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sábado, 30 de setembro de 2023

Avaliando os construtos do Modelo de Crenças em Saúde na adoção de comportamento preventivo em relação ao Papilomavírus Humano

 

Mohammadi, S., Rabiei, Z., Pajohideh, Z. S., Barati, Z., Talebi, S. S., & Keramat, A. (2023). Evaluating the Health Belief Model Constructs in Adopting the HPV Preventive Behavior. Journal of Family & Reproductive Health, 17(1), 37-44. https://doi.org/10.18502/jfrh.v17i1.11975

Resenhado por Lucila Moraes

 

O Papilomavírus Humano (HPV) é doença sexualmente transmissível (DST) por contato pele-a-pele e suas manifestações mais graves variam desde verrugas genitais até câncer de vulva e câncer de pênis. Apesar de não haver tratamento específico para HPV, a doença pode ser prevenida por vacinação anterior ao contato sexual, uso de camisinha e triagem. Somado a isto, o conhecimento das mulheres sobre exame colpocitologia oncótica cervical (exame de Papanicolau) leva a diagnósticos e tratamentos mais precoces, além de redução de complicações por infecção de HPV. A contaminação por HPV, bem como sua disseminação, estão associadas a comportamentos de alto risco e falta de ações seguras em saúde. Logo, identificar as variáveis determinadoras desses comportamentos e entender o papel delas nas percepções em saúde contribui para delimitar programas efetivos de intervenção. 

Uma das teorias mais usadas para explicar comportamentos em saúde é o Modelo de Crenças em Saúde (MCS). Seu principal pressuposto é de que comportamentos preventivos de doenças são influenciados por seis aspectos: percepção de benefícios da ação, barreiras percebidas (p.ex., custo, tempo, esforço), gravidade percebida, suscetibilidade percebida, estímulo para a ação (seja interno devido a dor, por. ex., ou externo, por aconselhamento de familiares, p.ex.) e autoeficácia.  Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar os construtos do MCS para prever os comportamentos de saúde relacionados a infecção por HPV adotados por mulheres no Irã. Participaram deste estudo 1000 mulheres, com as quais foi realizado um questionário com 72 itens, dentre eles perguntas sociodemográficas, questões sob conhecimento do HPV; além perguntas relativas a comportamentos protetivos em saúde baseada no MCS como a autoeficácia (‘estou certa de que consigo despender tempo em realizar o exame Papanicolau, mesmo estando ocupada?’), suscetibilidade percebida (‘tenho risco em desenvolver verrugas genitais?), entre outros.

Os resultados mostraram que 88,2% das participantes percebiam a adoção de comportamento preventivos em saúde como benéficos (p.ex., usar camisinha durante relação sexual). No entanto, apenas 18,2% das participantes afirmaram usar preservativos como método de contracepção. Os preservativos femininos/masculinos são os únicos métodos de contracepção conhecidos por prevenir a transmissão e infecção pelo HPV. Um dado relevante da pesquisa ressaltou que as pontuações médias de comportamentos preventivos foram mais altas nas mulheres que obtiveram algum registro de DSTs ou haviam realizado exame de Papanicolau, possivelmente devido ao treinamento recebido durante a triagem da doença e seu posterior processo de tratamento. Outro achado do estudo apontou uma relação significativa entre adoção de comportamentos preventivos em saúde com maior suscetibilidade percebida e maior autoeficácia entre a amostra. Acerca da percepção de suscetibilidade em contrair a doença, as participantes que se consideravam com maior risco de contrair HPV foram as mais prováveis de se engajarem em comportamentos preventivos em saúde.

Por fim, o estudo se faz relevante para o desenvolvimento e implementação de programas de promoções de saúde relacionados a prevenção de infecção por HPV, pois auxilia a identificar os determinantes de comportamentos protetores em saúde para a construção de intervenções educativas eficazes. Os resultados apontaram que se faz necessário um maior foco em intervenções relacionadas a percepção de suscetibilidade à doença e autoeficácia, pois se mostraram como preditores de comportamentos preventivos em saúde.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Intervenções na personalidade

 

Resenha por Brenda Fernanda Silva-Ferraz

 

Jackson, J. J., Beck, E. D., & Mike, A. (2021). Personality interventions. In O. P. John & R. W. Robins (Eds.), Handbook of Personality: Theory and Research (pp. 793-805). Guilford Press.

 

Traços de personalidade estão prospectivamente associados a uma série de resultados importantes na vida em todas as idades, a exemplo da saúde, nível educacional, divórcio e sucesso no trabalho. O potencial de impactar muitos aspectos da vida tem despertado interesse no que diz respeito às políticas públicas. Frente a isso, destaca-se a importância de compreender a efetividade das intervenções na personalidade.

