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quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Como a inteligência emocional está ligada à satisfação com a vida? O papel mediador do apoio social, afeto positivo e afeto negativo

 

Kong, F., Gong, X., Sajjad, S., Yang, K., & Zhao, J. (2019). How is emotional intelligence linked to life satisfaction? The mediating role of social support, positive affect and negative affect. Journal of Happiness Studies20(8), 2733-2745. https://doi.org/10.1007/s10902-018-00069-4

 

Resenhado por Maria Heloísa

 

O traço de inteligência emocional é caracterizado como um grupo de autopercepções associadas às emoções em níveis baixos de hierarquia de personalidade. Pessoas com maiores índices de inteligência emocional tendem a maiores níveis de satisfação com a vida.  Nesse contexto, o suporte social e os afetos positivos e negativos podem mediar a relação entre ambas as variáveis. Assim, o objetivo do estudo foi testar na população chinesa a relação entre o traço de inteligência emocional e satisfação com a vida por meio do modelo de mediação pelo suporte social e do modelo de mediação com base nos afetos.

Para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos de autorrelato: Escala de Inteligência Emocional de Wong Law, a Escala Multidimensional de Suporte Social Percebido, a escala de Afeto Positivo e Afeto Negativo e a Escala de Satisfação com a Vida. No total, 748 chineses adultos responderam a pesquisa, com idade média de 24,5 anos (DP= 6,18). A análise de dados ocorreu por meio de modelagem por equação estrutural, a fim de observar os efeitos da mensuração em duas etapas que avaliam a medida de cada variável e determinam o ajuste do modelo.

Os resultados da pesquisa indicaram que todas as variáveis do estudo possuem correlações positivas significativas, conforme foi previsto na hipótese da mediação. Houve relação entre os afetos positivos, negativos e o suporte social e essas três variáveis mediaram o vínculo e a influência do traço de inteligência emocional e a satisfação com a vida. Dentre os três fatores, o afeto positivo destacou-se como o mediador mais forte dessa relação, o que pode ser atribuído à possibilidade das pessoas com maiores níveis de inteligência emocional lidarem mais satisfatoriamente com suas emoções e, consequentemente, apresentarem mais emoções positivas e vida afetiva positiva.

Os achados acerca da relação entre os traços de inteligência emocional e satisfação com a vida corroboram estudos anteriores. Foi indicado que o suporte social e os afetos positivos e negativos apresentam diferentes contribuições para essa relação. O suporte social é um mediador independente da relação e há a possibilidade de que, em níveis iguais de apoio recebido, a percepção do apoio social seja maior em pessoas com traço de inteligência emocional. Quanto ao modelo da experiência afetiva foi enfatizada a importância dos afetos para o juízo de satisfação com a vida.  

Por fim, o estudo é importante para a Psicologia pois trouxe resultados que apontam para caminhos quanto à relação entre a inteligência emocional e a satisfação com a vida, que podem ser utilizados no desenvolvimento de programas que visem a atuar sobre essas variáveis na população. Isso pode ocorrer por meio da melhoria da experiência afetiva e do aumento do suporte social. Além disso, a mesma pesquisa pode ser testada em outras culturas para a verificação da possibilidade de generalização dos resultados em outros contextos ou países.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Saúde mental positiva, afeto positivo e ideação suicida

 

Teismann, T., Brailovskaia, J., & Margraf, J. (2019). Positive mental health, positive affect and suicide ideation. International Journal of Clinical and Health Psychology, 19(2), 165–169. https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2019.02.003

 

Resenhado por Luiz Fernando de Andrade Melo

 

A saúde mental positiva parece estar associada a altos níveis de bem-estar psicológico e assim oferecer estratégias resilientes para enfrentamento da ideação suicida. Há estudos, por exemplo, que demonstram a moderação entre a saúde mental positiva e fatores de risco para a ideação suicida e que ambos construtos existem simultaneamente em pacientes internados e ambulatoriais. Entretanto, os meios latentes entre a saúde mental positiva e a ideação suicida ainda são desconhecidos, exigindo o estudo de variáveis psicológicas que podem estar mediando a relação entre ambos.

O afeto positivo é uma das apostas como variável que moderaria tal relação, isso porque se visualiza que a saúde mental positiva pode ser representada por maiores níveis de afeto positivo cotidiano. Essa ideia parte do princípio que o construto auxiliaria no aumento da resiliência e da proximidade social nos indivíduos, corroborando com a broaden-and-build theory (Teoria Ampliar-e-Construir, em tradução livre). Consequentemente, pacientes com ideação suicida que experimentassem afetividade positiva teriam menores sintomas da ideação, assim como teria aumento na resolução de problemas relacionados. Assim, este estudo buscou entender se haveria mediação do afeto positivo entre saúde mental positiva e ideação suicida, inclusive, pela lacuna de pesquisas na literatura sobre o assunto.

Participaram do estudo 150 pacientes clínicos, sendo diagnosticados pela CID-10 com transtornos afetivos, transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes, e transtornos de personalidade. Empregou-se a Positive Mental Health Scale – PMH, composta por 9 itens numa escala de 3 pontos para medir os níveis de saúde mental positiva. A Suicide Ideation and Behavior Scale – SSEV-SI foi aplicada para medir a frequência de ideação suicida através de 4 itens, numa escala Likert de 6 pontos. A Positive and Negative Affect Schedule – PANAS também foi utilizada para que se medisse os afetos positivos e os afetos negativos em duas subescalas com 10 itens cada. Por fim, para análise foram feitas análises de correlação, regressões lineares.

