde.

 



segunda-feira, 19 de abril de 2021

Associação longitudinal entre baixa autoestima e depressão em adolescentes precoces: O papel da sensibilidade à rejeição e da solidão

Longitudinal association between low self‐esteem and depression in early adolescents: The role of rejection sensitivity and loneliness

 

Zhou, J., Li, X., Tian, L., & Huebner, E. S. (2020). Longitudinal association between low self‐esteem and depression in early adolescents: The role of rejection sensitivity and loneliness. Psychology and Psychotherapy: Theory, Research and Practice, 93, 54-71. doi: https://doi.org/10.1111/papt.12207

 

Resenhado por Geovanna Turri

A depressão é um distúrbio psicológico comum que se tornou uma das cinco principais causas de sofrimento em todo o mundo. Dada a ampla gama de aspectos físicos, cognitivos, emocionais e sociais, a adolescência é considerada um período crítico para o surgimento da depressão. A depressão em adolescentes parece prever muitos efeitos psicossociais negativos ao longo da vida, incluindo mau funcionamento psicossocial, deficiência cognitiva e até mesmo o suicídio. Além disso, o início da adolescência também representa o período de confusão de identidade e diminuição dos níveis de autoestima. A redução da autoestima durante essa fase da vida desempenha um papel crítico na vulnerabilidade crescente à depressão. Embora a relação entre baixa autoestima e depressão seja bem estabelecida na literatura nacional e internacional, pouco se sabe sobre os possíveis mecanismos psicológicos que explicam a relação entre eles. Com base na teoria cognitiva da depressão de Beck, o objetivo principal do presente estudo foi explorar a noção de que a sensibilidade à rejeição e a solidão servem como mediadores da relação entre baixa autoestima e depressão entre os adolescentes.

Para tanto, foi utilizado um desenho longitudinal, no qual foi avaliado um modelo hipotético com uma amostra de 866 adolescentes que foram recrutados em seis escolas públicas de uma cidade de médio porte localizada no norte da China. A amostra foi composta por 51% de adolescentes do sexo feminino e 49% do sexo masculino, entre 11 e 15 anos de idade que preencheram questionários em três períodos em intervalos de 1 ano (totalizando 4 períodos de tempo: T1, T2, T3 e T4). A baixa autoestima foi medida usando três subescalas (confiança social, aprendizagem de habilidades e aparência física) da Escala Revisada de Sentimentos de Inadequação (The Revised Feelings of Inadequacy Scale). Já a sensibilidade de rejeição foi medida usando a versão chinesa do Questionário de sensibilidade à rejeição infantil (Child Rejection Sensitivity Questionnaire), a solidão foi medida usando a escala de solidão UCLA (The UCLA Loneliness Scale - version 3) e a depressão foi medida usando a Escala de autoavaliação de depressão para crianças (The Depression Self-Rating Scale for Children).

A modelagem de equações estruturais mostrou que: (1) baixa autoestima no T1 previu positivamente a depressão no T3; (2) a sensibilidade à rejeição no T2 mediou parcialmente a relação entre baixa autoestima no T1 e depressão no T3; (3) a baixa autoestima no T1 demonstrou efeitos indiretos parciais sobre a depressão no T3 sucessivamente por meio da sensibilidade à rejeição e solidão no T2; e (4) a sensibilidade à rejeição previu um aumento na solidão, mas não vice-versa, e a depressão foi responsável pela solidão, mas não pela sensibilidade à rejeição. As associações entre baixa autoestima e depressão entre os primeiros adolescentes podem ser explicadas pela sensibilidade à rejeição e solidão.

Essas descobertas oferecem uma compreensão mais completa do desenvolvimento da depressão na adolescência e auxilia na prática da psicologia da saúde, uma vez que sugerem intervenções mais abrangentes e, portanto, provavelmente mais eficazes para a depressão em adolescentes.