Existem algumas características que tornam interessantes as intervenções nos traços de personalidade, a saber: 1) associação com desfechos importantes de vida; 2) o fato de que os traços de personalidade são passíveis de mudança ao longo da vida; 3) o fato de que a personalidade costuma ser estável e consistente ao longo da vida, o que implica que, uma vez modificada mediante intervenção, os efeitos tendem a ser duradouros.

Apesar de as intervenções na personalidade parecerem promissoras, sua viabilidade ainda não está clara, e é importante se atentar a alguns aspectos. O primeiro deles é que existem desafios éticos ao se pensar a intervenção na personalidade, uma vez que esta costuma ser entendida como identidade e individualidade de uma pessoa. A segunda barreira para a viabilidade de intervenções na personalidade é que os processos subjacentes às mudanças de personalidade que ocorrem naturalmente são, em sua maioria, desconhecidos. Ainda que haja relativa aceitação de que as experiências podem mudar a personalidade, existem poucos eventos de vida que estão consistentemente associados a mudanças na personalidade.

Algumas intervenções podem ser pensadas de modo a modificar pensamentos, emoções e comportamentos. Consequentemente, podem vir a impactar a personalidade. São elas: programas parentais e escolares; programas para mitigar o comportamento antissocial em adolescentes; intervenções clínicas; intervenções psicofarmacológicas; fortalecimento de autocontrole; intervenções em saúde; treinamento cognitivo; dentre outros.

Questões ficam em aberto e nos direcionam para novas caminhos, a saber: que experiências são necessárias para modificar a personalidade? Quanto tempo devem durar essas intervenções? Há uma idade mais efetiva para as intervenções? Destaca-se, neste sentido, a importância de que mais estudos sejam realizados, especialmente os de delineamento longitudinal.

O capítulo conclui que existem diversas intervenções disponíveis, contudo, há uma lacuna de estudos clínicos randomizados, além de que não existem muitas evidências de validade sobre as intervenções. É papel da psicologia da saúde, portanto, identificar variáveis relevantes para modificar aspectos da personalidade, uma vez que esta está relacionada a importantes desfechos de saúde. Reconhecidos fatores de risco e proteção, podem-se pensar, então, em testes de modelos explicativos e em possíveis testes de intervenções, a fim de construir evidências confiáveis.   

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Saúde mental dos doadores de órgãos e familiares

 Resenhado por Laurisson Albuquerque da Costa

 

O transplante de órgãos constitui o melhor tratamento para muitas doenças crônicas. Com o objetivo de conscientizar a população a respeito do tema, dia 27 de setembro foi instituído o dia nacional da doação de órgãos, pela Lei N.º 11.584, de 28 de novembro de 2007. A doação de órgãos e tecidos pode ocorrer através de doador falecido (após morte encefálica) ou doador vivo, como por exemplo rim, fígado, medula óssea. Para o doador falecido, de acordo com a legislação brasileira, não existe cadastro e não são válidos testamentos, declarações em documentos de identidade ou carteira de motorista. Dessa forma, para ocorrer a doação em caso de morte encefálica, é necessária a autorização familiar. No caso de doação em vida, é possível disponibilizar gratuitamente o órgão para parentes consanguíneos até quarto grau, para cônjuge e para qualquer pessoa mediante autorização judicial mais a avaliação da Central de transplante e da comissão de ética do hospital, devendo ser descartada a possibilidade de comércio de órgãos (ABTO, 2023).

O transplante doador vido possui aspectos positivos e negativos para a saúde mental do doador. Um estudo realizado em doadores de rim demonstrou, numa média de 6 anos após doação, um escore de bem-estar emocional e social maior que a população geral, e os escores de saúde mental foram comparáveis a população geral, bem como os sintomas psicológicos pré-doação foram semelhantes aos pós-doação (Massey et al., 2022). A segurança da saúde física e mental do doador é motivo de preocupação dos profissionais envolvidos nos serviços de transplante. Dessa forma, com o objetivo de entender a longo prazo os desfechos psicossociais do doador, um estudo americano realizou questionários em doadores de rim entre os anos de 1963 a 2005 a respeito de perspectivas do doador, tempo de recuperação, suporte social, motivação, impacto financeiro e estado psicológico. Numa média de 17 (±10 anos) após transplante, a maioria dos doadores (95%) relatou a experiência como boa ou excelente. Entretanto, alguns doadores descreveram experiencias negativas da doação, tais como complicações dos doadores, falência do enxerto e dificuldades psicossociais, sendo a falência do enxerto do receptor o único preditor de desfechos psicossociais desfavoráveis (Jowsey et al., 2014).

