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sexta-feira, 31 de março de 2023

Intervenção de autolesão para crianças e adolescentes

 


 

Witt, K.G., Hetrick, S.E., Rajaram, G., Hazell, P., Taylor Salisbury, T.L., Townsend, E., & Hawton, K. (2021) Interventions for self-harm in children and adolescents. Cochrane Database of Systematic Reviews. 7(3). https://doi.org/10.1002/14651858

 

Resenhado por Jucimara Ramos

 

 

A autolesão é um conjunto de comportamentos danosos a si próprio, a exemplo do autoenvenenamento, queimaduras, cortes, mordidas e puxões de cabelo. A automutilação, por muito tempo, foi entendida como causa de suicídio, entretanto, nem sempre há essa intenção de pôr fim à própria vida. A pesquisa buscou trazer dados sobre as intervenções analisadas, a fim de contribuir com por meio da reunião de informações sobre a eficácia dos tratamentos. Este estudo avaliou de intervenções psicossociais, de fármacos, produtos naturais e outros em relação a diferentes tratamentos (placebo, psicoterápico, farmacológico alternativo e outros) em crianças e adolescentes até 18 anos que se automutilam.   

Realizou-se uma revisão de literatura nas bases de dados MEDLINE, Ovid Embase, PsycINFO, assim como Cochrane Common Mental Disorders Specialized Register, Cochrane Library e Cochrane Database of Systematic Reviews. Estudos clínicos randomizados foram incluídos, independentemente do idioma. O público foi formado por crianças e adolescentes, até 18 anos de ambos os sexos e diversas etnias que tenham tido um episódio recente. A autolesão sem intenção suicida e a automutilação suicida não foram distinguidas por não apresentar confiabilidade na distinção para o estudo. Houve a exclusão dos estudos de participantes hospitalizados com ideação suicida.

Dentre as intervenções psicológicas analisadas, esteve a Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Comportamental Dialética (DBT), terapia de mentalização, psicoterapia grupal, abordagens de avaliação aprimoradas, abordagens de aprimoramento da conformidade, intervenções familiares e de contato remoto. Essas estratégias foram comparadas às intervenções farmacológicas: antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos, estabilizadores de humor, outros agentes e produtos naturais.

Foram encontrados 7.186 ensaios registrados. Quando retiradas as duplicações, ficaram 4.676 estudos, dos quais 4.454 foram excluídos após triagem do título e resumo. Outros 157 foram deletados depois de uma revisão no texto completo. Restaram 23 estudos na amostra final da revisão. Quanto aos resultados, percebeu-se que o desfecho primário de todos os ensaios era a repetição do comportamento autolesivo. 

Na pesquisa, 87,6% das participantes eram do sexo feminino e a prevalência de idade foi de 14,7 anos. Foram encontrados diagnósticos psiquiátricos em todos os artigos, a saber:  depressão maior, transtornos de ansiedade, transtornos de humor, transtornos por uso de substâncias psicoativas e transtorno bipolar. Os ensaios mostraram que a Terapia Comportamental Dialética apresentou menores frequências de comportamentos autolesivos, em 30% dos casos, quando comparada à psicoterapia alternativa, com 43%. As outras intervenções tiveram pouca ou nenhuma evidência comprovada. Não houve pesquisas psicofarmacológicas encontradas com esse público.

Os autores sinalizaram a necessidade de mais pesquisas sobre a Terapia Comportamental Dialética, já que essa foi a abordagem que mais apresentou eficácia, com a menor taxa de comportamento autolesivo e com maior benefício geral. Ademais, foi identificada a melhora em relação a desesperança no pós-intervenção, além da redução de sintomas depressivos. Em suma, a autolesão se configura com um problema de saúde pública, primordialmente na adolescência e com esta pesquisa foi possível identificar que a intervenção baseada na DBT pode beneficiar a práxis dos profissionais de saúde na adesão ao tratamento.

quinta-feira, 30 de março de 2023

Diferenças entre gênero nos transtornos de ansiedade: Uma revisão

 

Jalnapurkar, I., Allen, M., & Pigott, T. (2018). Sex diferences in anxiety disorders: A review. HSOA journal of psychiatry, depression & anxiety, 4(1), 1-9. http://dx.doi.org/10.24966/PDA-0150/100011

 

Resenhado por Beatriz Oliveira

 

Os transtornos de ansiedade são condições psiquiátricas comuns que podem causar alguns impactos na vida das pessoas, como desempenho ocupacional reduzido, comprometimento funcional e aumento nas taxas de mortalidade e morbidade. Essas consequências não atingem todos os indivíduos da mesma forma, pois existem grupos que apresentam certa vulnerabilidade não somente em relação à ocorrência do transtorno, mas também associada ao seu curso e resposta. As mulheres, por exemplo, estão mais propensas a desenvolverem algum transtorno de ansiedade ao longo da vida e a apresentarem alguma condição comórbida ao distúrbio quando comparadas aos homens.

O papel dos hormônios femininos e dos ciclos relacionados, as diferenças fisiológicas que podem levar a distinção de sintomas e de resposta ao transtorno, bem como as diferenças nas estruturas cerebrais, são foco de estudos que visam a investigar o plano de fundo dessa vulnerabilidade. Este estudo, por meio de uma revisão de literatura, teve como objetivo abordar características dos transtornos de ansiedade na população feminina, incluindo transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de pânico (TP) e transtorno de ansiedade social (TAS). Foram investigados os impactos de gênero na epidemiologia, fenomenologia, curso e resposta ao tratamento desses distúrbios, além das diferenças biológicas e sua relevância para o manejo desses transtornos.

Flutuações periódicas nos níveis de hormônios, como progesterona e estrogênio, presente em fases que vão desde a menarca ao período pós-menopausa, podem influenciar na ocorrência, na gravidade dos sintomas, no curso e na resposta ao tratamento dos transtornos de ansiedade em mulheres. Em relação ao TAG, esse grupo apresenta de duas a três vezes mais chances de atender aos critérios de diagnóstico quando comparado aos homens. Esse risco parece aumentar durante a gravidez, podendo estar associado a fatores como abuso na infância e ao baixo nível educacional e de apoio. Apesar dos homens serem menos propensos a procurarem tratamento para essa condição, em alguns estudos é possível notar que são as mulheres que apresentam taxas mais baixas e mais tardias de remissão. Além disso, a população feminina demonstrou maior suscetibilidade ao diagnóstico de TAG com depressão comórbida, o que contribui com a presença de sintomas mais graves e curso mais crônico do transtorno.

