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quinta-feira, 27 de julho de 2023

Abordando o neuroticismo no tratamento psicológico

 

Sauer-Zavala, S., Wilner, J. G., & Barlow, D. H. (2017). Addressing neuroticism in psychological treatment. Personality Disorders: Theory, Research, and Treatment, 8(3), 191-198.  doi: http://dx.doi.org/10.1037/per0000224

Resenhado por Luanna Silva

 

Neuroticismo é um traço de personalidade caracterizado pela tendência de experimentar frequentemente e intensamente emoções negativas - como ansiedade, medo, raiva, tristeza- diante de uma ampla gama de fontes estressoras. Outra característica é a percepção do mundo como perigoso e a avaliação de si mesmo como alguém incapaz de lidar com eventos ameaçadores. Como resposta, uma das manifestações comportamentais do neuroticismo é o foco no criticismo a si e àqueles ao seu redor.

O neuroticismo está associado a diversos problema de saúde pública, desde transtornos psicológicos (a exemplo dos transtornos de ansiedade, depressão, personalidade) a doenças físicas (como síndrome do intestino irritável, asma, eczema, doenças cardiovasculares). Além disso, esse traço prevê a busca por assistência em saúde e a resposta ao tratamento tanto para transtornos mentais quanto para problemas gerais de saúde. Considerando a tendência de analisar além dos diagnósticos para identificar os principais processos implicados no desenvolvimento e manutenção dos sintomas em uma variedade de distúrbios, adotar o neuroticismo como alvo de intervenção terapêutica parece ser um meio eficiente e econômico de abordar os diversos problemas de saúde pública associados a ele.

Muitos estudos têm contrariado a ideia de que os traços de personalidade não são maleáveis, sendo identificado que intervenções desenhadas especificamente para agir sobre a personalidade pode obter desfechos bem sucedidos. A área da psicofarmacologia investe fortemente em pesquisas sobre esse tema, já tendo identificado agentes farmacológicos específicos que atuam nas dimensões da personalidade. Quanto as intervenções psicológicas, observa-se que existem poucas estratégias planejadas diretamente para esse fim. O Unified Protocol for Transdiagnostic Treatment of Emotional Disorders (UP) é exemplo de intervenção desenvolvida para abordar o neuroticismo. Consiste em seis módulos básicos de tratamento destinados a extinguir o sofrimento em resposta à experiência de emoções aversivas. Inicialmente os pacientes são psicoeducados sobre a função das emoções e aprendem como se envolver de modo saudável em vez de evitar o que sentem. No passo seguinte, por meio do mindfullness, os pacientes aprendem os benefícios de uma atitude focada no presente e sem julgamento em relação às suas emoções. O módulo três é focado em encorajar o paciente a ser mais flexível na maneira como avalia as situações que provocam emoções, questionando interpretações automáticas. O quarto estágio envolve a identificação de comportamentos de evitação que impedem a exposição total a emoções fortes. O tratamento é finalizado com a exposição a situações que eliciam emoções aversivas. Este protocolo tem acumulado evidências de eficácia para o tratamento de transtornos de ansiedade, depressão, estresse pós traumático e transtorno bipolar.

Considerando que o neuroticismo está associado a vulnerabilidade responsável pelo desenvolvimento e manutenção de condições de adoecimento físico, parece relevante que psicólogos da saúde estejam atentos aos achados dos estudos com essa temática. Além disso, é importante destacar que apesar das evidências apontarem que tratamentos psicológicos específicos podem ter efeito sobre esse traço, existem poucos trabalhos com esse objetivo. Logo, psicólogos da saúde podem contribuir para o desenvolvimento e avaliação de protocolos delineados para agir sobre o neuroticismo.

 

Terapia baseada em exposição e mindfulness para síndrome do intestino irritável – Um estudo piloto aberto

 

Ljótsson, B., Andréewitch, S., Hedman, E., Rück, C., Andersson, G., & Lindefors, N. (2010). Exposure and mindfulness based therapy for irritable bowel syndrome–an open pilot study. Journal of behavior therapy and experimental psychiatry, 41(3), 185-190. Henrich, J. F., Gjelsvik, B., Surawy, C., Evans, E., & Martin, M. (2020). Doi: 10.1016/j.jbtep.2010.01.001

Resenhado por Luanna Silva

 

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é um distúrbio da interação cérebro-intestino. Essa condição não apresenta marcadores biológicos que podem ser detectados com ferramentas de diagnóstico de rotina, sendo amplamente reconhecido que uma interação complexa de fatores biológicos, neurais, imunológicos e psicológicos desempenham um papel na etiologia e manutenção do quadro.

Tratamentos psicológicos ajudam a reduzir a gravidade da SII e melhorar a saúde mental e a qualidade de vida dos pacientes diagnosticados com esse distúrbio. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) se destaca entre as abordagens de sucesso com essa população, contudo, observam-se inconsistências em alguns estudos. Diante disso, surge a hipótese de que a TCC clássica sozinha pode não ser a melhor estratégia de tratamento e que outras abordagens precisam ser testadas. Neste estudo foi desenvolvido e avaliado um protocolo de TCC com exercícios de mindfulness e exposição aos sintomas da SII e ansiedade específica aos fatores da doença.