Em relação ao transplante doador falecido, informar a família previamente em vida é fundamental no processo de decisão, uma vez que em grande parte das ocasiões a morte acontece por acidente ou doenças não previstas, o que leva ao estresse da decisão, com possibilidade de acarretar em depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Tendo em vista que o cuidado com os familiares é de extrema importância no processo, um estudo investigou o suporte emocional dos familiares de doadores de órgãos após a doação e encontrou que a maioria (67,70%) obteve suporte emocional sendo principalmente de familiares direto (73,91%), entretanto, a maioria das famílias dos doadores afirmou a necessidade de apoio emocional e ajuda psicológica dos profissionais da psicologia (Xie et al., 2022).

Existem muitas barreiras no processo não efetividade da doação, as principais são a contraindicação clínica, recusa familiar ou do doador em vida, a preocupação com a integridade do corpo, descontentamento com o atendimento do serviço e o tempo de demora do processo e crenças religiosas (Marinho et al., 2018). Para além disso, o apoio psicológico do doador vivo e dos familiares após a doação é de extrema importância. A compreensão dos principais aspectos psicossociais do período da doação pode auxiliar na decisão mais segura e na redução da taxa de não efetivação da doação, bem como o acompanhamento psicológico após a doação é fundamental para redução do estresse psicológico e desfechos desfavoráveis de saúde mental dos doadores em caso de doador vivo e dos familiares no doador falecido.

 

Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO, 2023). Como ser um doador. https://site.abto.org.br/como-ser-um-doador/

Jowsey, S. G., Jacobs, C., Gross, C. R., Hong, B. A., Messersmith, E. E., Gillespie, B. W., . . . Group, R. S. (2014). Emotional well-being of living kidney donors: findings from the RELIVE Study. Am J Transplant, 14(11), 2535-2544. https://doi.org/10.1111/ajt.12906

Marinho, B. B. O., Santos, A. T. F., Figueredo, A. S., Cortez, L. S. A. B., Viana, M. C. A., Santos, G. M., . . . Braga-Neto, P. (2018). Challenges of Organ Donation: Potential Donors for Transplantation in an Area of Brazil's Northeast. Transplant Proc, 50(3), 698-701. https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2018.02.055

Massey, E. K., Pronk, M. C., Zuidema, W. C., Weimar, W., van de Wetering, J., & Ismail, S. Y. (2022). Positive and negative aspects of mental health after unspecified living kidney donation: A cohort study. Br J Health Psychol, 27(2), 374-389. https://doi.org/10.1111/bjhp.12549

Xie, W., Kong, S., He, H., Xiong, H., Zhu, Q., & Huang, P. (2022). A mixed-methods study of emotional support for families of organ donors in Hunan Province, China. Front Psychol, 13, 952524. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.952524

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Avaliação psicológica no transplante renal pediátrico.


Faria Silva, A. L., & Ariente , L. C. (2022). Aspectos fundamentais para a avaliação psicológica no transplante renal pediátrico. Brazilian Journal of Transplantation, 25(4). Recuperado de https://bjt.emnuvens.com.br/revista/article/view/479

Resenhado por Danielle Alves Menezes

 

A intervenção psicológica em transplantes de órgãos é uma conduta frequente em psicologia hospitalar, o que implicaria não só atuação com o paciente, mas também com a família e profissionais de saúde envolvidos. A indicação para transplante nesses casos acontece quando há perda progressiva da função renal, das funções metabólicas, hormonais e homeostáticas correspondentes, estimando-se haver aumento da sobrevida e maior qualidade de vida para crianças e adolescentes com a doença em estágio final. A decisão clínica é sucedida pela inclusão do paciente em uma lista de espera nacional e compreende as fases do pré-operatório a todo o tratamento.

Visando caracterizar aspectos relevantes da avaliação psicológica para esses procedimentos, o estudo em tela realizou uma revisão integrativa analisando estudos constantes em bases de dados como SciELO, PubMed e BVS, nos casos de substituição renal em pacientes pediátricos. As buscas nas bases de dados retornaram sete artigos elegíveis para responder aos objetivos da pesquisa. O número de estudos selecionados revelou a dificuldade para generalizar os resultados e, ao mesmo tempo, chamar atenção para o fato de escassez de pesquisa sobre a temática. A análise de conteúdo conduzida no estudo identificou as seguintes categorias: falta de autonomia, autopercepção negativa, repercussões emocionais, implicações nas relações familiares e adesão.