 

sábado, 17 de abril de 2021

“Forte é o novo magro”: Uma análise de conteúdo das imagens #inspiraçãofit no Instagram

 

Tiggemann, M., & Zaccardo, M. (2018). ‘Strong is the new skinny’: A content analysis of #fitspiration images on Instagram. Journal of Health Psychology23(8), 1003-1011. https://doi.org/10.1177/1359105316639436

Resenhado por Maísa Carvalho

O Instagram (IG) é atualmente a rede social mais utilizada no mundo, contando com mais de 1 bilhão de usuários. Além disso, privilegia o uso de fotos como a principal forma de interação entre os usuários. Estudos vêm evidenciando a relação entre transtornos alimentares (TA) e de imagem (TI) com a internalização de um padrão de beleza ideal, que vem sendo favorecido pelo uso dessa e de outras redes sociais. Nessa perspectiva, surgiu uma tendência denominada “inspiração fit”, corrente no IG, que consiste em imagens que motivam as pessoas a se exercitarem e possuírem um estilo de vida saudável. Contudo, a maioria dessas imagens mostram pessoas – sobretudo mulheres – magras e definidas, que sustentam o padrão de beleza em voga. Nesse cenário, o presente estudo examinou características de imagens “inspiração fit” postadas no IG e investigou aspectos problemáticos que poderiam contribuir para o desenvolvimento de transtornos de imagem.

Foram selecionadas 600 imagens no IG marcadas com a hashtag “inspiração fit”. Em seguida, foram codificadas, primeiramente, em três categorias: pessoas, comidas ou outros. Posteriormente, foram subcategorizadas. A categoria “comida” foi dividida em “saudável” ou “não saudável”; “pessoas” em “gênero” (masculino, feminino ou ambos), “adiposidade” (magro, médio ou acima do peso), “grau muscular” (pouco ou nenhum, definição visível ou alto nível de definição), “atividades” (posar relacionado ou não ao condicionamento físico, posar participando de atividades físicas, posar para modelar em competições ou posar para um antes e depois), “objetificação” (destacando uma parte específica do corpo, posando de maneira sexy ou sem deixar a cabeça/rosto ausente ou pouco visível); “outros” em “conteúdo do texto” (inspirador – relacionado ou não a conteúdos fitness –, e outro – qualquer texto) e “conteúdos disfuncionais” (com textos extremos que poderiam encorajar atitudes e comportamentos não saudáveis associados ao corpo, dieta ou exercícios).

A maioria das imagens foram de pessoas (63,7%), em seguida de comida (19%) e outros (17,3%). Em relação às imagens das pessoas e suas características físicas, a maior parte foi de mulheres (67,3%), magras (75,2%) e visivelmente definidas (56,2%). Os homens (28,8%) apareceram nessa categoria com peso médio (98,6%) e alto nível de definição muscular (60%). A categoria de atividades foi composta, em sua maioria, por poses, em que mulheres (25,7%) e homens (27,3%) estavam envolvidos em alguma atividade física. Quanto à objetificação, a maior parte (56%) mostrou ao menos um dos tipos de objetificação tanto para mulheres (54,1%) quanto para homens (64,4%). A pose “sexy” foi adotada mais por mulheres (25,7%) do que por homens (10%). Por fim, a categoria associada aos conteúdos de texto (17,6% das imagens totais) explanou, em sua maioria, conteúdos positivos e gerais (58,5%) seguidos por conteúdos inspiradores relacionados à atividade física (39,6%). Deles, 11,3% foi considerado potencialmente disfuncional.

Os resultados apontaram, especialmente, o quanto as mulheres são afetadas pela “inspiração fit” e o quanto é sutil, no IG, a pressão para se ter um corpo enquadrado nos ideais de beleza através desse fenômeno, já que é pouco provável a identificação em meio a pouca variabilidade de corpos expostos nessa rede social. Entendeu-se que esses movimentos psicológicos são fator de risco para o desenvolvimento de TI e TA, pois, ainda que em menor percentual, foram encontrados conteúdos disfuncionais na análise. Nesse sentido, a Psicologia da Saúde pode intervir com ações preventivas utilizando programas de literacia em mídia que enfoquem o uso saudável das redes sociais, sobretudo com crianças e adolescentes, que começam a utilizar as mídias sociais cada vez mais cedo.



quarta-feira, 14 de abril de 2021

O estresse e a saúde mental de profissionais da linha de frente da COVID-19 em hospital geral

Horta, R. L., Camargo, E. G., Barbosa, M. L. L., Lantin, P. J. S., Sette, T. G., Lucini, T. C. G., Silveira, A. F., Zanini, L., & Lutzky, B. A. (2021). O estresse e a saúde mental de profissionais da linha de frente da COVID-19 em hospital geral. Jornal Brasileiro de Psiquiatria70(1), 30-38. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000316

Resenhado por Franciely Santos 

Profissionais de linha de frente são aqueles que atuam diretamente na assistência aos pacientes na pandemia, esses encontram-se mais vulneráveis aos efeitos psicossociais nesse momento. Dentre as causas que agem para o agravamento dos efeitos negativos sobre esses profissionais estão: vacinas insuficientes, falta de equipamentos de proteção individual, longas horas de trabalho e elevado número de mortes. Acompanhar esses efeitos é imprescindível para garantir aos profissionais intervenção e suporte adequado em saúde mental quando necessário.