As mulheres também são mais propensas a atenderem aos critérios para o diagnóstico de TAS ao decorrer do tempo, assim como estão mais vulneráveis a ter comorbidades psiquiátricas. Em uma amostra clínica, esse grupo demonstrou medo mais intenso e maior número de situações sociais temidas, como comer ou beber em público e conversar com outras pessoas. No TP, o período pós-parto foi considerado um dos momentos de maior risco para a ocorrência do transtorno quando comparado as fases de gravidez e não gravidez. Ademais, um estudo abordado no artigo demonstrou que as mulheres são mais propensas a endossar sintomas individuais e de evitação relacionados ao pânico. Tal diferença na sintomatologia pode ser explicada por condições fisiopatológicas distintas, como a sensibilidade ao CO2 e no limiar para ataques de pânico.

Portanto, pode-se considerar que existem diferenças relevantes entre gênero na prevalência, comorbidade e características clínicas dos transtornos de ansiedade, incluindo TAG, TP e TAS. Esses achados contribuem para que intervenções psicológicas observem questões associadas ao gênero, a fim de auxiliar na resposta de tratamento em mulheres. Vale destacar a importância de pesquisas nesse âmbito para conhecimento e elaboração de práticas que melhor atenda essa população.

quarta-feira, 29 de março de 2023

Hesitação vacinal contra a Covid-19 e discriminação racial

 

Willis, D., E., Montgomery, B., E., E., Selig, J., P., et al. (2023). COVID-19 vaccine hesitancy and racial discrimination among US adults. Preventive Medicine Reports, 31, 102074. https://doi.org/10.1016/j.pmedr.2022.102074

 

 

Resenhado por Beatriz Lima

           

A Covid-19 afetou significativamente a vida de todos os indivíduos a nível mundial. Contudo, pessoas negras e pardas foram ainda mais assoladas por essa doença. Nos Estados Unidos, por exemplo, o alto índice de óbitos em decorrência do vírus diminuiu em mais de 2 anos a expectativa de vida de indivíduos negros. O advento das vacinas mostrou-se como um amortecedor desse quadro, com uma queda drástica no número de mortes entre os vacinados. No entanto, percebe-se resistência à vacinação dentre pessoas negras, o que é preocupante tendo em vista que poderá aumentar as disparidades raciais em saúde. A literatura aponta disparidades raciais no contexto vacinal abordado, entretanto, discussões relativas ao racismo e experiências discriminatórias são omitidas. Essas experiências estão associadas a uma menor probabilidade de acesso a serviços de saúde de prevenção, mas ainda não existem evidências concretas entre episódios de discriminação racial e hesitação vacinal.

O presente estudo investigou a relação entre experiências de discriminação racial e hesitação vacinal entre adultos norte-americanos. Outras variáveis como diferenças sociodemográficas, predileções políticas, infecção prévia por Covid-19 e possuir acompanhamento médico de rotina também foram analisadas. Para isso, foi realizado um questionário online composto pela escala de 9 itens de Krieger, por uma versão modificada da escala de hesitação vacinal de Quinn e colaboradores, e por perguntas relativas a algumas das variáveis apresentadas. A coleta ocorreu entre setembro e outubro de 2021 e a amostra final contou com 2022 participantes. Os critérios de inclusão foram morar nos Estados Unidos e ter 18 anos ou mais.

Os resultados confirmaram a hipótese inicial, pois experiências de discriminação racial mostraram-se associadas com maior probabilidade de hesitação vacinal. Observou-se que, para cada aumento de uma unidade na pontuação dessas experiências, as chances de hesitação da vacina para Covid-19 cresciam 4%. Além disso, a frequência de episódios de discriminação racial ao longo da vida pode ocasionar em um crescimento ainda maior. Indivíduos mais velhos demonstraram uma menor hesitação dessa vacina. Mulheres apresentaram maior receio relativo à vacinação quando comparadas aos homens. Ainda, conforme apontado na literatura, foi observado que pessoas com menor escolaridade tendem a apresentar maior hesitação em comparação com indivíduos com níveis educacionais maiores. Participantes com ideais republicanos também apresentaram maiores índices de evitação vacinal quando comparados aos democratas. No âmbito racial, pessoas negras apresentaram maiores chances de hesitação vacinal com relação a indivíduos brancos. Porém, indivíduos asiático-americanos demonstraram menores chances quando comparados ao mesmo grupo.

            A partir desses achados, percebe-se que episódios de discriminação racial vivenciadas pela população negra podem influenciar na sua adesão a vacinação contra a Covid-19, reduzindo as chances de requerer a imunização. Partindo desse pressuposto e tendo em vista que a recusa vacinal aumenta a probabilidade de desenvolver a forma grave da doença ao contrair o vírus, faz-se necessário que o psicólogo compreenda essa relação, a fim de promover uma intervenção eficaz evitando um desfecho mais grave. Ele poderá trabalhar nas vivências relatadas pelo paciente, manejando o sofrimento apresentado e a relação do paciente com elas, buscando minimizar o impacto dessas experiências prévias na decisão vacinal. Assim sendo, é possível atenuar as chances de hesitação vacinal por indivíduos negros com uma intervenção efetiva e, consequentemente, reduzir as disparidades raciais em saúde nesse contexto.

terça-feira, 28 de março de 2023

Adesão à vacinação de HPV por homens em idade de trabalho: Uma revisão sistemática e meta-análise

 

Resenhado por Susana Santana

 

Amantea, C., Foschi, N., Gavi, F., Borrelli, I., Rossi, M. F., Spuntarelli, V., Russo, P., Gualano, M. R., Santoro, P. E., & Moscato, U. (2023). HPV vaccination adherence in working-age men: A systematic review and meta-analysis. Vaccines, 11(2), 1-14. http://dx.doi.org/10.3390/vaccines11020443

 

Todos os anos, o papilomavírus humano-HPV causa 630.000 casos de câncer em homens e mulheres. Mais de 95% dos casos de câncer cervical são devidos à infecção por HPV, representando uma séria ameaça à saúde pública. A vacina HPV é fortemente aconselhada para imunização regular aos 11 ou 12 anos de idade, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Contudo as vacinações podem começar já na idade de 9 anos. Essa recomendação, já feita pela Organização Mundial de Saúde (OMS), também é adotada pelo Ministério da Saúde brasileiro. Quando essa imunização não ocorre em idade mais jovem, o CDC aconselha imunização para adultos até os 26 anos de idade. No Brasil, desde 2022, a vacina quadrivalente do HPV foi ampliada para ser administrada em homens de até 45 anos.

