Páginas

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Resiliência em famílias de crianças com Transtorno do Espectro Autista

Rethinking resilience in families of children with autism spectrum disorders

 

Gunty, A. L. (2020). Rethinking resilience in families of children with autism spectrum disorders. Couple and Family Psychology: Research and Practice, 10(2), 87-102. http://dx.doi.org/10.1037/cfp0000155.supp.

 

Resenhado por Luíza Ramos

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do desenvolvimento neurológico caracterizado por déficits nas habilidades sociais e pela presença de padrões repetitivos e restritos de comportamento. Apesar do estresse decorrente dessa característica do transtorno, algumas famílias de crianças com TEA vivem uma condição tão saudável quanto outras famílias. Isso indica bons níveis de resiliência familiar, processo pelo qual as famílias que estão passando por estressores significativos trabalham para equilibrar esses estressores e os recursos disponíveis, enquanto se envolvem na construção de significado, permitindo, portanto, resultados positivos apesar dos estressores que enfrentam. Assim, a teoria da resiliência familiar pode ampliar a compreensão do funcionamento e adaptação das famílias de crianças com TEA. O objetivo do texto foi fazer uma revisão sistemática incluindo uma análise do que é conhecido sobre a resiliência familiar em famílias de crianças com TEA e fornecer uma integração teórica para o estudo dessa temática.

            O foco principal baseou-se em três elementos da resiliência: estressores, recursos e construção de significado. Em relação aos estressores, nota-se a necessidade de serviços específicos de tratamento e apoios, que pode representar um fardo econômico para a família por meio de custos diretos. A presença de certos recursos melhora o funcionamento das famílias, visto que o apoio formal de escolas e outros profissionais, a comunicação familiar positiva, as rotinas consistentes e o tempo da família juntos contribuem para a diminuição da tensão familiar e o melhor funcionamento da família. Já sobre a construção de significado, a resiliência é aumentada quando as famílias são capazes de reconhecer as características positivas da criança com TEA, de reformular os problemas positivamente, de identificar os pontos fortes da família e cultivar a autoeficácia dos pais. Sendo assim, quando os estressores superam os recursos na presença da construção de significado, o bem-estar familiar fica comprometido.

            A teoria mais comumente representada é o modelo ABCX duplo de resiliência familiar, que consiste em fases dentro do processo de resiliência. Inicialmente, existe um estressor (A) que interage com os recursos existentes (B) e a percepção da família (C) sobre o estressor. Se o estressor ultrapassa os recursos, a família vivencia uma crise (X). Em uma segunda fase do modelo, se os estressores continuam após a crise, a família experimenta um acúmulo de estressores. Em seguida, as estratégias de enfrentamento da família interagem com o acúmulo de estressores para levar a um resultado positivo, a boa adaptação. Entretanto, os estudos geralmente não usam a teoria além disso, colocando a responsabilidade pela resiliência na família, já que não considera as restrições contextuais.

            As teorias mais úteis para integrar a compreensão atual da resiliência familiar de crianças com TEA são a teoria do estresse minoritário e a teoria ecológica. A primeira considera que crianças de grupos minoritários são mais propensas a receberem diagnóstico em uma idade mais avançada e terem acesso a serviços de intervenção de qualidade, além de experimentarem mais estressores no cotidiano. A teoria ecológica enfatiza a necessidade de prestar atenção às maneiras pelas quais os indivíduos estão em um ciclo de feedback constante com seus ambientes. Por fim, considerar os diferentes elementos da resiliência familiar é fundamental para a Psicologia da Saúde uma vez que pode orientar efetivamente as decisões sobre quais intervenções, serviços e apoios são melhores para cada família.



segunda-feira, 28 de junho de 2021

Enfrentamento parental como amortecedor entre fatores infantis e parentalidade empática em famílias de crianças com Transtorno do Espectro Autista

 

