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quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O conceito da síndrome de “sintomas medicamente inexplicados” e o modelo de tratamento cognitivo-comportamental

 Scott, M. J., Crawford, J. S., Geraghty, K. J., & Marks, D. F. (2021). The ‘medically unexplained symptoms’ syndrome concept and the cognitive-behavioral treatment model. Journal of Health Psychologyhttps://doi.org/10.1177/13591053211038042

Resenha por Giulia

            Sintomas medicamente inexplicados (SMI) são ocorrências comuns nas práticas de saúde. Esse é um termo guarda-chuva que se refere a uma variedade de queixas corporais persistentes para as quais o exame comum não aponta a presença de uma patologia específica. Alguns exemplos desses sintomas são: fadiga, tontura, dor resistente, dores de cabeça e incômodos musculoesqueléticos. Diferentemente de outras condições médicas, nesses casos não há causas orgânicas conhecidas ou aspectos biomédicos relacionados aos sintomas. Há pouco tempo, começou-se a classificar esse fenômeno como uma síndrome, o que possibilita a utilização de tratamentos do modelo cognitivo-comportamental (MCC), baseando-se na premissa de que existem comunalidades entre todas as manifestações de SMI. Entretanto, críticas têm sido feitas quanto a validade do diagnóstico e a credibilidade do tratamento com o MCC.

                      Primeiramente, a categoria diagnóstica dos SMI inclui cerca de um terço dos pacientes da atenção básica, o que pode expor a artificialidade do conceito, principalmente porque as evidências que apoiam esse quadro são derivadas de estudos metodologicamente frágeis. Alguns críticos também expressam preocupações relacionadas à consideração de tudo que é “inexplicado” como sendo decorrente de disfunções comportamentais ou cognitivas. Além do mais, os modelos explicativos dos SMI falham em explicitar fatores de predisposição, precipitantes e perpetuadores.

                Conforme o MCC, crenças disfuncionais sobre a doença estão ligadas a um pior prognóstico. Contudo, a terapia cognitiva-comportamental não tem apresentado bons resultados na mudança de crenças de pacientes com SMI, possivelmente porque eles não desejam mudar o modo como pensam e se comportam. Consequentemente, cria-se um ciclo vicioso no qual o exame médico revela as crenças e comportamentos prejudiciais dos pacientes, levando-os a procurar um terapeuta cognitivo-comportamental, que por sua vez, não é eficaz, e então se reinicia o ciclo com o retorno aos exames médicos. Isso gera sentimentos de raiva, culpa e frustração no paciente.

Pacientes com SMI também costumam ser deslegitimados por profissionais da saúde, um fenômeno que alguns pesquisadores denominam como “Está tudo na sua cabeça”. Esses profissionais tendem a atribuir sintomas inexplicados a processos psicológicos quando os percebem como imaginários, exagerados ou como um reflexo de condições como ansiedade, estresse e depressão. Tal tratamento perpetua o sofrimento dos pacientes e esgota os recursos de saúde disponíveis para os seus cuidados, podendo gerar um “viés de confirmação”, no qual o paciente inventa melhoras na tentativa de agradar o profissional ou justificar os esforços do tratamento. Assim, nesses casos, a adoção do MCC pode ser prejudicial, pois enviesa negativamente o modo como o profissional aborda o paciente com SMI, deixando-os sem o suporte apropriado, o que gera estressores que podem intensificar as queixas fisiopatológicas que apresentam.

            Diante das problemáticas levantadas acima acerca da validade e credibilidade do quadro diagnóstico do SMI e seu tratamento, revela-se crucial a realização de mais estudos que focalizem o tratamento desses casos, especialmente no campo da terapia cognitivo-comportamental, a fim de fornecer evidências robustas que possibilitem desenvolver protocolos de tratamento interdisciplinares empiricamente eficazes. A ampliação dos estudos permitirá também identificar o que não funciona nas práticas de cuidado com SMI, superando técnicas e ideias improdutivas ou danosas. Ressalta-se, por fim, que profissionais da saúde devem receber treinamentos direcionados para o atendimento de pacientes com essas manifestações clínicas, utilizando-se dos conhecimentos da psicologia clínica e da saúde.