Embora a infecção por HPV seja a infecção viral sexualmente transmissível mais comum no mundo, as taxas de adesão à vacinação contra o HPV nos homens são geralmente mais baixas do que nas mulheres. O objetivo do estudo em questão foi realizar uma revisão sistemática e meta-análise para mapear e avaliar a aderência de homens jovens em idade de trabalho (18-30 anos) à vacinação contra o HPV. De acordo com os critérios metodológicos de seleção estabelecidos pelos autores, oito estudos foram incluídos: 50% (quatro) examinaram a adesão à vacinação em adultos jovens através de dados registrados em bancos de dados de seguros nacionais ou de empresas privadas, 37,5% (três) em adultos jovens em diferentes ambientes, através de dados coletados em pesquisas e questionários, e 12,5% (um) numa campanha de vacinação contra o HPV, em uma prática de residência de medicina familiar. Os autores concluíram que a adesão à vacinação contra o HPV em homens em idade de trabalho (18-30 anos) tem baixa prevalência agregada (11%). A fim de alcançar um nível mais alto de adesão, sugere-se dar ênfase às campanhas de vacinação nas escolas, bem como no local de trabalho, após consulta e aprovação dos órgãos locais, regionais e federais de saúde pública.

A adesão à vacinação é um comportamento positivo de saúde, assim como ter bons hábitos alimentares e realizar atividade física regularmente. Essa prática serve de proteção de saúde frente a ocorrência de doenças infecciosas graves. Pela sua importância em desfechos de saúde, este tipo de comportamento é um dos objetos de investigação na área da Psicologia da Saúde. Entender os aspectos psicossociais que incentivam ou inibem a adesão à vacinação pode produzir evidências importantes para a formulação de campanhas efetivas de vacinação. Esse conhecimento também pode contribuir para promover a adesão de homens em comportamentos positivos de saúde.

sexta-feira, 24 de março de 2023

Crenças sobre influenza e evitação de imunização gratuita em pessoas com doenças crônicas

 

Arsenović, S., Trajković, G., Pekmezović, T., & Gazibara, T. (2022). Beliefs about influenza and avoidance of free influenza immunization among people with chronic diseases. Health Psychology, 41(7), 455–462. https://doi.org/10.1037/hea0001176

 

Resenha por Luiz Guilherme Lima-Silva.

 

            Pessoas com doenças crônicas apresentam maior risco de complicações em saúde, sobretudo quando infectadas com o vírus da influenza. A imunização diminui o risco de mortalidade quando comparado a pessoas que não aderiram a esse tipo de prevenção, sendo que tal achado foi mais proeminente em pessoas com doenças crônicas. A política de imunização varia conforme o país e a sua política de saúde, sendo que algumas das principais formas de conhecimento acerca da imunização são a recomendação feita por profissionais de saúde, como enfermeiros e médicos, assim como a veiculação de campanhas por meios de comunicação. Para melhor compreensão das dimensões psicológicas acerca da imunização, o modelo de crenças em saúde aborda alguns fatores que influenciam a tomada de decisão em comportamentos relativos à saúde. O modelo é composto de quatro fatores, que são a susceptibilidade e gravidade percebidas, e os benefícios e barreiras percebidos. Assim, o estudo objetivou examinar a associação entre as dimensões do modelo e a recusa da imunização contra influenza.

Participaram do estudo apenas indivíduos com doenças crônicas, sendo que 146 pessoas não se vacinaram contra a influenza e 149 pessoas completaram o esquema vacinal contra influenza. O questionário continha perguntas acerca de características sociodemográficas e o instrumento do Modelo de Crenças em Saúde Aplicado à Influenza (MCSAI), contendo 45 itens classificados em 7 domínios.

            A maioria dos participantes apresentaram diabetes mellitus (n = 123). Não foram encontradas diferenças entre pessoas vacinadas e não vacinadas. Pessoas mais velhas, com menor nível de escolaridade e poder aquisitivo foram as que mais se vacinaram na campanha anterior. Os participantes vacinados pontuaram mais alto nos escores de gravidade percebida e benefícios percebidos, ao passo que o escore de obstáculos percebidos foi baixo. Nos modelos de regressão logística, aqueles que pontuaram mais baixo em gravidade percebida, benefícios e obstáculos percebidos apresentaram menor probabilidade de receber imunização contra influenza. Ademais, notou-se que ser mais jovem e não ter recebido recomendações de um profissional de saúde foram associados à falta de imunização na última campanha vacinal.

            O trabalho do psicólogo da saúde em campanhas de vacinação, a exemplo da influenza, pode auxiliar a aumentar a taxa de adesão a essa medida preventiva, sobretudo em pessoas com doenças crônicas. Para isso, é importante que o profissional tenha conhecimento acerca do modelo de crenças em saúde e seus fatores, bem como as características da população alvo, como quem são as pessoas mais prováveis em não aderir à vacinação e quais os motivos que as influenciam a tomar tais decisões. Ressalta-se, ainda, que existem outros modelos de tomada de decisões em saúde que podem complementar as intervenções dos psicólogos da saúde na adesão de comportamentos preventivos.

segunda-feira, 20 de março de 2023

Desenvolvimento de uma medida para acessar os antecedentes psicológicos da vacinação

 

Betsch, C., Schmid, P., Heinemeier, D., Korn, L., Holtmann, C., Böhm, R. (2018) Beyond confidence: Development of a measure assessing the 5C psychological antecedents of vaccination. PLoS ONE 13(12): e0208601. doi: 10.1177/1359105313503027.

Resenhado por Luanna Silva

 

Ainda que a vacinação tenha um papel importante no controle de doenças e salve milhares de vidas, um número considerável de pessoas não adere a esse comportamento. Esse fenômeno mundial, conhecido como hesitação vacinal, pode ser definido pelo atraso na aceitação ou pela recusa de vacinas, apesar da disponibilidade de serviços de vacinação.

Com o objetivo de entender esse comportamento, o modelo 5C propõe cinco antecedentes psicológicos da vacinação, são eles: confidence, complacency, constraints, calculation e collective responsibility. Confiança (confidence) refere-se às crenças na eficácia e segurança das vacinas, no sistema que as administra e nas motivações dos formuladores de políticas públicas que decidem sobre a necessidade da vacinação. Teorias da conspiração, falsas informações e percepção das vacinas como um risco contribuem para a falta de confiança e atitudes negativas em relação à vacinação. Complacência (complacency) é relacionada à percepção de que os riscos das doenças evitáveis por vacinação são baixos e que se vacinar não é uma prevenção necessária. Indivíduos complacentes frequentemente não se sentem ameaçados por essas doenças, portanto, não sentem necessidade de mudar seu comportamento.