Alostaz, J., Baker, J. K., Fenning, R. M., Neece, C. L., & Zeedyk, S. (2021, May 20). Parental coping as a buffer between child factors and emotion-related parenting in families of children with Autism Spectrum Disorder. Journal of Family Psychology. Advance online publication. http://dx.doi.org/10.1037/fam0000757

 

Resenha por Ana Beatriz A. Silveira

 

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno de neurodesenvolvimento caracterizado por déficits na comunicação social e pela presença de comportamentos restritos e repetitivos. Em estudos anteriores, pais de crianças com TEA relataram maiores níveis de estresse comparados a pais de crianças neurotípicas e pais de crianças com outras deficiências. Apesar de muitos fatores estarem por trás desse estresse, os sintomas do TEA e os problemas de comportamento são os que mais se destacam. Em decorrência disso, o comportamento parental pode ser afetado, o que consequentemente poderia exacerbar as dificuldades da criança ao longo do tempo. No entanto, observou-se também que apesar de os fatores estressores estarem presentes na vida das famílias, algumas conseguiam se adaptar melhor à situação, o que fez com que surgissem esforços para entender os processos de resiliência dessas famílias.

O presente estudo, então, objetivou examinar se o enfrentamento adaptativo dos pais seria moderador de associações entre estressores associados aos sintomas do TEA e problemas de comportamento dos filhos e a parentalidade empática nas famílias com crianças com TEA. Foi realizado um estudo transversal, que aproveitou a amostra de um estudo maior sobre a interação entre a parentalidade e a regulação de crianças em famílias de crianças com TEA. Os participantes foram familiares, principalmente mães (95%), de 63 crianças de 6 a 10 anos, meninos, em sua maioria (79%), que tiveram o diagnóstico de TEA confirmado pelo instrumento ADOS-2, uma avaliação semiestruturada que permite o registro de comportamentos infantis relacionados à linguagem, comunicação social, brincadeira, comportamentos repetitivos e interesses restritos. Foram respondidos questionários relativos ao diagnóstico, ao Quociente de Inteligência da criança, aos seus problemas de comportamento, ao enfrentamento dos pais e às reações deles às emoções das crianças.

O enfrentamento adaptativo mostrou-se não apenas compensatório na manutenção de reações empáticas com os sentimentos das crianças, como também potencialmente amortecedor dos efeitos dos problemas de comportamento neste aspecto, tendo como tipo de enfrentamento significativo o planejamento ativo. No entanto, não houve significância do enfrentamento adaptativo em relação a reações não empáticas dos pais, o que sugere que um enfrentamento não adaptativo apenas diminua as reações empáticas ao invés de provocar reações punitivas. Já em relação aos sintomas do TEA, o enfrentamento adaptativo não aparece como amortecedor dos efeitos dos estressores na parentalidade em reações empáticas nem em reações não empáticas, não havendo significância na correlação entre estes fatores. Finalmente, o nível de QI das crianças se mostrou relacionado com o nível de enfrentamento adaptativo dos pais.

Uma das áreas de atuação da Psicologia da Saúde é a intervenção em situação de dificuldades de ajustamento à condição da doença, o que é uma realidade para muitas famílias de crianças com TEA. Dito isso, estudar as estratégias de enfrentamento utilizadas e seus efeitos na dinâmica familiar se mostra de vital relevância a fim de elaborar intervenções eficazes que possam trazer melhores resultados no manejo do estresse relacionado.

 


sexta-feira, 25 de junho de 2021

Transtorno do espectro autista: Onde estamos e para onde vamos

  

Schmidt, C. (2017). Transtorno do espectro autista: Onde estamos e para onde vamos. Psicologia Em Estudo, 22(2), 221–230. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v22i2.