Nos resultados, viu-se que  a avaliação psicológica não prescinde da atuação de outros profissionais, sendo necessária articulação interdisciplinar para uma assistência mais qualificada ao paciente e seus familiares. Quanto à categoria “falta de autonomia”, avaliou-se que a falta de comunicação gerou ansiedade e estresse nos pacientes. Analisou-se que a necessidade de informações é maior em adolescentes, se comparado a crianças, e que recursos tecnológicos são mediadores relevantes. Para avaliação psicológica, inferiu-se, a partir dos dados, ser importante conhecer aspectos emocionais, a compreensão e a motivação para o transplante, bem como as expectativas dos pacientes.

Outro aspecto psicológico identificado foi a autopercepção negativa: motivada, muitas vezes, pelas mudanças na aparência e na funcionalidade, pacientes pediátricos tendem a não se sentirem “normais”. Intervenções grupais favoreceram compartilhamento de experiências, desenvolvimento de habilidades sociais e da sensação de pertencimento, aspectos importantes para aumentar a resiliência em pacientes com essa faixa etária. A superproteção parental, como aspecto das relações familiares e adesão, identificou que o sentimento de culpa pelo processo de internação do doador foi um fator de risco ao bem-estar psíquico de crianças e adolescentes.

Demais repercussões emocionais se referiram a alterações no desenvolvimento, internações recorrentes, procedimentos dolorosos e prejuízo na frequência escolar. Pacientes relataram maior contato com emoções negativas, como ansiedade, tristeza, angústia, medo de o órgão ser rejeitado ou de falhas no tratamento. O estudo alerta que há maior suscetibilidade de receptores pediátricos a problemas de saúde mental como depressão, ansiedade, TDAH, atrasos no desenvolvimento corporal e neurocognitivo, que podem levar a uma baixa adesão.

O psicólogo deve monitorar cuidadosamente o funcionamento do paciente e intervir minimizando os riscos durante todo o tratamento em conjunto com a equipe. O conhecimento teórico-prático em psicologia da saúde certamente pode munir esse profissional com as melhores ferramentas, a fim de intervir de maneira eficaz, articulada, e correspondendo integralmente à complexidade das necessidades nesse nível de assistência em saúde.

domingo, 24 de setembro de 2023

Impactos da pandemia do Covid-19 na doação de rins

 Resenhado por Thayslane Ribeiro-Almeida

            No mês de setembro é realizada a campanha de conscientização em torno da doação de órgãos no Brasil, denominada “setembro verde”.  O Brasil é referência em doação de órgãos, procedimento que pode salvar vidas. O tipo de transplante de órgão mais realizado no país é o de rins. Entretanto, durante a pandemia, esse quantitativo reduziu significativamente. Questões comportamentais, como a adesão ao tratamento nas doenças renais, podem ser objeto de estudo para a Psicologia da Saúde. Confira o vídeo abaixo e entenda mais sobre doação de órgãos e doenças renais.

https://www.youtube.com/watch?v=wc1W70DGDNg

sábado, 23 de setembro de 2023

Suicídio: a importância de novos estudos de posvenção no Brasil

 

Ruckert, M. L. T., Frizzo,R. P., & Rigoli, M. M. (2019). Suicídio: A importância de novos estudos de posvenção no Brasil. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 15(2), 85-91. https://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20190013

Resenhado por Hugo Santana-Batista

O suicídio, grave problema de saúde pública, é um fenômeno multifatorial e de difícil abordagem social, além de ser resultado de uma complexa interação de fatores psicológicos, biológicos, culturais e ambientais. Posvenção se refere ao acompanhamento e à intervenção específica para os familiares e amigos do suicida, denominados sobreviventes. O objetivo principal da posvenção seria auxiliar na resolução do processo de luto, incluindo o desencorajamento de planejamentos e ideações suicidas nos sobreviventes. Assim, faz-se necessário novos estudos para mapear orientações de posvenção.

O presente estudo teve como objetivo fazer uma revisão narrativa da literatura e avaliar os materiais existentes sobre posvenção de suicídio, a fim de compreender de que forma é possível intervir e utilizar estratégias com enlutados pelo suicídio. Entende-se como revisão narrativa como um relato da literatura sobre um assunto no sentido de uma visão geral. Para a pesquisa atual, foi realizada uma análise mediante diferentes tipos de documentos que abordaram as temáticas do suicídio, posvenção e sobreviventes. Foram encontrados também relatórios de grupos de apoio existentes para sobreviventes.

Um exemplo é o programa StandBy Response Service, da Austrália, que oferece assistência para quatro grupos principais, inclusive as pessoas enlutadas pelo suicídio. Uma pesquisa avaliando a eficácia do suporte australiano de posvenção mostrou uma melhora mensurável na saúde e bem-estar dos participantes. No Brasil, foi fundado o CVV, uma associação que presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção ao suicídio, além de instituições como o Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do suicídio. Tais iniciativas podem contribuir no auxílio de sobreviventes, mediante um espaço de escuta, acolhimento e compartilhamento de informações.