Os resultados demonstraram que a saúde mental positiva e o afeto positivo estavam associados negativamente com a ideação suicida em diferentes modelos de regressão. Já o afeto negativo esteve correlacionado positivamente com a ideação suicida. Pela análise de mediação, visualizou-se que o afeto positivo mediou a relação entre saúde mental positiva e ideação suicida. Entretanto, o afeto negativo não demonstrou nenhum tipo de mediação com as variáveis analisadas. Com os dados obtidos visualizou-se que o afeto positivo pode acentuar o impacto da saúde mental positiva contra a ideação suicida. Em tratamentos clínicos pode se enfatizar a importância de experimentar e ativar o afeto positivo para redução da ideação e dos fatores de risco para o suicídio, bem como para produção de indicadores de saúde mental positiva. Ademais, induzir emoções positivas para pacientes com ideação suicida, por exemplo, pode ser um dos mecanismos para a experimentação do afeto na terapia.

O estudo demonstra sua importância no âmbito da Psicologia da Saúde pela possibilidade de intervenção na ideação suicida através do afeto positivo. Embora exista limitações como ser um estudo transversal, que não permite inferir causalidade, as implicações clínicas enaltecem a relevância da saúde mental positiva e de variáveis a ela relacionadas para tratamento de pacientes com comportamento suicida.

sábado, 26 de novembro de 2022

Do self-esteem and gender help explain depressive and/or anxiety symptoms in adolescents?

 

Silva, B. F. P., Vitti, L. S., Fiorim, S. R. F., & Faro, A. (2022). Do self-esteem and gender help explain depressive and/or anxiety symptoms in adolescents?. Revista de Psicología (PUCP), 40(1), 579-601. https://dx.doi.org/10.18800/psico.202201.019

 

Resenhado por Beatriz Lima

 

Os transtornos ansiosos e depressivos fazem parte dos Transtornos Mentais Comuns (TMC), os quais atuam como impulsionadores das taxas mundiais de incapacidade e mortalidade. Quando manifestados na adolescência, os transtornos depressivos e ansiosos impactam negativamente a saúde e tendem a estar relacionados com a manifestação de ideação suicida e inversamente com o desempenho escolar. Ainda, esses transtornos podem atuar de forma comórbida, intensificando os prejuízos na vida do indivíduo. A literatura aponta uma associação entre autoestima, imagem corporal e a ocorrência de sintomas ansiosos e depressivos em adolescentes. Autoestima é um conjunto de sentimentos e pensamentos que o indivíduo tem de si, de maneira geral, sendo que a imagem corporal é formada pelos sentimentos e pensamentos que o indivíduo tem do próprio corpo. A insatisfação com a autoimagem afeta a qualidade de vida e bem-estar psicológico do sujeito, sendo mais comum esse desagrado em meninas. 

O presente estudo investigou a relação entre gênero, idade, insatisfação com a imagem corporal, autoestima e sintomas ansiosos e depressivos em adolescentes. Realizou-se um estudo transversal com 1.209 estudantes do ensino médio, de ambos os sexos. Os participantes responderam a um questionário sociodemográfico com dados referentes ao sexo, idade, série, tipo de escola e cidade de residência. A Escala de Autoestima de Rosenberg (RSES), Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) e Stunkard Figure Rating Scale, também foram utilizadas para mensuração de níveis de autoestima, sintomas ansiosos e depressivos e insatisfação com a autoimagem.

            Os resultados revelaram alta taxa de comorbidade entre ansiedade e depressão em mais de 70% da amostra. É comum o acometimento por transtornos depressivos na faixa etária analisada, bem como a manifestação mútua de ambos. Os participantes que pontuaram no grupo com “baixa autoestima” apresentaram quase oito vezes mais chances de manifestar sintomas ansiosos. Dentre os classificados como tendo “autoestima moderada”, as chances aumentaram em três vezes. Foi possível observar que apresentar “baixa autoestima” triplicou as chances de demonstrar sintomas depressivos e as quadruplicou quanto a manifestação dos dois transtornos simultaneamente. Esses dados confirmam a hipótese inicial, relacionando autoestima rebaixada com maiores índices de ansiedade e depressão. Outro resultado foi que participantes do sexo feminino apresentaram aproximadamente o dobro de chances de pertencer ao grupo com sintomas ansiosos em comparação a não ter transtorno. Esse fato corrobora a literatura, que atesta uma maior predisposição da sintomatologia ansiosa em meninas. Os alunos do terceiro ano apresentaram resultados semelhantes, mas com uma significância estatística limítrofe.

Os achados reforçam a relação entre diminuição da autoestima e presença de sintomas ansiosos e depressivos, seja de modo separado ou de modo comórbido. A adolescência é um período de mudanças biológicas, cognitivas e relacionais significativas, constituindo-se como a faixa etária de maior vulnerabilidade ao desenvolvimento de transtornos mentais. Dessa maneira, o mapeamento de fatores de risco ou proteção para o surgimento de TMC nesse momento auxilia na elaboração de estratégias para a modificação de comportamentos de saúde. O psicólogo da saúde poderá atuar tanto nesse enfoque, investigando esses fatores e elaborando protocolos para lidar com essa conjuntura, quanto trabalhando e desenvolvendo aspectos que podem aumentar a autoestima do seu paciente. Por fim, entende-se que intervenções psicológicas efetivas nessa fase são cruciais para a saúde mental do adolescente, uma vez que quanto mais precoce o surgimento de sintomas ansiosos ou depressivos, se não tratados adequadamente, maiores serão as chances de cronificação desses transtornos.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Fatores de resiliência durante a pandemia de Coronavírus: Testando modelos de efeito principal e de amortecimento do estresse do afeto positivo e do otimismo na saúde física e mental.

 

Resenhado por Susana Santana

 

Venkatesh, H., Osorno, A. M., Boehm, J. K. & Jenkins, B. N. (2022). Resilience factors during the Coronavirus pandemic: Testing the main effect and stress buffering models of optimism and positive affect with mental and physical health. Journal of Health Psychology, 0(0), 1–12. https://doi.org/10.1177/13591053221120340

 

A pandemia de Coronavírus (Covid-19) e o notado aumento da incidência de estresse trouxeram o alerta para os prejuízos que o estresse tem na saúde física e mental das pessoas. O artigo em questão traz evidências que apoiam a ideia de que certos fatores psicossociais são recursos valiosos para a regulação do estresse, em favor de resultados satisfatórios de saúde. Os dois fatores avaliados foram: otimismo e afetos positivos.