Resenhado por Luanna Silva

 

Definido como uma desordem neurobiológica complexa e multifatorial, o autismo foi incialmente descrito em 1943 por Leo Kanner. Baseado nas observações de seus pacientes, Kanner relatou um quadro de incapacidade de se relacionar com outras pessoas, dificuldade no desenvolvimento da linguagem, tendência para interpretação literal e sensibilidade sensorial. No ano seguinte, Hans Asperger publicava artigo descrevendo condição semelhante, mas manifestada de forma mais branda, a qual denominou psicopatia autista. O autismo surge como categoria nosográfica apenas na terceira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) e desde então houve um aprimoramento contínuo para o diagnóstico atual presente no DSM-5. Adotou-se uma perspectiva dimensional, abandonando categorias diagnósticas isoladas, reunindo sob a classificação de Transtorno do Espectro Autista (TEA) o conjunto de transtornos caracterizados pelo déficit de comunicação social e comportamentos sensório-motores repetitivos e incomuns.

Apesar do destaque e notoriedade recebidos nos últimos anos, tornando-se objeto de intensa investigação, a base patológica do TEA continua desconhecida. Não se atribui a esse quadro uma etiologia definitiva, oriunda de determinado agente genético ou ambiental, antes há uma tendência a reconhecer essa condição como resultado de uma complexa combinação de fatores. A identificação de elementos genéticos e neurobiológicos relevantes, assim como fatores de risco para esse transtorno tem sido percebida como um progresso importante.

Por conta da falta de marcadores biológicos, o diagnóstico de TEA continua sendo clínico, baseando-se, portanto, em observações de manifestações comportamentais. Dada as dificuldades de comunicação e de comportamento do indivíduo, que sofre com esse transtorno, o processo de avaliação pode ser desafiador e envolve o esforço de uma equipe multiprofissional que conheça o paciente e o observe em diferentes contextos. Adicionalmente, um trabalho colaborativo com a família da criança deve ser empreendido a fim de que a avaliação alcance os melhores resultados. Quanto as possibilidades de tratamento baseados em evidências, as intervenções comportamentais são consideradas a primeira escolha, tendo por objetivo melhorar o comportamento socialmente adaptável e a aquisição de novas habilidades.

Ao longo dos últimos anos, o aumento do número de casos de autismo tem sido relatado de forma consistente na literatura. Os motivos pelos quais isso tem ocorrido ainda não estão completamente claros. Contudo, acredita-se que a maior sensibilidade das ferramentas diagnósticas e o aumento da disseminação de informação sobre a condição entre médicos, educadores e a população em geral tenha contribuído para a expansão das taxas de prevalência desse transtorno. 

A despeito dos avanços conquistados, ainda há muito a compreender sobre o autismo, sendo essa uma temática de interesse para pesquisadores da psicologia da saúde, os quais podem contribuir para a ampliação do conhecimento científico sobre TEA.



terça-feira, 22 de junho de 2021

Como funciona o cérebro de uma pessoa com distúrbio de imagem corporal?

Postado por Giulia

O transtorno dismórfico corporal é um quadro diagnóstico marcado por preocupação excessiva e pensamentos obsessivos a respeito da própria aparência, no qual o indivíduo possui percepções distorcidas de sua imagem, podendo passar horas na frente do espelho a se examinar, o que pode levar a uma grande angústia e perdas funcionais sérias. Para entender sobre como o cérebro atua na percepção corporal dessas pessoas, assista a entrevista abaixo com a neurocientista Claudia Feitosa-Santana.

 



sexta-feira, 18 de junho de 2021

Uma meta-análise dos efeitos da personalidade do professor em sua efetividade e burnout

 

A meta-analysis of the effects of teacher personality on teacher effectiveness and burnout

Kim, L. E., Jörg, V., & Klassen, R M. (2019). A meta-analysis of the effects of teacher personality on teacher effectiveness and burnout. Educational Psychology Review, 31, 163-195. https://doi.org/10.1007/s10648-018-9458-2.

Resenhado por Luana C. Silva-Santos

 

Professores são figuras importante no processo ensino-aprendizagem, além do seu papel óbvio relacionado ao ensino têm sido associados ao desenvolvimento acadêmico dos alunos em geral, com potencial para impulsionar o resultado educacional de alunos. Assim, é de extrema importância entender que características possuem os professores eficazes em suas práticas e que mantém a energia e motivação para o trabalho. Neste sentido, os autores buscaram examinar à luz da teoria dos cinco grandes fatores de personalidade (big five) quais fatores se relacionam à autoeficácia e ao esgotamento de professores.

