Páginas

sábado, 24 de setembro de 2022

O hardiness modera os efeitos do estresse da Covid-19 na ansiedade e na depressão

 

Bartone, B. T., McDonald, K., Hansma, B. J., & Solomon, J. (2022). Hardiness moderates the effects of COVID-19 stress on anxiety and depression. Journal of Affective Disorders, 317, 236-244. https://doi.org/10.1016/j.jad.2022.08.045

Resenhado por Jéssica Dantas

                A pandemia da Covid-19 foi responsável por um aumento significativo nos sintomas de ansiedade e depressão na população. Porém, algumas pessoas, apesar de terem vivenciado os estressores decorrentes do contexto pandêmico, não enfrentaram problemas de saúde mental. Fatores específicos parecem estar ligados à desfechos mais saudáveis em situações adversas, como determinados perfis de personalidade, fatores sociodemográficos, apoio social, dentre outros. O hardiness tem sido considerado um elemento de personalidade que favorece respostas resilientes sob condições de estresse.

            O perfil de personalidade hardiness é composto pela inter-relação de três características: compromisso, controle, desafio. Indivíduos que possuem alto nível de hardiness apresentam forte senso de propósito de vida, acreditam que podem influenciar os resultados e percebem as adversidades como desafios a serem superados e fonte de aprendizado. Assim, esse perfil tem sido um importante fator protetivo contra problemas relacionados ao estresse em diversos contextos.

            O presente estudo teve como objetivo analisar o hardiness e a idade como potenciais fatores de proteção contra os efeitos na saúde mental do estresse relacionado a Covid-19. Participaram da pesquisa 363 canadenses maiores de 18 anos. A amostra foi equilibrada em idade e gênero. Os participantes responderam a uma pesquisa online com medidas de estressores relacionados ao Covid, hardiness, depressão e ansiedade, além de idade, gênero e outros dados demográficos. O estresse do Covid foi medido com uma escala criada para o estudo contendo itens sobre o impacto (positivo ou negativo) da pandemia de Covid-19 em oito domínios da vida: estabilidade no emprego/emprego, desempenho no trabalho, relacionamentos familiares, relacionamentos com amigos, situação financeira, saúde física, saúde mental e educação. O hardiness foi medido pela Hardiness Resilience Gauge (HRG; Bartone, 2018; Bartone et al., 2022). Os sintomas de ansiedade pela GAD-7 (Spitzer et al., 2006) e de depressão pela PHQ-9 (Kroenke et al., 2001).

            Os resultados indicaram que o hardiness e a idade exerceram um efeito protetivo contra o estresse relacionado ao Covid. A ansiedade e a depressão estiveram positivamente relacionadas ao estresse do Covid, ao passo em que o hardiness se correlacionou negativamente com a ansiedade, a depressão e o estresse relacionado ao Covid (p<0,001). A idade foi significativamente correlacionada com a ansiedade (r =-0,31, p< 0,001) e depressão (r= -0,35, p< 0,001), indicando que pessoas mais jovens estão experimentando mais ansiedade e depressão em comparação com pessoas mais velhas. Encontrou-se também que o sexo não modera os efeitos do estresse Covid na ansiedade ou depressão.

            A partir dos achados deste estudo é possível indicar que intervenções que objetivem desenvolver as habilidades do perfil hardiness podem ser eficazes na redução dos problemas de saúde mental associados ao estresse da Covid. Além disso, enfatizou a parcela da população em maior vulnerabilidade, os jovens. Pesquisas que analisem variáveis psicológicas com potencial de amenizar as consequências negativas da pandemia para a saúde dos indivíduos têm recebido bastante atenção dos estudiosos da Psicologia da Saúde.

 

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Comparação do efeito da terapia comportamental dialética, terapia cognitiva baseada em mindfulness e psicoterapia positiva na percepção de estresse e qualidade de vida em pacientes com síndrome do intestino irritável: Um ensaio randomizado controlado piloto

 

Mohamadi, J., Ghazanfari, F., & Drikvand, F. M. (2019). Comparison of the effect of dialectical behavior therapy, mindfulness based cognitive therapy and positive psychotherapy on perceived stress and quality of life in patients with irritable bowel syndrome: A pilot randomized controlled trial. Psychiatric Quarterly, 90(3), 565-578. doi: 10.1007/s11126-019-09643-2

Resenhado por Luanna Silva

 

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é uma doença gastrointestinal crônica com prevalência mundial estimada em 6%. Os sintomas características da SII, tais como dor abdominal, alteração do padrão das fezes e inchaço, estão associados a prejuízo significativo na qualidade de vida, pois o funcionamento social, ocupacional, sexual e nutricional é amplamente afetado pela condição. Essas circunstâncias contribuem para elevada percepção de estresse em pacientes que recebem esse diagnóstico.

Diferentes estudos têm demonstrado que intervenções psicológicas devem ser consideradas para assistência completa dessa população. Dentre as diferentes abordagens psicológicas, acredita-se que a terapia comportamental dialética (TCD) pode ser útil nesse contexto. Evidências sugerem que pacientes com SII podem apresentar traços comportamentais semelhantes aos dos pacientes diagnosticados com transtorno de personalidade borderline, quadro psicopatológico em que a terapia comportamental dialética é tida como tratamento padrão ouro. Outra possibilidade, é o uso da terapia cognitiva baseada em mindfulness (TCBM). A combinação das estratégias cognitivas com o desenvolvimento da consciência do momento presente tende a beneficiar pacientes com doenças gastrointestinais, existindo estudos que verificaram melhoras nos níveis de qualidade de vida e percepção de estresse. A psicoterapia positiva (PP) é outra intervenção psicológica empregada em casos de doenças crônicas. A PP é baseada nos princípios da psicologia positiva e objetiva maximizar o bem-estar subjetivo e a felicidade, podendo desempenhar papel importante na promoção de qualidade de vida e diminuição do estresse percebido.