Otimismo corresponde às expectativas favoráveis de um indivíduo para o futuro. Já afetos positivos englobam emoções positivas como felicidade, excitação e alegria. A relação entre otimismo e melhor saúde mental já é apontada pela literatura com sua associação a níveis mais baixos de depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. Do mesmo modo, níveis mais altos de afeto positivo estão associados a níveis mais baixos de ansiedade, depressão, menos sintomas de gripe e resfriado, menor gravidade de doenças para indivíduos com condições crônicas e melhor qualidade do sono. Otimismo também está associado a melhores resultados na saúde física como a melhoria da saúde cardiovascular, sendo considerado um fator de proteção da saúde mental e física contra experiências estressantes.

Numa perspectiva longitudinal, a presente investigação explorou a influência do otimismo e do afeto positivo como dois possíveis fatores de resiliência mental e saúde física, durante a pandemia Covid-19, testando se esses fatores tinham impacto tanto na melhora do estresse quanto em melhores resultados de saúde física e mental. Para isso, 292 alunos de graduação e pós-graduação de uma universidade particular americana, com idades entre 18 e 42 anos, preencheram a questionários contendo escalas de otimismo, afetos positivos, estresse, ansiedade, depressão, sintomas físicos e estado geral de saúde, no período de maio a dezembro de 2020. Os participantes responderam ao questionário em cinco momentos diferentes ao longo desse período.

Aplicadas análises estatísticas para avaliar o efeito individual e conjugado do otimismo e do afeto positivo na redução do estresse e dos resultados de saúde física e mental, foi possível verificar que: maior otimismo e afeto positivo foram associados como preditores de menor sintomas depressivos e menor carga de sintomas de saúde física; afeto positivo interagiu com o estresse para prever sintomas depressivos, sugerindo um efeito de amortecimento do estresse. O papel amortecedor do otimismo foi demonstrado durante a pandemia Covid-19 de tal forma que pessoas com maiores níveis de otimismo tiveram níveis mais baixos de depressão, mesmo durante o alto estresse pandêmico.

Investigações em Psicologia da Saúde buscam analisar e intervir nos elementos biopsicossociais das doenças. Esse estudo demonstra que além dos riscos biológicos da Covid-19, com fins de prevenção e tratamento, os fatores psicológicos têm um papel importante na promoção de desfechos positivos em saúde e bem-estar, e que podem ser recursos de proteção na Covid-19 e em outras condições de saúde, a longo prazo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Qualidade de vida entre famílias que possuem filhos com deficiência intelectual associada ao Transtorno do Espectro Autista

 

Borilli, M. C., Germano, C. M. R., de Avó, L. R. D. S., Pilotto, R. F., & Melo, D. G. (2022). Qualidade de vida familiar entre famílias que têm filhos com deficiência intelectual leve associada ao transtorno do espectro do autismo leve. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 80, 360-367. https://doi.org/10.1590/0004-282X-ANP-2020-0537.

 

Resenhado por Luíza Ramos

 

            A deficiência intelectual (DI) é um distúrbio do desenvolvimento caracterizado por habilidades mentais gerais prejudicadas. Já o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por prejuízo persistente na comunicação social recíproca e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento. Pelo menos 10% dos indivíduos com DI têm TEA e cerca de 50 a 80% dos indivíduos com TEA apresentam algum grau de DI. Cuidar de pessoas com TEA e DI geralmente resulta em desgaste emocional e financeiro. Nesse sentido, a qualidade de vida familiar tende a ser reduzida. O objetivo do estudo foi investigar a qualidade de vida de famílias que possuem membros com DI leve em associação com TEA.

            Trata-se de um estudo descritivo e transversal, com amostra por conveniência, coletada a partir da  Associação de Pais e Amigos de São Carlos, em São Paulo. Participaram 69 famílias. Os instrumentos utilizados foram um questionário sociodemográfico familiar, outro que se referiu ao perfil de DI e TEA, o Índice de Barthel, para avaliar as atividades básicas da vida diária e o nível de independência em relação às atividades, e o Beach Center Quality of Life para mensurar qualidade de vida familiar, incluindo domínios como parentalidade, interação familiar, bem-estar emocional, bem-estar físico e suporte relacionado à deficiência. As análises estatísticas foram feitas no JASP.

            Os resultados mostraram que a qualidade de vida familiar foi sustentada por fatores como interação familiar e cuidado dos pais com os filhos, sendo influenciada negativamente pelo bem-estar emocional e pelas condições físicas e materiais, que apresentaram escores reduzidos. As pontuações mais elevadas de qualidade de vida foram explicadas pela configuração de família que inclui valores e participação familiar como principal agente ofertador de bem-estar para as pessoas com deficiência. Além disso, dois fatores se relacionaram com o nível de independência das pessoas com DI e TEA: a religiosidade, mostrando que as famílias que professam alguma religião relataram ter sentido uma força conquistada por meio da espiritualidade e mais aceitação da criança com deficiência, como também a presença de comunicação efetiva foi significativamente associada com pontuações mais altas em independência para atividades diárias.

            Em suma, o estudo é importante para a Psicologia da Saúde à medida que compreende fatores que podem levar ao adoecimento de famílias com pessoas diagnosticadas com autismo e deficiência intelectual, como a qualidade de vida percebida. Assim, políticas públicas podem ser pensadas considerando esses fatores, com o objetivo de estimular o cuidado nessa área, além de contribuir para avaliações de serviços e intervenções clínicas com este público.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A variável mediadora na pesquisa psicológica

 

Baron, R. M., & Kenny, D. A. (1986). The moderator–mediator variable distinction in social psychological research: Conceptual, strategic, and statistical considerations. Journal of Personality and Social Psychology51(6), 1173-1182. https://doi.org/10.1037/0022-3514.51.6.1173

Resenha feita por Luiz Guilherme L. Silva.