Foi realizada uma meta-análise de 25 estudos que incluíssem as relações entre os fatores do big five (a saber, abertura, conscienciosidade, extroversão, amabilidade e neuroticismo) e seus níveis de autoeficácia e burnout. Avaliou-se também a influência de três moderadores: tipo de medida de autoeficácia (avaliações de ensino, desempenho do aluno, observação em sala de aula, desempenho acadêmico), fonte do relato de personalidade (auto ou heterorrelato) e nível educacional instruído (fundamental, médio, superior).

De modo geral, os os cinco fatores relacionados à personalidade do professor, exceto amabilidade,  foram associados positivamente com sua autoeficácia, especialmente com o moderador relacionado a avaliações de ensino. Além disso, neuroticismo, extroversão e conscienciosidade do professor foram negativamente associadas ao burnout. Heterorrelatos da personalidade do professor foram mais fortemente associados aos desfechos do que os autorrelatos. Não houve diferenças na força das associações entre os níveis de escolaridade instruídos.

Como limitações, os autores observaram a necessidade de usar descritores comuns na pesquisa do professor, facilitando a inclusão de estudos em meta-análises semelhantes. Entretanto, este estudo se mostra importante ao incitar o estudo da personalidade do professor associada a dois desfechos de particular relevância da prática acadêmica. Serve como ponto de partida para estudos futuros que possam observar efeitos imediatos e de longo prazo, assim como planejar intervenções eficazes nos desfechos pontuados com vistas a otimizar a qualidade e eficácia do ensino e bem-estar do professor estando ativo em sua prática.

 


quinta-feira, 17 de junho de 2021

Os questionários de avaliação da fala interna são confiáveis e válidos?

 

Uttl, B., Morin, A., & Hamper, B. (2011). Are inner speech self-report questionnaires reliable and valid? Procedia-Social and Behavioral Sciences30, 1719-1723. https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2011.10.332

Resenhado por Maísa Carvalho

A fala interna – também nomeada como “discurso privado”, “falar sozinho”, “diálogo interno” etc. – é um pensamento verbal silencioso que possui um papel importante em comportamentos e processos de autorregulação. Pode ser tanto funcional quanto disfuncional e, assumindo esse último viés, está relacionada a transtornos psiquiátricos, como transtornos de ansiedade, transtornos depressivos, esquizofrenia, dentre outros. Atinente às suas formas de mensuração, há, na literatura, diversos instrumentos para medir esse fenômeno, todavia, muitos deles também discutem sobre as propriedades psicométricas dessas medidas. Nesse contexto, o presente estudo objetivou, de forma geral, examinar a confiabilidade e a validade dos instrumentos existentes para medir a fala interna. Como objetivos específicos, o estudo buscou avaliar a validade das respostas desses questionários com os relatos dos participantes e, além disso, avaliar a relação entre a fala interior e diferenças individuais na ruminação, personalidade, inteligência verbal, episódios recentes de vida e reflexão.

Participaram do estudo 380 universitários com idade média de 21,3 anos e 83% desse público composto por mulheres. Os instrumentos utilizados foram o The Inner Speech Report, o The Self-Verbalization Questionnaire (SVQ), o The Self-Talk Scale (STS), o The Inner Speech Scale (ISS), o The Self-Talk Inventory (STI), o The Rumination-Reflection Questionnaire (RRQ), o The NEO Five Factor Inventory (NEO FFI), o The Recent Life Changes Questionnaire (RLCQ) e o The Words/A40. Os quatro últimos avaliam, respectivamente, a ruminação, a personalidade, as mudanças de vida recentes e o idioma. O restante das medidas mensura a fala e/ou discurso interno. Os estudantes responderam a esses instrumentos coletivamente e subdivididos em pequenos grupos.

