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quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Qualidade de vida e diabetes mellitus: Autopercepção de adolescentes em uma cidade do sul do Brasil

 

Menezes, M., Lacerda, L. L. V. D., Borella, J., & Alves, T. P. (2019). Qualidade de vida e diabetes mellitus: autopercepção de adolescentes de uma cidade do sul do Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 35. https://dx.doi.org/10.1590/0102.3772e35430.

 

Resenhado por Luíza Ramos

 

            A diabetes mellitus (DM) configura-se como um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que possui em comum a hiperglicemia, resultado de defeitos na secreção ou na ação da insulina. A diabetes tipo 1 (DM1) é caracterizada pela produção deficiente de insulina no corpo, com início na infância. Na adolescência, especificamente, esta doença tende a se tornar especialmente estressora, uma vez que é um período marcado por redescobertas do corpo, das potencialidades e limites e da capacidade de se definir como elemento de atração e relação com os outros. Assim, a problemática da doença e o tratamento podem levar o jovem a se definir como particularmente diferente e “anormal” face ao grupo de pares, além de apresentarem dificuldade emocional para lidar com a doença, afetando a qualidade de vida. Essa qualidade de vida é definida como um construto que abarca o ajustamento psicossocial, bem-estar, autoestima, estresse e estratégias de enfrentamento. O objetivo do texto foi avaliar a qualidade de vida em relação à saúde em adolescentes diagnosticados com diabetes mellitus do tipo 1.

            Os dados foram coletados em duas Unidades de Atenção Secundária em Saúde de uma cidade no sul do Brasil, com pessoas diagnosticadas com DM1 com idades entre 10 e 18 anos. A amostra foi composta por 20 adolescentes de ambos os sexos. Foi aplicado o Questionário de Qualidade de Vida KIDSCREEN-52, que é composto por dimensões que relacionam a qualidade de vida à saúde e atividade física, a sentimentos, ao estado emocional, à autopercepção, à autonomia e tempo livre, à família e ambiente familiar, a questões econômicas, a amigos e apoio social, ao ambiente escolar e aprendizagem e ao bullying.

O escore médio geral da percepção de qualidade de vida dos adolescentes apresentou-se elevado, mesmo considerando a DM1. Isso pode ser atribuído ao fato de os participantes não estarem hospitalizados e todos estarem fazendo o acompanhamento ambulatorial para o tratamento da diabetes. Na relação da DM1 com a qualidade de vida, o controle da glicemia representa uma medida importante, visto que evita a probabilidade de ocorrência de crise aguda e evita o desenvolvimento precoce de complicações crônicas, possibilitando uma percepção de qualidade de vida mais positiva. Curiosamente, dimensões como bullying e autonomia apresentaram escores altos, indicando que os adolescentes se sentiam capazes de gerir suas rotinas e não se sentiam provocados ou rejeitados pelo grupo de pares.

O escore médio mais baixo foi observado na dimensão saúde e atividade física, que se refere ao nível de atividade, energia e aptidão física do adolescente. A baixa pontuação relaciona-se à sensação de exaustão física e baixa energia, e a não se sentir bem e em forma fisicamente. Em relação ao gênero, a dimensão estado emocional foi a pior avaliada pelas meninas, indicando percepção de sentimentos como solidão, tristeza e insuficiência. Já entre os meninos, a dimensão autopercepção foi a de menor escore, o que pode indicar insatisfação com a imagem corporal e baixa autoestima. Isso se deve à possibilidade de terem sido influenciados pelo ideal de aparentar um corpo musculoso, mais comum entre os homens, que não pode não ser atingido em decorrência da diabetes e das imposições do tratamento.

Em suma, estudos como este mostram-se relevantes para a Psicologia da Saúde, uma vez que promove a investigação de aspectos psicológicos diante de um diagnóstico de doença física. Assim, técnicas e intervenções podem ser aprimoradas com a finalidade de promover mais qualidade de vida para adolescentes com diabetes.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Redes sociais e suicídio: Uma revisão epidemiológica baseada na tecnologia e na avaliação

 

Resenhado por Luiz Guilherme L. Silva.