A mediação é um tipo de análise que representa o mecanismo gerador pelo qual uma variável independente (VI) é capaz de influenciar uma variável dependente (VD) por meio de uma variável mediadora (Med). Isso quer dizer que em uma relação entre três variáveis, a VI influencia, através da Med, a VD. Apesar de os estudos com variáveis mediadoras não serem recentes, alguns pesquisadores das ciências sociais e Psicologia usam os termos mediação e moderação de forma intercambiável. Entretanto, a moderação é uma variável que afeta a direção e/ou a força entre uma VI e uma VD. O objetivo do presente texto é sintetizar alguns achados acerca da variável mediadora para que possa facilitar o entendimento de futuros pesquisadores quanto à inferência causal na pesquisa psicológica.

A primeira vez que uma variável mediadora apareceu nas discussões em Psicologia foi no modelo S-O-R, demonstrando que um organismo intervém entre um estímulo e a produção de uma resposta. A ideia central desse modelo é que os estados internos do organismo (O) influenciam a elaboração de uma resposta (R) eliciada por um estímulo (S). Assim, é possível dizer que uma Med pode ser considerada como tal quando explica relação entre um preditor e um desfecho. Graficamente, a mediação é composta por um sistema tripartite, na qual existem duas setas que apontam para a VD (vide Figura 1): o impacto da VI na VD (seta c) e o impacto da Med na VD (seta b). Além dessas duas, há uma terceira que é responsável pela influência da VI na Med (seta a).

Para que uma variável seja considerada Med, é necessário atender a algumas condições: a variação na VI precisa explicar de modo significativo à variação na Med presumida; a variação na Med explica de modo significativo pela variação na VD e; quando a e b são controlados, a relação prévia entre VI e VD que era significante, perde a relevância estatística, com a maior demonstração de mediação sendo observada quando c = 0. Contudo, é necessário ressaltar que, em Psicologia, os fenômenos observados são multicausais e, diante desse fato, será mais realista procurar as Med que diminuam c em vez de eliminar totalmente a relação direta entre VI e VD. Pode ser observado, assim, que uma redução significativa demonstra que uma dada Med é potente, mesmo que o efeito de c não se reduza a 0.

Diversos pesquisadores da Psicologia encontram dificuldades para obter uma formação pautada na prática baseada em evidências. Um desses obstáculos é o despreparo para a leitura, interpretação e replicação de dados, visto que poucas graduações nesse campo fornecem cursos de estatística aplicada à Psicologia ou temas relacionados. Diante disso, muitos pesquisadores precisam aprender sozinhos. Para mitigar essa carência, é necessário que os departamentos de Psicologia insiram matérias relacionadas a essa temática a fim de suprir essa lacuna na formação de futuros psicólogos.



 

 

 

Figura 1. Exemplo de mediação.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

O futuro das intervenções em ciência: Terapia baseada em processos

 

Hofmann, S. G., & Hayes, S. C. (2019). The future of intervention science: Process-based therapy. Clinical Psychological Science7, 37-50. https://doi.org/10.1177%2F2167702618772296

Resenhado por Maísa Carvalho

O desenvolvimento de um indivíduo é atravessado por inúmeras variáveis à nível biopsicossocial, as quais se interrelacionam não só com diferentes eventos oriundos da própria história desse sujeito, mas também com a história evolutiva da sua espécie. Tratando-se de transtornos mentais, como os depressivos e os ansiosos, sabe-se que suas origens são multicausais. Os modelos de diagnósticos sindrômicos modernos, a exemplo do DSM-5 e do CID-11, compartilham um conjunto de sinais e sintomas que, somados a um desfecho de sofrimento psíquico e prejuízos (sociais, laborais e individuais) clinicamente significativos, buscam compreender como a doença se desenvolveu. Todavia, tal concepção multideterminada dos transtornos mentais vem sendo questionada pela não inclusão de outras variáveis que extrapolam o modelo biomédico e visões atuais associadas aos tratamentos desses quadros.

A terapia cognitivo comportamental (TCC), atualmente a abordagem psicoterápica com maior bagagem de evidências científicas, possui diferentes protocolos para a maior parte dos transtornos incluídos e classificados no DSM. Entretanto, pesquisadores vêm tecendo críticas aos protocolos focados em síndromes, argumentando que a universalidade desses tratamentos e desses diagnósticos não conseguem abarcar os processos biopsicossociais centrais envolvidos no desenvolvimento dos transtornos mentais em diferentes indivíduos e suas singularidades. Dessa forma, vem surgindo um novo paradigma em psicologia clínica, o qual questiona a utilidade e a validade desse modelo sindrômico baseado em evidências, que pressupõe a existência de entidades de doença subjacentes as quais deveriam ser direcionadas a protocolos específicos. Nesse cenário surge a terapia baseada em processos (TBP), que propõe o estudo e a aplicação de intervenções testadas empiricamente que são pautadas no uso de mediadores e moderadores, com vistas a obter um cuidado mais preciso e personalizado. Entende-se por fatores mediadores aqueles em que uma variável independente influencia uma variável dependente ou desfecho. Já fatores moderadores são que afetam a direção ou a força da relação entre variáveis independentes e dependentes. O interesse da TBP nesses fatores está em entender quais são os diferentes elementos que podem auxiliar no desenvolvimento de um transtorno mental ou na manutenção dessa psicopatologia.

Ao representar um avanço no rol das terapias baseadas em evidências, a TBP, que não se classifica como uma abordagem propriamente dita, realiza o uso contextual da ligação entre processos e procedimentos validados empiricamente com o escopo de auxiliar a resolução de problemas específicos que não podem ser alcançados por protocolos abrangentes. Esse novo modo de pensar a psicoterapia combina estratégias da análise funcional, neurociência, abordagem da rede complexa e de pesquisas longitudinais. Assim, um clínico que utilize essa orientação conseguirá identificar os métodos que modificarão os processos a nível biopsicossocial que devem ser visados em uma situação e demanda específicas, evitando as limitações de protocolos e diagnósticos rígidos.