A amostra foi composta por 34 pacientes com idade média de 34,6 anos (DP = 11,00). Foi aplicado o Diário Gastrointestinal para registro dos sintomas de SII, Visceral sensitivity index para medir a ansiedade específica, Irritable bowel syndrom quality of life instrument para avaliar a qualidade de vida, Montgomery Åsberg Depression Rating Scale – Self para investigar sintomas de depressão e Sheehan Disability Scales para avaliar incapacidade nas áreas social, laboral e familiar. O tratamento foi composto por 10 sessões de grupo semanais, com 2 horas de duração, conduzidas por dois psicólogos, com 4-6 pacientes em cada grupo. O protocolo abrangeu três temas principais. Primeiro, foi realizada a psicoeducação sobre um modelo psicológico de SII, sendo destacado o efeito negativo de comportamentos que servem para controlar ou evitar sintomas do distúrbio. O segundo tema foi mindfulness. Os pacientes aprenderam um exercício de 15 minutos, a ser praticado diariamente, destinado a trazer o paciente à consciência imediata dos sintomas atuais de SII, pensamentos, sentimentos e impulsos comportamentais. O terceiro tema foi a exposição, dividida principalmente em três categorias: sintomas da SII (eliciar sintomas por meio do consumo de comidas específicas, situações estressoras), evitação de comportamentos que controlam os sintomas (como distração, idas frequentes ao banheiro, restrição alimentar) e enfrentar situações em que o aparecimento dos sintomas da SII é indesejável (como usar o transporte público).

Os participantes experimentaram melhorias significativas em quase todas os desfechos investigados. Observou-se que 50% dos pacientes apresentaram melhora estatisticamente significativa no nível dos sintomas de SII. Os índices de qualidade de vida, incapacidade e ansiedade específica também apresentaram diferenças estatisticamente significativa quando comparados com os valores anteriores ao tratamento. Não houve mudanças estatisticamente significativas no nível de depressão dos participantes. A falta de comparação com grupo controle é uma limitação importante deste estudo e deve ser considerada ao avaliar os achados, pois não permite análises conclusivas.

Por fim, a SII é uma condição física intensamente afetada por fatores psicológicos. O psicólogo da saúde pode agir tanto sobre a investigação dos mecanismos envolvidos no desenvolvimento e manutenção do quadro, a fim de promover tratamentos eficazes; como pode oferecer suporte psicológico ao paciente e familiares para ajudar na adaptação ao diagnóstico.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Correlações clínicas da técnica de mindfulness na terapia complementar da cefaleia

 

Santos, P. M., Oliveira, J., & Gomides, L. F. (2021). Correlações clínicas da técnica de mindfulness na terapia complementar da cefaleia. Journal of Applied Pharmaceutical Sciences, 1(7), 77-88. https://16d60378-059a-451a-9c4f-571007ce2a8f.filesusr.com/ugd/e6f2ee_98ce6efc057347438248136937f8a468.pdf

Resenhado por Jéssica Dantas

 

            A cefaleia, condição neurológica caracterizada por uma sensação dolorosa, aguda ou incômoda em qualquer parte da região craniana, está classificada entre as doenças mais incapacitantes do mundo. Um dos tipos mais comuns de cefaleia, a enxaqueca, atinge cerca de 15% da população mundial. No Brasil, mais de 30 milhões de pessoas têm essa doença. Essa condição de saúde impacta negativamente a qualidade de vida e a produtividade das pessoas que são acometidas por ela. Estudiosos do tema têm defendido a necessidade de adotar medidas, não apenas farmacológicas, para o alívio dos sintomas.

            As Terapias Complementares (TC’s) têm sido consideradas uma alternativa menos invasiva para o enfrentamento de problemas relacionados à saúde e, atualmente, vêm sendo integradas ao Sistema único de Saúde (SUS). O mindfulness é tido como uma dessas terapias e é definida como consciência que emerge através do ato de prestar atenção, com propósito e sem julgamento, do desenrolar da experiência no momento presente. Pesquisas têm apontado para a eficácia dessa técnica na melhora dos sintomas da cefaleia e têm crescido a sua utilização em diversos contextos da área da saúde.

            Diante dessa perspectiva promissora do mindfulness no âmbito da saúde, o presente estudo objetivou reunir dados da literatura para as discussões sobre o mindfulness como instrumento de prevenção e de tratamento da cefaleia, como uma TC junto ao acompanhamento clínico do paciente. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica integrativa na qual foram consultadas as bases de dados da U. S. National Library of Medicine National Institutes of Health (PUBMED), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Scientific Electronic Library Online (Scielo). Foram escolhidas as publicações dos últimos cinco anos em inglês e português. A seleção final ficou constituída de 11 artigos, sendo 07 revisões bibliográficas e 04 ensaios clínicos randomizados.

Os resultados obtidos indicaram a eficácia da técnica de mindfulness como um método complementar para o tratamento da cefaleia. Os dados apontaram para a diminuição da percepção e da modulação da dor, redução da frequência e da intensidade do sintoma, além de proporcionar a autoeficácia em suportar a sensação de dor, associada a diminuição do consumo de analgésicos e maior capacidade de autocontrole.

Esse estudou forneceu evidências para a prática de mindfulness como uma terapia complementar eficaz para a cefaleia. Esse é um tema importante para diversas áreas, especialmente para a Psicologia da Saúde, por poder contribuir para a melhoria da qualidade de vida e retorno à funcionalidade das pessoas acometidas por essa condição de saúde. Faz-se fundamental a divulgação entre os profissionais da saúde para que venham a aprimorar suas práticas e trazer maiores benefícios ao paciente no seu tratamento.

sábado, 22 de julho de 2023

Revisão bibliográfica da efetividade da Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC)

Resenhado por Brenda Fernanda P. Silva-Ferraz

 

Ccasa, J. P., Echenique, N. S., & Zarate, P. Revisión Bibliográfica de la Efectividad de la Terapia Racional Emotiva Conductual (REBT). Revista de Investigación Apuntes Científicos Estudiantiles de Psicología, 1. https://revistas.upeu.edu.pe/index.php/r_psicologia/article/view/934

 

A Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC) foi criada por Albert Ellis no final da década de 50 e início da década de 60, e propõe que as pessoas adoecem mentalmente em função de interpretações irracionais não confirmadas, absolutistas, punitivas, que causam desesperança e autoderrota. Isso implica em uma baixa variedade de recursos para avaliar e lidar com os acontecimentos da vida. A TREC busca que a pessoa tome consciência de suas demandas emocionais e veja sua responsabilidade na criação e manutenção dos problemas como resultado de seu sistema de crenças irracionais. O objetivo da TREC é, portanto, modificar crenças irracionais, criando novas crenças racionais efetivas, que vão impactar nas emoções e comportamentos.