Em relação aos sobreviventes, vale evidenciar que existem diversos fatores que podem influenciar a forma que eles reagem ao luto. É importante afirmar que, em diversas ocasiões, além da busca pelo sentido desse ato e de se questionar o valor da própria vida, o sobrevivente passa pelo processo de tentar compreender como não percebeu ou validou o risco a tempo de alguma ação. Isso faz com que o suicídio seja considerado uma tragédia silenciosa, já que muitos familiares e amigos não se sentem capazes de expor a real forma da morte para outros parentes e para a sociedade, que poderá julgá-los.

 Na análise sobre a história, a prevalência e o significado do suicídio na sociedade, é possível perceber o quão pouco o tema é abordado no Brasil. Além disso, a maior quantidade de materiais existentes é voltada apenas para a prevenção e manejo de intervenções para pessoas com ideação suicida. Assim, o artigo busca destacar a importância da posvenção e de estudos que facilitem a elaboração de um espaço de escuta e acolhimento aos sobreviventes. Visto que, como citado anteriormente, o suicídio é uma importante questão de saúde pública e que envolve fatores biopsicossociais, este torna-se objeto de estudo da psicologia da saúde. O presente artigo colabora com a área principalmente ao fazer o mapeamento de como estão as políticas de pós-intervenção (ou posvenção) do suicídio, tanto no Brasil, quanto no mundo, e quais são os impasses ainda existentes para essa temática.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Dinâmica de um evento estressante: avaliação cognitiva, enfrentamento e resultados do encontro

 

Folkman, S., Lazarus, R. S., Dunkel-Schetter, C., DeLongis, A., & Gruen, R. J. (1986). Dynamics of a stressful encounter: Cognitive appraisal, coping, and encounter outcomes. Journal of Personality and Social Psychology, 50(5), 992–1003. https://doi.org/10.1037/0022-3514.50.5.992

 

Resenhado por Lucila Moraes

No confronto de uma situação estressora, a avaliação cognitiva e o coping (enfrentamento) são os principais processos que mediam a relação entre ambiente e o indivíduo, provocando repercussões à curto e longo prazo para seu bem-estar.  Na avaliação cognitiva o sujeito interpreta o encontro estressante, que ocorre em dois momentos: na avaliação primária analisa-se a situação para determinar se ela é ameaçadora, desafiadora ou irrelevante para o bem-estar, saúde ou integridade de si mesmo ou de pessoas estimadas; e na avaliação secundária o indivíduo pondera seus próprios recursos e capacidades de enfrentamento para poder gerenciar ou prevenir a ocorrência da situação.

 O coping é um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado para lidar com situações avaliadas como excedendo os recursos pessoais. Tal conceito apresenta duas grandes categorias funcionais: coping focado no problema, que é o esforço para atuar na situação estressante tentando modificá-la; e coping focado na emoção é a tentativa de regular o estado emocional que é associado ao evento estressante. No geral, ambas estratégias são usadas durante o processo de enfrentamento. Após o contato com evento estressor o resultado imediato do encontro refere-se ao julgamento sobre até que ponto a situação foi resolvida com sucesso. O julgamento geral é realizado a partir dos valores do indivíduo e suas expectativas em relação aos vários aspectos do encontro, ou seja, envolve mais que a resolução do evento e sim o quão adequado foi a resolução a partir de cada crença individual.  

Apesar da importância do conceito coping como fator de saúde psicológica pouco se sabe sobre as variáveis ​​que os influenciam e sua relação com os resultados dos encontros estressantes que afetam as pessoas cotidianamente. Logo, o objetivo principal do presente estudo é examinar a relação funcional entre a avaliação cognitiva, os processos de enfrentamento envolvidos e os resultados à curto prazo após eventos estressantes. Foi usada uma abordagem intraindividual com 85 participantes adultos casados em que foi analisado a relação entre a avaliação primária (o que está em risco diante do encontro); avaliação secundária (o quanto os participantes entendiam a situação como modificável ou não); foi usado o questionário Ways of Coping, com o qual foi identificado 8 estratégias de enfrentamento variando entre estilos focados na emoção e focados no problema. E, por fim, os resultados dos encontros estressantes foram obtidos partir do relato dos participantes após o evento ter ocorrido e divididos entre resultados percebidos como ‘não satisfatórios’ e ‘resultados satisfatórios’.