A orientação baseada em processos não busca reduzir a importância do impacto terapêutico e da história da TCC, mas sim de pensar a psicoterapia como um procedimento singular, compreendendo que o indivíduo é muito mais influenciado do que possa parecer pelo ambiente em que está situado, pela história e por eventos que se interrelacionam e impactam na sua saúde mental. O desvio do enfoque sindrômico, isto é, da ausência de transtornos e da massiva redução de sintomas, para os processos centrados na pessoa levam ao fortalecimento de um dos objetivos finais de uma TBP, que é a prosperidade psicológica. Por fim, entende-se que as pesquisas em Psicologia da Saúde e Psicologia Clínica que incluam a visão e as variáveis estudadas pela TPB podem beneficiar cada vez mais tratamentos e intervenções com bases empíricas fortes.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A interação entre estresse e afeto positivo na previsão de mortalidade

 

Okely, J. A., Weiss, A., & Gale, C. R. (2017). The interaction between stress and positive affect in predicting mortality. Journal of Psychosomatic Research, 100, 53-60. https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.2017.07.005

Resenhado por Lucas Souza

 

Os afetos positivos são definidos como a experiência de emoções positivas como alegria, prazer e contentamento e podem ser entendidos como um componente do bem-estar psicológico. É sabido a presença em maior quantidade dos afetos positivos está relacionada com redução da mortalidade. A hipótese do amortecimento do estresse é a principal explicação para tal fenômeno: os indivíduos que vivenciam os afetos positivos em maior quantidade apresentariam uma redução dos níveis de estresse e, como maiores níveis de estresse estão relacionados com maior mortalidade, o risco de mortalidade sofreria uma redução.

            Esse estudo avaliou 8542 participantes com idade entre 32 e 86 anos que realizaram seguimento por ao menos 10 anos em dois estudos do tipo coorte realizados no Reino Unido. Para avaliar os afetos positivos e o estresse percebido foi utilizado o General Wellbeing Questionnaire (GWQ), gerando diferentes subescalas para cada variável. Foi utilizada a regressão de riscos proporcionais de Cox para avaliar a relação do estresse e afetos positivos na linha de base com a mortalidade em 10 anos. Para tal análise foram formulados três modelos, o primeiro foi ajustado para sexo e idade; o segundo ajustado para variáveis sociodemográficas (por exemplo, etnia, nível educacional e estado civil) e o terceiro ajustado para possíveis variáveis mediadoras como comportamentos em saúde, sono e índice de massa corpórea.

Os resultados mostraram uma relação entre afetos positivos e mortalidade. Também foi percebida a associação entre afetos positivos e menor estresse, bem como menor mortalidade naqueles com menor estresse. No modelo completo, os afetos positivos aumentaram em 16% o risco de mortalidade (OR = 0,84 IC 95% 0,75-0,95) em indivíduos com alto estresse. A associação entre afetos positivos e mortalidade foi fraca ou inexistente naqueles que reportaram baixos níveis de estresse. A presença de significância estatística somente naqueles indivíduos com maior estresse reforça a explicação de que os afetos positivos reduzem a mortalidade através de uma atenuação dos efeitos danosos do estresse psicológico na saúde. A avaliação da mediação dos comportamentos em saúde no modelo mostrou atenuação em 19% o impacto dos afetos positivos na mortalidade, mostrando que um possível mecanismo explicativo seja a adoção de hábitos saudáveis naqueles com maior presença de afetos positivos.

Esse estudo contribui com a psicologia da saúde porque testa empiricamente a hipótese da mediação entre afetos positivos e mortalidade pelo estresse, ratificando a importância do estresse para a saúde. A verificação do impacto dos afetos positivos na mortalidade é importante porque ela é um bom indicador da saúde de um modo geral, refletindo o somatório final de diversos indicadores em saúde. Estudos posteriores poderão investigar a relação dos afetos positivos com outros desfechos em saúde, ampliando a compreensão da importância dessa variável para a saúde.

domingo, 13 de novembro de 2022

O quanto você devaneia?


 

Bigelsen, J., Lehrfeld, J. M., Jopp, D. S., & Somer, E. (2016). Maladaptive daydreaming: Evidence for an under-researched mental health disorder. Consciousness and Cognition, 42, 254–266. https://doi.org/10.1016/j.concog.2016.03.017

 

 

Resenhado por Amanda Feitosa

 


 

O devaneio desadaptativo é uma forma disfuncional de envolvimento imaginativo, o qual se caracteriza pelo comportamento de fantasiar por diversas horas do dia. Apesar de não ser classificado como um transtorno mental no DSM, é um fenômeno que atinge diversas pessoas mundialmente. Aparentemente inofensivo, o excesso de devaneio impacta na capacidade do indivíduo de lidar com atividades cotidianas, a exemplo do trabalho e estudos, além de prejudicar suas relações sociais. A experiência de engajar em devaneios é universal, porém, pessoas que apresentam o devaneio excessivo podem ficar até mais da metade do tempo acordado engajadas em atividades fantasiosas. Esses indivíduos também demonstram maiores níveis de impulsividade, desatenção e problemas ao dormir. Percebe-se uma dificuldade em controlar o tempo gasto com seus devaneios, sentindo uma necessidade de engajar neste comportamento assim que acorda ou sempre que possível no dia a dia, mesmo em situações que possam ser consideradas inapropriadas socialmente. Apesar de ser um fenômeno com estudos recentes, o desenvolvimento de mais pesquisas nesta área se mostra necessário. É essencial que profissionais da área da saúde se atualizem sobre o devaneio desadaptativo e seus sintomas, visto o impacto na qualidade de vida e a urgência para o desenvolvimento de intervenções adequadas para este público.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Incidência de acne vulgar em adultos jovens usuários de suplementos proteico-calóricos na cidade de João Pessoa – PB

 