O presente estudo consistiu em uma revisão bibliográfica da literatura, sem a utilização de métodos sistemáticos, com o objetivo de caracterizar e descrever a TREC. O artigo é separado em seções, a saber: introdução; Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC) – dentro desta seção, descreve as técnicas da abordagem; resultados – seção que descreve sua aplicação na área clínica; discussão; e conclusões.

Na caracterização da abordagem, descreve-se o modelo ABC, que norteia na conceitualização dos casos clínicos. O “A” indica o “acontecimento ativador” ou “adversidade”, que é a situação ocorrida que causa a perturbação no indivíduo. O “B” indica as crenças, pensamentos que o indivíduo tem sobre os acontecimentos; são reflexos de crenças ou filosofias profundas de vida. O “C” diz respeito a consequências emocionais ou comportamentais, ou seja, como o indivíduo se sente ou se comporta em função das crenças diante dos acontecimentos. Destaca-se que a técnica básica da TREC consiste em perguntar e discutir, confrontando o paciente com evidências sobre sua forma irracional de pensar e de se comportar. Outras técnicas são: insight racional emotivo, método socrático, debate filosófico, imaginação racional emotiva, autoanálise racional, imaginação terapêutica e imaginação aversiva, imagens racionais emotivas, reestruturação racional sistemática debater crenças irracionais, autoexame racional, dentre outras.

Os resultados apresentam evidências de estudos que demonstram a eficácia da TREC, a saber: mudanças na percepção da qualidade de vida, na saúde física e nas relações interpessoais, bem como redução nos níveis de depressão e estresse em pacientes com câncer de mama em estágio avançado (González et al., 2015); redução dos níveis de hipertensão, raiva, estresse e ansiedade em pacientes com hipertensão arterial (Holst & Quirós, 2011); manejo dos transtornos de ansiedade generalizada (TAG) (Pedroza, 2007), conduta e TDAH (Vidal, 2015); depressão (Córdova, 2010); TOC (Behobi et al., 2013); e transtorno de ansiedade com agorafobia (Yankura & Dryden, 2005).

Conclui-se sobre a eficácia da TREC para diversas condições clínicas. Destaca-se a importância, para o psicólogo da saúde, de conhecer abordagens terapêuticas que demonstrem evidências científicas para melhor intervenção frente ao sofrimento psicológico.           

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Impactos do tratamento com técnicas de Mindfulness na obesidade e transtornos alimentares

 

Barbosa, M. R., Penaforte., F. R. O., & Silva, A. F. S. (2020). Mindfulness, mindful eating and intuitive eating in the approach to obesity and eating disorders. Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool Drogas, 16(3), 118-135. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.165262

Resenhado por Thayslane Ribeiro-Almeida

           

A obesidade e o sobrepeso são problemas cada vez mais comuns e, apesar das informações sobre as consequências dessas condições, a adesão ao tratamento é frequentemente baixa. As dietas se firmam em um pressuposto de redução da quantidade ou mudança na qualidade dos alimentos consumidos, dessa forma, o controle é feito de forma cognitiva e por fatores externos, o que leva a uma falta de conexão do indivíduo com sua sensação de fome e saciedade. Esse contexto pode contribuir para a desregulação do comportamento alimentar, culminando na recidiva do peso e desenvolvimento de transtornos alimentares.

            Mindfulness é uma técnica voltada a atenção plena em uma determinada situação, já o Mindful eating (ME) se refere a mesma técnica, mas relacionada a alimentação. O comer intuitivo (CI) é outra intervenção semelhante. Tais técnicas consistem em trazer a pessoa para uma maior consciência durante as refeições, focando nos sinais fisiológicos do seu corpo, como fome e saciedade, e não no valor calórico dos alimentos. Nesse contexto, a presente pesquisa teve como objetivo realizar uma revisão integrativa da literatura sobre essas intervenções em relação ao comportamento alimentar, aspectos físicos e psicoemocionais.

 Para realização do estudo foi adotado o protocolo internacional para estudos de revisão e metanálise, o Preferred Reporting Items for Systematic Reviews (PRISMA) A busca dos artigos foi realizada nas plataformas PubMed, PePSIC, PsycINFO, LILACS, SciELO, e BVS-PSI com os seguintes descritores indexados segundo a padronização do DeCs/MeSh: transtorno alimentar (eating disorder ou feeding disorder), comportamento alimentar (eating behavior), atenção plena (mindfulness), obesidade (obesity) e excesso de peso (overweight). Além desses, foram utilizados “mindful eating” e “comer intuitivo”, que não estavam indexados, mas apareciam com frequência nos campos de busca.

Foram encontrados 785 artigos a princípio. Depois das exclusões (duplicados, que não respondiam as perguntas de pesquisa/atendiam os critérios de inclusão) restaram 38 artigos para análise, formando o corpus textual final.  As intervenções baseadas em ME e CI tiveram bons resultados em relação aos comportamentos alimentares: 55,3% dos artigos demonstraram redução de episódios de compulsão alimentar, comer emocional e alimentação guiada por estímulos externos. No que se refere aos aspectos físicos, as pesquisas com foco em intervenção, em sua maioria (66,7%), demonstraram uma redução significativa do peso dos participantes. Por outro lado, estudos randomizados não encontraram diferenças entre os grupos experimentais e controle.

Sobre os aspectos psicoemocionais, 80% dos artigos evidenciaram melhora, a exemplo da redução de sintomatologia ansiosa e depressiva e estresse percebido. Ademais, a prática do ME e CI também esteve relacionada a uma maior flexibilidade psicológica e redução de evitação experiencial. A melhora na capacidade de respostas as sensações do corpo também foi um fator de destaque, o que faz sentido na medida em que o foco dessas técnicas é focar a atenção no presente e para as necessidades fisiológicas.