O objetivo deste estudo foi investigar a eficácia da TCD, TCBM e PP na percepção de estresse e qualidade de vida em pacientes com SII. Para tanto, foi realizado um ensaio randomizado controlado com 76 participantes. Os pacientes alocados nos grupos de TCD (n = 18), TCBM (n = 20) e PP (n = 18) participaram de oito sessões de grupo. Os participantes alocados no grupo controle (n = 20) permaneceram em lista de espera. Foram aplicados questionário sociodemográfico, Rome IV Questionnaire, Irritable Bowel Syndrome Quality of Life e Perceived Stress Scale. Os resultados indicaram que os níveis de qualidade de vida e estresse percebido melhoraram significativamente do pré-teste para o pós-teste, independentemente do grupo avaliado. Além disso, verificou-se que os participantes submetidos à TCBM apresentaram maior redução no nível de estresse percebido quando comparados aos pacientes dos grupos TCD e PP. Quanto à qualidade de vida, melhores resultados foram observados nos pacientes que receberam TCD do que naqueles que estavam nos grupos de TCBM e PP.

Ainda que tenha sido observada efetividade nas 3 modalidades de intervenções psicológicas investigadas, é importante destacar que os pacientes do grupo controle também apresentaram melhoras nos desfechos avaliados. Os resultados descritos no trabalho não permitem avaliar com clareza as diferenças estatísticas encontradas entre os grupos. Contudo, esse achado enfatiza a necessidade de dar prosseguimento aos estudos sobre tratamentos psicológicos para pacientes com SII, a fim de que seja possível analisar o papel da assistência psicológica à essa população.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Menopausa e Distúrbios do Sono

 

Tandon, V. R., Sharma, S., Mahajan, A., Mahajan, A., & Tandon, A. (2022). Menopause and sleep disorders. Journal of Mid-life Health, 13(1), 26. https://doi.org/10.4103/jmh.jmh_18_22

Resenhado por Lucas Souza

 

A mudança hormonal intensa sofrida pelas mulheres no avançar da idade, em especial, no período climatérico e pós-menopausa, está associada ao maior risco de desenvolver diversos distúrbios no sono. No período anterior à menopausa, a incidência de distúrbios do sono varia de 16 a 47% e após a menopausa vai para 35 a 60%. Esses distúrbios podem ser baixa qualidade do sono, privação do sono, insônia, alterações do sono relacionadas a quadros ansiosos-depressivos ou quadros como apneia obstrutiva do sono e síndrome das pernas inquietas. A queixa de dificuldade para dormir está presente em cerca de 38,0% das mulheres idosas e é maior no período de perimenopausa tardia (45,4%), momento em que há maior variação das taxas hormonais. No período climatérico, os sintomas vasomotores (fogachos) são uma das causas das alterações no sono.

O período após menopausa está relacionado com diversas alterações no padrão de sono. Pode ocorrer aumento na latência do sono (tempo necessário para adormecer), diminuição da quantidade total de sono, presença de despertares noturnos, despertar precoce e redução da eficiência do sono. Essas alterações podem ter diversas causas, algumas relacionadas ao processo de envelhecimento e outras relacionadas a queda dos hormônios sexuais. A secreção de menor quantidade de melatonina que ocorre naturalmente com o decorrer da idade é mais intenso em mulheres em menopausa e configura um fator importante para alteração de diversos aspectos do sono. A progesterona estimula os receptores GABA, ajudando na indução do sono e apresentando papel ansiolítico. O estrogênio tem um papel no processo de metabolismo da serotonina, norepinefrina e acetilcolina, podendo influenciar em aspectos do ritmo circadiano, a presença de sintomas vasomotores e exercer papel antidepressivo. O surgimento de sintomas depressivos e/ou ansiosos no período perimenopausa é um dos fatores que podem implicar no surgimento de alterações do sono.

Justamente pelo seu aspecto multicausal, o manejo das alterações do sono deve ter diversos enfoques. A utilização de medicações voltadas à insônia pode ser útil, mas não deve substituir medicas não farmacológicas como a higiene do sono e realização de exercícios físicos. O tratamento de condições comórbidas como obesidade e transtornos psicopatológicos também é fundamental. A terapia de reposição hormonal ainda carece de evidências para ser recomendada especificamente ao tratamento de alterações do sono.

Esse estudo contribui com a psicologia da saúde ao tentar compreender melhor os aspectos biológicos relacionados às alterações do sono em mulheres em menopausa. Os profissionais em saúde mental devem estar atentos a alterações no sono nesse público, pois sintomas relacionados ao sono são responsáveis por redução na qualidade de vida, bem-estar e alterações no humor. Por fim, é importante destacar que aspectos não farmacológicos como a higiene do sono são fundamentais para o manejo dessas condições. 

 

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Preditores de distresse e enfrentamento durante o autoisolamento relacionado à pandemia: a importância relativa dos traços de personalidade e crenças sobre ameaça pessoal

 

Taylor, S., Paluszek, M. M., Landry, C. A., Rachor, G. S., & Asmundson, G. (2021). Predictors of distress and coping during pandemic-related self isolation: The relative importance of personality traits and beliefs about personal threat. Personality and Individual Differences176, 1–6. https://doi.org/ 10.1016/j.paid.2021.110779

 

Resenhado por Amanda Feitosa

 

Apesar do autoisolamento devido à pandemia ser uma medida de proteção essencial contra a Covid-19, trouxe prejuízos para a saúde mental da população. Nesse sentido, pesquisas apontam a relevância de certos traços de personalidade para melhor adaptação ao contexto pandêmico. O presente estudo pretendeu analisar a sua influência em conjunto com as crenças acerca da ameaça da Covid-19 nos indicadores de distresse e enfrentamento da população. Para isso, objetivou-se analisar o efeito significativo de traços de personalidade e de crenças sobre ameaça pessoal na predição de distresse e enfrentamento na amostra durante o período de autoisolamento.

A coleta foi realizada em maio de 2020, com 938 adultos que estavam de forma voluntária em isolamento (permanecendo em casa o máximo possível e limitando o contato externo às atividades essenciais). A média de idade foi 52 anos (DP = 16), com 51% da amostra correspondendo ao gênero feminino. Utilizou-se medidas para avaliar as dimensões da personalidade com base no Modelo Big Five (Ten Item Personality Inventory - TIPI), assim como para medir as crenças de ameaça pessoal do vírus (COVID Stress Scales). Estas incluem crenças acerca de preocupações de consequências econômicas, de contaminar-se, do perigo de disseminação, entre outros. Também foi usado medidas para acessar otimismo, resiliência e distresse. O enfrentamento foi mensurado através do uso de equipamento de proteção individual e o comportamento de estocagem de itens pré-isolamento.