Pontes, T. C., Fernandes Filho, G. M. C., Trindade, A. S. P., & Sobral Filho, J. F. (2013). Incidence of acne vulgaris in young adult users of protein-calorie supplements in the city of João Pessoa – PB. Anais Brasileiros de Dermatologia, 88(6), 907-912. http://doi.org/10.1590/abd1806-4841.20132024

Resenhado por Brenda Fernanda

 

A acne vulgar é uma condição de pele que afeta as glândulas sebáceas e possui origem multifatorial, envolvendo aspectos genéticos, influência hormonal, produção exacerbada de sebo, dentre outros aspectos. Um dos fatores que pode influenciar a acne é, inclusive, a alimentação. Na observação pessoal de dermatologistas, nutricionistas e dos próprios pacientes, um novo problema emerge nas academias: o desenvolvimento e exacerbação da acne em usuários de Whey Protein, proteínas derivadas do leite de vaca. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a relação entre o uso de suplementos proteico-calóricos e o aparecimento ou agravamento da acne vulgar em adultos jovens em João Pessoa – PB.

Realizou-se estudo observacional e descritivo em academias e um ambulatório de dermatologia. Participaram 30 indivíduos, com idade média de 23 anos (DP não informado), sendo a maioria do sexo masculino (n = 19; 63,0%). Cada participante foi examinado para acne em três ocasiões e acompanhado por 60 dias. O instrumento utilizado foi um formulário contendo dados para identificação do paciente, uma tabela para contagem de lesões em cada consulta, dados sobre o suplemento proteico-calórico utilizado pelo participante, histórico familiar de acne, episódios anteriores de acne, uso de medicação para acne e dosagem de hormônio androgênico.

Os resultados demonstraram que a contagem de lesões de acne foi numericamente crescente de acordo com o tempo de uso do suplemento. O modelo multivariado para análise de medidas demonstrou um aumento significativo nos comedões, pápulas e pústulas contam entre os períodos analisados, mas não houve diferença significativa no número total de cicatrizes. O método de comparação de pares mostrou uma diferença significativa em relação à contagem de comedões entre o mês 0 e mês 1 (p = 0,003), mês 1 e mês 2 (p = 0,003) e mês 0 e mês 2 (p = 0,001). No geral, o aparecimento ou exacerbação de lesões acneiformes foram observados (p < 0,005), sendo o efeito mais proeminente no sexo feminino e em indivíduos sem acne atual e sem história familiar de acne.

O estudou corroborou a hipótese do aumento de lesões de acne com o uso progressivo de suplementos proteico-calóricos, ao longo de dois meses. Apesar de não realizar o levantamento de variáveis psicológicas que podem ter interferido no contexto da acne, visto que se trata de uma psicodermatose (doença de pele associada a fatores psicológicos), o estudo se faz relevante para a Psicologia da Saúde ao passo que investiga fatores de risco associados a uma condição clínica. Deste modo, ressalta-se a oportunidade de realizar novas pesquisas que investiguem também possíveis variáveis psicológicas como associadas ao aparecimento ou exacerbação das lesões, bem como intervenções psicológicas e seus possíveis desfechos relacionados a uma melhora clínica.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Autocompaixão e afetos positivos e negativos de estudantes de medicina durante a pandemia de COVID-19

 

de Franco Tobar, C., de Sousa Michels, M., & Franco, SC (2022). Self-compassion and Positive and Negative Affect in Medical Students during the Covid-19 PandemicJournal of Human Growth and Development32 (2), 339-350. https://doi.org/10.36311/jhgd.v32.11909

Resenhado por Maria Heloísa


Acadêmicos em medicina experimentam mais sintomas ansiosos e depressivos do que pessoas em geral e o cenário pandêmico gerou uma preocupação adicional com a saúde mental desses estudantes. Afetos positivos (AP) e negativos (AN) são construtos usados para mensurar a dimensão emocional dos indivíduos e são associados, respectivamente, ao agradável estado de entusiasmo e alerta e ao estado de medo, humor aversivo, nervosismo e raiva. Já a Autocompaixão (AC) é um fator que se relaciona com a regulação do estresse e a resiliência do indivíduo. O objetivo do estudo foi avaliar a reação emocional de estudantes de medicina durante a pandemia por meio dos afetos positivos, afetos negativos e da autocompaixão.

O estudo ocorreu online em maio de 2020 e possuiu caráter descritivo e exploratório. Estudantes de todos os semestres de medicina em uma universidade de Santa Catarina participaram da pesquisa, totalizando 580 pessoas, dentre as quais, 63,3% eram mulheres. Foi aplicado um questionário sociodemográfico, a Escala de Afetos Positivos e Negativos e a Escala de Autocompaixão, ambas com itens a serem respondidos em uma escala Likert. A análise de dados utilizou os métodos qui-quadrado, correlações de Pearson e cálculos de teste f para identificação de variâncias.

A pesquisa constatou que discentes com melhores índices de AC obtiveram também índices saudáveis de Afetos Positivos e Afetos Negativos. Com relação aos diferentes estágios ao longo do curso, foi observado que, desde os primeiros períodos, há baixos níveis de AP e altos níveis de AN. Nos semestres intermediários, há uma piora em relação ao AP, enquanto nos semestres finais, há uma melhora. Esse fator é corroborado com outras pesquisas que identificaram maior nível de depressão no período intermediário do curso. Foram identificadas diferenças de gênero, já que homens possuem maiores níveis de AP e AC, enquanto as mulheres possuem maiores níveis de AN, o que foi associado aos papéis sociais normas sociais de feminilidade e masculinidade. Ademais, mostrou-se que estudantes de medicina possuem maior prevalência de transtornos de humor e um menor nível de saúde emocional do que a população em geral. Além dessa vulnerabilidade, o grupo possui a média de AP menor do que a média populacional, e a de AN, maior do que a média da população. A religião pode ser um fator protetivo nesse cenário, dada a associação encontrada entre a prática religiosa e os AP.