Esta revisão trouxe informações acerca de intervenções de mindfulness e CI em pessoas com obesidade e transtornos alimentares. Esses achados são importantes para a Psicologia da Saúde, pois permitem entender quais os aspectos psicológicos relacionados a obesidade, adesão as dietas/tratamentos e manutenção de peso. Dessa maneira, este estudo pode contribuir para fomentar intervenções mais efetivas, impactando positivamente na qualidade de vida desse público.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Revisando o impacto psicológico nos filhos adolescentes de pais com doenças crônicas não transmissíveis

 Penatti, C. A. A., Lara, D., & Flaborea, R. S. (2022). Revisando o impacto psicológico nos filhos adolescentes de pais com doenças crônicas não transmissíveis. SMAD, Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas, 18(2), 138–148. https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2022.181705

Resenhado por Hugo Santana-Batista

 

Pessoas com doenças crônicas são suscetíveis à alterações na qualidade de vida e em sua saúde mental. Quando se trata dos familiares desses pacientes, prejuízos emocionais e psicológicos também são percebidos, visto que há  uma tendência de toda a família se sobrecarregar, especialmente no aspecto financeiro. Assim, observa-se que filhos adolescentes (12 a 18 anos) de pais com doenças crônicas tornam-se vulneráveis a desequilíbrios emocionais e comportamentais, além da propensão ao abuso de substâncias.

O presente estudo teve como objetivo fazer uma revisão crítica da literatura sobre quais são os impactos psicológicos nos filhos adolescentes de pacientes crônicos, focando, principalmente, na qualidade de vida e na questão do uso de substâncias psicoativas. O método de revisão consistiu na pesquisa por meio de coleta de dados secundários e fontes bibliográficas nas bases de dados PubMed e Scielo, utilizando os descritores “parental”, “cancer”, “mental disease” “dor crônica” e “doença crônica”. Foram avaliados artigos em inglês, português e espanhol publicados entre 1990 e 2021. Após análise dos achados, restaram 11 artigos.

Foi possível dividir os achados em 3 blocos: relacionados ao câncer (n = 4), referentes à doença crônica (n = 3) e associados a transtornos mentais (n = 4). Esses grupos, de acordo com os estudos, têm se mostrado capazes de impor estresse psicológico aos filhos adolescentes. Vale ressaltar que o impacto das doenças parentais foi diferente entre os grupos devido aos fatores singulares de cada bloco. Nas pesquisas de câncer parental, por exemplo, foi possível observar uma maior incidência de depressão e ansiedade em filhos desses pacientes, comparados ao bloco de dor crônica parental. As taxas de abuso de álcool, tabaco e drogas ilícitas também são aumentadas, principalmente em casos de neoplasia maligna sem sucesso e transtornos mentais graves dos pais.

Diante dos resultados, é possível inferir que há uma divergência dos pais entre a percepção da saúde psicológica de seus filhos e o autorrelato dessas crianças acerca do sofrimento emocional decorrente da doença de seus responsáveis. Além disso, os estudos concluíram que ter pais com transtornos psíquicos determina um fator de risco significativo para o desenvolvimento de depressão na adolescência, somado à uma redução de autoestima nesses filhos. Outro achado importante se refere ao desempenho escolar dos filhos de pais que possuem transtorno depressivo, o qual é reduzido comparado a outros adolescentes na mesma idade escolar.

Portanto, conclui-se que é necessário um cuidado integral em relação às pessoas com doença crônica e suas famílias. Para a psicologia da saúde, a pesquisa descrita é importante ao visar estudos que envolvem intervenções em contextos de pacientes com doenças crônicas, além de auxiliar na identificação de fatores estressores em filhos adolescentes de pessoas desse grupo. Tais conclusões reiteram a necessidade de um maior conhecimento não só dos pacientes crônicos, mas também de seu ambiente familiar e suas condições de risco.                 

terça-feira, 18 de julho de 2023

O estresse e a saúde mental de profissionais da linha de frente da Covid-19 em hospital geral

 

Front line staff stress and mental health during COVID-19 pandemic in a general hospital

Horta, R. L., Camargo, E. G., Barbosa, M. L. L., Lantin, P. J. S., Sette, T. G., Lucini, T. C. G., ... & Lutzky, B. A. (2021). O estresse e a saúde mental de profissionais da linha de frente da COVID-19 em hospital geral. Jornal Brasileiro de Psiquiatria70, 30-38. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000316

                                                                                                                             Resenhado Por José Wilton

 

Os efeitos psicossociais durante a pandemia da Covid-19 podem deixar muitos profissionais da área da saúde vulneráveis, principalmente, aqueles que atuaram na linha de frente. Esses profissionais relataram alto nível de estresse e sobrecarga devido à falta de vacinas, jornadas de trabalho prolongadas, falta de equipamentos de segurança, evolução graves de alguns pacientes, testes insuficientes e medo da infecção do vírus. Portanto, este estudo teve o objetivo de investigar os efeitos da atuação na linha de frente da Covid-19 na saúde mental de profissionais de hospital público.

O estudo trata-se de um recorte transversal de estudo prospectivo, com abordagem mista, envolvendo apenas profissionais que atuam na linha de frente da Covid-19. Foram selecionadas para participar da pesquisa 278 pessoas, sendo excluídas 112 participantes (40%) dos quais 72 (80%) relataram não estar atuando na linha de frente ou não possui mais vínculo com o hospital. Restando 166 profissionais, destes 43 (26%) recusaram participar da pesquisa relatando muito cansaço, sobrecarga, adoecimento ou familiar doente. A amostra final contou com 123 participantes. A coleta de dados ocorreu durante a inclinação das curvas de contágio. As entrevistas ocorreram do dia 11 a 14 de junho de 2020, tendo sido realizadas por uma equipe previamente treinada. Foram aplicados os Self-Reporting Questionnarie (SRQ-20) buscando ocorrências de transtornos mentais, Perceived Stress Scale (PSS), que avalia percepção de estresse e Oldenburg Burnout Inventory (OBI) com o intuito de verificar casos de Burnout.