O conhecimento a respeito de como os profissionais estão reagindo a excessiva sobrecarga e constante estresse nesse período crítico é de suma importância para identificar possíveis mecanismos de enfrentamento que amenizem os danos presentes e futuros, de forma que seja possível o cumprimento do papel desses profissionais e manutenção da saúde dos mesmos.

O estudo em questão visou investigar as consequências na saúde mental daqueles que estão na linha de frente do enfrentamento à pandemia. Tratou-se de um estudo transversal de abordagem mista, com profissionais que atendem pacientes diagnosticados com COVID-19 em um hospital da rede pública de saúde. Participaram da amostra 123 pessoas, a coleta se deu em um momento crescente no número de casos, hospitalizações e mortes, no período de 11 de junho a 14 de agosto de 2020. Utilizou-se os seguintes instrumentos: Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), o Perceived Stress Scale (PSS) e o Oldenbur Burnout Inventory (OBI), para observar os escores de ocorrência de transtornos mentais comuns, percepção de estresse e ocorrência de burnout, respectivamente. Dos 123, 10 participantes aceitaram colaborar com outra etapa, na qual poderiam explanar suas percepções a respeito da pandemia de forma livre.

Conforme os resultados encontrados, 40% dos participantes obtiveram escores compatíveis com transtornos mentais comuns. Em se tratando de exaustão, 60% da amostra atingiram os escores. Em 41% dos respondentes estava presente o burnout. As mulheres constituíram 81% dos que estavam em atividade na linha de frente, com idade média de 37,4 anos. A média de horas trabalhadas foi de 51, o que representa8 horas/semana. Do total da amostra, 68% relataram ter feito a testagem para COVID-19, 25% tiveram resultado positivo. Somente 9% constou estar em atendimento psicoterápico, enquanto 13% faziam uso de psicofármacos. Nas entrevistas abertas os dados também indicaram efeitos psicossociais, como sofrimento psíquico, medo, estresse e insegurança.

            Com base nos dados, observou-se que a pandemia desencadeou sofrimento psíquico entre os profissionais de saúde que lidam diariamente com pacientes de COVID-19. Dentre as possíveis explicações para o adoecimento estão: a carga elevada de trabalho, o medo de ser infectado e/ou infectar a família, a insegurança sobre o futuro e o estresse provocado pela rotina de paramentação de equipamento de proteção individual.

            Esta pesquisa contribui à Psicologia da Saúde por apresentar dados atuais a respeito dos impactos na saúde mental causados pela pandemia nos profissionais de saúde. Diante do exposto é fundamental que a Psicologia da Saúde ajude a elaborar diretrizes que visem a promoção de saúde mental e prevenção de transtornos mentais entre os profissionais de saúde a fim de reduzir o sofrimento psíquico e exaustão.



terça-feira, 13 de abril de 2021

Doença grave e os desfechos em longo prazo ao redor do mundo

Righy, C. (2019).  Doença grave e os desfechos em longo prazo ao redor do mundo. IN: Teles, J. M. M., Teixeira, C. & Rosa, R. G. (Eds.), Síndrome pós-cuidados intensivos: como salvar mais do que vidas. AMIB.

 

Resenhado por Danielle Alves Menezes

Doença grave é compreendida como um conceito múltiplo, que envolve comorbidades, condições heterogêneas de saúde que necessitam de suporte de vida avançado. O aumento de sobreviventes da doença grave em unidades de terapia intensiva (UTIs) tem despertado interesse científico sobre sequelas após alta hospitalar e retorno desses indivíduos à família e à sociedade.

Repercussões duradouras e progressivas dessas condições, em diversos aspectos da vida desses pacientes, levaram a Society of Critical Care Medicine, em 2012, a ampliar o alcance do conceito para englobar mudanças cognitivas e mentais, o que foi denominado de PICS (Post Intensive Care Syndrome), assim como impactos sobre a família (PICS-F). De acordo com os estudos analisados pelos autores, relacionam-se como principais desfechos associados à PICS, a longo prazo, disfunções cognitivas, limitações físicas e sequelas psiquiátricas.

