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terça-feira, 31 de outubro de 2023

Depressão, ansiedade, apoio interpessoal e autopercepção de dor em pacientes com síndrome de fibromialgia.

 

Lozano, J. E., Leal, T., Altamar, M. P., Oliveira, S., & Nuñez, N. (2020). Depressão, ansiedade, apoio interpessoal e autopercepção de dor em pacientes com síndrome de fibromialgia. Diversitas: Perspectivas em psicologia, 26, 2, 399-411. https://doi.org/10.15332/22563067.5007

 

                                                                                               Resenhado por José Wilton

 

A fibromialgia é considerada uma síndrome que dificulta o movimento do corpo, proporciona fadiga, dores no corpo, dores de cabeças, dores abdominais, bem como ansiedade e depressão, afetando assim a qualidade de vida do indivíduo. Portanto, o objetivo deste estudo foi determinar os indicadores de depressão, ansiedade, apoio interpessoal e autopercepção em pacientes com síndrome de fibromialgia (SF) na Colômbia.

A pesquisa avaliou 100 pacientes diagnosticados com SF. Sendo 96 mulheres e 4 homens, A idade média dos participantes foi de 53,7 anos (dp=12,4) e a escolaridade foi de 8,8 anos (dp=4,5). Os critérios de inclusão foram apresentar diagnósticos de fibromialgia feito por reumatologista intermista com experiência em SF. Foram utilizados como instrumento uma entrevista inicial com o intuito de coletar informações sociodemográficas, um questionário de saúde do paciente (PHQ-9), que visa identificar sintomas de transtornos mentais comuns. Inventário de ansiedade Traço-Estado (IDATE), usado para medir dimensões diferentes de ansiedade como, traço e estado. Escala para avaliar o apoio interpessoal (OSEL-12), percepção de disponibilidade e potencial de recursos sociais. Escala de depressão de Zug, que visa avaliar o nível de depressão em pacientes com transtorno depressivo e uma escala visual analógica de dor (VAS) tem o intuito de facilitar a mensuração de dor descrita pelo paciente. Os dados foram analisados no software SPSS, sendo analisadas as médias (M) e desvio padrão (DP) para cada um destes testes e estabelecendo interpretações das médias obtidas pelas amostras.

Os resultados apresentados mostraram que há uma tendência maior de aparecimento e agravamento de sintomas de SF em pessoas do gênero feminino com encargos familiares ou econômicos, apesar da amostra ser majoritariamente de mulheres, o estudo não apresenta uma comparação adequada entre os gêneros. O tratamento farmacológico usado por 6 de cada 10 participantes relata a utilização do medicamento com o intuito de enfrentar o impacto na saúde mental oriunda da síndrome de fibromialgia. Os demais resultados apresentaram que os níveis de ansiedade tanto para a estado quanto para traço foram baixo, e os níveis de depressão foram moderados 48,7 (dp=6,8), sendo esperado por ser uma característica da SF. Os níveis de apoio interpessoal são considerados moderados 25,3 (dp=7,4), assim o apoio social nestes pacientes é tangível, sentem-se pertencentes a uma rede de apoio social. Em relação a autopercepção e autoavaliação da dor nos pacientes, os níveis encontrados foram elevados 7,8 (dp=1,8), tal aspecto é uma característica da síndrome, possivelmente influenciado por características psicogênicas, alterações na idade e sintomas perpetuados por anos.

Portanto, a síndrome de fibromialgia apresenta aspectos que afetam a qualidade de vida do indivíduo, desde a sintomas físicos como dores a sintomas psicológicos como ansiedade e depressão. Assim, é importante a atuação da psicologia da saúde, visto que os achados apresentam que os pacientes diagnosticados com essa síndrome relatam e demonstram impactos na saúde mental dos mesmos. Tal contribuição pode ajudar a desenvolver estratégias de enfrentamento que auxiliam um melhor manejo em situações semelhantes, proporcionando mais qualidade de vida aos indivíduos. 

 

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Fatores de risco para o ajustamento psicológico de gestantes

Wechsler, A. M., Reis, K. P. D., & Ribeiro, B. D. (2016). Uma análise exploratória sobre fatores de risco para o ajustamento psicológico de gestantes. Psicologia argumento, 273-288. https:/doi.org/ 10.7213/psicol.argum.34.086.AO07

Resenhado por Maria Heloísa

 

A gravidez é uma fase que implica uma série de mudanças físicas, psicológicas e socioeconômicas. Diante das transformações, as gestantes passam por processos adaptativos e estão mais vulneráveis a problemas psicológicos. Um ajustamento psicológico adequado envolve uma boa adaptação às mudanças decorrentes da gravidez e baixos níveis de ansiedade e depressão. Características da gestante, traços de personalidade, fatores ambientais e o tipo de estratégia de enfrentamento utilizadas são fatores que podem impactar no ajustamento. Logo, o objetivo do estudo foi explorar os fatores de risco para o desajustamento psicológico em gestantes, assim como a incidência de sintomas ansiosos e depressivos no público.