Pourmand, A., Roberson, J., Caggiula, A., Monsalve, N., Rahimi, M., & Torres-Llenza, V. (2019). Social media and suicide: A review of technology-based epidemiology and risk assessment. Telemedicine and e-Health25(10), 880-888. https://doi.org/10.1089/tmj.2018.0203

O suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 e 29 anos. Dentre as teorias usadas para explicar o fenômeno, a teoria interpessoal-psicológica do suicídio aponta que indivíduos que se sentem isolados, que se consideram um fardo e que têm acesso a meios letais para cometer suicídio são os mais propensos a realizá-lo. Além desses fatores, o histórico de transtornos mentais, abuso de substâncias e histórico familiar de suicídio são agravantes para o risco de suicídio. A tecnologia é uma ferramenta que, a depender do seu uso na avaliação, pode ser utilizada para rastreio e prevenção de mortes decorrente de suicídio. Alguns estudos mostraram que o uso excessivo de redes sociais se correlacionou ao risco de suicídio. Diante disso, o presente texto visa à sumarização dos achados de uma revisão de literatura sobre o suicídio e o uso de redes sociais.

A busca dos artigos que compuseram a revisão foi feita nas bases de dados PubMed e MEDLINE com os descritores ‘‘Social media’’, ‘‘Suicide’’, ‘‘Facebook’’, ‘‘Twitter’’, ‘‘MySpace’’, ‘‘Snapchat’’, ‘‘Ethics’’, ‘‘Digital Media’’ e ‘‘Forums and Blog’’. Um total de 363 artigos foram encontrados e, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, restaram 31 artigos que fizeram parte da revisão.

Os principais achados apontaram que cerca de 84% dos indivíduos que cometeram suicídio são pessoas entre 20 e 30 anos de idade, sendo que a razão para o gênero masculino e feminino foi de 2,3 para 1. Outro achado importante foi sobre a veiculação da morte de um famoso, relatando que o número de suicídios aumentava apenas se a morte desse famoso tivesse grande comoção no Twitter. Uma revisão sistemática apontou que o uso da internet pode ser benéfico ou maléfico em jovens com risco de suicídio e autolesão. Ainda foi encontrado que adolescentes vítimas de bullying tiveram maior interesse em procurar por temas relacionados ao suicídio na internet. Por fim, um fator de risco para o suicídio em jovens coreanos foi a sobrecarga relacionada a atividades acadêmicas.

O suicídio é a maior causa de morte prevenível atualmente. Com o aumento do uso da internet e das redes sociais, o rastreio de indivíduos em risco de suicídio ficou mais fácil e diversas redes encaminham seus usuários a serviços especializados de saúde mental. Contudo, diversos problemas com relação à veiculação de notícias sobre suicídio vêm à tona com a democratização do acesso à informação. Assim, dentre os campos da Psicologia, a Psicologia da Saúde é uma área potencial para planejar a prevenção e a intervenção em tais casos, sobretudo quanto ao uso de redes sociais. Uma das medidas é a restrição da propagação de informações sobre a causa e meios de morte decorrentes de suicídio. Ao fazer isso, são restringidos os dados referentes à morte, bem como é um fator potencial para a redução do efeito de contágio. Entretanto, novos estudos são necessários acerca desse tema, sobretudo associando o uso de redes sociais e internet como formas de intervenção.

sábado, 25 de setembro de 2021

Associação entre índice de massa corporal e depressão em mulheres adolescentes

 

Ocampo, J., Guerrero, M., Espin, L., Guerrero, C., & Aguirre, R. (2017). Association between body mass index a depression in sdolescent women/ Asociacion entre indice de masa corporal y depresion en mujeres adolescentes. International Journal of Morphology35(4), 1547.

 

Resenhado por Franciely Santos

 

É comum o uso do Índice de Massa Corporal (IMC) para identificação de sobrepeso e obesidade. Os resultados do IMC se classificam em baixo peso, peso normal, sobrepeso e obesidade, sendo este último, um problema de saúde pública que vem tomando grandes proporções no decorrer dos anos. A obesidade se refere ao acúmulo excessivo de gordura a ponto de se tornar um prejuízo à saúde e pode aumentar o risco do desenvolvimento de doenças crônicas. Além disso, há uma relação direta entre obesidade e depressão, e o público mais acometido são as mulheres.

A adolescência é uma etapa do desenvolvimento muito afetada pelo aspecto físico, e este, por sua vez, exerce influência no autoconceito. O sobrepeso e a obesidade contribuem para maior insatisfação com o corpo. Diante desse cenário, esta pesquisa teve como objetivo analisar a associação existente entre IMC e depressão em mulheres adolescentes das unidades de ensino do Distrito Metropolitano de Quito, Equador.

Tratou-se se um estudo observacional e transversal, com amostra de 184 adolescentes com idade entre 14 e 19 anos. O peso e altura das participantes foram mensurados e foi utilizado o Inventário de Depressão de Beck (BDI) para constatar os sintomas depressivos. De acordo com os resultados obtidos, viu-se que 27,22% das adolescentes apresentaram sobrepeso e obesidade, sendo com maior frequência no grupo de 19 anos. Em se tratando dos aspectos psicológicos, 25,56% da amostra apresentou distúrbios de humor leve a depressão grave. Ao comparar as médias do BDI entre as adolescentes de peso normal e sobrepeso e obesidade, foi visto que houve diferença estatisticamente significativa e um valor de risco relativo a 8,55.

