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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Tolerância à incerteza e coping: Preditores e mediadores da saúde mental durante a pandemia da Covid-19

 

Rettie, H., & Daniels, J. (2020). Coping and tolerance of uncertainty: Predictors and mediators of mental health during the COVID-19 pandemic. American Psychologist, 76(3). https://doi.org/10.1037/amp0000710

 

Resenhado por Luiz Fernando de Andrade Melo

 

A pandemia da Covid-19 provocou diferentes impactos nos indivíduos em geral, desde socioeconômicos até psicológicos, especialmente por ter sido um período incerto, com consequências até então desconhecidas. Na pandemia também houve aumento dos níveis de alguns transtornos psiquiátricos como a ansiedade e a depressão, bem como a acentuação do estresse na população. Determinados grupos, inclusive, tiveram atenção maior pela sua vulnerabilidade ao vírus e, consequentemente, nos danos à saúde mental devido ao contexto vivido pela Covid-19.

Para enfrentamento de crises como a pandemia da Covid-19, adotar estratégias de coping se torna uma das opções que buscam lidar melhor com tais danos na saúde mental. Entretanto, algumas dessas estratégias podem ser mal adaptativas e resultar no agravamento do estado mental que o indivíduo se encontra. A intolerância ou a baixa tolerância à incerteza poderiam ser construtos que estariam ligados com o uso de diferentes tipos de coping diante de uma crise como foi a pandemia. Isso pode ser explicado por que a intolerância à incerteza se trata de uma dificuldade que a pessoa tem em lidar com eventos incertos e com suas consequências, a exemplo da crise da Covid-19. Assim, o objetivo deste estudo se deu em verificar se a intolerância à incerteza prediria o processo de coping, mal adaptativo ou não, e se o coping estaria mediando a relação entre a intolerância à incerteza e a saúde mental.

Participaram da pesquisa 974 adultos, sendo que 132 não completaram os questionários utilizados e seus dados foram descartados da análise, no mês de abril de 2020. Utilizou-se a Intolerance of Uncertainty Scale, com 27 itens distribuídos em escalas tipo Likert de 1 a 5 pontos, para mensuração da intolerância à incerteza. O Patient Health Questionnaire – PHQ-8 foi usado para avaliação dos níveis de depressão através de 8 itens e a General Anxiety Disorder – GAD-7 para os de ansiedade por meio de 7 itens. A ansiedade também foi medida com o Short Health Anxiety Inventory com 14 itens. Já o coping foi avaliado por meio do Brief Coping Orientation to Problems Experienced – COPE, dividido em 14 diferentes tipos de respostas numa escala Likert de 4 pontos para os 28 itens do instrumento. Por fim, foram feitas correlações de Pearson, testes t, análise multivariada de variância e mediação paralela com o SPSS para análise dos dados obtidos.

Os resultados demonstraram que pessoas com altos níveis de intolerância à incerteza são mais prováveis de usar estratégias mal adaptativas de coping, embora não houvesse nenhuma correlação com as estratégias adaptativas. Além disso, o uso de medidas mal adaptativas de coping esteve relacionado com maiores níveis de ansiedade, depressão e ansiedade de saúde. Também foi notada a predição de impactos na saúde mental por meio da intolerância à incerteza e que o coping mal adaptativo medeia a relação entre o construto e os níveis das variáveis psicológicas estudadas.

A relevância desses resultados se dá justamente porque entendendo a mediação e as relações encontradas torna-se viável interferir na saúde mental por meio do uso de estratégias adaptativas de coping e aumento da tolerância à incerteza. Em períodos de crises como da pandemia da Covid-19, pode-se incentivar a aceitação e a busca por suporte pode ser uma ferramenta para melhor lidar com as consequências incertas presentes em tais contextos. Por fim, é possível também minimizar os danos psicológicos e promover a adesão de comportamentos saudáveis para o enfrentamento desses eventos incertos, demonstrando a atuação da Psicologia da Saúde em crises semelhantes à pandemia.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Gatekeeper training and minimum standards of competency: Essentials for the suicide prevention workforce

 

Hawgood, J., Woodward, A., Quinnett, P., & De Leo, D. (2022). Gatekeeper training and minimum standards of competency: Essentials for the suicide prevention workforce. Crisis: The Journal of Crisis Intervention and Suicide Prevention, 43(6), 516–522. https://doi.org/10.1027/0227-5910/a000794

 Resenhado por Jucimara Ramos

            Um problema na prevenção do suicídio é a identificação de pessoas que apresentam ideação suicida, para que se possa intervir precocemente nessa demanda de saúde pública. O treinamento Gatekeeper (GKT) refere-se a uma estratégia preventiva em relação ao suicídio. Ela se configura em um treinamento para profissionais que trabalham com pessoas que podem apresentar risco de suicídio, sendo que o treinamento busca identificar e encaminhá-las aos profissionais de saúde mental. Os comportamentos são multifacetados e no suicídio não é diferente, assim seu manejo pode ter impactos significativos em relação aos resultados do GKT. O presente estudo objetiva discutir desafios e possibilidades do modelo ser implantado de forma efetiva e tragam achados fidedignos de sua validade.