Os resultados demonstraram que as crenças de ameaça pessoal da Covid-19 foram o principal preditor de distresse e estratégias de enfrentamento na amostra. Observou-se que alguns traços de personalidade se associaram ao distresse, por exemplo, autoisolamento se correlacionou de forma positiva e significativa com emocionalidade negativa. Contudo, o efeito dos traços de personalidade no distresse e enfrentamento foi quase nulo quando analisado em conjunto com a COVID Stress Scales. É válido destacar que os dados deste estudo se referem à primeira onda da Covid-19, no início de 2020, em que os índices de isolamento foram os maiores do período pandêmico. Assim, de acordo com a literatura, nota-se que as crenças de ameaça são fatores importantes de sofrimento e estresse relacionado à pandemia.

Para a Psicologia da Saúde, a qual atua na interface saúde-doença, é importante entender quais variáveis psicológicas atuam como fatores de proteção no contexto pandêmico. Ademais, dados sobre o ajustamento psicológico dos indivíduos são úteis para informar aos profissionais de saúde sobre o impacto de medidas de contenção da pandemia na saúde mental, identificando fatores de risco e monitorando pessoas que precisam de serviços psicológicos. Por fim, psicólogos que atuam na área clínica, tendo em vista o impacto das crenças sobre ameaça pessoal, podem em sua prática focar no tratamento de crenças disfuncionais sobre o perigo da Covid-19 para reduzir o estresse e estratégias de enfrentamento desadaptativas.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Intervenções baseadas em psicologia positiva para o câncer de mama: revisão sistemática

 

Casellas-Grau, A., Font, A., & Vives, J. (2014). Positive psychology interventions in breast cancer. A systematic review. Psycho-Oncology, 23(1), 9–19. https://doi.org/10.1002/pon.3353

Resenhado por Matheus Macena

A psicologia positiva é uma área emergente de estudos empíricos tanto para o campo da psicologia clínica quanto da psicologia da saúde. Esta revisão sistemática teve por objetivo sintetizar as evidências acerca das intervenções em psicologia positiva para o câncer de mama. Os estudos foram colhidos nas plataformas de dados: Pubmed, PsycINFO, Web of Science, Scopus, Cochrane, CINAHL, Wiley Online Library, TDX e DIALNET. Apenas estudos focados em intervenções baseadas em psicologia positiva e para o câncer de mama foram incluídos.

Foram identificados 7266 artigos na busca pelas palavras-chaves (por ex. psicologia positiva e câncer de mama) nas bases de dados e 16 artigos foram selecionados para compor a revisão. As intervenções encontradas foram agrupadas em cinco categorias: abordagens baseadas em mindfulness, expressão de emoções positivas, intervenções espirituais, terapia da esperança e intervenções de construção de significado para a doença. Essas intervenções especificas promoveram mudanças positivas para pacientes com câncer de mama, como: melhoras na qualidade de vida, no bem-estar, na esperança, na busca por benefícios e no otimismo. No entanto, disparidades entre as intervenções e problemas metodológicos foram limitações para os desfechos.

As terapias baseadas em mindfulness foram as mais utilizadas em pacientes com câncer (sete estudos), seguidas pelas intervenções baseadas em criar significado para a doença (três estudos) e estudos baseados na escrita de emoções positivas (três estudos). As intervenções psico-espirituais foram aplicadas em pacientes com câncer de mama em dois estudos e a terapia voltada para a esperança em apenas um artigo.

No geral, as terapias positivas incluídas nessa revisão foram capazes de produzir efeitos positivos em mulheres com câncer de mama. No entanto, nem todas as pacientes foram capazes de desenvolver respostas e estratégias de enfretamento para o câncer de mama, mesmo após as intervenções. Esse pode ser um indicativo de que a psicologia positiva não é universalmente efetiva, uma vez que nem todas responderam as intervenções, mas é capaz de gerar uma resposta positiva em público com o potencial para tal. Mas estudos, portanto, são necessários, a fim de averiguar a efetividade a possível adoção dessas intervenções nos acompanhamentos psicológicos prestados pela Psicologia; em particular, da Saúde.

domingo, 18 de setembro de 2022

Saúde mental das mulheres durante a pandemia

 

Souza, A. S. R., Souza, G. F. A., & Praciano, G. A. F. (2020). A saúde mental das mulheres em tempos da COVID-19. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, 20(3). https://doi.org/10.1590/1806-93042020000300001

Thapa, S.B., Mainali, A., Schwank, S.E., & Acharya, G. (2020). Maternal mental health in the time of the COVID-19 pandemic. Acta Obstetricia et Gynecologica Scandinavica, 99, 817-818. https://doi.org/10.1111/aogs.13894

Postado por Brenda Fernanda









Durante a pandemia da Covid-19, diversos estudos constataram a prevalência de maior sintomatologia de estresse, ansiedade e depressão nas mulheres. Alguns dos aspectos que podem estar relacionados à vulnerabilidade são as alterações hormonais, atreladas ao período menstrual, assim como as desigualdades de gênero, que influenciam também na sobrecarga de trabalho e na violência contra a mulher. É tarefa fundamental da Psicologia da Saúde identificar fatores de risco ao adoecimento para que ações de cuidado possam ser pensadas, tanto a fim de mitigar os efeitos deletérios, quanto visando a promover saúde mental.

sábado, 17 de setembro de 2022

Saúde e bem-estar de mulheres com deficiência física após o parto: Um estudo exploratório


 

Becker, H., Andrews, E., Walker, L. O., & Phillips, C. S. (2021). Health and well-being among women with physical disabilities after childbirth: An exploratory study. Women's Health Issues31-2, 140-147. https://doi.org/10.1016/j.whi.2020.10.007

 Resenhado por Susana Santana

O período pós-parto pode ser um momento desafiador para a maioria das mulheres. Privação de sono, mudanças de humor e problemas de amamentação são alguns dos fatores que podem ser potencialmente estressores nesse período. Contudo, quando nos referimos ao período pós-parto em mulheres com deficiência, cujos desafios do contexto da deficiência já são presentes eu sua rotina, esse é um tema que tem recebido pouca atenção na literatura. Os estudos sobre gestação em mulheres com deficiência têm se concentrado geralmente na maternidade, e não na saúde das próprias mães, mesmo, recentemente, existirem pesquisas ressaltando os riscos à saúde que elas podem enfrentar.