Restrições (constraints) diz respeito às limitações de disponibilidade física, acessibilidade geográfica, capacidade de compreensão e capacidade de persuasão dos serviços de imunização. A percepção de barreiras estruturais pode atuar sobre a percepção de controle e autoeficácia afetando a intenção de se vacinar. Cálculo (calculation) refere-se ao envolvimento dos indivíduos em busca por informações. É importante destacar que as fontes de pesquisa utilizadas vão ser fundamentais para o direcionamento do comportamento do indivíduo. Devido à alta disponibilidade de fontes antivacina, o cálculo pode levar tanto a vacinação quanto a não vacinação. A responsabilidade coletiva (collective responsibility) pode ser definida como a vontade de proteger os outros por meio da própria vacinação através da imunidade de rebanho. Baixos valores de responsabilidade coletiva podem ser explicados pela falta de consideração ou desconhecimento sobre a imunidade de rebanho.

Este trabalho teve como objetivo desenvolver um instrumento para a avaliação dos 5C. Foram conduzidos três estudos com cerca de 2.800 participantes. Foi aplicada a análise fatorial exploratória, testada a validade convergente, discriminante e concorrente. Obteve-se uma versão longa (15 itens) e curta (5 itens) da escala, ambas válidas e confiáveis.

Medidas como a Escala 5C são necessárias na psicologia da saúde, pois podem ser usadas como ferramenta para diagnóstico das dimensões relevantes envolvidas na hesitação vacinal. Entender os motivos pelos quais as pessoas não se vacinam é importante para o planejamento e a avaliação de intervenções que visam aumentar a aceitação da vacina. Para isso, é necessária uma medida válida e confiável que considere todos os aspectos da hesitação vacinal identificados na literatura até o momento. Destaca-se que a realização de adaptações transculturais e uso padronizado da Escala 5C pode permitir o monitoramento global e a comparação dos antecedentes psicológicos da vacinação contribuindo para melhor compreensão do fenômeno investigado.

domingo, 19 de março de 2023

Vacina, comportamento vacinal e saúde

 

Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Harvard concluiu que cerca de 76% dos efeitos adversos atribuídos à vacina de Covid-19 está ligado ao “efeito nocebo”, que é o oposto do efeito placebo em que os pacientes mencionam efeitos adversos após tratamentos sem eficácia farmacológica. Tendo em vista que o medo dos efeitos adversos é um dos grandes responsáveis pelo comportamento de hesitação vacinal, trata-se de uma pesquisa bastante relevante no âmbito da saúde pública, pois esclarecimentos à população, com base em evidência, sobre a existência do efeito nocebo, pode contribuir com a redução das preocupações e, portanto, levar ao aumento da adesão às vacinas.

Link:

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2022/01/maioria-das-reacoes-vacinas-de-covid-19-e-psicologica-conclui-estudo.html

 


sábado, 18 de março de 2023

Qualidade do sono percebida: a interação de neuroticismo, afeto e hiperexcitação

 

Cellini, N., Duggan, K. A., & Sarlo, M. (2017). Perceived sleep quality: The interplay of neuroticism, affect, and hyperarousal. Sleep Health, 3(3), 184-189. https://doi.org/10.1016/j.sleh.2017.03.001

 

Resenhado por Lucas Souza

 

Um boa noite de sono é fundamental para manutenção da saúde física e mental. Investigações prévias mostraram associações entre os traços de personalidade do modelo dos Cinco Grande Fatores (CGF), e alterações na Qualidade do Sono (QS), em especial o neuroticismo. Essa relação entre sono pobre e neuroticismo poderia ser explicada pela vivência de afetos negativos, formas de regulação emocional e pela tendência a hiperativação psicológica.

O presente estudo teve dois objetivos principais. Primeiramente avaliar as relações entre os traços de personalidade do modelo CGF e a qualidade do sono na população italiana. Em seguida, utilizando regressões múltiplas, avaliar as relações entre personalidade, afeto, hiperexcitação e qualidade do sono percebida pobre, formando um modelo unificado entre essas variáveis preditoras. Os pesquisadores esperavam encontrar relações de afeto e hiperexcitação com o fator neuroticismo e esse, por sua vez, seria o principal preditor de baixa qualidade do sono. Foram avaliados 498 indivíduos de nacionalidade italiana com média de idade 26,6 anos (DP = 7,4 anos), dos quais 78% (353) pertenciam ao gênero feminino. Os participantes responderam ao Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh [Pittsburgh Sleep Quality Index (PSIQ)], à versão de 44 itens do Inventário do Big Five, à Agenda de Afetos Positivos e Negativos, ao Questionário de Regulação Emocional e à Escala de Hiperexcitação.

Os resultados mostraram associações entre traços de personalidade e os escores do questionário PSQI: alto neuroticismo (r = 0,34, p < 0,001), baixa conscienciosidade (r = −0,12, p = 0,08), baixa amabilidade (r = −0,17, p = 0,001), baixa extroversão (r = −0,15, p = 0,006) estivaram relacionados com baixa qualidade do sono. O traço abertura não apresentou relação estatística com a qualidade do sono. O sono pobre também esteve relacionado com menos afeto positivo (r = −0,18, p < 0,001), mais afeto negativo (r = 0,33, p < 0,001), uso de supressão emocional como estratégia de regulação emocional (r = 0,11, p = 0,01) e com presença de hiperexcitação (r = 0,42, p < 0,001). Contudo, quando colocados em um único modelo de regressão ( = 0,20), apenas amabilidade, afeto positivo e hiperativação se mantiveram estatisticamente significativos. A perda do efeito preditivo do neuroticismo, quando analisado juntamente à hiperexcitação na análise multivariada, reforça a hipótese de que o papel do neuroticismo na diminuição da qualidade do sono depende do mecanismo da hiperexcitação. Outro aspecto é o achado de que a amabilidade esteve relacionada com melhor qualidade do sono, o que é provavelmente explicado por questões biológicas, por exemplo, relacionadas com o sistema serotoninérgico.