O artigo apresenta a estratégia GKT como possível a discussões sobre a prática preventiva. Inicialmente, foram apresentadas competências a serem analisadas do treinamento Gatekeeper, a fim de que o modelo proposto seja aperfeiçoado para apresentar dados que comprovem a sua efetividade. Desse modo, foram explorados padrões de competência da estratégia estudada, iniciando pelas profissionais como proposta, perpassando os programas e habilidades possíveis, assim como a avaliação por meio da Gatekeeper Behavior Scale (GBS) e da Willingness to intervene against suicide (WIS).

Uma problemática apontada com o treinamento é o estabelecimento direto de quem é Gatekeeper (GK). Há os comunitários, que se referem as pessoas que pertencem a comunidade como professores, colegas de trabalho, dentre outros, e há os profissionais, podem ser da saúde ou outros que trabalhem com pessoas em risco. Apesar de trazer alguns resultados a longo prazo, o estudo traz a necessidade de definir padrões. Burnett et al. (2015), a partir da teoria cognitiva social de Bandura, propõem quatro fatores que podem impactar na intervenção: conhecimento sobre suicídio, crenças e atitudes de prevenção, receio em intervir e autoeficácia.

Outra perspectiva teórica apresentada como relevante é a Teoria do Comportamento Planejado (TPB), na qual a intervenção está ligada ao controle comportamental percebido. O artigo ainda aponta a importância de estabelecer competências profissionais desenvolvidas pela Associação Americana de Suicidiologia e a Força-tarefa de prevenção ao suicídio liderada pelo Suicide Prevetion Resource Center, na qual propõe 24 habilidades e domínios como coleta de informações, compreensão, gerenciamento dos cuidados entre outras. Nos programas e competências do GKT, evidencia-se a necessidade da avaliação e de conteúdos que possibilitem captar pessoas com as habilidades necessárias. O GBS é uma escala que mede a atitude, probabilidades, autoeficácia, senso de controle, já o questionário WIS advém da TPB e mensura os efeitos da prevenção ao suicídio

Apesar de não possuir uma base científica firme em relação a estudos que a sustentem, o estudo aponta alguns resultados a longo prazo, como o aumento da confiança das pessoas ao ajudarem outras com o sofrimento psicológico intenso e a eficácia na prevenção ao suicídio. A discussão levantada pela pesquisa tem grande relevância para a Psicologia da Saúde, pois o treinamento pode contribuir com o enfrentamento desse problema de saúde pública. Essa se configura como um problema mundial, afinal, estima-se que mais de 800.000 pessoas se suicidem por ano. Através do norteamento da investigação crítica promovida pela pesquisa, viabiliza-se ainda a ampliação do repertório de práticas interventivas na demanda supracitada, com a possibilidade de validação do treinamento Gatekeeper. Com isso, incentiva-se a implantação da estratégia GK para aprimorar planos de intervenção no que diz respeito à promoção de saúde e à prevenção do suicídio.  

sábado, 17 de dezembro de 2022

Depressão e ansiedade em sobreviventes de longo prazo 5 e 10 anos após o diagnóstico de câncer

 

Götze, H., Friedrich, M., Taubenheim, S., Dietz, A., Lordick, F., & Mehnert, A. (2020) Depression and anxiety in long-term survivors 5 and 10 years after cancer diagnosis. Support Care Cancer 28, 211–220. https://doi.org/10.1007/s00520-019-04805-1   

Resenhado por Beatriz Lima

 

Sobreviventes de câncer tendem a enfrentar efeitos tardios e/ou de longo prazo decorrentes da doença, mesmo anos após o fim do tratamento. Os procedimentos realizados podem afetar as funções físicas e psicossociais do paciente, prejudicando a sua qualidade de vida durante e posteriormente ao tratamento, dificultando a adesão do paciente e sua sobrevida potencial. A literatura aponta sofrimento psicológico em pacientes pós-câncer. No entanto, pouco se sabe sobre ansiedade e depressão em sobreviventes de longo prazo.