            É notório que há uma tendência da população em geral ao excesso de peso, inclusive nos adolescentes. O período de transição para fase adulta, a inserção em novos espaços como trabalho e/ou universidade e às mudanças sociais, podem explicar há maior prevalência nas meninas de 19 anos. O autoconceito físico e a constante preocupação com a imagem corporal justifica a relação entre IMC e depressão. Esses aspectos são mais intensos nas adolescentes por diversas questões culturais. O estudo observou ainda que as adolescentes que apresentavam sobrepeso tinha 8,55 vezes mais chances de terem depressão.

            Dessa forma, o estudo contribui para a Psicologia da Saúde por trazer associações importantes entre construtos psicológicos, depressão e sobrepeso. Com isso, intervenções podem ser elaboradas e direcionadas ao público mais afetado, visando melhores resultados e mudanças nas crenças que as adolescentes apresentam sobre seu corpo e sobre a percepção de um corpo ideal.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Uso terapêutico e preventivo de videogames com crianças e adolescentes

 

Zayeni, D., Raynaud, J.-P., & Revet, A. (2020). Therapeutic and preventive use of video games in child and adolescent psychiatry: A systematic review. Frontiers in Psychiatry, 11. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2020.00036 

           

Resenhado por Giulia

 

            Existe um corpo crescente de evidências que apontam os videogames como uma ferramenta lúdica acessível e eficaz de intervenção psicoterapêutica com crianças e adolescentes, sendo capaz de aumentar a motivação para o tratamento, bem como ajudar a manter a atenção durante as sessões, o que proporciona um processo menos intrusivo e agradável para esse público. Os videogames podem ser implementados na psicoeducação, prevenção e tratamento de diversas condições de saúde e reabilitação.

            Teorias do desenvolvimento enfatizam que a brincadeira é um meio fundamental para crianças aprenderem através da experimentação com diferentes experiências sociais e consequências emocionais ou reprodução de conflitos cotidianos que incentivam a busca por resoluções ideais. Portanto, o uso de videogames no ambiente terapêutico pode ser uma alternativa para ensinar crianças modos de superar obstáculos da vida real, como sentimentos de frustração, raiva e ansiedade. Já existem videogames desenvolvidos com o propósito de auxiliar no aprendizado e desenvolvimento de habilidades que podem ser utilizadas no cotidiano. Esses videogames criam um ambiente significativo de imersão em cenários que podem ser utilizados para ensinar objetivos, novos conhecimentos e regras, além de estimular as funções cognitivas através de tarefas gradualmente mais exigentes, ao mesmo tempo em que mantêm o entretenimento do jogador/paciente. Há também a inclusão de teorias da aprendizagem e técnicas terapêuticas baseadas em evidências da terapia cognitivo-comportamental, remediação cognitiva e teorias neuropsicológicas. Assim, é criado o contexto ideal para o aprendizado e aquisição de habilidades.

            Vários videogames têm sido desenvolvidos para lidar com sintomas de transtornos comuns em crianças e adolescentes. Pesquisas mostram, dentre outros efeitos, substanciais melhorias na atenção, memória, habilidades matemáticas e de leitura, regulação emocional, autoeficácia, comportamento pró-social, além de maior qualidade de vida e diminuição de sintomas depressivos e ansiosos.                                                          

            Os videogames têm se mostrado como uma inovadora e valiosa alternativa para o treinamento de funções emocionais e cognitivas em crianças e adolescentes, principalmente por sua dimensão lúdica que tende a exercer atração sobre esse público. É do interesse da Psicologia da Saúde criar e aplicar estratégias interventivas envolvendo videogames que consigam manter o interesse e engajamento dos pacientes, melhorando as possibilidades de prognóstico, bem como aprimorar as propostas de tratamento já desenvolvidas nesse campo.