            Este estudo contribui com a psicologia da saúde ao tentar compreender melhor as relações entre a qualidade do sono e os traços de personalidade, em especial o neuroticismo, o principal preditor de sono pobre. A investigação de relações com algumas variáveis, a exemplo da presença de afetos positivos e negativos, hiperexcitação e estratégias de regulação emocional, mostrou-se útil para o melhor entendimento de como o neuroticismo se relaciona com o sono e pode guiar o desenvolvimento de intervenções voltadas à melhora de sua qualidade. De qualquer modo, estudos posteriores de delineamento longitudinal são necessários para aprofundar o entendimento sobre tais associações.

 

sexta-feira, 17 de março de 2023

Hesitação em relação às vacinas e controle comportamental percebido: uma meta-análise

 

Xiao, X., & Wong, R. M. (2020). Vaccine hesitancy and perceived behavioral control: A meta-analysis. Vaccine38(33), 5131–5138. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2020.04.076

 

Resenhado por Matheus Macena

 

A Organização Mundial da Saúde reconhece que a hesitação em relação às vacinas é uma das principais ameaças à saúde pública. Para abordar a hesitação em relação às vacinas, o presente estudo sintetizou os efeitos resumidos da atitude, normas e controle comportamental percebido nas intenções de vacinação. Grande parte da pesquisa anterior no tema buscou abordar a hesitação em relação às vacinas examinando os fatores que contribuem positivamente para as intenções de vacinação, crenças e intenções quanto a vacinação.

Na meta-análise foram incluídos 17 artigos, reduzidos de 5149 publicações, selecionados a partir de cinco bancos de dados eletrônicos com descritores específicos sobre o tema. Integraram a amostra final estudos revisados por pares e com resultados comunicados em inglês, estudos que examinaram intenções e/ou comportamentos relacionados com vacinação humana, com tamanho de amostra mínimo de 30 pessoas, estudos que incluíram medidas globais da Teoria do Comportamento Planejado (TPB) (atitude, normas e controle comportamental percebido), uma relação bivariada entre os construtos TPB e intenção tinha de ser identificada no estudo ou com os autores. Estudos transversais e prospectivos foram elegíveis mediante cumprimento dos critérios e estudos experimentais também foram considerados elegíveis para inclusão, caso todos os construtos de TPB fossem quantificados e relatados anterior a intervenção/experimento.

Foram documentadas as seguintes características dos estudos: autores (s), ano de publicação, país, e informação de amostra (por ex., tamanho da amostra e idade média). Foram sugeridas três variáveis como possíveis moderadores na previsão comportamental da vacinação, incluindo o género, tipo de vacinação (por ex., Hepatite A vs. HPV) e tipo de destinatário (por ex., self vs. outros). Além disso, três características específicas do modelo foram também consideradas como moderadores: a utilização de investigação de elicitação formativa, tipo de medidas de controle comportamental percebido e tipo de medidas normativas.

Nos resultados, viu-se que, notavelmente, um grande número de estudos empregou teorias comportamentais, em particular a Teoria da Ação Racional (TRA) e a Teoria do Comportamento Planejado (TPB). Evidências da literatura, consistentemente, apontam para a TRA e TPB como responsáveis por até 60% da variância sobre intenções, 40% da variância sobre múltiplos comportamentos de saúde e a validade preditiva de ambos os modelos foi reforçada por diferentes meta-análises. Embora pesquisas tenham demonstrado a eficácia desses dois frameworks teóricos, também foi documentado resultados mistos em relação à validade preditiva de um componente central na TPB – o controle comportamental percebido, que também é uma adição importante à TRA.

            O estudou apontou que a atitude, normas e controle comportamental percebido apareceram como preditores significativos das intenções de vacinação nas análises, sendo a atitude o mais forte. O tipo de destinatário (self vs outros) moderou significativamente a relação PBC-intenção, ao passo que as correlações entre norma-intenção foram moderadas significativamente pelo tipo de medida de norma. Também foi investigada uma pesquisa de elicitação de crenças formativas, mas ela não apresentou influências moderadoras. Os achados demonstram um claro apoio para a utilidade da teoria do comportamento planejado na explicação da hesitação em relação às vacinas.

Por fim, os resultados do estudo corroboram o uso dos construtos como base para intervenções voltadas a motivação para vacinação constitui boa prática cientifica. A psicologia da saúde tem como papel investigar intervenções que podem mudar esses construtos para motivar a vacinação, assim identificando focos para ação e áreas de interesse.

quinta-feira, 16 de março de 2023

O debate sobre vacinas em redes sociais: uma análise exploratória dos links com maior engajamento

 

Massarani, L., Leal, T., & Waltz, I. (2020). O debate sobre vacinas em redes sociais: uma análise exploratória dos links com maior engajamento. Cadernos de Saúde Pública36. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00148319

 

Estudos têm apontado que a expansão do acesso às comunicações digitais transformou a Internet em uma das mais relevantes fontes de informação em saúde para a população. Apesar do aumento no acesso à informação ter trazido benefícios, constituiu-se, também, como um terreno fértil à dispersão de informações falsas e à tomada de posição radicalizada. No Brasil, apesar do reconhecimento da importância das vacinas, a rápida disseminação de informações falsas indica um cenário de crescimento do discurso anticiência. Diante desse quadro, o objetivo do trabalho foi compreender quais informações sobre vacinas foram mais consumidas e compartilhadas nas redes sociais no contexto brasileiro recente.

A coleta dos links com maior popularidade foi feita por meio do BuzzSumo a partir do termo indutor “vacina”. Reuniu os links com maior engajamento – compartilhamentos, curtidas e comentários – no Facebook, Twitter, Pinterest e Reddit, entre 22 de maio de 2018 e 21 de maio de 2019. Utilizou-se a técnica de análise do discurso para análise do conteúdo dos links.

A amostra foi composta por 89 links que abordavam a temática da vacinação no campo da ciência e saúde e no campo político. As fakes news corresponderam a um do total de 12 links com maior engajamento. Um ponto positivo notado foi a presença do fact checking em 7 sete links. Isso demonstra que a preocupação com a veracidade e a correção de informações também é um fator de engajamento nas redes sociais. Além disso, no período analisado, observou-se a primazia de matérias que versavam sobre meningite, em grande parte impulsionadas pela morte do neto do presidente Lula. Em relação ao posicionamento dos textos, 78 foram classificados como pró-vacina e 8 como contra. Três deles foram classificados como metáfora por se referirem à vacina de forma figurada. Já os tipos de veículo foram categorizados entre sites profissionais e não profissionais, sendo que apenas três links coletados apontavam para páginas eletrônicas de instituições acadêmico-científicas: um da área médica (Abrasco) e dois educacionais.