O objetivo do estudo em questão foi o de examinar a saúde pós-parto entre mulheres com deficiências físicas. Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com onze novas mães com condições físicas incapacitantes e feita a análise temática do conteúdo transcrito.

Entre os temas que surgiram estavam presentes questões como: ‘o preço que teriam que pagar por decidirem ter um bebê’, ‘a exigência de concentrar-se no bebê’, ‘sentirem-se isoladas’ e ‘terem desafios sob controle ou superação de barreiras’. Esses temas destacam, entre outras especificidades, os acréscimos de outras condições e limitações de saúde que a gestação e o parto ocasionaram às participantes, assim como mudanças terapêuticas importante de seu autocuidado, como a alteração de medicações que já tomavam, que tiveram que ser reduzidas ou suprimidas em razão da amamentação. Além disso, embora a condição de deficiência das participantes já exigisse cuidados próprios de saúde, como acompanhamentos fisioterápicos, após o nascimento dos bebês elas mostraram uma tendência a se concentrar nos cuidados com a criança e a negligenciar seu autocuidado. Esses dados enfatizam a necessidade de rede de suporte disponível em favor de mães com deficiência e a relevância dessas mudanças como um tópico a ser discutido e planejado junto com gestantes com deficiência durante o pré-natal.

Apesar da resiliência em lidar com os desafios de cuidarem de seus bebês dentro do contexto de suas condições incapacitantes, as participantes do estudo identificaram claramente a necessidade de recursos e apoios adicionais. Um desses recursos foi o suporte de profissionais de saúde para o treino de como segurar seus bebês, adaptando essa atividade à sua limitação física. Levando em consideração o contexto da deficiência e seu impacto social, além de questões culturais e de estigma sobre o direito reprodutivo de mulheres com deficiência, as pesquisas científicas, os serviços e profissionais de saúde precisam estar atentos às especificidades da saúde, reprodutividade e maternidade na condição da deficiência.

Na perspectiva da Psicologia da Saúde, a compreensão das possíveis adaptações que serão necessárias e o desenvolvimento de estratégias de solução de problemas podem ser recursos de ajustamento psicológico a serem promovidos para futuras mães e, principalmente, para aquelas que terão que fazer maiores ajustes com a chegada de um bebê em sua rotina, evitando assim o decréscimo de adoecimento físico e psicológico para mulheres com deficiência no exercício de seu papel como mães.




sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Revisão Integrativa sobre a vivência de mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista

 

Constantinidis, T. C., & Pinto, A. S. (2020). Revisão integrativa sobre a vivência de mães de crianças com transtorno de espectro autista. Revista Psicologia e Saúde. https://doi.org/10.20435/pssa.v0i0.799

 

Resenhado por Luíza Ramos

 

            O Transtorno do Espectro Autista é caracterizado por déficits persistentes na comunicação e interação social e padrões restritivos e repetitivos de comportamento. Diante do diagnóstico, o membro da família mais implicado neste processo costuma ser a mãe, assumindo o papel de cuidadora. A rotina de cuidados, adaptações e mudanças gera nas mães cansaço físico e desgaste emocional, uma vez que pode gerar perdas na vida social, afetiva e profissional dessas mulheres. O objetivo deste estudo foi caracterizar as pesquisas realizadas no Brasil que contemplem a identificação da sobrecarga de mães de crianças com TEA, assim como as formas encontradas para lidar com as dificuldades cotidianas decorrentes dessa problemática.

Foi realizada uma revisão integrativa através das bases de dados SciELO, LILACS e Portal de Periódicos Capes. Os termos utilizados foram: mães, autismo, cotidiano, encargos/sobrecarga, necessidades/demandas, atenção e cuidado/tratamento, saúde mental, qualidade de vida, estresse, transtorno autístico, maternidade. Inicialmente, foram encontrados 51 artigos potencialmente relevantes nas três bases de dados. Após a seleção considerando os critérios de inclusão e exclusão, resultaram oito artigos para o banco final. Os estudos apresentaram metodologias variadas, mas predominantemente de cunho qualitativo, com entrevistas às mães de crianças com TEA.

Os resultados apontam que as mães das crianças com TEA enfrentam uma realidade permeada por sofrimento, confusão, frustrações e medo, pois se deparam com a perda do filho idealizado e com as dificuldades de lidar com o diagnóstico. Por isso, sentimentos de culpa, tristeza e negação são comuns. Estudos apontam que são as mães que mais sofrem ajustes de planos e expectativas em sua vida pessoal e apresentam maior incidência de estresse e depressão. O tratamento de rotina para as crianças, muitas vezes, leva as mães a negligenciar seu próprio cuidado, prejudicando o seu bem-estar. Além disso, elas podem se afastar de atividades e lazer e convívio social por causa do preconceito e dos comportamentos agressivos do filho. As dificuldades enfrentadas por essas mães se devem, sobretudo, à insegurança em lidar com as demandas do filho de forma satisfatória, à dificuldade de aceitação do diagnóstico, à falta de apoio social e conjugal percebida e à possível restrita rede de saúde.

Em suma, a pesquisa mostra-se relevante para a Psicologia da Saúde, visto que obtém resultados capazes de auxiliar essa população na prevenção de adoecimento, a partir do conhecimento das vulnerabilidades específicas e possibilidade de elaboração de intervenções eficazes.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Determinantes da qualidade de vida relacionada à saúde entre mães de crianças com paralisia cerebral

 

Lee, M. H., Matthews, A. K., & Park, C. (2019). Determinants of health-related quality of life among mothers of children with cerebral palsy. Journal of Pediatric Nursing, 44, 1-8. https://doi.org/10.1016/j.pedn.2018.10.001

 

Resenhado por Daiane Nunes

 

A paralisia cerebral (PC) é definida como um grupo de alterações permanentes do desenvolvimento do movimento e da postura resultantes de distúrbios não progressivos que ocorrem no cérebro fetal ou infantil em desenvolvimento. A PC abrange um quadro clínico heterogêneo, envolvendo alterações sensoriais, perceptivas, cognitivas e motoras em diferentes níveis de severidade e comprometimento. Crianças com PC necessitam de suporte substancial e, geralmente, a mãe assume o ônus primário de cuidados, muitas vezes com pouco ou nenhum apoio social. Fornecer os cuidados intensivos necessários às crianças com limitações funcionais de longo prazo pode impactar a saúde e a qualidade de vida dessas mães. Cuidar de uma criança com PC tem efeitos potencialmente adversos na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), que consiste em múltiplas dimensões do estado de saúde e bem-estar. Desse modo, o estudo investigou a QVRS e fatores associados de mães de crianças com PC na Coréia.