Os resultados demonstraram que as formas de coping usadas variaram a depender do que estava em risco. Por exemplo, participantes que avaliaram encontros estressantes como ameaçadores para sua autoestima e prejudiciais para pessoas estimadas adotaram estilos de coping de confrontação (p.ex., ‘deixei meus sentimentos saírem de alguma forma’) e fuga-evitação, tal como ‘evitei estar com pessoas’. Já em situações envolvendo meta de trabalho o tipo de coping mais usado foi de resolução de problemas, (p.ex., ‘fiz um plano de ação e o segui’) e autocontrole (p.ex., ‘tentei manter meus sentimentos para mim’). Além disso, o estilo de coping de confrontação demonstrou maior relação com resultados percebidos como não satisfatórios e o estilo de coping de resolução de problemas obteve forte associação com uma percepção satisfatória de desfecho do problema. Por fim, o estudo ressalta a necessidade de análises intraindividuais para compreender os processos de enfrentamento e o seu impacto a longo prazo no bem-estar no contexto de encontros estressantes específicos.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Diferenças de idade e sexo em suicídio de adolescentes

 

Lee, S., Dwyer, J., Paul, E., Clarke, D., Treleaven, S., & Roseby, R. (2019). Differences by age and sex in adolescent suicide. Australian and New Zealand Journal of Public Health, 43(3):248-253. doi: 10.1111/1753-6405.1277

Resenhado por Laís Gabriela Rocha

 

A prevalência de suicídios entre jovens aumenta conforme a idade, ocorrendo durante um período em que estes estão passando por mudanças biopsicossociais decorrentes da transição da infância para a fase adulta. Dados na literatura apontam que há diferenças na frequência e na natureza do ato suicida a depender da idade: a proporção no comportamento entre homens e mulheres; adolescentes mais velhos tendem a cometer suicídio no contexto de diagnóstico de transtornos mentais e em problemas de relacionamentos; tipos de métodos diferentes e conflitos familiares são mais relatados entre adolescentes mais novos. Na Austrália, o suicídio é a primeira causa de morte entre adolescentes e entender suas características pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias preventivas. Este estudo teve como objetivo comparar variáveis demográficas e psicossociais em suicídios de adolescentes para perceber como os perfis mudam com as diferenças de idade e sexo.

Os dados foram coletados a partir de registros de suicídios de jovens entre 10 e 19 anos em uma plataforma de dados australiana, a Coroners Court of Victoria (CCOV) no período de 2006 a 2015. Foram levantados 273 casos, os quais foram divididos pelas faixas de idade de 13 a 16 anos e 17 a 19 anos. O primeiro grupo teve 37% (n = 102) dos casos e o segundo, 63% (n = 171). Os homens compuseram 67% (n = 184) da amostra, enquanto as mulheres tiveram números menores no total dos casos e concentraram-se nos números do grupo mais jovem.

Cerca de 40% dos casos apresentavam diagnóstico de algum transtorno mental, sem diferenças significativas de idade ou sexo. Quase metade dos casos tiveram intencionalidade demonstrada previamente através de discurso oral ou escrito. Os métodos mais comuns, em ordem decrescente, foram: enforcamento, plataforma de trem, pulo de locais altos e disparo por arma de fogo. Observou-se que em 87% dos casos houve a presença de algum evento estressor precedendo o ato, sendo os adolescentes mais novos propensos a terem sido expostos a abusos, conflito entre pares e bullying. A presença de álcool foi detectada nos exames toxicológicos em maior proporção no grupo com mais idade. As mulheres estiveram mais propensas a demonstrar comportamentos autolesivos e tentativas prévias de suicídio, além de terem sido vítimas de abusos, bullying e conflitos em relacionamentos. O método mais comum entre elas foi o enforcamento, ao passo que apenas homens utilizaram arma de fogo. Os resultados encontrados nesta pesquisa corroboram com o “paradoxo de gênero”, que consiste na maior prevalência de autolesão e tentativas de suicídio em mulheres e de suicídio consumado entre os homens.

Algumas limitações dessa pesquisa e comuns em outras que abordam a temática do suicídio derivam da confiabilidade dos dados que por serem coletados postumamente são fontes indiretas de informação fornecidas pelos familiares ou pessoas próximas. Ademais, a presença de eventos estressores nos últimos seis meses foi um dado considerado no estudo, mas não houve diferenciação da duração ou gravidade desses. Este artigo se mostra importante para a psicologia da saúde por descrever características que devem ser levadas em conta no desenvolvimento de estratégias para a prevenção do suicídio, que podem ser específicas para diferentes gêneros e faixas etárias. Além disso, destaca a importância do cuidado com pacientes psiquiátricos, vítimas de abuso e usuários de substâncias como o álcool, os quais estão bastante suscetíveis a reproduzir comportamentos de risco. Conflitos interpessoais estiveram presentes em muitos casos, principalmente nas mulheres e no grupo mais jovem, podendo trazer a resolução de problemas e estratégias de enfrentamento como parte importante de intervenções.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Traços de personalidade de ordem superior e inferior no transtorno de ansiedade social