O presente estudo investigou a sintomatologia de depressão e ansiedade em pacientes que foram diagnosticados com câncer há 5 ou 10 anos. Para isso, foi realizada uma pesquisa transversal com indivíduos contidos nos registros do Clinical Cancer Registry Leipzig. Os dados foram coletados por questionários enviados pelo correio ou preenchidos online. Os sintomas de depressão foram mensurados através do Patient Health Questionnaire (PHQ-9) e os de ansiedade por meio da General Anxiety Disorder (GAD-7). Também foram utilizados uma versão modificada de um instrumento de autorrelato desenvolvido por Bayliss et al. (2005) e o Quality of life Questionnaire (QLQ-C30), para avaliar comorbidades crônicas e os sintomas físicos associados aos transtornos estudados, respectivamente. A análise quantitativa dos dados foi feita utilizando o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 24). A amostra final contou com 1.002 pacientes. Foi utilizado um grupo controle para fim de comparação dos dados obtidos.

Observou-se depressão e ansiedade moderadas a graves em 17% e 9%, respectivamente, dos sobreviventes de câncer de longo prazo. A maioria (87%) dos sobreviventes de câncer com alta ansiedade teve um aumento nos níveis de depressão e entre aqueles com depressão alta, cerca de metade (46%) também apresentou altas taxas de ansiedade. Depressão e ansiedade foram mais intensas em mulheres e mostraram diminuir com a idade (depressão r = − 0.212, p < 0.001; ansiedade r = − 0.233, p < 0.001). Houveram diferenças significativas nos níveis de depressão e ansiedade entre as entidades tumorais; sobreviventes de câncer de mama (depressão M[SD] 6.24[4.2], p < 0.001 e ansiedade M[SD] 4.53[3.5], p 0.003) e de pele (depressão M[SD] 5.58[5.0] e ansiedade M[SD] 4.86[4.8]) apresentaram os índices mais altos e os sobreviventes de câncer de próstata (depressão M[SD] 4.02[4.0] e ansiedade M[SD] 2.91[3.3]) os mais baixos. Vítimas de câncer com até 70 anos se mostraram mais deprimidas que a amostra controle  (p < 0.001; tamanho de efeito d = 0.35–1.05) e as com até 60 anos pontuaram mais ansiedade em comparação com o mesmo grupo (p < 0.001; tamanho de efeito d = 0.35–0.56). Idade mais jovem, escolaridade superior, problemas financeiros, baixa função cognitiva, como problemas de concentração e memória, sintomas de fadiga, problemas de sono, perda de apetite e doenças oculares foram associados à depressão e ansiedade.

A partir desses achados concebe-se que sobreviventes de câncer, mesmo anos após o diagnóstico, são afetados consideravelmente por ansiedade e depressão. Estudos acerca dessa temática são de extrema importância, tendo em vista que lançam luz a comorbidades oriundas do câncer que, muitas vezes, são negligenciadas por não se manifestarem fisicamente. Considerando os múltiplos aspectos do sofrimento psicológico em sobreviventes de câncer, são necessárias intervenções multidimensionais. É preciso que o psicólogo da saúde conheça os desdobramentos dessa doença a fim de montar um protocolo de tratamento efetivo, que minimize os impactos psicológicos oriundos do diagnóstico de câncer. Esta pesquisa demonstrou que o bloqueio de sintomas com recursos relacionados ao enfrentamento, como aptidão física, integração social e boa função cognitiva apresentou relação direta com uma diminuição da ansiedade e depressão. Tendo isso como base, ao trabalhar estratégias de enfrentamento efetivas com o seu paciente, o psicólogo conseguirá manejar os índices de ansiedade e depressão oriundos da doença, reduzindo seu impacto a longo prazo.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Definições de bem-estar em adultos com deficiência visual: Uma revisão do escopo

 

Resenhado por Susana Santana

 

Heinze, N., Davies, F., Jones, L., Castle, C. L. & Gomes, R. S. M. (2022). Conceptualizations of well-being in

adults with visual impairment: A scoping review. Frontiers in Psychology, 13(964537), 1-14.

https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.964537

 

Bem-estar costuma ser um termo muito usado no meio científico, mas o entendimento do que bem-estar significa acaba variando bastante. Um dos modelos de bem-estar, o modelo hedônico, entende bem-estar subjetivo como o afeto agradável e o componente cognitivo da satisfação com a vida. Já modelos eudaimônicos se concentram em como as pessoas estão funcionando e abrangem uma combinação de aspectos relacionados ao crescimento pessoal e preenchimento/completude.