A amostra foi constituída por 180 cuidadoras primárias de crianças com PC. Foram avaliadas características da criança como gravidade da PC, grau de incapacidade das lesões cerebrais, o nível de independência das crianças e o número de distúrbios acompanhantes (problemas de audição, visão, distúrbios da fala, convulsões/epilepsia e deficiência intelectual). Avaliou-se características maternas como a presença de doenças crônicas, estresse parental, atividade e participação. Os fatores ambientais medidos incluíram o número de filhos, restrições de tempo, cuidados de assistente pessoal e apoio social. A QVRS foi medida usando a versão coreana do Short Form-12 versão 2 (SF-12 v2).

Os resultados demonstraram que a pontuação média da QVRS mental foi menor do que a pontuação média da QVRS física. As mães com menos condições crônicas e mães de crianças com maior tempo de incapacidade apresentaram maior QVRS física. Além disso, viu-se que menor nível de estresse parental, mais tempo de lazer, envolvimento em comportamentos de promoção da saúde e maior apoio social estiveram associados à maior QVRS mental.

Os achados do estudo têm implicações práticas para profissionais de saúde, pesquisadores e formuladores de políticas. Reforça-se a necessidade de dar maior atenção ao desenvolvimento de intervenções para promover a saúde e a qualidade de vida dos cuidadores de crianças com PC. Intervenções que reflitam o contexto de vida dos cuidadores, como programas domiciliares que acomodam sua falta de tempo, devem ser desenvolvidas e avaliadas. O presente estudo tem relevância para a psicologia da saúde pois contribui para a construção de intervenções que visem a prevenção e redução de problemas de saúde, promovendo melhorias para a QVRS e da qualidade do papel de cuidador, bem como na redução de custos de saúde.

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Social isolation, health literacy, and mortality risk: Findings from the english longitudinal study of ageing

 

Smith, S. G.; Jackson, S. E.; Kobayashi, L. C.; Steptoe A. (2017). Social isolation, health literacy, and mortality risk: Findings from the english longitudinal study of ageing. Heatlh Psychology, 37(2). http://dx.doi.org/10.1037/hea0000541

Resenhado por Giulia

 

Literacia em saúde é entendida como o nível com o qual um indivíduo é capaz de obter, processar e entender informações fundamentais para a tomada de decisões apropriadas em saúde. Menores níveis desse construto têm demonstrado associação com desfechos piores em saúde, como a não aderência a medicamentos e a estilos de vida saudáveis e menor utilização de serviços preventivos. A baixa literacia em saúde tem sido identificada como um fator de risco para pior funcionamento físico e mortalidade. Sobre isso, sabe-se que pessoas mais velhas tendem a ter menor literacia em saúde, bem como tendem a vivenciar maior isolamento social.

Isolamento social acontece quando há rede social pequena e contato interpessoal empobrecido, o que, junto a problemas como limitações financeiras, pior estado de saúde e perda de pessoas próximas pode tornar os adultos mais velhos mais vulneráveis. Também pode causar falta de suporte emocional e escassez de assistência em saúde, além de estar associado com maior mortalidade nesse grupo. Em pessoas menos literadas esse efeito pode ser maior, pois dependem mais de parceiros para tomar decisões e precisam de maior apoio para compensar sua falta de habilidades. Uma boa rede social pode ampliar a literacia em saúde, diminuir os efeitos de ter poucas habilidades em saúde e facilitar o acesso a serviços de cuidado.      O presente estudo objetivou investigar as relações entre isolamento social, literacia em saúde e mortalidade em adultos mais velhos. Para tanto, foram analisados dados de 7731 adultos com mais de 50 anos de idade. A literacia em saúde foi investigada através de um breve teste de compreensão de um rótulo de medicamento fictício. O isolamento social foi mensurado por questões acerca do estado civil e frequência de diferentes tipos de contato social. Os dados de mortalidade foram obtidos por meio do acompanhamento dos participantes após um período médio de 8 anos (2005-2013).

Os resultados apontam que tanto baixa literacia em saúde quanto maior isolamento foram mais frequentes entre participantes mais isolados socialmente, mais velhos, com baixo nível educacional, com prejuízos físicos e cognitivos, sintomas depressivos e doenças crônicas. Literacia em saúde esteve associada com maior mortalidade, cujo índice foi o dobro em pessoas menos literadas. Isolamento social também esteve associado com maior mortalidade.               O efeito conjunto do isolamento social e da menor literacia colocou adultos mais velhos como grupo de risco. Isso aconteceu porque indivíduos socialmente isolados não costumam ter acesso aos recursos oferecidos pela rede social, como apoio e motivação para procurar serviços de saúde e adotar comportamentos saudáveis e outras habilidades relacionadas à saúde. Por exemplo, indivíduos costumam ser influenciados por pessoas próximas a aderirem comportamentos de saúde, sejam negativos ou positivos.

            Isolamento social também é tido como fator de risco para o declínio cognitivo no envelhecimento, o que pode impactar negativamente as habilidades de saúde. Além disso, tanto isolamento quanto baixa literacia estavam associados com maior mortalidade, mostrando que são pontos-chave para intervenções com foco na promoção da saúde. Nesse sentido, espera-se que a psicologia da saúde possa contribuir através do maior estudo das características que podem aumentar o engajamento social e as habilidades de saúde, a fim de desenvolver intervenções cientificamente validadas nos grupos de maior risco.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Autolesão em mulheres com depressão pós-parto


 Johannsen, B. M., Larsen, J. T., Laursen, T. M., Ayre, K., Howard, L. M., Meltzer-Brody, S. Bech, B. H., & Munk-Olsen, T. (2020). Self-harm in women with postpartum mental disorders. Psychological medicine50(9), 1563-1569. https://doi.org/10.1017/S0033291719001661

 

Resenhado por Luiz Guilherme Lima-Silva.