Essa pesquisa possibilitou uma discussão sobre aspectos importantes da saúde emocional de estudantes de medicina e identificou que eles possuem piores índices de AP e AN em relação à população geral, o que pode gerar repercussões negativas na saúde dos alunos. Os achados direcionam a Psicologia à necessidade de continuar a investigar a saúde mental desses discentes e buscar ações de promoção de saúde em parceria com as universidades, a fim de amenizar as repercussões negativas observadas ao longo da pandemia.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

A atividade física está associada positivamente com o afeto positivo em universitários durante a pandemia

Maher, J. P., Hevel, D. J., Reifsteck, E. J., & Drollette, E. S. (2021). Physical activity is positively associated with college students’ positive affect regardless of stressful life events during the COVID-19 pandemic. Psychology of Sport and Exercise, 52, 101826. https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2020.101826

Resenhado por Luiz Fernando de Andrade Melo

 

A pandemia trouxe consigo diversos danos à saúde mental, como o aumento dos níveis de estresse, ansiedade e depressão na população em geral. Diante desse aumento, os universitários estariam mais vulneráveis devido ao impacto causado no ensino superior com o fechamento de universidades e menor convívio social entre estudantes. A atividade física entraria como uma ferramenta fundamental para redução desse impacto, já que há estudos indicando benefícios à saúde mental devido à prática de exercícios. Entretanto, por conta das restrições surgidas na crise da Covid-19, como isolamento social e quarentena, a prática de exercícios físicos esteve reduzida no período, afetando, inclusive, os discentes de universidades.

O objetivo deste estudo foi verificar se o afeto positivo poderia estar associado com o aumento de atividade física, mesmo diante do cenário pandêmico, visto que sua prática foi reduzida pelo isolamento e pela quarentena. A hipótese é que a atividade física esteja positivamente correlacionada com o afeto positivo e negativamente com o afeto negativo, antes e durante as restrições da pandemia. Além disso, a atividade física poderia ter correlação positiva com alterações no afeto positivo e negativa nas modificações nos afetos negativos.

Participaram 107 graduandos dos Estados Unidos, com idade média de 21,7 anos e maioria do gênero feminino. Foram utilizados questionários online durante dois períodos: entre 21 de janeiro e 11 de março (T1) e entre 17 de abril e 5 de maio (T2), ambos em 2020. Mediram-se os afetos através do Positive and Negative Affect Schedule (PANAS) e o tempo de atividade física por meio do Physical Activity Questionnaire – Short Form (IPAQ-SF). Avaliaram-se também a qualidade do sono e a segurança alimentar com o Sleep Quality Index e o U.S. Household Food Security Survey Module, respectivamente. Realizaram-se testes t comparando o afeto positivo, o afeto negativo, a intensidade de atividade física (em minutos por semana), eventos estressores (a partir do segundo período – T2), a qualidade do sono e a segurança alimentar.

Os resultados demonstraram que os afetos possuíam correlações com a qualidade do sono, demonstrando que mais altas pontuações no PANAS se associavam com sono melhor. O tempo de atividade física também esteve associado positivamente com maiores níveis de afeto positivo. O estímulo do afeto positivo se associou maior dedicação a exercícios físicos, assim como sono de maior qualidade, promovendo bem-estar às pessoas. Do mesmo modo, os dados sugerem que realizar atividade física pode colaborar no desenvolvimento do afeto positivo, auxiliando na melhora e manutenção da saúde mental dos indivíduos. O estudo também enfatizou a utilização da atividade física como ferramenta de aumento da imunidade no organismo, especialmente entre estudantes e durante a pandemia. Diversas universidades, inclusive, incentivaram a prática de exercício físico por meio de aulas online, tendo como objetivo a promoção de saúde em meio ao contexto pandêmico.

Por fim, entende-se que o papel desta pesquisa para a Psicologia da Saúde é revelar como os afetos estão relacionados com a prática de exercício físico e como isso pode afetar a saúde das pessoas. Portanto, a dinâmica afetiva pode ser ferramenta para redução de comorbidades, promoção do bem-estar e melhora na saúde mental através do incentivo à atividade física.


domingo, 6 de novembro de 2022

Diálogos internos positivos

 

Vilhena, E., Ribeiro, J. L. P., Silva, I., Pedro, L., Meneses, R. F., Cardoso, H., Martins-da-Silva, A. & Mendonça, D. (2014). Fatores psicossociais preditivos de ajustamento à vida de pessoas com doenças crônicas. Psicologia, Saúde & Doenças, 15(1), 220-233. http://dx.doi.org/10.15309/14psd150118

 

Postado por Beatriz Oliveira

 

A experiência emocional está relacionada à saúde mental e física das pessoas e pode ser analisada a partir de dois fatores: os afetos positivos, como a confiança, a alegria e o entusiasmo, e os afetos negativos, como o medo, a raiva e a culpa. Esses afetos constituem o aparato emocional do bem-estar e da qualidade de vida, bem como estão associados aos comportamentos adaptativos e desadaptativos. Quando se trata de quadros de adoecimento, pesquisas demonstram que pessoas mais ativas e com mais afetos positivos apresentam uma melhor saúde mental e um melhor bem-estar geral.

Mas como esses afetos podem ser desenvolvidos e moldar os comportamentos? A partir de uma conversa saudável e positiva, o vídeo a seguir apresenta como as crenças podem influenciar as emoções e atitudes, além de estabelecer uma maior segurança e motivação.

 


  

 

sábado, 5 de novembro de 2022

Qual o impacto do processo eleitoral em nossa saúde mental?

 

Mukhopadhyay, S. (2022). Elections have (health) consequences: Depression, anxiety, and the 2020 presidential election. Economics and Human Biology, 47, 101191. Advance online publication. https://doi.org/10.1016/j.ehb.2022.101191

Resenhado por Beatriz Lima

 

O processo eleitoral é um dos marcos mais importantes da constituição do estado democrático. É através dele que os cidadãos escolhem os seus representantes, aqueles que irão conduzir a sua nação pelos próximos anos. Contudo, alguns aspectos dessa conjuntura, como a disputa latente, possível polarização e conflitos oriundos desse processo, conferem às eleições o mesmo potencial danoso à saúde dos indivíduos que outros estressores. A literatura aponta um aumento nos níveis de cortisol e testosterona nos indivíduos durante uma eleição, os quais estão associados com a ansiedade e a depressão. Além disso, a incerteza, fator marcante no processo eleitoral, atua como provocadora de angústia no cidadão, tendo em vista que o evento eleitoral e seus desdobramentos estão além do seu controle.