O bem-estar psicológico é categorizado em seis dimensões: autonomia, domínio ambiental, relações positivas com os outros, propósito na vida, realização do potencial e autoaceitação. Há também modelos híbridos de bem-estar que envolvem emoções positivas, engajamento, relações, significado e realização. Por vezes, o termo bem-estar também é substituído por qualidade de vida e felicidade. Em perspectivas mais recentes, a definição de bem-estar, baseada em indicadores e definições, é proposta como o ponto de equilíbrio entre os desafios psicológicos, físicos e sociais enfrentados por um indivíduo e os recursos disponíveis a ele.

De acordo com o estudo, a deficiência visual tem sido associada com menor bem-estar e tornou-se um ponto chave para serviços de suporte a pessoas com deficiência visual. Dessa forma, a falta de consenso sobre o que significa bem-estar para os adultos com deficiência visual, e como ele deve ser avaliado, pode ter impacto sobre a identificação de necessidades específicas de suporte e, mais amplamente, sobre o tipo de apoio que é projetado e fornecido àqueles que precisam.

Diante disso, realizou-se uma revisão de escopo para mapear as formas em que o bem-estar tem sido conceitualizado em pesquisas envolvendo adultos com deficiência visual. De 10.662 artigos identificados, 249 foram incluídos na revisão. Estes se referiam a 38 tipos de bem-estar. Os tipos mais comuns foram bem-estar geral (n = 101; 40,6%), bem-estar emocional (n = 86, 34,5%) e bem-estar psicológico (n = 66, 26,5%). A maioria dos artigos (n = 150; 60,2%) referia-se a apenas um tipo de bem-estar e o que diversificou mais, retratou 9 conceituações de bem-estar. Um grande número de artigos não definiu claramente o bem-estar. Uma ampla gama de indicadores de bem-estar relacionados aos domínios da hedonia, humor, afeto positivo e negativo, qualidade de vida, saúde mental, eudaimonia, autoidentidade, saúde, reações psicológicas à deficiência e problemas de saúde, funcionamento, funcionamento social e meio ambiente, foram extraídos, muitos dos quais foram usados apenas uma vez.

Os autores concluem que ainda falta consenso sobre como o bem-estar é conceitualizado e avaliado no contexto de adultos com deficiência visual, necessitando de uma abordagem padronizada de múltiplos domínios. Como um dos objetivos da Psicologia da Saúde é desenvolver estratégias de enfrentamentos que deem suporte em diversas condições de saúde, estudos como esse contribuem para destacar a importância do entendimento claro de construtos psicológicos, como o de bem-estar. Por meio de definições claras é possível construir e validar instrumentos de avaliação mais precisos e desenvolver intervenções em saúde psicológicas mais efetivas.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Intervenção psicológica no acompanhamento hospitalar de uma criança queimada

 

Azevêdo, A. V. D. S., & Santos, A. F. T. D. (2011). Intervenção psicológica no acompanhamento hospitalar de uma criança queimada. Psicologia: Ciência e Profissão31(2), 328-339. https://doi.org/10.1590/S1414-98932011000200010

Resenhado por Maísa Carvalho

A literatura em Psicologia da Saúde pontua que a percepção e o enfrentamento acerca do processo de hospitalização eventualmente geram consequências a nível cognitivo, emocional e comportamental, as quais, podem impactar positiva ou negativamente o tratamento do indivíduo. Em crianças, pode ser ainda mais complexo, visto que esse público possui uma gama reduzida de estratégias de enfrentamento, sendo relevante o acompanhamento psicológico nessa etapa. Nos quadros de pacientes hospitalizados com queimaduras, esse atendimento torna-se ainda mais necessário, pois os indivíduos podem apresentar dificuldades de lidar com a dor mesmo em lesões já cicatrizadas. A partir disso, o presente estudo objetivou analisar um modelo de intervenção psicológica utilizado no acompanhamento hospitalar de uma criança queimada.

Foram utilizadas as técnicas de entrevista motivacional, mapa de rosto de sentimentos, jardim de flor de pensamentos, Escala Numérica de Relato Verbal para Avaliação da Dor, treino de relaxamento autógeno com respiração diafragmática e psicoeducação. Ao total, foram realizados 24 atendimentos semanais em dias alternados com participação da acompanhante, que era a genitora, e da equipe de saúde. A criança permaneceu hospitalizada durante 3 meses, todavia, as intervenções psicológicas foram iniciadas a partir do segundo mês e finalizadas com 8 semanas de atendimento psicológico.