Disfunções cognitivas tiveram incidência entre 4% e 62%, em período de follow-up que variou entre 2 e 152 meses. Apesar da variabilidade indicar possível diversidade de critérios diagnósticos, não diminui a importância das consequências desse tipo de sequela, pois estima-se que o custo social fique em torno de R$18 bilhões por ano. Como fatores de risco durante a internação, o delirium é o mais constantemente associado, ao lado de fatores de risco considerados não modificáveis, como idade, nível educacional, comorbidades, gravidade da doença e sepse. Delirium é uma alteração do nível de consciência, e diz respeito a uma síndrome confusional aguda (Dalgalarrondo, 2019). 

Quanto aos desfechos físicos, foram observadas importantes alterações da funcionalidade, demonstradas por limitações da atividade, restrição da participação e modificação da estrutura e funções do corpo. Além dessas, são citadas: diminuição da função pulmonar, redução da força dos músculos respiratórios, reduzida habilidade de realizar atividades da vida diária e diminuição da habilidade de dirigir e de voltar ao emprego. Fadiga também é frequentemente relatada por sobreviventes e, na literatura, está associada à presença de ansiedade, depressão, dor e disfunção cognitiva.

Dentre as sequelas psiquiátricas, são notadamente associadas ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Prevalência de ansiedade pode variar desde 5% até 7% em sobreviventes, sendo comum entre 2 a 3 meses após alta. Relacionados ao desenvolvimento desse transtorno se encontram reações de estresse agudo, pesadelos intensos ou medo extremo durante a internação. Presença de traço estável de ansiedade em pacientes também se mostrou relevante. Depressão foi comum após alta entre 29% e 30% dos pacientes, e teve como principal fator de risco ter tido reação de estresse psicológico agudo na UTI. O TEPT foi identificado em cerca de 20% dos sobreviventes, taxa comparável à de sobreviventes de guerras civis (26%). Dentre os fatores de risco para TEPT estão presença de psicopatologia prévia, uso de benzodiazepínicos e memórias assustadoras da experiência de UTI.

Apesar da relevância crescente do tema, são escassos estudos com qualidade suficiente para detectar outros impactos, ou mesmo magnitude desses eventos, na vida dos sobreviventes e seus familiares. Esses dados são relevantes e apontam para o campo de investigação e análise a ser explorado pela psicologia da saúde, a fim de contribuir para maior planejamento de ações em saúde e para o desenvolvimento de métodos de intervenção que possam reinserir essa população em seu contexto.



sexta-feira, 9 de abril de 2021

Indícios de transtornos alimentares em adolescentes

 

Salomão, J.O., Marinho, I. P., Leite, A.F.V., & Acosta, R.J.LT. (2021). Indícios de transtornos alimentares em

adolescentes. Brazilian Journal of Health Review, 4(2), p. 5665-5678. doi:10.34119/bjhrv4n2-133

 

Resenhado por Ariana Moura

Os transtornos alimentares (TAs) são síndromes psiquiátricas com etiologia multifatorial cujos os sintomas começam a aparecer ainda na adolescência. Os principais tipos de transtornos alimentares são a anorexia e a bulimia nervosa, transtorno compulsivo alimentar periódico e a vigorexia.

A anorexia nervosa se traduz na recusa patológica e sistemática da ingestão de alimentos, originando uma consequente perda de peso. Já a bulimia nervosa é caracterizada pelo objetivo de perder peso rapidamente, com a prática de comportamentos compensatórios após compulsão alimentar, envolvendo a indução forçada do vômito e o uso de laxantes. a vigorexia é um transtorno corporal dismórfico em que o indivíduo se vê mais magro do que é na realidade e apresenta pensamentos repetidos acerca da necessidade de exercício físico, com o objetivo de aumentar a massa muscular. Por outro lado, o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódico (TCAP) é caracterizado pela ingestão de grande quantidade de alimentos em um período de tempo delimitado (até duas horas), acompanhado da sensação de perda de controle sobre o quê ou o quanto se come.

Alguns autores associam a influência do aumento dos TAs à superexposição de modelos corporais nos meios de comunicação com a divulgação de uma ótica corpórea estereotipada e determinada pelas relações de mercado. Neste contexto, a procura da beleza e o culto de um corpo perfeito têm promovido o aparecimento de patologias psiquiátricas.