                                 

 

domingo, 7 de novembro de 2021

A percepção da experiência de primeiro aprisionamento em uma unidade prisional

 Bahiano, M. D. A., Turri, G. S. S., & Faro, A. (2021). A Percepção da Experiência de Primeiro Aprisionamento em uma Unidade Prisional. Psicologia: Ciência e Profissão, 41. https://doi.org/10.1590/1982-3703003217678

 

Resenhado por Luíza Ramos

 

           

Com a entrada na prisão, o espaço de convivência é reduzido e amplamente controlado. Necessidades básicas como saúde, alimentação, higiene, contato com familiares e vida sexual passam a ser gerenciadas pelo Estado ou pela instituição penal. Somado a isso, uma rotina de privações, preocupações, ócio, agressividade e violência tornam o cárcere um ambiente hostil e estressante. O primeiro aprisionamento representa uma mudança repentina no modo de vida devido ao afastamento abrupto do núcleo familiar e social. A experiência de viver na prisão e as expectativas e incertezas quanto às demandas judiciais e o futuro expõem o apenado a um risco maior de acometimento por perturbações mentais comuns, o que torna o indivíduo mais suscetível ao adoecimento mental e a reações psicológicas motivadas por alta exposição a estresse agudo e cronificante. Este estudo buscou compreender o modo como os internos percebem suas experiências na prisão e como pensam o seu futuro, além de apontar estressores e comportamentos adaptativos que se manifestam nesse contexto.

A pesquisa foi realizada no Conjunto Penal de Paulo Afonso, na Bahia, com homens em primeira experiência de privação de liberdade. A amostra final foi composta por 61 internos, selecionados por conveniência, que consentiram a participação no estudo e eram capazes de descrever de maneira apurada suas vivências no ambiente penitenciário. Os detentos foram divididos em dois grupos: o grupo 1 (G1), com 42 internos em regime provisório; e o grupo 2 (G2), com 19 internos que já foram sentenciados. Utilizou-se um questionário sociodemográfico e a técnica de livre evocação de palavras, a partir dos termos indutores “prisão” e “futuro”. A análise dos dados sociodemográficos foi feita no programa estatístico SPSS e a análise das evocações foi realizada por meio do programa OpenEvoc, que permite analisar estatisticamente as evocações da amostra, agrupando em quadrantes, considerando ordem e frequência das respostas.

Os principais elementos evocados que compuseram o núcleo central foram “ruim” no G1, e “sofrimento” no G2, enquanto as palavras evocadas mais rapidamente foram “saudade” e “adoecimento” no G1 e no G2 foi a palavra “ruim”. Entendeu-se que a experiência do primeiro aprisionamento pode aumentar a vulnerabilidade do indivíduo ao adoecimento físico e mental, visto que foi caracterizada como algo predominantemente negativo. No primeiro aprisionamento, o custodiado precisa se desadaptar da vida pregressa e se adaptar à nova realidade, situação que pode explicar porque a palavra “saudade” foi evocada pelos internos e está provavelmente associada à ruptura brusca dos laços familiares e à perda de contatos com a rede social. Quanto às evocações sobre o termo indutor “futuro”, observou-se que os dois grupos apresentaram expectativas positivas para o recomeço de sua vida em liberdade, com o aparecimento de termos como “responsabilidade”, “fé” e “família”. Com tais conteúdos, notou-se a presença de comportamentos positivos no processo de adaptação do indivíduo no ambiente penitenciário.

Por fim, a partir do discurso evocado, profissionais da saúde e de áreas afins podem identificar fatores de risco e de proteção que auxiliem na atenção e prestação de cuidados em saúde, tanto física quanto mental, do interno, além de auxiliar na identificação de desordens mentais comuns e problemas de adaptação à vida na prisão.

 

sábado, 6 de novembro de 2021

Estratégias de enfrentamento em pacientes com dor neuropática

 Gonsalves, I. M., & Lucena, B. B. de. (2021). A relação entre o uso do Instagram e o comportamento compulsivo por compras. Brazilian Journal of Development, 7(6). doi: https://doi.org/10.34117/bjdv7n6-651

 

Resenhado por Ariana Moura

 

A compra compulsiva pode ser compreendida como o comportamento de compra incontrolável e repetitivo que leva ao estresse e traz prejuízos ao indivíduo. As pessoas com comportamento de compra compulsiva costumam comprar objetos e materiais em quantidades maiores do que o necessário, possivelmente, nunca serão utilizados. Esse comportamento costuma comprometer o tempo, as finanças e as relações sociais. O Instagram, por sua vez, é uma rede social na qual os usuários compartilham fotos e vídeos com pessoas próximas, entretanto, a plataforma tornou-se um meio comercial, no qual diversas empresas e marcas possuem perfis e divulgam seus produtos de modo interativo com seu público-alvo, estabelecendo um mecanismo de venda com ferramentas que aumentam a probabilidade de compra por parte do consumidor. 