Durante todo o processo, identificou-se que a criança possuía déficit nas habilidades de expressão verbal e vivências de dor que eram manifestadas pelos procedimentos hospitalares, os quais eram percebidos após a realização dos curativos. As crises surgiam normalmente pela manhã e eram acompanhadas de choro, que representava a extensão da dor sentida. Ao longo do período da intervenção, a criança passou a identificar os pensamentos, sentimentos e comportamentos associados às vivências no hospital, mostrou-se receptiva às técnicas de relaxamento e mais aberta aos contatos com a equipe de saúde, demonstrou melhor capacidade de lidar com a dor, reestruturou pensamentos, desenvolveu habilidades adaptativas e apresentou melhoras no humor e no comportamento, assim como a redução dos níveis de dor.

Diante do exposto, percebe-se que intervenções psicológicas são de grande valia para o tratamento de diferentes quadros clínicos, auxiliando o indivíduo em seu processo de ajustamento psíquico e enfrentamento dessas situações. Dessa forma, acredita-se ser importante o desenvolvimento de intervenções baseadas em evidências que utilizem o aporte teórico da Psicologia da Saúde e da Psicologia Clínica, assim como a disseminação dessas práticas entre os profissionais da psicologia como forma de superar procedimentos pouco eficazes e pautados basicamente no acolhimento e escuta clínica.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Associações entre afetos positivos e negativos e o modo como pessoas percebem seus objetivos em saúde

 

Plys, E., & Desrichard, O. (2020). Associations between positive and negative affect and the way people perceive their health goals. Frontiers in Psychology11, 334. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.00334

Resenhado por Lucas Souza

 

É sabido que a vivência de sintomas depressivos ou de humor cronicamente reduzido está relacionada com a menor adoção de hábitos positivos em saúde. Este estudo objetivou avaliar o impacto da presença de afetos negativos e positivos na percepção de metas em saúde e os meios relacionados. A hipótese a ser testada foi de que afetos negativos levariam a percepções que impediriam a adoção e busca de metas em saúde. No raciocínio inverso, foi esperado que os afetos positivos levariam a percepções que promoveriam a busca e adoção dessas metas.

Foram realizados três estudos. O primeiro explorou as relações entre a vivência de afetos positivos e negativos e as percepções de metas em saúde. Foram avaliados 97 participantes (57,7% mulheres), com idade média de 40,0 anos (DP = 11,94), que moram na França. Para acessar a vivência afetiva foi utilizado o instrumento Positive and Negative Affect Schedule (PANAS), que contém 20 itens formados por escala do tipo likert. As metas em saúde foram acessadas através do instrumento Personal Project Analysis (PPA), que avalia metas pessoais baseadas em dimensões como importância do objetivo, dificuldade do objetivo, prazer em trabalhar no objetivo, controle percebido, entre outros. Os estudos 2 e 3 voltaram-se para avaliar as relações entre as metas em saúde com os afetos positivos e negativos, agora avaliados com traço e como estado. Para mensurar as vivências afetivas, além do PANAS, foi utilizado o instrumento International Personality Item Pool (IPIP), que avalia a personalidade segundo o modelo dos Cinco Grandes Fatores, com as subescalas para os traços neuroticismo e extroversão. Baseados nos resultados do estudo 1, foram escolhidas quatro dimensões do instrumento PPA sobre as metas em saúde: percepção de atingibilidade, controlabilidade, congruência com a própria identidade e dificuldade. O estudo 2 avaliou 185 participantes (63,2% mulheres), com idade média de 40,6 anos (DP = 11,85), e o estudo 3 contou com 180 participantes (63,9% mulheres), com média de idade 40,8 anos (DP = 12,73).

Os resultados indicaram que as percepções sobre as metas em saúde tendem a ser congruentes com a vivência afetiva. A vivência de afetos negativos esteve relacionada com a percepção de metas relacionadas à saúde como menos controláveis, menos atingíveis, mais difíceis e menos congruentes com a própria identidade. O oposto foi percebido em relação à vivência afetiva positiva. Além disso, aqueles com maior vivência de afetos positivos avaliaram os meios de se atingir as próprias metas em saúde como menos difíceis. Além disso, a vivência afetiva como estado apresentou maior associação com a percepção de metas em saúde do que como traço. Já o neuroticismo mostrou associações em relação à percepção negativas de metas em saúde, mas a extroversão não apresentou relações estatisticamente significativas com melhor percepção dessas metas.