O estudo aqui apresentado teve como objetivo  investigar indícios de transtornos alimentares em adolescentes na rede pública e privada de ensino no município de Passos/MG. Utilizou-se questionários autoaplicáveis e validados para tendências de anorexia, bulimia, transtorno compulsivo alimentar periódico e vigorexia em ambos os sexos. Tratou-se de um estudo observacional, analítico e transversal, com delineamento amostral não probabilístico por conveniência.

A amostra final foi de 25 alunos, 11 meninas e 14 meninos com média de idade de 12,36 anos. A classificação em baixo peso foi identificada mais no sexo feminino. Detectou-se somente uma estudante com alto critério para compulsão alimentar e quatro participantes com compulsão moderada. Além disso, identificou-se altos escores de sintomas de vigorexia em 20% da amostra e 28% dos adolescentes apresentaram riscos para TAs, sendo o risco mais elevado entre as meninas (16%).

Os distúrbios do comportamento alimentar são considerados transtornos mentais graves que causam prejuízos à saúde física, ao desenvolvimento, à cognição e à função psicossocial e podem passar despercebidos por meses ou anos. Apesar da gravidade e prevalência em crianças e adolescentes, não existem diretrizes de prática para facilitar as decisões de tratamento.

Levando em conta a gravidade e repercussões multifatoriais na saúde física, mental e social a longo prazo, justifica-se maior atenção ao rastreamento e detecção precoce, sobretudo no público adolescente, que é apontado como população de maior risco para desenvolvimento de TAs. Neste sentido, a Psicologia da Saúde pode contribuir no diagnóstico precoce e na elaboração de políticas públicas que atuem não apenas no tratamento, mas sim na promoção de saúde e prevenção de TAs no público infanto-juvenil a fim de evitar complicações de morbidade e mortalidade futuras, tanto pelos aspectos físicos, quanto psicológicos e sociais que envolvem estas patologias.



terça-feira, 6 de abril de 2021

Mudanças na regulação emocional em tempo real e perda de controle alimentar

 

 

Stevenson, B. L., Wilborn, D., Kramer, M. P., & Dvorak, R. D. (2019). Real-time changes in emotion regulation and loss of control eating. Journal of Health Psychology, 26(4), 556-566. https://doi.org/10.1177/1359105318823242

 

Resenhado por Brenda Fernanda

 

Dificuldades na regulação emocional são componentes importantes na manutenção da perda de controle alimentar. O comer compulsivo é sintoma fundamental em dois dos mais comuns transtornos alimentares no DSM: transtorno de compulsão alimentar e bulimia nervosa. A alimentação compulsiva é composta por dois elementos: comer uma quantidade consideravelmente grande de comida e sensação de perda de controle sobre a alimentação. A perda de controle alimentar, sobretudo, implica em prejuízo funcional e sofrimento. Algumas explicações teóricas para a alimentação compulsiva são os modelos de regulação das emoções (RE). Acredita-se que a compulsão alimentar regula o afeto negativo para quem come, de modo que o afeto negativo aumenta antes do episódio compulsivo e diminui após o episódio, ou até mesmo durante o episódio. Este estudo buscou examinar a relação entre as dificuldades de RE e a perda de controle alimentar em tempo real.

Uma primeira fase de rastreio online foi realizada, na qual 1345 participantes responderam um questionário sobre compulsão alimentar. Na fase 2, 75 pessoas participaram de uma entrevista clínica baseada nos critérios diagnósticos do DSM, para detectar transtornos alimentares e psicose e obter informações detalhada sobre o comportamento de perda de controle alimentar. Foram para a fase 3 50 respondentes, na qual receberam um tablet equipado com um aplicativo para sinalizar os participantes em intervalos aleatórios para responder aos questionários. Cinco participantes foram excluídos da amostra e, dos 45 respondentes restantes, 73,0% eram universitários e 27,0% pessoas da comunidade, 73,0% mulheres, 91,5% pessoas brancas, com idade média de 23,73 anos (DP = 6,30).

Os participantes se envolveram em um episódio de perda de controle alimentar em 54,5% dos dias registrados. As habilidades de RE permaneceram estáveis em dias sem perda de controle, mas houve um aumento significativo nas dificuldades de RE após episódios de perda de controle alimentar. Tais achados sugerem que os aumentos nas dificuldades de RE não são responsáveis pelo início da perda de controle da alimentação. Os dados também indicaram que 46% da variabilidade na RE ocorreu dentro da pessoa, apoiando a importância de investigar a regulação emocional como uma variável a nível de estado.