Os resultados apontaram que as medidas utilizadas para mensurar a fala interna apresentaram boa confiabilidade através do alpha de cronbach, possuindo escores que variaram de 0.81 a 0.91. Dentre as escalas, a maior correlação observada foi entre a Self-Talk Scale e a Inner Speech Scale. As outras correlações entre o restante das escalas foram fracas, indicando a falta de validade convergente entre essas medidas. Por fim, os autores concluíram que embora as medidas de fala interna utilizadas terem apresentado boa confiabilidade, a validade dessas escalas é limitada.

Sabe-se que a fala interna apresenta relações importantes entre desajustes psicológicos e algumas psicopatologias, sendo, portanto, um processo que necessita de estudos mais aprofundados e também do desenvolvimento de instrumentos que consigam captá-la em diferentes aspectos. Pesquisas com o foco em Psicologia da Saúde e Psicologia Clínica teriam ganhos interessantes, visto ser a fala ou discurso interno uma variável que pode ser bastante comum na população e que pode interferir na saúde mental das pessoas.

 


quarta-feira, 16 de junho de 2021

Epidemiologia e fatores relacionados às doenças psiquiátricas em um centro de atenção psicossocial infanto-juvenil no interior do nordeste brasileiro

 

Pitaluga, E. M., Avancini, R. V. P., Avancini, G. S., Caetano, D. A. P., Soares, J. C., Guedes, K. S. A., & Teixeira, L. M. (2020). Epidemiologia e fatores relacionados às doenças psiquiátricas em um centro de atenção psicossocial infanto-juvenil no interior do nordeste brasileiro. Revista Educação em Saúde, 8(2), 64-73. https://doi.org/10.29237/2358-9868.2020v8i1.p64-73

Resenhado por Brenda Fernanda

Os transtornos mentais figuram como grande desafio para o cuidado em saúde mundial, visto que 12% da população demanda algum tipo de atendimento em saúde mental e 3% possuem transtornos mentais severos e persistentes, que necessitam de acompanhamento. As crianças e adolescentes também fazem parte do público afetado pelos problemas em saúde mental, sendo fundamental entender os fatores de risco e proteção associados, visando a um melhor cuidado. Dentre os fatores de risco, observa-se a influência dos aspectos sociais e emocionais que, em situações de estresse, desencadeariam alterações no comportamento infanto-juvenil. Quanto aos fatores de proteção, um ambiente familiar funcional e a ausência de histórico familiar de doenças, atrelados à rede de apoio saudáveis, são fundamentais para a manutenção da saúde mental de crianças e adolescentes.

O presente estudo objetivou identificar as condições psiquiátricas mais prevalentes em pacientes atendidos pelo Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi) de Imperatriz, bem como associar os fatores que poderiam estar relacionados ao aparecimento desses transtornos. Para tanto, realizou-se uma investigação analítica-descritiva e retrospectiva a partir de dados coletados dos prontuários obtidos no CAPSi. A amostra foi composta por casos de pacientes de 2 a 12 anos admitidos ao longo do ano de 2017, sendo excluídos pacientes que obtiveram alta médica. Finalmente, foram avaliados 120 prontuários.

A idade dos casos avaliados teve média 6,53 (DP = 2,90). Em relação ao sexo, observou-se maioria de meninos (n = 90; 75%). Foram levantadas 137 hipóteses diagnósticas, tendo algumas crianças recebido mais de um diagnóstico. Os transtornos globais do desenvolvimento (F840) e transtornos hipercinéticos (F90) ou de hiperatividade (R463) foram os mais prevalentes, sendo 39 diagnosticados para cada um deles. Além disso, foram observadas reações ao estresse graves e transtornos de adaptação (F43) (n = 17), retardo mental leve (F70), moderado (F71) e grave (F72) (n = 14), transtornos ansiosos e fóbicos (n = 13) e outros transtornos (n = 15).