Os resultados apresentaram que 40% da amostra indicou pontuações compatíveis com transtornos mentais comuns. Viu-se também que 45% tiveram escores iguais ou superiores a 25 pontos no PSS, o que indicava altos níveis de estresse. No OBI, que além de verificar casos de Burnout também mensura o nível de exaustão e distanciamento, apresentou que 60% da amostra atingiram escores de exaustão, dos quais 49% exibiram distanciamento do trabalho. O Burnout estava presente em 41% do grupo. O estudo observou elevados níveis de carga de trabalho pelas equipes, visto que a mediana para a atuação na linha de frente da Covid-19 foi de 36 horas, uma semana anterior as entrevistas. No entanto, 24,4% do grupo referiu ter trabalhado 45 horas ou mais naquela semana. Os achados foram consoantes à literatura, a qual traz evidências de que a sobrecarga na linha de frente da Covid-19 é a principal fonte de sofrimento mental, visto que a carga excessiva pode contribuir com alto níveis de estresse, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático.

Portanto, constatou-se que profissionais que atuaram na linha de frente da Covid-19 apresentaram resultados preocupantes nos quadros de saúde mental. Assim, é importante tal estudo para a psicologia da saúde, pois promove conhecimento acerca dos efeitos nocivos que os profissionais da saúde exibiram ao estar na linha de frente da Covid-19. Desta forma, pode-se elaborar medidas de intervenções que promovam melhores condições de trabalho e diminua os níveis de estresses desses profissionais, contribuindo para uma melhora na saúde mental dos mesmos.

 

domingo, 16 de julho de 2023

Efeitos da meditação baseada em mindfulness no estresse e no burnout entre enfermeiros

 

Green, A. A., & Kinchen, E. V. (2021). The effects of mindfulness meditation on stress and burnout in nurses. Journal of Holistic Nursing, 39(4), 089801012110158. https://doi.org/10.1177/08980101211015818

 

Resenhado por Luiz Fernando de Andrade Melo

 

O burnout é a exposição crônica a estresse psicológico resultado do desequilíbrio entre demandas ocupacionais e a habilidade do indivíduo em lidar com tais demandas. Ele é caracterizado pela exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal. Enfermeiros que sofrem de burnout estão mais sujeitos a experimentar sintomas físicos e psicológicos como fadiga, ansiedade, depressão e insatisfação laboral, além de serem mais prováveis de abusarem de substâncias químicas. O burnout também está associado com impacto negativo nos relacionamentos e com maiores chances de doenças físicas como hipertensão.

Mindfulness ou atenção plena, por outro lado, é um exercício de manter a atenção ao momento presente, sem julgamentos, aceitando sensações desagradáveis. Tal prática se distingue da postulação e da ruminação, que promovem estresse e formas de enfrentamento prejudiciais à saúde. O Programa de Redução do Estresse Baseada em Mindfulness consiste numa modalidade de intervenção que utiliza meditações de mindfulness para redução do distresse psicológico e promoção do bem-estar, podendo auxiliar no cuidado do burnout e do estresse entre enfermeiros. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo fazer uma revisão crítica da literatura sobre a eficácia dessas meditações realizadas pelo programa, com o intuito de identificar lacunas e promover recomendações futuras sobre o tema.

O método da revisão consistiu na pesquisa de literatura entre diferentes bases de dados, com a identificação de estudos revisados por pares e publicados com termos mindfulness, meditação, redução do estresse baseada em mindfulness, burnout, estresse, estresse ocupacional e enfermeiros. Foram incluídas pesquisas publicadas entre 2000 e 2020 com idioma em inglês, utilizando intervenções ou adaptações do Programa de Redução do Estresse Baseada em Mindfulness de Kabat-Zinn. Ao final, foram utilizados 8 estudos para a revisão crítica.

Boa parte dos estudos (n = 5) tinham amostras entre 10 e 40 enfermeiros, sendo que a maior e a menor amostra foram de 65 e 13 pessoas, respectivamente. A maioria usou o Maslach Burnout Inventory, a Self-Compassion Scale, a Perceived Stress Scale e a Professional Quality of Life Scale. Os resultados em relação ao estresse demonstraram que quem passou pela intervenção experimentou ao menos 50% de redução do estresse em comparação ao grupo controle nas pesquisas encontradas. Enfermeiros recém-formados também experimentaram diminuição dos níveis de estresse sustentadamente por 6 meses seguidos da intervenção. Já quanto ao burnout, uma pesquisa relatou aumento de autoconsciência, controle da raiva, melhoria de relacionamentos e foco, bem como redução do estresse e da ansiedade com as meditações em mindfulness. Noutro estudo, houve melhoria em relação aos burnout, humor depressivo, autocompaixão, qualidade de vida subjetiva e os níveis de redução do burnout persistiram ao longo de 6 meses.

Os resultados sugeriram que a prática de mindfulness pode ser benéfica para o tratamento do burnout e do estresse nessa população específica, especialmente pelas altas demandas sofridas. Além disso, as meditações em mindfulness também podem ser fatores protetivos para tais alterações psicológicas, uma vez que promovem aumento da autocompaixão, da resiliência e da satisfação. Para Psicologia da Saúde, o estudo de intervenções em burnout e estresse entre enfermeiros, como a mindfulness, é importante tanto para redução de seus sintomas quanto para os problemas secundários decorrentes dessas condições. Um exemplo disso é que o burnout em enfermeiros está ligado com sentimentos de sobrecarga e consequente ineficácia no cuidado de pacientes, como também desconforto físico.