Os autores discutem que, por um lado, o predomínio de informações verdadeiras e de discursos pró-vacina reforça que a vacinação ainda é vista como benéfica e necessária. Sendo as redes sociais são um espaço importante na contemporaneidade para a busca de informações científicas, cujo potencial deve ser explorado para promover a participação e o acesso ao conhecimento científico. Por outro lado, o menor volume dos discursos contra a vacinação entre os links de maior engajamento, em um contexto de crescimento do discurso antivacina, não representa uma contradição, e sim demonstra a necessidade de pensar hipóteses que direcionam novos esforços de pesquisa. Uma delas é a de que esse movimento não atua prioritariamente nos espaços públicos do Facebook e do Twitter, mas em outras ambiências midiáticas, como grupos fechados no Facebook e no Whatsapp.

Por fim, o conhecimento sobre forma como as pessoas pensam o processo saúde-doença é um ponto importante para os estudos na área da psicologia da saúde, visto que possibilita o desenvolvimento de intervenções psicológicas e comportamentais eficazes em diversos âmbitos, a exemplo, na adesão da população às campanhas de vacinação.

           

Técnicas psicológicas para manejo odontológico de pacientes com transtorno do espectro autista

 

Gonçalves, Y., Primo, L., & Pintor, A. (2021). Técnicas Psicológicas para manejo odontológico de pacientes com transtorno do espectro autista. Revista Psicologia, Saúde & Doenças, 22(3), 867-880. https://doi.org/10.15309/21psd220308

 

Resenhado por Júlia Nunes

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é classificado como um transtorno do neurodesenvolvimento, cujas repercussões se manifestam através de prejuízos nas interações sociais, na comunicação social e de um repertório de atividades e interesses restritos e repetitivos. As crianças com TEA frequentemente oferecem uma colaboração limitada para procedimentos odontológicos, necessitando de estratégias para manejo de comportamento. Com objetivo de sistematizar a produção sobre técnicas psicológicas no manejo do comportamento de pacientes com TEA no ambiente odontológico, foi realizada uma scoping review a partir de dados coletados nas bases de dados: Pubmed, Cochrane Library, LILACS e Scopus. Contemplou-se apenas estudos dos últimos 10 anos (2008-2018), publicados em inglês e que relataram a utilização de técnicas psicológicas ou não aversivas no atendimento/tratamento odontológico de pessoas com TEA.

A busca resultou em 242 estudos, dos quais apenas nove atenderam aos critérios apresentados. Verificou-se que a maioria dos trabalhos incluíram pacientes entre 6 e 12 anos, sendo realizada mais de uma consulta para dessensibilização e adaptação do paciente ao ambiente do consultório odontológico. A maioria dos estudos utilizaram a modelagem como intervenção para manejo do comportamento, que é uma técnica que utiliza imagens ilustrativas, fotos e livros com etapas do atendimento odontológico. Foram observadas, também, possibilidades audiovisuais, como assistir a uma gravação em DVD de uma criança submetida a uma consulta odontológica e automodelagem realizada com imagens ilustrativas, ou óculos VR. A distração audiovisual com óculos também foi um recurso utilizado a partir da utilização de vídeos, em que o filme favorito era exibido durante a consulta odontológica.

Por último, a intervenção com ambiente sensorial adaptado com cortinas de blackout e efeitos de cores visuais, em movimento lento que brilhavam no teto, e o programa D-TERMINED, que consiste em manter o contato visual (lembrando o paciente de olhar para o dentista frequentemente durante a visita), modelagem posicional (pernas para dentro em linha reta e mão em cima da barriga por 10 segundos) e contagem de tempo (contando verbal e repetidamente até 10 segundos, sempre completando o procedimento dentro desse tempo), foram outras técnicas encontradas.

Essas técnicas mostraram potencial para a cooperação e melhora no comportamento do paciente com TEA durante o atendimento odontológico. No entanto, não é possível a utilização de uma técnica que sirva para todos os pacientes, devido aos diferentes níveis cognitivos dessa condição clínica. Por isso, é sempre importante montar uma abordagem terapêutica individualizada para cada paciente. No contexto da psicologia da saúde, estudos como esse devem ser realizados, haja vista que é uma das competências da área produzir melhorias para os serviços clínicos.     

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 15 de março de 2023

Neuroticismo prediz taxas de vacinação nacional em 56 países

 

Resenhado por Brenda Fernanda P. Silva-Ferraz

 

Vermeulen, N. (2023). Neuroticism predicts national vaccination rates across 56 countries. Current Psychology. https://doi.org/10.1007/s12144-023-04234-8

 

Há uma variação significativa na cobertura vacinal Covid-19 em todo o mundo. Alguns países não progrediram de cerca de 2-3%, ao passo que outros estão perto de 100% de cobertura. Já se sabe que fatores econômicos, de saúde e questões sociodemográficas podem funcionar como preditores desse desfecho. Portanto, a presente pesquisa está interessada em fatores emocionais que podem predizer uma parte significativa dessa variação entre os países. Para tanto, avaliou-se o fator de personalidade Neuroticismo, que corresponde à tendência relativamente estável a experimentar emoções negativas, ansiedade e baixa tolerância ao estresse. As pessoas com pontuação alta em neuroticismo são mais propensas a entender as situações cotidianas como ameaçadoras. O neuroticismo, quando diretamente relacionado à reatividade emocional e sensibilidade à ameaça, parece ser fundamental para a adoção de uma estratégia para lidar com uma ameaça letal em grande escala. A hipótese da presente investigação é a de que esse fator pode ser um preditor relevante na variabilidade nas taxas de vacinação entre os países.

Os dados sobre o neuroticismo em 56 países foram retirados de um estudo realizado em 2007. Os indicadores de vacinação foram coletados no site Our World in Data (https://ourworldindata.org/). Correlações com neuroticismo foram altamente significativas para dois dos três indicadores (ter recebido pelo menos uma dose e estar totalmente vacinado: p = 0,003). Em relação aos preditores de saúde, os três indicadores de vacinação foram significativamente associados com variáveis como o produto interno bruto per capita (p < 0,001), a idade média da população do país (p < 0,001) e a taxa de obesidade (p < 0,05). O tamanho ou a densidade da população não se correlacionaram com as taxas de vacinação. Correlações parciais entre neuroticismo e taxas de vacinação permaneceram significativas após o controle do PIB, idade mediana, bem como para taxas de obesidade (IMC >30) (p < 0,01).