 

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Qualidade de vida, humor deprimido e autoestima em adolescentes com doença cardíaca

 

Quality of Life, Depressed Mood, and Self-Esteem in Adolescents With

Heart Disease

 

Cohen, M., Mansoor, D., Langut, H., & Lorber, A. (2007). Quality of life, depressed mood, and self-esteem in adolescents with heart disease. Psychosomatic Medicine, 69(4), 313–318. https://10.1097/psy.0b013e318051542c

 

Resenhado por Geovanna Turri

 

Medidas diagnósticas e terapêuticas avançadas para cardiopatias congênitas e adquiridas têm levado a uma proporção cada vez maior de pacientes que chegam à adolescência e à idade adulta. Tais doenças cardíacas variam em gravidade e são frequentemente classificadas em estados leves, moderados e graves. Essas três categorias de gravidade da doença podem ter resultado de intervenções cirúrgicas ou terapia conservadora. Viver com uma doença cardíaca tem muitas consequências psicossociais para os adolescentes, a exemplo de maiores níveis de sofrimento psicológico e problemas comportamentais. Vários estudos buscam identificar os fatores que estão relacionados a maior sofrimento psicológico e pior ajustamento psicossocial em adolescentes com doenças cardíacas. Diante da relevância do tema, os autores deste trabalho buscaram avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde, o humor deprimido e a autoestima em adolescentes com doenças cardíacas e compará-los com adolescentes saudáveis (grupo controle).

No total, 90 adolescentes de 12 a 18 anos com doença cardíaca congênita ou adquirida e 87 adolescentes do grupo controles completaram os questionários Qualidade de Vida Relacionada à Saúde, um inventário de depressão e o questionário de autoestima de Rosenberg. Além disso, também foram coletados detalhes médicos relevantes e os pacientes e seus pais foram convidados a avaliar a percepção de gravidade da doença cardíaca.

Adolescentes com doença cardíaca grave relataram níveis mais elevados de humor deprimido e baixa autoestima quando comparados com adolescentes com doença cardíaca moderada e leve, e do grupo controle (saudáveis). Adolescentes com doença cardíaca grave também relataram pior qualidade de vida relacionada à saúde quando comparados àqueles com doença moderada e leve. De acordo com a análise de regressão múltipla, 44% da variância do instrumento de qualidade de vida foi explicada pelas variáveis do estudo. Só a gravidade da doença explicou 11% da variância, mas quando inseridas com as demais variáveis do estudo, o humor deprimido, a autoestima e a percepção da gravidade da doença foram os únicos contribuintes significativos para a variância explicada do instrumento que avaliou qualidade de vida relacionada à saúde. Uma análise de mediação exploratória utilizando o teste de Sobel foi aplicada e mostrou que o humor deprimido e a gravidade percebida da doença mediaram a relação entre a gravidade da doença e qualidade de vida.

Em suma, escores mais baixos de qualidade de vida foram encontrados em adolescentes com doença cardíaca grave. Para a psicologia da saúde, fatores psicossociais demonstram ter um efeito significativo sobre o estado psicológico positivo e negativo dos adolescentes, devendo assim ser abordados e tratados desde o diagnóstico do quadro, assim como visto nos resultados deste estudo

 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O que funciona para adolescentes com transtorno de personalidade borderline: Em direção a uma compreensão informada sobre o desenvolvimento e modelo de tratamento estruturado

 

Bo, S., Vilmar, J. W., Jensen, S. L., Jørgensen, M. S., Kongerslev, M., Lind, M., & Fonagy, P. (2021). What works for adolescents with borderline personality disorder: Towards a developmentally informed understanding and structured treatment model. Current opinion in Psychology37, 7-12. https://doi.org/10.1016/j.copsyc.2020.06.008

Resenhado por Maísa Carvalho

O transtorno de personalidade borderline (TPB) é uma condição psiquiátrica marcada por componentes interiores (sentimentos de vazio, medo de ser abandonado), externos (impulsividade, instabilidade nas relações interpessoais, presença de comportamentos suicidas e de automutilação) e emocionais (instabilidade afetiva e inapropriada, raiva intensa). Na adolescência, o TPB surge por volta dos 14-17 anos de idade, sendo esse período do desenvolvimento normalmente marcado por características que são associadas ao TPB, como instabilidade dos afetos, raiva e impulsividade, mas, em adolescentes que não desenvolverão esse transtorno, são dissipadas com o passar do tempo. Logo, o presente estudo objetivou discorrer sobre recentes achados acerca do tratamento dessa psicopatologia em adolescentes e o que um modelo de tratamento deveria ter com base nas características dessa população.

Tratamentos baseados em evidências para adolescentes com TPB: Quais as evidências?

Pesquisas recentes mostram que o diagnóstico em adolescentes é válido e confiável, que a prevalência do transtorno é a mesma ou ainda maior em comparação aos adultos, que essa condição é marcada por problemas significativos no âmbito social, é associada ao sofrimento individual significativo, demonstra altos índices de comorbidades (por exemplo, com depressão e ansiedade) e possui uma carga significativa tanto para a educação quanto para o sistema de saúde. Apesar de existir diferentes tipos de psicoterapias que demonstrem bons resultados para adolescentes com TPB e que nenhuma delas seja considerada padrão ouro para esse público, evidências apontam que a psicoterapia é um elemento fundamental para reduzir os sintomas da doença.