O estudo utilizou uma amostra de 30 gestantes com idade superior a 18 anos e que são assistidas pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Bebedouro, São Paulo. Foram aplicados os Inventários de Beck de Depressão e Ansiedade (BDI e BDI), a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) e um questionário sociodemográfico que inclui informações pessoais, estratégias de enfrentamento, o que as gestantes atribuem para suas alterações emocionais e o nível de envolvimento do pai da criança. Os dados foram coletados a partir da visita realizada pela equipe da UBS na residência das gestantes. Para análise de dados, foi utilizada a frequência, a média, o desvio padrão, o teste não paramétrico de Mann-Whitney e uma análise hierárquica de regressão múltipla, a fim de identificar os efeitos de moderadores.

Identificou-se que 46,7% da amostra manifestavam ansiedade, sendo que 16,7% possuíam a ansiedade moderado ou grave. Além disso, 50% da amostra possuía sintomas de depressão e 10% das participantes apresentavam depressão moderada ou severa. Participantes com maior escolaridade exibiram menores níveis de ansiedade. As gestantes atribuíram suas alterações emocionais mudanças corporais (73,3%) e à hora do parto (80%), mas não houve relações estatisticamente significativas com os níveis de ansiedade e depressão. A maior parte das gestantes relatou que o pai do seu bebê contribuía financeiramente (90%) e demonstravam preocupação com elas (86,7%.) Nas análises bivariadas identificou-se que houve um efeito marginalmente significativo entre a participação dos pais para preparação do parto e um menor nível de depressão.

As estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas gestantes foram conversar com amigos (100%) e passear (83,3%), mas não houve relações significativas entre a estratégia de enfrentamento e o ajustamento psicológico. Apesar disso, foi encontrado um efeito moderador entre o enfrentamento e o nível de depressão. Quanto maior a escolaridade e maior o diálogo com profissionais de saúde, menores níveis de depressão. Ademais, o traço de personalidade neurótica foi positivamente relacionado a sintomas ansiosos nas gestantes (r = 0,39; p = 0,03). O neuroticismo também possui efeito moderador significativo na relação entre a depressão e a idade (acréscimo de 17% na variância) e entre a depressão e o número de semanas da gestação da participante (acréscimo de 19% na variância). Logo, um menor tempo de gestação e uma menor idade, combinados a baixos níveis de neuroticismo, tendem a reduzir níveis de depressão.

O estudo é importante para a psicologia da saúde pois apresenta apontamentos importantes sobre variáveis psicológicas que perpassam o período gestacional e podem afetar o bem-estar das gestantes. Destaca-se, sobretudo, os resultados quanto ao papel moderador do diálogo com o profissional da saúde nos menores níveis de depressão. Esse achado sustenta a importância do acompanhamento psicológico durante o pré-natal, a fim de humanizar o serviço e promover bem-estar nas gestantes.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

A modalidade de trabalho de parto está associada à saúde mental materna posterior.

 

Resenhado por Susana Santana

 

Dekel, S., Ein-Dor, T., Berman, Z., Barsoumian, I. S., Agarwal, S., & Pitman, R. K. (2019). Delivery mode is associated with maternal mental health following childbirth. Archives of Women's Mental Health, 22, 817-824. https://doi.org/10.1007/s00737-019-00968-2

 

Cada vez mais se observa a importância de aspectos obstétricos no bem-estar materno. Um deles é a influência do modo de trabalho de parto no ajuste psicológico da mãe. Embora o parto seja visto como um evento da vida, ele também envolve aspectos complexos. As rápidas mudanças psicofisiológicas que a mulher vivencia durante o parto podem torná-lo um evento estressante. Cerca de 85% das mulheres apresentam algum distúrbio de humor no pós-parto, mas, em geral, essa ocorrência tem curta duração e desaparece espontaneamente. Contudo, é provável que um número considerável de mulheres sofra de sintomas mais duradouros e desenvolvam transtornos psiquiátricos. Atualmente, a depressão pós-parto (DPP) é a complicação de saúde mental mais documentada, mas há indícios de que outras condições também podem ocorrer, incluindo ansiedade e transtornos relacionados ao estresse pós-traumático. Esses quadros podem afetar o funcionamento e bem-estar da mãe, o vínculo mãe-bebê e aumentar a vulnerabilidade a doenças mentais do bebê quando adulto.