Este estudo contribui com a psicologia da saúde porque avalia uma forma pela qual a vivência afetiva pode influenciar na adoção de estilo de vida mais saudáveis. Os resultados apontam para o papel da avaliação cognitiva sobre as próprias metas em saúde, para assim entender como indivíduos com vivências afetivas negativas se engajam menos em hábitos de vida saudáveis, a exemplo de exercícios físicos e alimentação equilibrada.

domingo, 4 de dezembro de 2022

O que e como parar a catastrofização

Abreu, C. N., & Guilhardi, A. (2004). Terapia comportamental e cognitivo-comportamental: Práticas clínicas. Roca

Leahy, R. L. (2019). Técnicas de terapia cognitiva: Manual do terapeuta (2º ed.). Artmed

 

 

Resenhado por Amanda Feitosa

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) classifica os erros de pensamento como distorções cognitivas, sendo a catastrofização uma das mais comuns em pessoas com ansiedade e depressão. Ela é caracterizada pela tendência do indivíduo de imaginar o pior cenário possível diante de uma situação estressante. A interpretação catastrófica da situação interfere no seu desfecho, visto que a pessoa acredita que o que pode acontecer será tão terrível que não será capaz de lidar com as consequências. Assim, são comuns sintomas físicos de ansiedade, pensamentos ruminativos e emoções negativas, a exemplo da desesperança. Uma técnica para descatastrofizar os pensamentos é equilibrar a concentração do paciente para além do pior cenário possível, ou seja, incentivando a reavaliação da situação de forma mais racional. Pode ser feito isso relembrando experiências passadas e os seus desfechos. Também é possível analisar as evidências que suportam a conclusão do pensamento distorcido. Por fim, a TCC ensina o paciente a identificar e modificar a avaliação distorcida dos eventos estressantes, buscando uma melhora do seu estado emocional e a implementação de comportamentos mais adaptativos.



quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Resiliência e traços de personalidade segundo o Big Five: Uma metanálise

 Oshio, A., Taku, K., Hirano, M., & Saeed, G. (2018). Resilience and Big Five personality traits: A meta-analysis. Personality and Individual Differences, 127, 54-60. https://doi.org/10.1016/j.paid.2018.01.048

 

Resenha por Brenda Fernanda Silva-Ferraz

 

            Resiliência diz respeito ao processo dinâmico de adaptação positiva diante de eventos adversos. Envolve a capacidade, o processo e/ou desfechos de uma adaptação saudável frente a um contexto que ameace o funcionamento ou desenvolvimento do indivíduo. A resiliência é um construto complexo, de modo que uma de suas concepções a compreende como características de personalidade que moderam o efeito do estresse e promovem adaptação. Essa perspectiva considera a ego-resiliência e a resiliência enquanto traço. A presente revisão sintetizou estudos que investigam as relações entre a resiliência e os traços de personalidade Big Five e teve como objetivo investigar como as relações variam de acordo com os dois tipos de resiliência.      Trinta estudos com uma amostra total de 15.609 atenderam aos critérios de inclusão e foram inseridos no estudo.

            Os resultados indicaram que a correlação de média estimada entre os coeficientes de resiliência e os fatores do Big Five foram: Neuroticismo (referente à reatividade ao estresse e evitação; r = −0,46), Extroversão (referente à sociabilidade e emoção positiva; r = 0,42), Abertura (referente à criatividade e apreciação estética; r = 0,34), Amabilidade (referente à polidez e compaixão; r = 0,31) e Conscienciosidade (referente à recompensa adiada e organização; r = 0,42). Todos foram estatisticamente significativos. Ao comparar as diferenças entre os dois tipos de resiliência, uma relação negativa mais forte com neuroticismo e relações positivas mais fortes com abertura e amabilidade foram obtidos com a ego-resiliência, em comparação à resiliência de traço. No entanto, houve uma falta de homogeneidade nos tamanhos de efeito entre os estudos, especialmente para a ego-resiliência.

            Os achados sugerem que os elementos centrais de ambos os aspectos da resiliência incluem um maior nível de autocontrole e motivação para realizações, maior nível de emoções positivas e engajamento com atividade social e um maior nível de estabilidade emocional ou menor nível de emoções negativas. Estudos que identificam variáveis de adaptação saudável são fundamentais para a psicologia da saúde, para que se possa pensar em intervenções mais eficazes e acuradas