TPB em adolescentes: Desenvolvimento normativo em comparação com o funcionamento adulto

Adolescentes e adultos possuem diferentes características associadas ao desenvolvimento de cada uma dessas fases da vida, portanto, exigem tratamentos diferentes. Diferenças nos estímulos cerebrais, na atenção e no campo social, por exemplo, suscitam diferentes respostas. Estudos indicam que quando a atenção não é restrita, adolescentes são mais sensíveis às propriedades emocionais do que os adultos. Outros indicam que a disposição para se envolver em comportamentos de risco é mais elevada em adolescentes do que em adultos porque aqueles são mais suscetíveis à influência de outrem.

Como utilizar as tendências comportamentais para desenvolver um modelo de tratamento para adolescentes com TPB?

É importante ressaltar que os adolescentes não possuem a mesma capacidade de mentalizar que os adultos. Assim, a psicoterapia para esse público deve evitar intervenções complexas que demandem muita mentalização. Além de um setting terapêutico calmo e estável, a comunicação deve ser clara e precisa a fim de evitar incompreensões. Pesquisas em Psicologia da Saúde são importantes para que se tenham informações sobre a prevalência dessa condição, suas características e como é a adaptação desse público em diferentes áreas da vida. Dessa forma, podem ser desenvolvidas formas de tratamento específicas e eficazes.

Transtorno dos jogos eletrônicos em crianças e adolescentes

 

Paulus, W. F., Ohmann, S. , Gontard, A.,& Popow, C. (2018). Internet gaming disorder in children and adolescents: A systematic review. Developmental Medicine&Childwood, 60 (7). https://doi.org/10.1111/dmcn.13754

Resenhado por Danielle Alves Menezes

Jogos eletrônicos cada vez mais fazem parte do cotidiano de crianças e adolescentes em razão da disponibilidade e facilidade de acesso à tecnologia. Nos Estados Unidos, estima-se que crianças de 8 a 10 anos estão ocupadas durante 8 horas por dia, e adolescentes mais de 11 horas por dia, com o uso de diversos meios eletrônicos, ultrapassando o tempo dedicado à escola ou aos amigos. Esse dado indica que jogos, mesmo com objetivos recreativos, podem prejudicar a saúde dessa população, pois podem levar à negligência de relacionamentos sociais, deveres escolares ou de trabalho e até mesmo necessidades físicas básicas.

A face patológica do uso dos jogos eletrônicos por crianças e adolescentes foi descrita em diversos estudos. Entretanto, apenas em 2013 foi descrita no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, Quinta Edição (DSM-V) como entidade clínica referida como Internet Gaming Disorder (IGD), em que a característica essencial é a participação persistente e recorrente em jogos de computador durante um período de 8 a 10 horas, ou mais por dia, e pelo menos 30 horas por semana. Uma revisão sistemática realizada em 2018 analisou dados das duas últimas décadas e concluiu que, a despeito das evidências para a existência da doença não serem totalmente claras, há riscos para a integridade da saúde física e emocional de crianças e adolescentes no uso excessivo de jogos.

Essa revisão identificou ainda que, com o DSM-5, houve uma definição clara dos sintomas do IGD. Esses devem atender cinco ou mais dos nove critérios de diagnóstico a seguir durante um período de 12 meses, e devem se referir ao uso de jogos de internet: (1) preocupação com jogos se torna a atividade dominante na vida diária; (2) sintomas de abstinência ao remover a internet (irritabilidade, ansiedade ou tristeza); (3) necessidade de gastar cada vez mais tempo com jogos (tolerância); (4) falta de controle; (5) perda de interesse em passatempos e entretenimento anteriores; (6) uso excessivo continuado; (7) mentir sobre a quantidade de horas gastas para membros da família, professores e terapeutas (8) jogar por fuga ou alívio do humor negativo (por exemplo, sentir-se impotente, culpado, ansioso); (9) perda de aspectos importantes da vida (por exemplo, relacionamentos significativos, empregos ou oportunidades educacionais/de carreira). Nos estudos analisados, jogadores patológicos compartilharam correlatos neurobiológicos e vícios comportamentais de crianças e jovens que utilizaram substâncias psicoativas.

As pesquisas apontaram também, como consequência do IGD, a presença de notas baixas, fracasso escolar (o que afetaria a autoestima e a autoconfiança), baixa qualidade de vida, ansiedade e depressão (não se sabe se atuam como predisponentes), maior risco de tristeza, de ideação e de planejamento suicida, prejuízos do sono, alucinações auditivas, enurese, encoprese e dor musculoesquelética - quadro que tende a perdurar por pelo menos dois anos. Estudos de prevalência identificaram como principal grupo de risco adolescentes mais velhos, do gênero masculino, com traços predominantes de introversão, timidez ou baixa extroversão e conduzidos por modelo parental opressor.