Os resultados das regressões mostraram que o principal preditor de vacinação em um país foi o PIB para todos os três indicadores de vacinas. O PIB sozinho representou entre 41% e 53% da variabilidade entre países nas taxas de vacinação. O neuroticismo foi o único outro preditor significativo para a taxa de vacinação (pelo menos uma dose) e representou um adicional de 9% da variância entre países. Quanto mais rico o país e maior sua média de neuroticismo pontuação, maior a sua taxa de vacinação (pelo menos uma dose). Além do PIB, para a taxa dos totalmente vacinados, a idade média previu significativamente 5% do adicional variância, sendo que o neuroticismo adicionou significativamente outros 6% ao modelo final.

O estudo concluiu, portanto, que o neuroticismo previu significativamente variações nas taxas de vacinação entre os países. Tais dados reiteram a relevância de estudos da Psicologia da Saúde que investiguem variáveis psicológicas, a exemplo dos traços de personalidade, associadas a comportamentos de saúde, a fim de que estratégias de saúde pública mais eficazes sejam pensadas.

terça-feira, 14 de março de 2023

Características psicológicas associadas à hesitação da vacina e à resistência à vacina de Covid-19

 

Murphy, J., Vallières, F., Bentall, R. P., Shevlin, M., McBride, O., Hartman, T. K., McKay, R., Bennett, K., Mason, L., Gibson-Miller, J., Levita, L., Martinez, A. P., Stocks, T. V. A., Karatzias, T., & Hyland, P. (2021). Psychological characteristics associated with COVID-19 vaccine hesitancy and resistance in Ireland and the United Kingdom. Nature Communications, 12(1), 29. https://doi.org/10.1038/s41467-020-20226-9

 

Resenhado por Luiz Fernando de Andrade Melo

 

Na Europa houve um número significativo de pessoas hesitantes ou resistentes para se vacinarem contra a Covid-19, o que exigiu o entendimento sobre quais problemas estão ligados a tais comportamentos. Parte dessa recusa ou indecisão em se vacinar está associada com crenças religiosas, conspiratórias ou paranoicas, desconfiança do governo, de cientistas e até de profissionais da saúde. Existem fatores psicológicos que também podem estar relacionados com a não-vacinação como traços de personalidade, crenças, emoções e mecanismos cognitivos. Este estudo buscou analisar diferentes características entre a população da Irlanda e do Reino Unido que estivessem correlacionadas com atitudes de não-vacinação. Verificou-se o perfil sociodemográfico bem como fatores políticos e de saúde, características psicológicas e o nível de confiança com meios de informações entre aqueles que aceitavam e que não aceitavam a vacina contra a Covid-19.

Para a pesquisa utilizou-se os dados de 1041 participantes da Irlanda e de 2025 do Reino Unido entre os meses de março e abril de 2020. Os respondentes preencheram informações sociodemográficas, indicadores de saúde e psicológicos. As características psicológicas pesquisadas foram lócus de controle, através da Locus of Control Scale - LoC, raciocínio analítico ou reflexivo, com o Cognitive Reflection Task - CRT, altruísmo, por meio da Identification with all Humanity scale - IWAH, crenças conspiratórias, com o uso da Conspiracy Mentality Scale – CMS. Ademais, utilizou-se a Persecution and Deservedness Scale – PaDS para analisar a paranoia, a Monotheist and Atheis Beliefs Scale para estudo das crenças religiosas, a Very Short Authoritarianism Scale – VSA para verificar traços de autoritarismo, a Social Dominance Scale – SDO7 para os níveis de domínio social, o Britsih Social Attitudes Survey 2015 para atitudes relativas à migrantes e o Big-Five InventoryBFI-10 para traços de personalidade. A análise de dados foi feita por meio de regressões logísticas multinomiais.

Os resultados demonstraram que quem compõe os grupos de hesitação ou de resistência à vacinação são indivíduos que tem como características psicológicas: baixos níveis de confiança em cientistas, profissionais de saúde e no Estado, mais atitudes negativas em relação à migrantes, baixa reflexão cognitiva, baixos níveis de altruísmo e do traço de amabilidade e de conscienciosidade, altos níveis de domínio social, autoritarismo, crenças religiosas e conspiratórias, lócus de controle interno e do traço de neuroticismo. Algumas dessas características foram prevalentes na Irlanda, enquanto outras no Reino Unido, mas em geral a maioria se encontra nos resultados de ambos os países.

Essas caraterísticas permitem entender qual o público que tem menor chances de aderir a campanhas de vacinação, especialmente quando se compreende que os motivos da hesitação e da resistência podem estar associados a crenças rígidas ligadas a religião ou conspiração. Além disso, é possível verificar como o nível de confiança em autoridades como cientistas e o Estado bem como traços de personalidade interferem na adesão de comportamentos de saúde tal como é a vacinação. Nesse sentido, é possível elaborar estratégias mais eficazes que se direcionem a pessoas com tais perfis, interferindo nos fatores psicológicos descritos anteriormente de modo a propiciar melhor adesão à vacina. Alguns exemplos são utilizar autoridades religiosas para incentivo à vacinação ou criar ações governamentais mais transparentes no âmbito da saúde a fim de diminuir a desconfiança da população.

A prevalência de sintomas de depressão e ansiedade entre crianças/adolescentes com sobrepeso/obesos e sem sobrepeso/não obesos na China: uma revisão sistemática e meta-análise

 

The Prevalence of Depression and Anxiety Symptoms among Overweight/Obese Non-Overweight/Non-Obese Children/Adolescents in China: A Systematic Review and Meta-Analysis

 

Wang, S., Sun, Q., Zhai, L., Bai, Y., Wei, W., & Jia, L. (2019). A prevalência de sintomas de depressão e ansiedade entre crianças/adolescentes com sobrepeso/obesos e sem sobrepeso/não obesos na China: Uma revisão sistemática e meta-análise. Jornal Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública 16 (3), 340. https://doi:10.3390/ijerph16030340

                                                                                                                             Resenhado por José Wilton

 

Um indivíduo é considerado com sobrepeso quando apresenta índice de massa corporal (IMC) maior que o recomendado para a sua idade ou altura. A problemática é crescente em todo o planeta e, quando acomete crianças e adolescentes, pode acarretar em problemas no desenvolvimento, bem como quadros de ansiedade e depressão. Esses são transtornos mentais comuns que apresentam sintomas como medo, apreensão, fadiga, palpitações cardíacas, humor deprimido, pensamento lento e comprometimento cognitivo. O objetivo desta pesquisa foi avaliar a prevalência de sintomas ansiosos e depressivos em crianças e adolescentes com sobrepeso, além de analisar os estudos individuais acerca desta temática.