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Mindfulness aplicado à saúde

 

Demarzo, M., & Garcia-Campayo, J. (2017). Mindfulness aplicado à saúde. Programa de Atualização em Medicina de Família e Comunidade, 12(1), 9-48. https://www.researchgate.net/publication/317225586_Mindfulness_Aplicado_a_Saude_Mindfulness_for_Health

Resenhado por Beatriz de Oliveira Santos

O mindfulness pode ser compreendido como um estado mental caracterizado por dois componentes: a autorregulação da atenção, que está relacionada à atenção dada ao fenômeno enquanto ele ocorre; e a atitude de abertura e curiosidade frente à experiência, que está voltada à observação do fenômeno como ele é. Além disso, refere-se também a um traço psicológico, de modo que uma série de exercícios, técnicas e práticas podem aprimorar essa característica. Nos últimos anos, as intervenções baseadas em mindfulness (MBIs) têm sido aplicadas em contextos de saúde, com o objetivo de auxiliar no manejo de algumas condições médicas, por meio do ensinamento de práticas de atenção plena em programas estruturados e manualizados.

Este artigo abordou os principais conceitos e práticas associadas à aplicação de mindfulness no campo da saúde, bem como realizou uma revisão das evidências disponíveis sobre a aplicação de MBIs em condições clínicas e não clínicas. Ainda, discutiu sobre a implementação da prática no contexto de atenção primária à saúde (APS). Um conjunto de resultados de metanálises trazidos no estudo exemplificam a eficácia do mindfulness no manejo do estresse, nos transtornos de ansiedade, transtornos de depressão e em condições crônicas, como câncer, dor crônica, diabetes e hipertensão.

É evidente o crescente corpo de evidências em relação às MBIs. Essas intervenções se dão por meio de programas estruturados. No caso do manejo do estresse, um dos programas utilizados e prevalente nas pesquisas trazidas neste estudo é o MBSR, que apresenta uma eficácia moderada na maioria das pesquisas analisadas. As evidências científicas mais robustas sobre os efeitos do mindfulness são em relação aos transtornos depressivos com o programa MBCT. Já para a ansiedade, os estudos abordaram o uso do MBSR, do MBCT e de MBIs de modo geral. Quanto às condições clínicas crônicas, câncer e dor crônica são aquelas em que há maior aplicação de MBIs. Os resultados apresentados indicam algumas melhorias no sono, em sintomas de ansiedade, depressão e na qualidade de vida. Por fim, os efeitos de MBIs em pacientes com diabetes, hipertensão e multimorbidades ainda foram pouco explorados, não havendo muitos estudos sobre esses quadros na literatura.

O texto traz uma discussão sobre a implementação do mindfulness no sistema de saúde, destacando a necessidade de elaboração de planos estratégicos para que seja possível o acesso a essas intervenções. O programa PSBM, por exemplo, é uma adaptação para intervenção no contexto de APS, com o objetivo de facilitar a implementação de MBIs breves nesse serviço. Ao contrário do modelo MBSR, o PSBM utiliza sessões mais curtas e segue uma sequência didática de conteúdo, visando ao aprendizado de pacientes, usuários e profissionais de saúde. Além disso, o PSBM estava sendo testado em versões mais curtas, com menos sessões presenciais e também em formato online.

Ao cultivarem a atenção plena, as intervenções baseadas em mindfulness têm como objetivos o desenvolvimento de habilidades de autorregulação emocional, manejo do estresse e melhoria do bem-estar psicológico. Essas habilidades são especialmente relevantes no contexto da saúde, pois contribuem para o enfrentamento de doenças orgânicas. Portanto, a realização de mais estudos que investiguem a eficácia do mindfulness no tratamento de condições de saúde é de extrema importância para a Psicologia da Saúde, pois se trata de intervenções que podem oferecer alternativas de estratégias mais adaptativas para lidar com o adoecimento físico.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Como a qualidade do sono afeta a saúde mental?

 

Scott, A. J., Webb, T. L., James, M. M., Rowse, G., & Weich, S. (2021). Improving sleep quality leads to better mental health: A meta-analysis of randomised controlled trials. Sleep Medicine Reviews, 60(60), 101556. https://doi.org/10.1016/j.smrv.2021.101556

 

Resenhado por Beatriz Lima

 

Dificuldades com o sono são altamente prevalentes e se estima que um terço da população mundial apresenta sintomas de insônia ao longo da vida. Problemas com saúde mental também são comuns na população em geral e a literatura vem apontando um crescimento nesse aspecto. O sono e a saúde mental estão intrinsicamente ligados. Indivíduos com insônia apresentam de dez a 17 vezes mais chances de desenvolverem manifestações depressivas e ansiosas quando comparados a outros sem problemas com o sono. Dificuldades com o sono também foram associadas a outros desfechos negativos em saúde mental, como transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e distúrbios alimentares. No entanto, observa-se uma fragilidade nas evidências científicas que corroboram a relação de causalidade entre problemas como o sono e dificuldades em saúde mental. Assim sendo, não é possível afirmar, com conclusões robustas, o impacto causal do sono nos desfechos de saúde mental.

O presente estudo investigou os efeitos das mudanças na qualidade do sono para a saúde mental. Para isso, foi realizada uma metanálise, baseada nas diretrizes PRISMA, composta por ensaios controlados randomizados que testaram intervenções voltadas à melhoria do sono. Foram analisados 65 trabalhos, compreendendo 72 intervenções. A amostra contou com 8608 participantes. Como critério de inclusão, foram aceitos os estudos cujo trabalho apresentou um efeito estatisticamente significativo na qualidade do sono quando comparado a um grupo controle ou a um tratamento alternativo, e que mensurou aspectos de saúde mental além da qualidade do sono. Além disso, foi necessário que o relato da pesquisa apresentasse dados suficientes para calcular o tamanho de efeito dos resultados obtidos. Os efeitos da melhoria do sono na saúde mental foram analisados de forma geral e particular, como um construto e manifestações específicas, respectivamente.