O IGD é uma condição altamente heterogênea e depende da análise de ampla gama de fatores psicológicos. É importante entender os motivos individuais dos jogadores, fatores externos, neurobiológicos e psicológicos envolvidos no engajamento em jogos eletrônicos para planejar intervenções eficazes, articulação para a qual o psicólogo da saúde é de grande importância.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

A resistência psicológica (hardiness) de alunos com alto índice de insônia durante a pandemia de covid-19

 

Totskiy, D., Alekhin, A., Leonenko, N., Pultcina, C., Belyaeva, S., & Guzi, L. (2021). The psychological hardiness of students with a high insomnia index during the covid-19 pandemic. E3S Web of Conferences, 258(07092), 1-11. https://doi.org/10.1051/e3sconf/202125807092

Resenhado por Jéssica Dantas

            A pandemia de covid-19, anunciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, configura-se uma situação altamente estressante para toda a população em decorrência de diversos fatores associados, como a necessidade de isolamento social, medo de contaminação, incertezas, etc. Tem-se atribuído o desencadeamento e aumento de distúrbios mentais e somáticos às reações ao estresse do contexto pandêmico.

Dentre esses distúrbios está a insônia, definida como distúrbio do sono relacionado à dificuldade de iniciar ou manter o sono, assim como à qualidade e quantidade necessária para as atividades cotidianas. Problemas com o sono podem ocasionar sérios impactos na saúde física e mental, bem como na qualidade de vida do indivíduo. Nesse contexto, o hardiness, entendido como características de personalidade que permitem a autorregulação somática e psicológica, levando ao amortecimento dos efeitos debilitantes da exposição aos estressores, tem sido considerado um bom preditor para lidar com o estresse no período de pandemia, com reflexos nos níveis de insônia.

O presente estudo objetivou demonstrar a associação entre o nível de hardiness, o risco de insônia e a sensação de ansiedade em um grupo de alunos da Universidade Herzen (São Petersburgo), durante o período de aulas remotas, decorrentes da pandemia de COVID-19. Para isso, foram utilizados seis instrumentos autoaplicáveis através de formulários do Google: questionário sociodemográfico, The Insomnia Severity Index (ISI), Maddy's Hardness test, Multiple Stimulus Types Ambiguity Tolerance Scale-II (MSTAT-II), Test of life-meaning orientations e o The scale "Calmness - anxiety". Participaram do estudo 39 acadêmicos, com idade média de 20 anos, entre os meses de junho e julho de 2020.

Os resultados mostraram que níveis severos de insônia se associaram a menores níveis de hardiness, passividade na tomada de decisão e desamparo. Indicaram também estreita relação entre a qualidade do sono, o hardiness e o nível de calma dos alunos. Baixos níveis de hardiness estiveram associados a maiores experiências ansiosas e altos níveis de hardiness à maior tolerância à incerteza. Diante do exposto, o estudo apontou que o hardiness é capaz de prever o risco de insônia e ansiedade em estudantes universitários.

Estudos sobre variáveis psicológicas relacionadas à capacidade dos adolescentes de lidar com situações estressantes são de extrema relevância para a psicologia da saúde, por se configurarem recursos protetivos importantes diante da exigência de adaptação aos eventos adversos. Além disso, pesquisas nessa temática podem embasar intervenções psicológicas eficazes, reduzindo os impactos na saúde física e mental, desempenho acadêmico e, consequentemente, na qualidade de vida dos estudantes universitários.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

O impacto longitudinal de uma condição de saúde crônica física no bem-estar subjetivo

 

Debnar, C., Carrard, V., Morselli, D., Michel, G., Bachmann, N., & Peter, C. (2021). The longitudinal impact of a chronic physical health condition on subjective well-being. Health Psychology, 40(6), 357–367. https://doi.org/10.1037/hea0001090

Resenhado por Ana Beatriz Silveira

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as condições crônicas de saúde física são definidas como problemas que persistem por um período prolongado, como artrite, doenças cardiovasculares, câncer e diabetes. Essas condições geralmente são acompanhadas por comorbidades psicológicas e demandam um ajustamento psicológico do paciente a elas. O ajustamento psicológico a alguma adversidade, como o diagnóstico de uma doença crônica, deve ser avaliado de forma multidimensional visto que estudos anteriores demonstraram que a presença de sintomas negativos não necessariamente significa a ausência de afeto positivo ou avaliação negativa sobre a própria vida. Além disso, a temporalidade mostra-se fator importante na avaliação do ajustamento, pois este é um processo que se desdobra ao longo de vários anos.