Dentre os fatores de risco observados na amostra, podem-se citar: ser menino aumenta os riscos para transtornos globais do desenvolvimento e ser menina aumenta os riscos para transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e transtornos ansiosos. Não ter como responsáveis pai e mãe foi fator de risco para o TEPT. Em relação à presença pregressa de transtornos mentais na família (ocorrida em 55,8% dos casos), observou-se risco para os transtornos ansiosos. Além disso, o comprometimento do afeto e a vivência de traumas foi fator de risco e definidor para o TEPT.

Conhecer fatores de risco e proteção é fundamental para que se possa pensar em intervenções adequadas e num melhor cuidado e assistência a crianças e adolescentes. Sendo o objetivo da psicologia da saúde, sobretudo, a promoção da saúde mental frente ao adoecimento, tais dados fornecem base importante para pensar em estratégias de cuidado pertinentes tanto ao público infanto-juvenil quantos a seus cuidadores, que constantemente são sobrecarregados com as demandas parentais e assistenciais.



terça-feira, 15 de junho de 2021

A psicologia do transtorno de Tourette: Revisitando o passado e avançando em direção ao futuro orientado para a cognição

 

 

Gagné, J. P. (2018). The psychology of Tourette disorder: Revisiting the past and moving toward a cognitively-oriented future. Clinical Psychology Review, 67, 11-21. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2018.09.005.

 

Resenhado por Michelle Leite

 

            O transtorno de Tourette (TT) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado pela presença de múltiplos tiques motores e vocais. Tiques são movimentos e vocalizações súbitas, repetitivas, de caráter involuntário e podem ser simples ou complexos. Os tiques motores simples incluem movimentações breves (milésimos de segundo) de músculos isolados, como piscar os olhos ou virar o pescoço. Os tiques motores complexos envolvem vários grupos musculares, duram mais tempo e imitam o comportamento volitivo, como fazer gestos com as mãos. Por outro lado, os tiques vocais se caracterizam por vocalizações de sons únicos (simples) ou de várias palavras e frases (complexos), podendo ocorrer a repetição de frases ditas por terceiros. Diante disso, o artigo revisado em questão aborda os principais achados neurobiológicos e psicológicos relativos ao TT, além de propor uma formulação orientada para aspectos cognitivos do transtorno.

            O início do TT ocorre tipicamente na infância, por volta dos 7 anos, e a gravidade atinge seu pico durante a adolescência. Os sintomas são imprevisíveis e podem aumentar ou diminuir em tipo e intensidade. No entanto, aponta-se que a deficiência associada aos tiques geralmente diminuem a partir da idade adulta jovem.  As taxas de prevalência em amostras da comunidade variam entre 1 e 2% e sua ocorrência é mais comum no sexo masculino. Além disso, a presença de comorbidades associadas ao TT é frequente, sendo o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e o transtorno obsessivo-compulsivo os mais comuns. Nesses casos, a gravidade e consequências atreladas são ainda maiores. Indivíduos com TT apresentam déficits principalmente nas interações sociais e percepção das expressões faciais, mas também mais sintomas depressivos, sofrimento geral associados aos tiques e, consequentemente, pior qualidade de vida e maior desejo de controlá-los.

            Sabe-se que os tiques crônicos são influenciados por processos neurobiológicos e psicológicos. Quanto aos achados neurobiológicos, verifica-se que o TT apresenta natureza hereditária, além de anormalidades nas estruturas cerebrais e déficits no controle inibitório, embora as evidências ainda sejam inconsistentes. Em relação aos achados psicológicos, relata-se que estados emocionais como a ansiedade, o estresse, a frustração e a excitação, funcionam como antecedentes internos da ocorrência dos tiques, uma vez que aumentam a probabilidade de ocorrência deles. Por outro lado, estados passivos e de relaxamento tendem a reduzir a ocorrência dos tiques. Outrossim, princípios comportamentais são utilizados para explicar os episódios de tiques, sendo a remoção do impulso premonitório aversivo (sensações desagradáveis precedentes aos tiques) a principal recompensa interna que os mantém.