Os resultados obtidos confirmaram a hipótese inicial. Melhorias na qualidade do sono demonstraram, em média, impactos positivos com um tamanho de efeito médio na saúde mental. A análise trouxe evidências que a melhora no sono reduziu depressão, ansiedade e estresse. Contudo, devido à carência de estudos primários de outros aspectos psicológicos, como ideação suicida e TEPT, não foi possível demonstrar uma relação sólida entre saúde mental e essas manifestações. Além disso, foi encontrada uma associação diretamente proporcional entre o sono e a saúd de modo que altas evoluções na qualidade do sono desencadearam altas melhorias na saúde mental. Por fim, foi constatado que uma possível relação causal entre sono e saúde mental se mantinha independentemente da gravidade das manifestações psicológicas do paciente ou da presença de comorbidades.

            A partir desses achados, pode-se concluir que os resultados do estudo apontam para o papel desencadeador de sofrimento psicológico pelo sono, o qual está causalmente associado com aspectos de saúde mental. Assim, para proporcionar uma atuação eficaz em aspectos de saúde, faz-se necessário que o psicólogo da saúde conheça essa dinâmica. Uma vez que o sono é pressuposto básico para a obtenção de saúde  mental, ele poderá intervir de forma efetiva e precoce nos aspectos relacionados, prevenindo ou atenuando possíveis desfechos negativos em dimensões psicológicas do paciente. 

 

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Intervenções de mindfulness durante a gravidez: uma revisão narrativa

 

Resenhado por Susana Santana

Lucena, L., Frange, C., Pinto, A. C. A., Andersen, M. L., Tufik, S., & Hachul, H. (2020). Mindfulness interventions during pregnancy: A narrative review. Journal of Integrative Medicine, 18(6), 470-477. https://doi.org/10.1016/j.joim.2020.07.007

A gravidez é um período de transformações na vida da mulher. Mudanças fisiológicas, psicológicas e sociais podem afetar aumento de sintomas de estresse, ansiedade e depressão, mudanças na qualidade e quantidade do sono e diminuição da autoestima. Todos esses fatores se relacionam com a série de adaptações que o corpo da gestante passa para apoiar o desenvolvimento do feto. A exemplo, pode-se destacar que os níveis de cortisol, hormônio relacionado a processos de estresse, aumentam no final do primeiro trimestre, atingindo níveis três vezes mais altos que no período pré-gestacional. As mudanças desse período também envolvem aspectos emocionais relacionados a maneira como a gestante se relaciona com as experiências externas, como casa, trabalho, família e relacionamentos interpessoais.

Diante das particularidades desse contexto, o estudo em questão realizou uma revisão narrativa para avaliar intervenções de mindfulness com mulheres em período gestacional. Mindfulness, que tem em sua origem associações a práticas meditativas orientais, geralmente é descrito como um estado mental que envolve a concentração da atenção no momento presente, de forma intencional e sem julgamentos, com uma atitude de abertura e aceitação de experiências internas e externas. Para avaliar as intervenções de mindfulness no contexto da gestação, os autores incluíram na triagem apenas estudos de ensaios clínicos randomizados que utilizaram esse tipo de intervenção em mulheres grávidas, por pelo menos três semanas. Ao final, treze estudos foram filtrados para análise.

Os estudos mapeados mediram o efeito das intervenções de mindfulness sobre sintomas de estresse, ansiedade e depressão. Verificou-se grande diversidade de programas e protocolos e heterogeneidade entre os instrumentos usados para avaliar os resultados. Ainda assim, as intervenções se mostraram benéficas para sintomas de estresse, ansiedade e depressão. A eficácia também foi percebida em mulheres grávidas com histórico de depressão ou que estavam com depressão. No entanto, houve inconsistência de dados sobre os períodos gestacionais incluídos nos estudos. Considerando dados de regulação emocional e nível de mindfulness, houve indícios de melhora. Mas, para conclusões mais sólidas, seriam necessários mais estudos. Nenhum dos estudos avaliou a qualidade do sono das gestantes e mais da metade dos estudos envolviam protocolos com oito semanas de duração.

Esta revisão trouxe informações sobre programas de intervenção de mindfulness aplicados a mulheres em período gestacional. Tais considerações estão dentro do escopo de investigação da Psicologia da Saúde. Intervenções que visam a adaptação psicológica em contextos de saúde, como a gestação, exigem evidências científicas sólidas que amparem intervenções direcionadas. Levar em conta os aspectos fisiológicos, psicológicos e sociais de determinado quadro de saúde, e compreender o processo de adaptação e ajustamento psicológico em condições estressoras pode favorecer o desenvolvimento de protocolos eficazes de saúde psicológica visando a saúde e o bem-estar de gestantes.

Intervenções de mindfulness para artrite reumatoide: Uma revisão sistemática e meta-análise

 

Zhou, B., Wang, G., Hong, Y., Xu, S., Wang, J., Yu, H., Liu, Y., & Liang, Y. (2020). Mindfulness interventions for rheumatoid arthritis: A systematic review and meta-analysis. Complementary Therapies in Clinical Practice, 39, 101088. https://doi.org/10.1016/j.ctcp.2020.101088

 

Resenhado por Gessica Leal

 

A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune e inflamatória que provoca desgaste e deformidades nas articulações. Devido ao ser caráter incapacitante, a ocorrência de sintomatologia ansiosa e depressiva tem sido frequentemente identificada em pacientes com a doença, o que impacta o processo de adaptação. Nessa perspectiva, além da implementação de tratamentos convencionais que buscam a melhora da função articular, outras intervenções estão sendo testadas, a exemplo do mindfulness. Mindfulness, ou atenção plena, é um tipo de intervenção sobre o ajustamento psicológico, originada de uma tradição contemplativa budista, que envolve estratégias de aceitação do momento presente. Engloba exercícios de observação que podem melhorar a capacidade de autorregulação, o gerenciamento das emoções, o alívio dos sintomas e a melhora na qualidade de vida do paciente.