O estudo buscou descrever o processo multidimensional e longitudinal do ajustamento psicológico, avaliando diferentes tipos de condições físicas crônicas através do estabelecimento de perfis de autopercepção de bem-estar a partir dos dados coletados, as mudanças desses perfis ao longo do tempo e o que explica essas mudanças. A amostra foi composta por 356 participantes que apresentaram diagnóstico de condição física crônica não congênita entre 2009 e 2011, tendo uma média de idade de 54 anos um ano antes do diagnóstico. Foram encontrados quatro perfis de bem-estar subjetivo: muito alto, alto, baixo e vulnerável. Um ano antes do diagnóstico, a amostra obteve maiores níveis de bem-estar do que um ano após, mostrando que a presença de uma doença física crônica aumenta o risco de menor bem-estar subjetivo. Isso reafirma o que dizem vários relatórios: a proporção de indivíduos com menor bem-estar após um evento negativo tem sido subestimada em estudos passados.

No tocante à transição entre os perfis de menor e maior bem-estar ao longo do tempo, até um ano após o diagnóstico houve tendência de permanência no mesmo perfil, o que pode significar que níveis de bem-estar anteriores ao diagnóstico influenciam o ajustamento psicológico à doença. Do segundo ao quarto ano após o diagnóstico houve maior variação no bem-estar, sugerindo recuperação deste devido à adaptação ou sua diminuição devido a uma reação tardia do paciente à doença, o que destaca a necessidade de cuidado e acompanhamento a longo prazo de pessoas vivendo com essas condições.

 Em relação aos fatores preditivos dessas variações, uma maior estabilidade emocional demonstrou ser fator protetivo contra a diminuição tardia do bem-estar. Ao passo que um melhor status de saúde e menos eventos negativos durante a vida estão relacionados à recuperação de maiores níveis. Em contraste com a literatura anterior, a escassez financeira mostrou-se preditora de melhora no bem-estar do segundo ao quarto ano após o diagnóstico, o que pode ser explicado pelo fato de que esse fator foi avaliado apenas um ano antes do diagnóstico, não refletindo a condição atual dos participantes.

Com isso, o artigo levanta pontos pertinentes sobre o estudo do ajustamento a doenças crônicas, como a necessidade de corrigir a subestimação das proporções de pacientes com baixo bem-estar e a importância de se integrar traços de personalidade na avaliação do paciente. Isso ajuda a caracterizar melhor aqueles que são de maior risco, o que poderá auxiliar no avanço dos estudos e intervenções da Psicologia da Saúde sobre esse aspecto.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Saúde mental em estudantes universitários durante a pandemia COVID-19

 

Teodoro, M., Alvares, J., Peixoto, C. B., Pereira, E., G., Diniz, M. L. N., Freitas, S. K. P., Ribeiro, P. C. C., Gomes, C. M. A, & Mansur-Alves, M. (2021). Mental health in college students during COVID-19 pandemic. Revista Família Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social 9(2), 372-382.  https://doi.org/10.18554/refacs.v9i2.5409

 

Resenhado por Kelyane Sousa

 

A pandemia de COVID-19 foi declarada em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, desde então, diversas medidas como ampliação de assistência em saúde e quarentena foram estabelecidas na tentativa de conter o novo coronavírus. Entretanto, o impacto da COVID-19 ultrapassa questões físicas e econômicas e abarca também consequências na esfera da saúde mental causando prejuízos como ansiedade, depressão e estresse. Pesquisas apontam a relação entre os efeitos econômicos da pandemia, suporte social e sintomas de ansiedade. Perdas econômicas e financeiras, frustração e informações inadequadas são aspectos estressores no enfrentamento à pandemia. Adicionalmente, aspectos individuais que estavam presentes antes da pandemia, como histórico de doenças psiquiátricas e traços de personalidade, também estão relacionados a um aumento nos níveis de estresse e ansiedade durante esse período.

Com o objetivo de investigar a saúde mental (ansiedade, depressão e estresse) em estudantes universitários durante o estágio inicial de quarentena no Brasil, os pesquisadores desse estudo realizaram um levantamento online acerca da percepção sobre a COVID-19, quarentena, traços de personalidade, ideação suicida e saúde mental (Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse). Assim, nessa pesquisa, participaram 1957 estudantes de graduação, mestrado e doutorado, dos quais 73,30% foram mulheres, com idade entre 18 e 40 anos (M = 26,40). Foram utilizados os seguintes instrumentos:  Questionário sobre a percepção de COVID-19, Escala de depressão, ansiedade e estresse-21 (DASS-21), The Big Five Inventory 15 (versão brasileira, IGFP-5), Questionário de Regulação da Emoção (ERQ), Escala de Satisfação com a Vida (SWLS) e Inventário de Frequência de Ideação Suicida (FSII).