            O presente estudo investigou como a incerteza durante o processo eleitoral impacta a saúde mental dos norte-americanos. Para isso, foram utilizados dados coletados no Household Pulse Survey (HPS), uma pesquisa transversal projetada para medir os efeitos do COVID-19 na população americana, que contou com a participação de mais de dois milhões de indivíduos. Ela foi realizada semanalmente de abril a julho de 2020 e quinzenalmente até dezembro de 2021, totalizando 40 rodadas. A cada sequência os entrevistados respondiam perguntas referentes a aspectos demográficos, econômicos e de saúde, incluindo o Patient Health Questionnaire- 4 (PHQ-4), a fim de avaliar alguns aspectos de saúde mental.

            Os resultados mostraram que os sintomas auto relatados tanto de ansiedade, quanto de depressão moderada a grave aumentaram progressivamente conforme a eleição presidencial de 2020 se aproximava e diminuíram após a sua realização, à medida que a incerteza se dissipava. Apesar da diminuição, foi notado que os níveis de ansiedade e depressão permaneceram elevados durante o período de incerteza quanto aos resultados e insurreição ocorrida em Washington-DC. Também foi observado um aumento por procura médica e busca farmacológica com demandas de ansiedade e depressão nesse cenário. Foram realizadas verificações de robustez para descartar outras hipóteses possíveis para os achados, como um surto de Covid-19. A partir disso, o estudo constatou que a eleição possuiu um maior efeito ansiogênico e depressivo na população quando comparada às medidas de isolamento e a pandemia de Covid-19 em abril de 2020. Não foram encontrados indícios de uma relação direta entre o desenvolvimento de vacinas e/ou taxas de vacinação e o decréscimo nos quadros de ansiedade e depressão dos cidadãos.

            A partir desses achados concebe-se que eleições acirradas, marcadas pela incerteza quanto ao resultado, influenciam na manifestação de ansiedade e depressão na população, independentemente de quem seja eleito. É de extrema importância um acompanhamento estatal dos dados acerca da saúde mental dos cidadãos durante os futuros processos eleitorais, para que sejam implementadas políticas públicas a fim de atenuar essas manifestações. O processo eleitoral pode impactar a saúde física e mental dos cidadãos, então é necessário que os psicólogos entendam os desdobramentos dessa conjuntura, para que possam lidar de forma mais efetiva com as demandas trazidas pelo paciente durante esse processo. Dessa forma, esse profissional irá auxiliar na promoção de saúde, prevenindo um possível quadro de adoecimento. A fim disso, irá contribuir para que o seu paciente desenvolva mecanismos de enfrentamento, buscando atenuar o sofrimento decorrente da incerteza durante o período eleitoral.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Afeto positivo e adesão a tratamento medicamentoso em condições crônicas: uma revisão sistemática

 

Resenhado por Susana Santana

 

Bassett, S. M., Schuette, S. A., O'Dwyer, L. C., & Moskowitz, J. T. (2019). Positive affect and medication adherence in chronic conditions: A systematic review. Health Psychology, 38(11), 960–974. https://doi.org/10.1037/hea0000778

 

A adesão ao tratamento medicamentoso pode ser influenciada por diversos fatores. Dentre eles, é possível citar a renda e o nível educacional dos pacientes, a gravidade dos sintomas, a duração do tratamento e o esquecimento do paciente. Contudo, já há evidências de que fatores de ordem emocional, como afetos positivos, também podem exercer influência em vários desfechos em saúde, inclusive no aumento ou não da adesão a tratamentos.

Afetos positivos podem ser definidos como sentimentos ou emoções agradáveis que refletem um envolvimento agradável com o ambiente e inclui estados emocionais positivos como interesse, alegria, realização e entusiasmo. O estudo em questão realizou uma revisão sistemática da literatura para sintetizar os dados de pesquisas trazendo associações entre afeto positivo e adesão ao tratamento medicamentoso por pessoas com condições crônicas de saúde como: asma, hipertensão, doenças cardíacas, artrite, câncer, diabete, hepatite, HIV, osteoporose, entre outros.

Nessa investigação, foram selecionados nove estudos envolvendo os efeitos do afeto positivo na adesão ao tratamento em pessoas vivendo com condições crônicas, sendo 7 estudos com participantes com VIH (HIV) e dois estudos com participantes com condições cardiovasculares. O meio mais comum utilizado para coletar os dados sobre afetos positivos e sobre adesão ao tratamento foi através de instrumentos de auto-relato, como escalas.

Os achados indicaram que o afeto positivo teve influência no aumento da adesão ao tratamento por parte dos participantes desses estudos. No entanto, os autores do estudo sugerem que sejam feitas outras pesquisas, medindo afeto positivo e adesão ao tratamento, com instrumentos padronizados, a título de comparação mais precisa dos dados, pois a aplicação de intervenções de adesão ao tratamento mais precisas pode contribuir para a diminuição da morbidade, mortalidade e do custo associado à menor adesão ao tratamento em condições físicas crônicas. Eles também sugerem que sejam feitos outros estudos sobre a influência do afeto positivo em outros comportamentos de saúde, além da adesão ao tratamento medicamentoso.

Estudos como esse estão inseridos no escopo da Psicologia da saúde. A investigação da relação entre fatores emocionais e múltiplos aspectos da saúde amplia o entendimento de uma visão integral de saúde e auxilia no desenvolvimento de estratégias comportamentais, emocionais e cognitivas para uma efetiva adesão aos cuidados de saúde como também na manutenção de hábitos de rotina saudáveis.