O estudo proposto foi uma revisão sistemática e meta-análise, inicialmente utilizou bancos de dados de infraestrutura de conhecimento nacional da China (CNKI) Wanfang, Vip, PubMed e Web of Science. Foram selecionados 11 estudos que envolveram cerca de 17.894 participantes. Assim, dois subgrupos foram criados, sendo eles crianças e adolescentes com sobrepeso e sem sobrepeso. Os resultados apresentados mostraram relação do sobrepeso com ansiedade e depressão em crianças e adolescentes, com ocorrência de 21,7% e 39,8%, respectivamente. Em crianças e adolescentes sem sobrepeso, os índices foram menores, com 17,9% para transtornos ansiosos e 13,9% para quadros depressivos. Desse modo, os resultados apresentaram que há maior prevalência de transtornos mentais comuns em crianças e adolescentes com sobrepeso.

Segundo os autores do estudo, um dos fatores preditivos para este aumento dos transtornos mentais nesse público é o modelo educacional da China, onde os pais prestam mais atenção no desempenho escolar e ignoram o sofrimento psicológico dos filhos, aumentando a pressão de aprendizagem e também a pouca prática de atividades físicas. Outro ponto importante foi o grande crescimento da economia na China, o que acarretou em uma proliferação de restaurantes fast-food e mudou a maneira como os chineses se alimentavam. Assim, esses fatores parecem facilitar o aumento dos transtornos depressivos e ansiosos em crianças e adolescentes.

Apesar da pesquisa apresentar resultados significantes de relação entre transtornos mentais comuns em crianças e adolescentes com sobrepeso, alguns estudos encontrados nesta revisão sistemática demonstraram resultados diferentes, como exemplo, crianças e adolescentes com sobrepeso que apresentaram menores problemas psicológicos, bem como nenhuma relação entre peso e transtornos mentais comuns. Recomenda-se que sejam conduzidos estudos etiológicos no futuro, visando à busca de resultados mais significativos que relacionem obesidade e transtornos ansiosos e depressivos. Portanto, é importante que a psicologia da saúde esteja a frente de pesquisas como essas, visto que os resultados podem ajudar a elaborar intervenções precoces, pois a obesidade infantil tende a facilitar a ocorrência de muitos problemas ao longo da vida.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Hesitação à vacina de Covid-19 para crianças no Brasil

 

Campos, L. A. M., de Santana, C. M. L., da Silva, C. M., de Moraes, F. X., Domingos, L. F., Pereira, D. B. A., ... & de Souza Torres, M. (2022). Hesitação à vacina de COVID-19 para crianças no Brasil. Cadernos de Psicologia, 13-13. https://doi.org/10.9788/CP2022.2-15

 

Resenhado por Maria Heloísa

 

A emergência na saúde pública, iniciada em 2020 em virtude do novo coronavírus, foi um cenário que desencadeou a necessidade das pessoas de lidar com a imprevisibilidade. Para o controle da situação, foram desenvolvidas vacinas que previnem ou atenuam os quadros clínicos mais severos da Covid-19. Frente ao cenário de crise, algumas pessoas demostraram hesitação em vacinar-se, isto é, relutância ou recusa à vacina, fator que constitui uma ameaça ao enfrentamento da pandemia. A recusa pode ocorrer em virtude da acessibilidade do recurso e da ausência de confiança ou conhecimento sobre seus benefícios, eficácia e necessidade. Quando se trata da vacinação de crianças, viu-se a hesitação e o atraso na tomada de decisões sobre a proteção do público. Diante disso, o objetivo do estudo foi analisar como a percepção de riscos e benefícios afeta a tomada de decisão parental sobre a vacinação de crianças.

Trata-se de uma pesquisa exploratória cujos dados foram coletados online entre os meses de junho a dezembro de 2021. Foi aplicada a Escala de Hesitação à Vacina (EHV) e um questionário sociodemográfico com questões que abrangem as informações pessoais dos pais, hábitos de vacinação própria e dos seus filhos e crenças em relação à Covid. O critério de inclusão adotado foi a idade superior a 18 anos e a disponibilidade de participar do estudo online. A amostra total foi constituída por 293 pessoas que residiam em 17 estados brasileiros. Considerou-se variáveis de gênero, escolaridade e moradia compartilhada com o filho.

As análises estatísticas e descritivas do estudo permitiram a identificação da relação entre os fatores que estão envolvidos com a decisão de vacinar os filhos contra a Covid-19 na amostra, sobretudo no que se refere ao comportamento de aceitação e hesitação. A partir dos resultados, não foram encontrados efeitos significativos entre o gênero e as variáveis benefício da vacina e intenção de vacinar ou não a criança. Também se identificou que residir com o filho não resultou em efeitos sobre o benefício da vacina, a percepção de risco e a intenção de vacinação do menor. Além disso, o fator escolaridade e a intenção de vacinação não estiveram relacionados à disposição de vacinar os filhos contra a Covid-19. Em contrapartida, foi encontrada relação positiva entre a percepção de benefício e a intenção de vacinar o filho e uma correlação negativa entre a percepção de risco e a intenção de vacinar a criança. Diante disso, entende-se que, na amostra desta pesquisa, há maior possibilidade dos pais vacinarem as crianças quando a percepção de risco da vacina é diminuída e a valorização de seus benefícios é aumentada.

Dados os achados da pesquisa, entende-se que esta pesquisa é importante para a Psicologia da saúde, já que investigar o comportamento parental perante à vacina da Covid-19 é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas focadas nos fatores que levam à maior adesão a comportamentos de saúde. No estudo em questão, encontrou-se que os maiores motivadores na aceitação da vacina da Covid-19, possivelmente em virtude de ser uma vacina nova, foram os medos e a preocupação com a vacinação.

Diante de limitações encontradas, foi sugerido que as próximas pesquisas sobre o assunto obtenham um maior número de respondentes por estados do Brasil, a fim de que seja possível a realização de inferências mais precisas acerca do comportamento parental frente a vacinas no país. Por fim, também foi apresentado como sugestão que estudos posteriores reavaliem possíveis relações de influência do gênero dos pais na hesitação de vacinar as crianças.