Costache, M. E., Frick, A., Månsson, K., Engman, J., Faria, V., Hjorth, O., Hoppe, J. M., Gingnell, M., Frans, Ö., Björkstrand, J., Rosén, J., Alaie, I., Åhs, F., Linnman, C., Wahlstedt, K., Tillfors, M., Marteinsdottir, I., Fredrikson, M., & Furmark, T. (2020). Higher- and lower-order personality traits and cluster subtypes in social anxiety disorder. PLoS ONE, 15(4), e0232187. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0232187

 

Resenhado por Luiz Fernando de Andrade Melo

 

O transtorno de ansiedade social (TAS) é um dos transtornos psiquiátricos mais comuns, sendo caracterizado pelo medo persistente e exagerado em situações de interação social. Ele está relacionado com o sofrimento individual, além de envolver desconforto emocional e retraimento social. Através do Modelo dos Cinco Fatores da Personalidade, visualiza-se que tal transtorno está associado com níveis elevados de neuroticismo e baixos níveis de extroversão. A ansiedade social pode ser divida em cinco categorias ou tipos, de acordo com Perugi et al., ou seis dimensões, a partir dos estudos de Hofmann et al. Entretanto, os estudos que relacionam subtipos do TAS com modelos de personalidade são escassos. Por isso, esta pesquisa teve como objetivo avaliar tais subcategorias do transtorno com as dimensões do Modelo dos Cinco Fatores, bem como com outras variáveis clínicas.

Participaram 429 pessoas, sendo 265 pacientes diagnosticados com transtorno de ansiedade social e 164 indivíduos saudáveis. Todos os participantes foram voluntários em estudos de tratamento de neuroimagem e seus dados foram coletados entre 1998 e 2018. Os instrumentos que avaliaram a personalidade foram o Revised NEO Personality Inventory – NEO-PI-R e as Karolinska Scales of Personality – KSP. Já a Liebowitz Social Anxiety Scale – LSAS verificou a severidade dos sintomas de ansiedade social, a Social Interaction Anxiety Scale – SIAS a ansiedade de interação social e o Spielberger’s State-Trait Anxiety Inventory – STAI-T os traços de ansiedade. Realizou-se regressões logísticas incluindo as variáveis do Modelo do Cinco Fatores da Personalidade para identificação dos preditores dos grupos controle e paciente. Ademais, foram feitas análises de clusters de duas etapas e análises de variância entre os grupos (clusters) resultantes.

Os resultados demonstraram que os participantes com transtorno de ansiedade social apresentaram maiores níveis de neuroticismo e menores níveis de extroversão, abertura à experiência e conscienciosidade comparados aos participantes saudáveis. A partir da regressão logística, notou-se que os fatores neuroticismo e extroversão são os preditores mais fortes para as diferenças de ambos os grupos. No que diz respeito à análise de clusters, foram divididos três subtipos do TAS: prototípico, introvertido-consciente e instável-aberto. Os resultados apontaram que o neuroticismo e a extroversão são os fatores com maior relevância para o desenvolvimento e o tratamento do transtorno, sendo preponderante no grupo prototípico. Nos outros grupos (introvertido-consciente e instável-aberto), o neuroticismo foi o fator mais relevante para as diferenças nos traços de ansiedade social.

O estudo tem sua importância para a Psicologia da Saúde para a identificação de diferentes traços de personalidade que estejam relacionados com o desenvolvimento do transtorno de ansiedade social. Além disso, ele serve de base para a diferenciação de subtipos de ansiedade social a partir dos fatores do Modelo de Cinco Fatores da Personalidade. Ambos os aspectos facilitam a compreensão do transtorno, bem como quais manejos podem ser feitos, considerando a personalidade, para o tratamento da ansiedade social. Ainda assim, é necessário desenvolver mais pesquisas para aprofundar-se na implicação dos fatores de personalidade na etiologia e nos desfechos clínicos do transtorno de ansiedade social.


domingo, 17 de setembro de 2023

Como funciona a cirurgia de transplante de coração?