Concluiu-se que os padrões de desregulação emocional ocorreram em decorrência da perda de controle alimentar, ao invés de funcionar como um fator precipitante para os episódios compulsivos. Este estudo se mostra relevante para a psicologia da saúde porque associa um construto cognitivo a um quadro clínico. O foco da psicologia da saúde é estudar e intervir nos aspectos psicológicos associados ao adoecimento, portanto, a partir do entendimento da relação entre RE e transtornos alimentares, torna-se possível pensar em intervenções com foco em estratégias de RE mais saudáveis, pensando também em melhorar os episódios de compulsão. Apesar de os achados deste estudo não identificarem as dificuldades de RE anteriormente aos episódios de compulsão, a literatura tem sinalizado que a relação entre esses dois fenômenos se dá de forma bilateral, de modo que um alimenta o outro. Ou seja, a desregulação das emoções leva a episódios compulsivos, da mesma forma que os episódios compulsivos impactam na regulação das emoções.



segunda-feira, 5 de abril de 2021

Níveis de autoestima em pacientes com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico

 

Gutiérrez, M. E. L., & García, E. N. (2017). Niveles de autoestima en pacientes con diagnóstico de lupus eritematoso sistémico. Revista Cubana de Reumatología, 19(1), 1-8.  Recuperado de: http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1817-59962017000100001&lng=es&tlng=es.

 

Resenhado por Kelyane Sousa

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune que se caracteriza por ter progressão incapacitante e curso crônico. Apresenta grande complexidade do ponto de vista clínico devido à variabilidade dos padrões de expressão, pode afetar qualquer órgão, evolui por surtos, com períodos de atividade e inatividade.

Um dos fatores que tem sido proposto como precursor da autoimunidade é o estresse e os fatores inerentes à personalidade dos pacientes. Acredita-se que avaliações subjetivas sobre o ambiente social e a relação entre fatores psicossociais e eventos que geram estresse, como perda de um membro da família, separação dos pais ou sentimentos de falta de afeto, contribuam para o aparecimento de doenças autoimunes doença. Diante disso, alguns fatores moduladores do estresse são vulnerabilidade, enfrentamento, controle, força pessoal, suporte social, personalidade e autoestima.

Autoestima refere-se à percepção positiva que o sujeito tem de si mesmo, ao nível de auto aceitação e/ou ao sentimento positivo de amor-próprio. As atitudes que as pessoas assumem de si mesmas são expressas através do julgamento pessoal de valor. Assim, o objetivo deste trabalho foi determinar os níveis de autoestima de um grupo de pacientes com diagnóstico de LES e sua inter-relação com algumas variáveis ​​sociodemograficas. Participaram 36 pessoas com LES, das quais 33 eram mulheres e 3 homens, maiores de 18 anos de idade, e a sua maioria (77,7%) com escolaridade de nível médio/ técnico.

A grande maioria dos participantes (83,3%) apresentou baixa autoestima. Tal aspecto foi relacionado com a baixa escolaridade, pois os universitários obtiveram maioritariamente um nível médio de autoestima, visto que maior escolaridade favorece o nível de autoestima em relação aos de média e educação básica ou primária. Além disso, a baixa autoestima também foi relacionada a alguns elementos de personalidade e aceitação de responsabilidade em termos de admissão da doença e dificuldade para modificar estilos de vida.

A variável idade também tem influência nos fatores moduladores de estresse. Na adolescência, a presença de lesões dermatológicas que ameaçam a estética limita as relações com os pares na idade adulta as manifestações articulares interferem no desenvolvimento sócio laboral, podendo gerar sentimentos de dependência econômica e ao mesmo tempo insegurança e infelicidade no casal e social relacionamentos, em tempos de crise.

Em pacientes com LES, os baixos níveis de autoestima podem ser um fator desencadeante de crises juntamente com a vulnerabilidade biológica e outros fatores relacionados aos eventos de vida e a presença de psicopatologias que favorecem níveis significativos de estresse. Dessa forma, é essencial para a Psicologia da Saúde compreender as variáveis psicológicas que impactam na autoestima de pessoas com LES para que os profissionais possam ter ferramentas adequadas no manejo desse grupo de pessoas, garantindo o desenvolvimento de um estilo de vida saudável, bem-estar e qualidade de vida de pessoas com LES.