            Dado que os fatores cognitivos envolvidos no TT ainda não são bem entendidos, um modelo integrado com ênfase cognitiva foi proposto. Além dos estados emocionais, sugere-se que outros processos cognitivos como crenças sobre o desconforto/sensações aversivas (“é impossível de suportar”, por exemplo), e sobre a capacidade de lidar com eles levam os indivíduos a perceber negativamente e prestar atenção seletiva nos impulsos premonitórios, que por sua vez, aumentam a motivação para o envolvimento em comportamento de tiques. Importante salientar que pesquisas nessa direção fornecem suporte na formulação de planos de tratamento mais abrangentes para indivíduos que sofrem com a condição do TT, além auxiliar os profissionais a direcionar fatores de manutenção idiossincráticos dos tiques de forma mais eficaz.

 


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Falando sobre Transtorno Global do Desenvolvimento

 

Postado por Jéssica July Dantas Santos


Os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) englobam um conjunto de alterações que impactam diversas áreas do desenvolvimento da criança. As principais limitações atingem o âmbito da interação social, comunicação, estereotipias motoras e interesses restritos. O DSM- IV classifica-os em autismo, Síndrome de Asperger, Síndrome de Rett, Transtorno desintegrativo da infância e Transtorno geral do desenvolvimento sem outra especificação. A partir do DSM-V, os TGD passaram a ser absorvidos em um único diagnóstico: Transtornos do Espectro Autista. As intervenções terapêuticas contam com a atuação do psicólogo, além de outros profissionais, sendo fundamental para a melhoria da qualidade de vida da criança acometida.


quarta-feira, 9 de junho de 2021

Sobre a neurodiversidade do (no) amor.

 

Por Danielle Alves Menezes


De acordo com o DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), prejuízos na interação social e na comunicação, padrões de comportamento repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de interesses e atividades, compõem, na verdade, um continuum que varia de leve a grave, e não transtornos distintos. Esse conjunto de alterações, antes concebido como TGD (Transtorno Global do Desenvolvimento), hoje é denominado como TEA (Transtorno do Espectro Autista).

Ao pensarmos sobre TEA, é comum e frequente nos vir de forma quase automática o aspecto restritivo nas atividades de vida diária, especialmente no que diz respeito às habilidades sociais. Entretanto, uma série exibida desde julho de 2019 na Netflix chamada “Amor no espectro”, põe em xeque nossas concepções, convidam-nos a transitar fora das categorias diagnósticas e nos desafiam a pensar o TEA como neurodiversidade.

Pôr em pauta a neurodiversidade na compreensão sobre o TEA exige deslocamento da percepção das alterações como “prejuízo” para “diferença”, no caso, diferença neurológica, e, como toda e qualquer diferença, deve ser reconhecida e respeitada. A série em tela apresenta essa temática sem romantizações, abordando o aspecto mais paradoxal do humano: o dos relacionamentos amorosos. O formato em reality show envolve os espectadores de maneira viciante.  Mostra ainda o autismo de maneira real e como é possível conviver melhor ele quando há aceitação dessa condição, tanto pelas pessoas com esse diagnóstico, como pelos pais e, sem dúvida, pela sociedade.                                                                 

As lições que podem ser tiradas da série interrogam o limite das intervenções em saúde no seu aspecto meramente “corretivo” e nos convidam a pensar que o investimento em estratégias que busquem maior grau de “adaptação” talvez seja mais coerente com a noção atual de bem-estar psíquico.  Esse conceito é um construto da psicologia e diz respeito a possuir uma atitude positiva em relação a si mesmo e aceitar múltiplos aspectos de sua personalidade; possuir relacionamentos acolhedores, seguros, íntimos e satisfatórios com outras pessoas; ser autodeterminado, independente, avaliar experiências pessoais segundo critérios próprios; ter competência em manejar o ambiente para satisfazer necessidades e valores pessoais; ter senso de direção, propósito e objetivos na vida; perceber um contínuo desenvolvimento pessoal e estar aberto a novas experiências (Machado & Ruschel 2012).