 

Sistema Nacional de Doação e Transplante de Órgãos. ([s.d.]). Ministério da Saúde. Recuperado 17 de setembro de 2023, de https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/sistema-nacional-de-doacao-e-transplante-de-orgaos/sistema-nacional-de-doacao-e-transplante-de-orgaos

 Postado por Beatriz de Oliveira Santos

O Sistema Único de Saúde - SUS, tem o maior programa público de transplante do mundo. O transplante é um procedimento cirúrgico que envolve a substituição de um órgão (como coração, fígado, pâncreas, pulmão ou rim) ou tecido (como medula óssea, ossos ou córneas) de uma pessoa doente (receptor) por um órgão ou tecido saudável de um doador, seja ele vivo ou falecido. O vídeo a seguir oferece informações cruciais sobre o processo de transplante de coração e a necessidade de compatibilidade entre doador e receptor. Um trecho inicial do vídeo destaca: "Seu coração bate mais de 100.000 vezes por dia. Em apenas um minuto, bombeia mais de cinco litros de sangue por todo o corpo. Mas, ao contrário da pele e dos ossos, o coração tem uma capacidade limitada de reparação. Portanto, se este órgão estiver gravemente danificado, muitas vezes só há uma solução médica: substituí-lo."

Assista ao vídeo para compreender esse procedimento complexo e como ele pode salvar vidas.

https://youtu.be/o1z2DfFZBS4?si=qwKzKDDs9cg9SwSx


sábado, 16 de setembro de 2023

Estratégias de coping após o diagnóstico de anomalia fetal

 

Zhang, T., Chen, W.-T., He, Q., Li, Y., Peng, H., Xie, J., Hu, H., & Qin, C. (2023). Coping strategies following the diagnosis of a fetal anomaly: A scoping review. Frontiers in Public Health, 11. https://doi.org/10.3389/fpubh.2023.1055562

 

Resenhado por Beatriz Lima

 

A utilização de novas tecnologias obstétricas tem impulsionado os diagnósticos de anomalia fetal. O diagnóstico em conjunto com outros eventos estressantes, como a tomada de decisão acerca do prosseguimento ou interrupção da gravidez, costumam desencadear estresse e sofrimento mental nas mulheres. Além disso, também são comuns sintomas de luto, os quais podem persistir por anos após a identificação da gravidez com anomalia fetal. Coping ou estratégia de enfrentamento pode ser definido como esforços cognitivos e comportamentais para gerenciar demandas consideradas desgastantes pelo indivíduo, como o diagnóstico citado. O coping desempenha um papel importante na saúde mental, de modo que algumas estratégias de enfrentamento podem estar associadas a menor sofrimento psicológico. Existem inúmeros tipos dessas estratégias, as quais podem ser classificadas em diferentes categorias, como coping adaptativo e desadaptativo ou focado no estressor ou na emoção. O tipo de enfrentamento utilizado em um evento costuma ser determinado pela avaliação cognitiva do indivíduo e por fatores situacionais, de modo que a eficácia do coping adotado e os seus impactos podem variar de acordo com a situação. Dessa maneira, é possível que as mulheres utilizem estratégias de coping diferentes de outros eventos estressantes após a descoberta da anomalia fetal durante a gravidez.

O presente estudo buscou identificar as estratégias de enfrentamento utilizadas por gestantes após o diagnóstico de anomalia fetal. Para isso, foi realizada uma revisão de escopo, investigando a literatura existente acerca da temática. Esta pesquisa foi realizada a partir do método Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) para revisões de escopo. Foram incluídos 16 estudos, os quais apresentavam metodologia quantitativa, qualitativa e mista. Foram adotados como critério de exclusão estudos escritos em idiomas que não sejam inglês ou chinês e artigos de revisão. Os estudos inseridos foram analisados consoante a metodologia de revisão de escopo de Arksey e O’Malley. Além disso, a qualidade dos estudos incluídos foi investigada por dois pesquisadores independentes com base no protocolo do Joanna Briggs Institute Critical Appraisal para análise de estudos transversais e pesquisas qualitativas.

A partir da análise, foi possível identificar 52 estratégias de enfrentamento utilizadas, como aceitação, práticas religiosas, apoio emocional, enfrentamento ativo, planejamento, resignação, evitação, resolução de problemas, ressignificação positiva, autodistração, entre outras. Estas estratégias foram agrupadas seguindo a interseção de dois elementos: engajamento x desengajamento e controle primário x secundário. Não foi possível confirmar, com precisão, a correlação entre o coping utilizado e o sofrimento mental da gestante. Ainda, a ausência de um instrumento específico para mensurar coping em mulheres após o diagnóstico de anomalia fetal se mostrou uma importante lacuna literária a ser sanada.

A partir desses achados, pode-se concluir que as mulheres podem recorrer a diferentes estratégias de enfrentamento para manejar a descoberta de anomalia fetal durante a gravidez. Assim, pPara proporcionar uma atuação eficaz em aspectos de saúde, faz-se necessário que o psicólogo da saúde compreenda a relação entre coping e saúde mental. Desse modo, ao atuar com um paciente com o diagnóstico citado, ele poderá conduzir a utilização de um enfrentamento funcional, prevenindo possíveis desfechos psicológicos negativos.