O primeiro ano de maternidade é um período bastante desafiador para a mãe, pois envolve diversas mudanças em um curto espaço de tempo, a exemplo rotina de sono-vigília do recém-nascido, a amamentação, o retorno aos níveis basais de hormônio antes da gravidez, os cuidados com o bebê e a conciliação com outros aspectos da vida da mulher. Um problema relevante na saúde da mãe nessa fase é o desenvolvimento da depressão pós-parto (DPP), um subtipo do transtorno depressivo que surge alguns dias ou meses após o nascimento da criança. Nesse contexto, foram observados diversos desfechos negativos em mulheres com DPP, como nível elevado de suicídio. É consenso científico que um dos fatores de risco mais significativos para a tentativa de suicídio é o comportamento autolesivo. O artigo objetivou investigar a autolesão em mulheres com DPP, bem como analisar se essa variável está associada ao suicídio nessa população.

O estudo analisou os dados epidemiológicos de cerca de 1,2 milhão de dinamarquesas a partir do seu 15º aniversário até o primeiro internamento por autolesão, registro de óbito ou emigração, ou 31 de dezembro de 2016, sendo a data escolhida a que viesse primeiro. A DPP moderada/severa foi definida como o primeiro contato clínico ou ambulatorial com uma instituição psiquiátrica em até 90 dias após o nascimento da criança.

Dentre as participantes da pesquisa, foram identificadas 1554 mulheres com DPP, sendo que 64 foram hospitalizadas devido a comportamento autolesivo após o diagnóstico. Na subamostra com DPP, a maioria foi diagnosticada com transtorno de ansiedade ou relacionado ao estresse (n = 20; 31,3%), transtorno de humor (n = 18; 28,1%) no pós-parto, transtornos do espectro da esquizofrenia (n = 6; 9,4%), transtornos mentais ou de conduta associados ao puerpério (n = 5; 7,81%) e outros transtornos, como transtorno de personalidade (n = 15; 23,43%). O risco de autolesão em mulheres com DPP foi aproximadamente 6 vezes maior que a população geral sem transtornos mentais. Entretanto, quando comparadas com mulheres sem filhos e mães com transtorno mental fora do período do pós-parto, as que tinham DPP apresentaram menor risco de autolesão. Outro dado importante é que o maior risco de autolesão foi encontrado logo após o diagnóstico de DPP. O risco de suicídio em mulheres com DPP foi maior do que os outros grupos de mulheres com transtornos mentais assim como de mulheres sem filhos.

Mulheres com o diagnóstico de DPP apresentam maior risco de se engajar em comportamentos autolesivos do que aquelas que são mães e não apresentam histórico de diagnóstico psiquiátrico. A Psicologia da Saúde, em seu cerne, busca intervir em situações, como o pós-parto a fim de desenvolver, junto à mulher, estratégias de enfrentamento mais saudáveis, a exemplo de estratégias de habilidades sociais para autorregulação emocional e resolução de problemas. A atuação da psicóloga da saúde é fundamental no puerpério para auxiliar a melhorar o ajustamento psicológico dessa população, visto que o primeiro ano de vida da criança e, sobretudo, os primeiros meses são desafiadores para a mãe.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Saúde menstrual: uma definição para política, prática e pesquisa

 

Resenhado por Maísa Carvalho

 

Hennegan, J., Winkler, I. T., Bobel, C., Keiser, D., Hampton, J., Larsson, G., ... & Mahon, T. (2021). Menstrual health: A definition for policy, practice, and research. Sexual and Reproductive Health Matters29, 31-38. https://doi.org/10.1080/26410397.2021.1911618

 

Define-se a saúde menstrual como um estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças associadas ao ciclo menstrual. Apesar de existirem várias terminologias, estudiosos sobre o tema buscaram alinhar uma definição que coadunasse com o conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da Saúde, que entende a saúde como um estado de bem-estar social, mental e físico. O objetivo da publicação, portanto, foi de comentar pontos associados à saúde menstrual.

 

Informação, materiais, facilitadores e serviços

É importante que mulheres, garotas e outras pessoas que experienciam o ciclo menstrual obtenham informações corretas a respeito do âmbito biológico, no que diz respeito a reprodução e a fertilidade associada ao ciclo, e também sobre o conhecimento prático acerca da higiene, nutrição e autocuidado. Entende-se que informações acuradas desmistificam tabus e quebram estigmas sobre o ciclo menstrual. Dessa forma, a oferta desse conhecimento pode prover bem-estar físico e mental, assim como o entendimento de mudanças normais e anormais associadas a este período. Além disso, para alcançar a saúde menstrual, indivíduos devem estar aptos a selecionarem materiais e práticas que prefiram e que promovam o autocuidado, protegendo-os de riscos emocionais, físicos e sociais. Essas práticas devem objetivar, preferencialmente, uma boa higiene como forma de minimizar danos e infecções. Higiene envolve lavar as mãos adequadamente, transporte adequado de materiais e esterilização de objetos.

 

Diagnósticos, cuidado e tratamento para desconfortos e transtornos

Existem muitas dificuldades associadas ao período menstrual que impactam na qualidade de vida. Nelas, incluem-se dor e desconforto físico, alterações emocionais e sangramento uterino anormal. O acesso à informação para identificar sinais e problemáticas que são anormais para o corpo e para o período são relevantes em termos de cuidado e tratamento. Assim, mulheres e pessoas que vivenciam o ciclo menstrual podem possuir autonomia para buscar ajuda. Os tratamentos para desconfortos e transtornos englobam, sobretudo, cuidados médicos, psicológicos, aconselhamentos e prática de exercícios físicos.

 

Ambiente positivo e respeitoso e liberdade para participar de todas as esferas vitais

Normas danosas e estigmas sobre o ciclo menstrual minam o bem-estar geral. Um ambiente positivo e respeitoso, em todos os níveis, incluindo o interpessoal e comunitário, é importante para que as pessoas alcancem e mantenham a saúde menstrual. A comunidade, instituições educacionais, governo e família devem servir como suporte para apoiar o bem-estar e emponderar indivíduos que possuam o ciclo. No que se refere ao bem-estar social, devem ser livres para participar nas esferas sociais, econômicas, culturais, dentre outras, bem como reconhecer suas próprias restrições em meio ao ciclo menstrual. A persistente falta de poder de decisão e falta de empatia, assédio e exclusão por parte de outrem impactam a saúde e a segurança desses indivíduos.