O objetivo da pesquisa foi identificar a prevalência do comportamento compulsivo por compras e os fatores a ele relacionados e verificar como o Instagram se configura como uma ferramenta de consumo para adultos jovens. A amostra foi composta por 180 sujeitos, com idades entre 18 e 25, entre homens e mulheres. Para a coleta de dados utilizou-se um Questionário sociodemográfico e de uso do Instagram desenvolvido pelos próprios autores e a Escala Richmond para avaliar a presença de comportamentos característicos do comprar compulsivo. A análise qualitativa dos dados se deu a partir da análise de conteúdo de Bardin e os dados quantitativos foram analisados pelo software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS).

Os resultados qualitativos indicaram que o Instagram tem funcionado como ferramenta para o aumento da visibilidade profissional, possibilidade de ter mais voz/influência, para comprar o que não precisa e influência para compras relacionada à desregulação emocional.  A maioria dos participantes (92,7%) relatou que já se sentiu influenciado a comprar algo que viu nessa rede social. Destes, 11,2% apresentaram comportamento de compra compulsiva na escala Richmond, estando este comportamento associado a possuir renda própria (p = 0,03) e o comportamento de comprar para se sentir melhor consigo mesmo (p = 0,01).

Além disso, viu-se que o Instagram foi considerado como um importante mediador dos hábitos de consumo dos participantes. Também foi possível perceber que muitos usuários utilizam o Instagram como espaço de liberdade de exposição e para divulgação de seus conteúdos profissionais, considerando a rede social como um espaço de aproximação entre usuários, e entre empresas e possíveis clientes.

Este estudo, no âmbito do comportamento compulsivo por compras, pode contribuir para o desenvolvimento da Psicologia da Saúde, uma vez que, este comportamento ainda não apresenta classificação nosológica que facilite o diagnóstico e a ascensão do Instagram como plataforma de difusão muito importante para o mercado consumidor.

 Em virtude disso, essa pesquisa se mostra relevante, podendo trazer contribuições ao meio acadêmico ao preencher lacunas na compreensão dos fenômenos contemporâneos que serão abordados.

 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Estratégias de enfrentamento em pacientes com dor neuropática

 Laluce, T.O., Dalul, C.M., Martins, M.R.I., Ribeiro, R.C.H., Almeida, F.C. & Cesarino, C.B. (2019).  Coping strategies in patients with neuropatic pain. Revista da Sociedade Brasileira para o estudo da dor2(3), 260-266. https://doi.org/10.5935/2595-0118.20190046

 

Resenhado por Catiele Reis

 

A dor crônica neuropática é definida como uma sensação negativa e intensa sentida em uma área lesionada, neste caso, os nervos do corpo. Sendo classificada como aguda ou crônica, a dor neuropática tem origem multifatorial, causa impactos negativos sobre a vida das pessoas e leva as pessoas a ativarem diversas estratégias de enfrentamento. O objetivo deste estudo foi identificar, analisar as diversas estratégias de enfrentamento de dor crônica neuropática, relacioná-las com as características sociodemográficas, a intensidade da dor e a alexitimia.

O estudo foi classificado como descritivo e transversal tendo como participantes, 61 pacientes com dor neuropática que foram atendidos na Clínica da Dor no período de agosto a dezembro de 2017. Para a coleta de dados dos pacientes com dor neuropática foram utilizados os instrumentos: entrevista semiestruturada, o questionário sobre dor neuropática Douleur Neuropathique 4 Questions, a Escala de Alexitimia e a Escala Modos de Enfrentamento de Problemas. A análise de dados foi feita com o auxílio do Excel e usou a análise de variância da ANOVA e o teste de comparação de Turkey para testar os resultados. Foi adotado o nível de significância < 0,05 para os resultados.

Na análise dos resultados, percebeu-se que dos 61 pacientes com dor neuropática, a maioria era mulher, com idade média de 50,67 anos, baixa escolaridade, e que possuíam doenças neuropáticas como a causa principal da dor. Percebeu-se que a maioria das pessoas utilizaram estratégias com foco no problema (procura por médico e focalização no problema), seguida do uso de práticas religiosas e a busca pelo suporte social. Tais estratégias foi vista como uma atitude positiva no enfrentamento da dor neuropática. apesar dos problemas físicos. A alexitimia do grupo que usaram estratégias focadas para a problema é maior, especialmente no subgrupo dos homens com dor neuropática crônica.