 

Fontes:

Associação Americana de Psiquiatria. (2013). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5 ª ed.). https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425596.807874

Machado, W. L. B., & Ruschel, D. (2012). Bem-estar psicológico: Definição, avaliação e principais correlatos. Estudos de Psicologia, 29(4). https://doi.org/10.1590/S0103-166X2012000400013



quarta-feira, 2 de junho de 2021

Ortorexia nervosa e imagem corporal em adolescentes e adultos

 Lopes, L.F., Minossi, P.B.P., & Pegolo, G.E. (2020). Ortorexia nervosa e imagem corporal em adolescentes e adultos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 69(2), doi: https://doi.org/10.1590/0047-2085000000266

Resenhado por Ariana Moura

Ortorexia nervosa é o termo que designa indivíduos excessivamente preocupados com o consumo de alimentos saudáveis. Esse quadro inicia-se de maneira sutil, a partir do desejo de corrigir hábitos alimentares entendidos como ruins ou de melhorar a saúde como um todo. Todavia, conduz a pessoa a desenvolver características comportamentais associadas à obsessão pela pureza da alimentação, lutando repetidamente contra o consumo de alimentos com substâncias consideradas impuras.

Cabe registrar que até o momento a ortorexia não está incluída no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). No entanto, a fim de compreender e melhor categorizar a ortorexia, destaca-se a sobreposição de sintomas incluídos nos quadros de transtorno obsessivo-compulsivo, na anorexia nervosa e na bulimia nervosa, sendo os principais sintomas comuns a ansiedade, a restrição de determinados alimentos, o perfeccionismo e a adoção de comportamentos ritualísticos. Por outro lado, são elencados sintomas exclusivos da ortorexia, especialmente a obsessão por ser saudável ou mais saudável e o sentimento de superioridade e aumento do senso de retidão, sintoma não associado a outros distúrbios alimentares.

O objetivo da pesquisa foi identificar a frequência do comportamento de risco para ortorexia nervosa e associar com o estado nutricional (classificação do peso corporal) variáveis sociodemográficas e imagem corporal. A amostra foi composta por indivíduos com idades entre 18 e 60 anos e tratou-se de um estudo transversal constituído por indivíduos de ambos os sexos. Utilizou-se o questionário ORTO-15 para a identificação de comportamentos de risco para ortorexia e a Escala de Silhuetas para a imagem corporal. O estado nutricional foi avaliado por meio do índice de massa corporal (IMC), com peso e altura autorreferidos. Participaram do estudo 430 indivíduos, sendo 56,7% mulheres, com idade para ambos os sexos entre 18,1 e 59,9 anos.

Nos resultados, observou-se que o estado nutricional não esteve associado ao comportamento ortoréxico, bem como à imagem corporal, em ambos os sexos. A idade entre 40 e 60 anos associou-se com a presença de ortorexia, enquanto não houve associação com as variáveis sexo, escolaridade, estado civil e renda.

Em se tratando da associação entre idade e o risco de ortorexia, é possível considerar que os mais jovens, especialmente os adolescentes, não demonstram preocupação com a alimentação saudável. Nessa faixa etária, a comida está associada com diferentes contextos e emoções, sendo os vegetais e alimentos tidos como saudáveis vinculados às refeições com os pais e ao maior autocontrole, ao passo que a comida não saudável é associada à independência e à integração com outros adolescentes. Contudo, diante das frequências constatadas, ressalta-se a importância de estudos direcionados para o desenvolvimento/refinamento de instrumentos e para a identificação do risco de ortorexia. Especialmente para a população brasileira, nos diversos estágios de vida e em segmentos não pertencentes aos grupos de risco, com o intuito de conscientização e prevenção de possíveis malefícios à saúde.

            Na atualidade, sobretudo, nas redes sociais observa-se uma tendência à obsessão por alimentos naturais. Manter uma dieta equilibrada é fundamental para a saúde, no entanto, a linha que separa o saudável do patológico é tênue. Pesquisas desse tipo auxiliam os psicólogos e profissionais da saúde a observarem os comportamentos de risco para a ortorexia e oferecer tratamento adequado aos seus pacientes.