 

Sendo um tema em ascensão, pesquisas e produção de materiais pela Psicologia da Saúde que abordem sobre dados epidemiológicos, diagnósticos, preconceitos, estigma e intervenções para a promoção de autocuidado são importantes para promover os aspectos englobados no conceito de saúde menstrual.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Um ensaio clínico randomizado de Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness para mulheres com Síndrome do Intestino Irritável - Efeitos e mecanismos

 

Henrich, J. F., Gjelsvik, B., Surawy, C., Evans, E., & Martin, M. (2020). A randomized clinical trial of mindfulness-based cognitive therapy for women with irritable bowel syndrome-Effects and mechanisms. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 88(4), 1-54. doi: 10.1037/ccp0000483

Resenhado por Luanna Silva

 

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é uma doença gastrointestinal crônica. Dentre os sintomas dessa condição estão a dor abdominal, desconforto e irregularidades nas fezes. Esse é um distúrbio da interação intestino-cérebro, sem marcadores biológicos que sejam detectados com ferramentas de diagnóstico de rotina. Acredita-se que a interação complexa de fatores biológicos, neurais, imunológicos e psicológicos desempenha um papel na etiologia e manutenção da SII.

É amplamente reconhecido que tratamentos psicológicos podem auxiliar na redução da severidade dos sintomas da SII, assim como melhorar a qualidade de vida e saúde mental dos pacientes acometidos por esse diagnóstico. Baseado nos achados da literatura sobre os mecanismos psicológicos envolvidos na predição e melhora de sintomas da SII, sabe-se que existem cognições e comportamentos específicos associados a maior eficácia do tratamento. Por exemplo, foi identificado que a percepção dos sintomas da SII como ameaça e as cognições negativas sobre o significado e as consequências da dor gastrointestinal afetam a obtenção de desfechos positivos.

            A Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (TCBM) é um tratamento que enfatiza metacognições mal adaptativas, atentando à relação que as pessoas têm com suas experiências internas. A partir dessa perspectiva, as relações mal adaptativas dos pacientes com suas cognições, emoções e sensações corporais podem ser entendidas como fatores que mantêm a severidade dos sintomas de SII e comprometem a qualidade de vida. A TCBM seria uma alternativa de terapia apropriada para essa população, pois promove o desenvolvimento de uma perspectiva descentralizada e a consciência interoceptiva sem julgamento. A perspectiva descentralizada é caracterizada pela consciência metacognitiva de pensamentos, emoções e sensações corporais. Por sua vez, consciência interoceptiva sem julgamento engloba receber, acessar e avaliar sinais corporais internos.

            Este estudo investigou os efeitos da TCBM na redução da gravidade dos sintomas da SII, depressão, ansiedade e estresse, bem como na promoção de melhorias na qualidade de vida. A amostra foi composta por 67 mulheres, randomicamente distribuídas para as condições controle ou lista de espera. As pacientes responderam medidas padronizadas de autorrelato da gravidade dos sintomas da SII, qualidade de vida, catastrofização da dor, sensibilidade à ansiedade visceral e mindfulness em quatro momentos: na linha de base, após duas sessões de tratamento, ao final do tratamento e seis semanas após a finalização do tratamento. Os resultados mostraram que a TCBM reduziu significativamente a severidade dos sintomas de SII e melhorou os níveis de qualidade de vida, tanto nos períodos imediatamente após o tratamento quanto no follow-up. Além disso, observou-se redução nos níveis de ansiedade e estresse. A sensibilidade à ansiedade visceral foi identificada como o preditor mais forte da severidade dos sintomas de SII.

            A psicologia da saúde contribui para a identificação e manejo dos fatores psicológicos que podem influenciar o processo de adoecimento físico. Nas últimas décadas, um rol de pesquisas robusto tem enfatizado a eficácia das intervenções psicológicas para uma série de distúrbios gastrointestinais, revelando a psicogastroenterologia como um campo promissor de atuação para os psicólogos da saúde.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Efeito longitudinal do processamento emocional sobre sintomas psicológicos em mulheres com menos de 50 anos com câncer de mama

 

Martino, M. L., Gargiulo, A., Lemmo, D., Dolce, P., Barberio, D., Abate, V., Avino, F., & Tortoriello, R. (2019). Longitudinal effect of emotional processing on psychological symptoms in women under 50 with breast cancer. Health Psychology Open, 1-9. https://doi.org/10.1177/2055102919844501

Resenhado por Jéssica Dantas

            O câncer de mama é um evento com alto potencial estressor e traumático, que pode superar a capacidade adaptativa dos indivíduos gerando diversos impactos emocionais e físicos. O momento do diagnóstico, a gravidade, o prognóstico, a progressão da doença, a agressividade dos tratamentos e o risco de recorrência são alguns dos fatores estressores associados à doença. O público feminino com idade inferior a 50 anos apresenta maior vulnerabilidade a desfechos traumáticos e ao desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático quando comparado a mulheres mais velhas. Essa situação decorre do aspecto mais agressivo, letal e destrutivo que geralmente a doença assume no cotidiano e na visão de mundo das mais jovens.

            O processamento emocional (emotional processing, EP) diz respeito à maneira como uma pessoa percebe eventos estressantes e eventos críticos da sua vida, sendo considerado um elemento importante para o ajustamento e adaptação a experiências traumáticas como o câncer de mama. O EP é definido como "um processo pelo qual os distúrbios emocionais são absorvidos e declinam na medida em que outras experiências e comportamentos podem prosseguir sem interrupção"(p.2). O EP consiste na captação do evento seguido de uma avaliação rápida dele e da experiência emocional associada, importante para o processamento emocional e a consciência das emoções e, ao final, culminando em uma expressão apropriada das emoções.

            O presente estudo teve como objetivo analisar a relação entre EP e sintomas psicológicos durante três fases do tratamento (antes da internação, aconselhamento após a cirurgia e terapia adjuvante) em mulheres com câncer de mama com menos de 50 anos. Participaram 50 mulheres em T1 (primeira fase da internação), 24 mulheres em T2 (segunda fase de aconselhamento após a cirurgia) e 15 mulheres em T3 (terapia adjuvante: quimioterapia e/ou radioterapia). Todas responderam ao Questionário Sociodemográfico; ao Questionário de Sintomas (SQ; Kellner, 1987), que avalia os quatro eixos de sintomas de ansiedade, depressão, sintomas somáticos e hostilidade; e a Escala de Processamento Emocional (EPS-25; Baker et al., 2010), que é composta por cinco subescalas: supressão, sinais de emoções não processadas, não regulação das emoções, evitação e experiências emocionais empobrecidas.