O presente estudo se tratou de uma revisão sistemática com o objetivo de determinar se as intervenções baseadas em mindfulness melhoraram a saúde mental e/ou física de pacientes com artrite reumatoide. Foram consultadas: Cochrane Library, PubMed, EMBASE, Chinese Biomedical Literature Database (CBM), China National Knowledge Infrastructure (CNKI) e a Wanfang Database. Os critérios de inclusão foram: 1) ensaio clínico randomizado, 2) os participantes preencheram a classificação para artrite reumatoide do American College of Rheumatology (ACR) e tinham idade superior a 18 anos, 3) O grupo controle recebeu cuidados em enfermagem de rotina e o grupo experimental adotou as intervenções de mindfulness por meio de exercícios formais, (4) os indicadores de resultado foram: visual analogue score (VAS), escores de depressão e ansiedade, Disease Activity Score (DAS28) e os níveis de proteína C-reativa (PCR).

Ao final da triagem, seis artigos foram selecionados. Quatro estudos indicaram uma melhora significativa na intensidade da dor entre os pacientes que receberam intervenções de mindfulness em comparação aqueles que receberam enfermagem de rotina. Três estudos compararam os efeitos da atenção plena em intervenções para a depressão nos pacientes com AR e identificaram diferenças significativas entre o grupo experimental e o grupo controle. Dois estudos também demonstraram a eficácia do mindfulness para a redução dos sintomas da doença. Contudo, não houve diferenças significativas na ansiedade e nos níveis de PCR entre os dois grupos, sendo necessários mais estudos para verificar esses dados.

Por meio desta revisão, foi possível identificar que há achados que sugerem que as intervenções baseadas em mindfulness podem contribuir com o alívio da dor, da sintomatologia depressiva e os sintomas da artrite reumatoide. Contudo, cabe ressaltar algumas limitações do estudo, a exemplo do pequeno tamanho das amostras, a falta de estudos multicêntricos e a presença de defeitos metodológicos, que aumentam a probabilidade de viés e erro. Apesar disso, os achados desta revisão são relevantes para Psicologia da Saúde, uma vez que os exercícios de atenção plena podem ser incluídos nos protocolos de intervenção para o manejo das emoções e dos sintomas dentre os pacientes com a doença.

 

domingo, 2 de julho de 2023

Empatia, depressão, ansiedade e estresse em Profissionais de Saúde Brasileiros

 

Rodrigues, S. L., Coelho, O. L., & França, D. N.  P.  M. (2020). Empatia, depressão, ansiedade e estresse em Profissionais de Saúde Brasileiros. Ciências Psicológicas14(2), e2215. doi.org/10.22235/cp.v14i2.2215

 


Resenhado por Millena Bahiano

 

De modo geral, o impacto decorrente de lidar com o sofrimento do outro, aliado às excessivas cargas de trabalho, podem vir a afetar e comprometer a saúde mental de profissionais da saúde. A literatura já indica que a presença de transtornos do sono, alta frequência de distúrbios relacionados à ansiedade e depressão, bem como índices elevados de estresse têm sido, cada vez mais frequentes, entre médicos, enfermeiros e outros profissionais da área da saúde. Nesse cenário, a empatia pode atuar como um fator de proteção à saúde mental, influenciando a maneira como as pessoas avaliam seu contexto de trabalho e lidam com situações de estresse.

O presente estudo foi realizado com profissionais de saúde que atuam na rede pública do município de Petrolina (PE) e objetivou investigar as relações entre empatia, depressão, ansiedade e estresse em profissionais de saúde pernambucanos. A amostra da pesquisa contou com duzentos participantes, com idades entre 22 e 67 anos, sendo a maioria composta por mulheres (87%). Os instrumentos utilizados na pesquisa foram: o Índice de Reatividade Interpessoal, o Inventário de Sintomas de Estresse, o Inventário de Depressão de Beck e o Inventário de Ansiedade de Beck. Dentre os resultados encontrados, viu-se que 23% dos participantes apresentaram sintomas depressivos leves e 7,5% moderado. Quanto aos sintomas ansiosos, observou-se que 3% da amostra apresentou nível grave e 8% moderado.

No que se refere à empatia, a consideração empática foi a dimensão que obteve maior pontuação média (M = 4,10; DP = 0,65), seguida de tomada de perspectiva (M = 4,06; DP = 0,62), angústia pessoal (M = 2,80; DP = 0,83) e fantasia (M = 2,73; DP = 0,80). De modo geral, viu-se também que os participantes pontuaram mais em componentes empáticos que foram associados ao cuidado com o outro. Além disso, foi identificado no estudo a existência de correlações positivas entre ansiedade e depressão com a empatia, bem como correlações positivas entre angústia pessoal e fantasia com a presença de sintomas de ansiedade e depressão. Já ao que se refere à resposta de estresse, verificou-se que 42% dos participantes apresentaram estresse em alguma fase (alerta, resistência, quase-exaustão ou exaustão), estando a maioria na fase de resistência (32%).

Os autores ressaltaram que uma parte relevante da amostra da pesquisa apresentou sinais de estresse e presença de sintomatologia depressiva e ansiosa. Tais resultados, reforçam a necessidade de se atentar aos prejuízos causados à saúde mental dos profissionais de saúde, principalmente, daqueles profissionais que são submetidos a intensas cargas de trabalho. Para a psicologia da saúde, o presente estudo poderá auxiliar na identificação precoce do estresse ocupacional. Assim como na elaboração de estratégias e de intervenções mais eficazes, as quais possam favorecer as habilidades empáticas e contribuir para a prevenção de agravos psicológicos nessa população.