Os resultados apontaram piores escores de saúde mental associados aos seguintes grupos: elementos pré-quarentena, como altos níveis de neuroticismo e condições médicas (números de doenças e uso de ansiolítico) relacionadas com o grupo de risco para COVID-19; ter tido ideação suicida nos últimos 12 meses e apresentar sentimentos como desesperança, fracasso e frustração; ser mulher e ter queda financeira após o início da pandemia; e preocupações com o impacto da doença na vida e o medo da infecção. Para os autores, tais fatores podem ser combinados de diferentes maneiras e produzir efeitos maior ou menor em termos de sofrimento metal e que devem ser considerados tanto as vulnerabilidades quanto a percepção da pandemia para evitar uma compreensão parcial da situação.

Para a psicologia da saúde é primordial conhecer os impactos da pandemia na população visto que enfrentamos uma situação sem precedentes na história da humanidade. Os efeitos na saúde mental causados pela pandemia de COVID-19 são esperados, porém não se sabe ainda a intensidade do sofrimento que ela causará. É necessário lidar com tal situação ao mesmo tempo que ainda lidamos com a circulação do vírus. Dessa forma, é imprescindível pensar em ações práticas que reduzam os prejuízos à saúde mental levando em consideração as inúmeras combinações de diferentes fatores de vulnerabilidade que afetam os diversos grupos de pessoas.


Ansiedade e atividade física em pacientes com transtorno de compulsão alimentar periódica

Correlation between levels of physical activity and anxiety and in patients with binge-eating disorder

 

Freire, A. S., Santos, D., Vaz, A., Lima, J. L., Axt, G., Murillo-Rodriguez, E., & Telles-Correia, D. (2020). Correlation between levels of physical activity and anxiety and in patients with binge-eating disorder. Cuadernos de Psicología del Deporte, 20(3), 55-64.

 

Resenhado por Luíza Ramos

 

            O Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) é definido como episódios recorrentes de compulsão alimentar, caracterizada por comer uma quantidade de alimentos que é maior do que a maioria das pessoas comeria e em um período de tempo menor sob as mesmas circunstâncias, acompanhada por uma sensação de falta de controle. O TCAP está associado a múltiplas comorbidades como síndromes metabólicas, distúrbios de sono e transtornos psiquiátricos, a exemplo da ansiedade. Comportamentos de compulsão alimentar podem servir como estratégias não adaptativas para regular a ansiedade. Assim, formas de enfrentamento funcionais para lidar com a ansiedade, como a atividade física, podem ser importantes na redução de episódios de compulsão alimentar. O objetivo do texto foi examinar a relação entre atividade física e ansiedade em pacientes com TCAP.

         A amostra coletada foi composta por 32 indivíduos com diagnóstico de Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica em um hospital de Lisboa. Os comportamentos e as atitudes do TCAP foram avaliados pelo Questionário de Transtorno Alimentar (Eating Disorder Questionnaire - EDE-Q), que é um questionário de autorrelato e aborda características psicopatológicas a exemplo de restrição, preocupação alimentar, preocupação com a forma corporal e preocupação com o peso. A ansiedade foi avaliada pela Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (Hospital Anxiety and Depression Scale - HAD). Já a atividade física foi avaliada pelo Questionário Internacional de Atividade Física (International Physical Activity Questionnaire).

            Foi verificado que quanto mais altos foram os valores de transtorno alimentar, maiores foram os níveis de ansiedade, além de uma associação positiva entre ansiedade e falta de exercício físico. As evidências mostraram que a atividade física pode ser ferramenta terapêutica para o TCAP. A hipótese é que isso acontece a partir de três mecanismos: 1) melhoria no sistema de recompensa alimentar, reduzindo os desejos; 2) regulação do afeto negativo, por meio dos efeitos da atividade física em neurotransmissores como a serotonina e a endorfina; 3) melhora no controle do apetite. Entretanto, ressalta-se a necessidade de mais dados sobre o papel da atividade física na ansiedade em pacientes com TCAP.

            Em suma, estudos como este mostram-se relevantes para a Psicologia da Saúde, uma vez que permite identificar fatores protetivos para a saúde, aumentando as chances de prognóstico positivo. Portanto, contribui para o desenvolvimento de intervenções mais eficazes para pacientes com transtornos alimentares e para a melhora na qualidade de vida dessa população.