            Os resultados apontaram diferenças significativas nos sintomas durante os tratamentos, os níveis de ansiedade diminuíram de T1 para T3 (p = 0,046), já os de hostilidade aumentaram (p < 0,001). Viu-se que o EP era um forte preditor dos sintomas de ansiedade, somáticos, depressão e hostilidade em mulheres com menos de 50 anos de idade, com câncer de mama, em cada fase do tratamento. Portanto, se o EP aumenta, os sintomas também tendem a aumentar. O EP pobre esteve associado a uma progressão mais rápida da doença. Assim, concluiu-se que a utilização de ferramentas que permitam a expressão, o compartilhamento e a contenção das emoções pode ajudar a manter o ajuste psicológico nas diferentes fases do tratamento da doença.

            Este estudo permitiu o conhecimento da especificidade psicológica de cada fase do tratamento da doença, fundamental para o desenvolvimento de intervenções diretivas e eficazes na melhoria do estado de saúde das pacientes. A compreensão dos fatores que influenciam o ajustamento e a adaptação a eventos estressores relacionados ao adoecimento físico, como o câncer de mama, é de extrema importância no âmbito da Psicologia da Saúde.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Cinco grandes traços de personalidade e uso de drogas ilícitas: especificidade nas associações traço-drogas

 Big Five personality traits and illicit drug use: Specificity in trait–drug associations

 

Dash, G. F., Martin, N. G., & Slutske, W. S. (2021). Big Five personality traits and illicit drug use: Specificity in trait–drug associations. Psychology of Addictive Behaviors. Advance online publication. https://doi.org/10.1037/adb0000793

Resenhado por Lucas Souza

Investigações prévias mostraram associações entre os traços de personalidade do modelo dos Cinco Grande Fatores (CGF) e o abuso de Substâncias Psicoativas (SPA). Os indivíduos com alto neuroticismo tendem ao abuso de substâncias como um modo de aliviar o distresse psicológico. Aqueles com baixa amabilidade tendem a esse comportamento como uma manifestação do comportamento antissocial e descumprimento de normas sociais. Por sua vez, aqueles com baixa conscienciosidade apresentam maior abuso de substância como um resultado da maior impulsividade e da menor tendência a cuidados com a própria saúde. Indícios na literatura indicam que o tipo de substância psicoativa que é escolhida/ por cada indivíduo tem relação com o a sensação que é buscada, por isso, poderiam indicar diversos perfis de funcionamento.

O presente estudo objetivou verificar as associações dos traços de personalidade do modelo CGF com o uso de vários tipos de drogas ilícitas na tentativa de identificar possíveis mecanismos causais entre a personalidade e o abuso de substâncias psicoativas. Para tanto, foram entrevistados 980 pares de gêmeos do mesmo sexo (565 monozigóticos) que participaram de um estudo de coorte australiano. A média de idade foi de 31,7 anos e 71% deles eram do sexo feminino. Os participantes responderam a um questionário contendo perguntas sociodemográficas, perguntas a respeito do uso de SPA, frequência do uso e tipo de substância (cannabis, cocaína/crack, estimulantes prescritos ou não, opioides prescritos ou não, sedativos, alucinógenos, dissociativos, inalantes e solventes) e foi utilizada a versão de 74 itens do Inventário dos Cinco Grandes Fatores NEO [NEO Five-Factor Inventory (FFI)] para mensurar os traços de personalidade do modelo CGF. Para análise dos dados foi utilizado o design de controle co-gêmeo com o objetivo de tentar controlar a atuação dos componentes genético e ambientais.

Os resultados mostraram associações em relação a traços de personalidade e o uso de drogas ilícitas: alto neuroticismo, baixa amabilidade e baixa conscienciosidade. As seguintes especificidades em relação à SPA de escolha foram notadas: alto neuroticismo foi relacionado com o uso indevido de medicações prescritas; alta extroversão foi relacionada com a escolha de cocaína/crack ou estimulantes; alta abertura à experiência foi relacionada ao consumo de cannabis e baixa amabilidade foi relacionada ao uso de cocaína/crack e uso de opioides ilícitos. Nenhuma especificidade em relação à escolha da SPA foi observada relativa à conscienciosidade.

            Esse estudo contribui com a psicologia da saúde ao tentar compreender melhor os padrões de uso de substâncias psicoativas levando em consideração os traços de personalidade descritos no modelo CGF. A identificação desses padrões de uso de SPA pode ajudar a identificar os indivíduos de maior risco e melhorar as estratégias de intervenção ao torná-las mais específicas. Estudos posteriores poderão se debruçar sobre as relações causais que resultam nas associações droga-traço.

domingo, 4 de setembro de 2022

Saúde mental da mulher no período perinatal

 

Huschke, S., Murphy-Tighe, S., & Barry, M. (2020). Perinatal mental health in Ireland: A scoping review. Midwifery, 89, 102763. https://doi.org/10.1016/j.midw.2020.102763

 

Resenhado por Amanda Feitosa

 

O período perinatal, que compreende entre as 22 semanas completas de gestação até a primeira semana após o nascimento, traz consigo diversas mudanças financeiras e ambientais, além de alterações no estado emocional e psicológico da mulher. Dentre problemas normalmente existentes nessa fase, destacam-se os transtornos de ansiedade, de depressão e de estresse pós-traumático, que trazem prejuízos para a qualidade de vida da nova mãe e para o desenvolvimento do recém-nascido. Mães solteiras, desempregadas e com histórico de transtornos psicológicos tendem a estar mais vulneráveis a sofrer problemas mentais nesse período. Soma-se à problemática um sistema de saúde que se mostra ineficiente para lidar com a saúde mental da mulher grávida e no puerpério, visto que profissionais de saúde que trabalham em maternidades não abordam, necessariamente, questões psicológicas durante o acompanhamento de saúde da mulher. É, portanto, essencial o rastreamento de sintomas de problemas mentais e maior capacitação das equipes de saúde para tratar o estado psicológico da mulher no período perinatal, a fim de ampliar o cuidado com sua saúde.