De acordo com os autores, ainda há poucas evidências sobre a influência da modalidade de parto na saúde materna e a complexidade desse evento poderia influenciar no adequado ajustamento psicológico de mulheres que passam por essa experiência. Por isso, este estudo investigou o ajustamento psicológico de 685 mulheres que estavam, em média, passando pelo período de 3 meses após o parto. Foram coletadas informações sobre o tipo de parto e a saúde mental pré- e pós-parto e os dados foram analisados estatisticamente.

A análise de variância revelou que as mulheres que tiveram cesárea ou parto vaginal instrumental apresentaram níveis mais altos de angústia geral, somatização, sintomas obsessivo-compulsivos, depressivos e ansiosos do que aquelas que tiveram parto natural ou vaginal. Destaca-se que foram controladas outras variáveis como saúde mental pré-mórbida, idade materna, escolaridade, primiparidade e complicações médicas no recém-nascido. As mulheres submetidas a cesárea não planejada também apresentaram níveis mais altos de sintomas de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT) relacionados ao parto, excluindo aquelas com parto vaginal. Sintomas psiquiátricos de casos clinicamente relevantes aumentou em duas vezes após a cesariana não planejada e foi três vezes maior para provável TEPT relacionado ao parto.

Os autores concluíram que o bem-estar materno após o parto está associado ao modo de parto experimentado. Sugeriu-se, ainda, o aumento da conscientização sobre as implicações do parto operatório e das intervenções obstétricas sobre a saúde mental da mulher no atendimento de rotina. Além disso, a triagem de mulheres em situação de risco poderia melhorar a qualidade do atendimento e evitar sintomas persistentes. No campo da Psicologia da Saúde, essa é uma área de grande importância. O desenvolvimento de pesquisas sobre os fatores psicológicos implicados na adaptação à modalidade de parto pode favorecer a orientação psicológica adequada a gestantes durante o pré-natal.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Bem-estar subjetivo, saúde e envelhecimento

 

Steptoe, A., Deaton, A., & Stone, A. A. (2015). Subjective wellbeing, health, and ageing. Lancet, 385(9968), 640-648. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61489-0

Resenhado por Laurisson Albuquerque da Costa

Nas últimas décadas, houve um aumento da expectativa de vida e consequentemente do número de idosos. Envelhecer é um processo natural de todo ser humano e envolve processos biológicos, psicológicos e sociais. Para que ocorra de forma satisfatória, é necessária a interação entre esses três domínios. Um dos indicadores para definir um processo satisfatório do envelhecimento é o Bem-estar subjetivo que reflete a satisfação física e emocional. O bem-estar psicológico pode ser afetado por muitos fatores, como condição econômica, relação social e familiar, papeis e atividades sociais. Alguns estudos sugerem que o bem-estar psicológico pode reduzir doenças crônicas e promover longevidade.

O estudo realizou uma revisão de literatura sobre o bem-estar psicológico e a saúde no processo de envelhecimento. Para isso, foi abordado o bem-estar sob três perspectivas: avaliação da vida, que refere o pensamento das pessoas sobre qualidade de vida, satisfação com a vida ou o quão felizes estão com a vida. Bem-estar hedônico, que demonstra sentimentos e humores cotidianos, tais como a tristeza, a felicidade, estresse e raiva vivenciados, sendo composto por uma associação dessas dimensões. E o bem-estar eudaimonico, que possui como foco principal o julgamento sobre significado e propósito da vida.

O estudo discorre sobre a piora do bem-estar psicológico ser preditor de doenças crônicas, como doença arterial coronariana e diabetes, e de forma oposta, evidencias acerca de melhor avaliação de vida e estado hedônico estarem relacionadas a menor mortalidade e morbidade. Entretanto, devemos nos atentar que estudos de associação podem possuir muitos vieses, como uma maior escolaridade nessa população, possibilidade de pessoas que referem uma baixa avaliação de bem-estar já estarem doentes e vieses de publicação. Contudo, evidencias atuais mais robustas vem surgindo, para ilustrar essa afirmação, o estudo citou o English Longitudinal Study of Ageing (ELSA), uma pesquisa de coorte que avaliou 9050 pessoas, com média de idade 64,9 anos, seguidos por uma média de 8,5 anos. O bem-estar hedônico foi avaliado com questionário com itens contendo autonomia, senso de controle, propósito de vida e autorrealização, os resultados foram divididos em quartis de bem-estar. Foi encontrado que a população com o maior quartil, quando comparada com a de menor quartil e ajustada para gênero e idade, houve uma redução da mortalidade em 58%.

A saúde física também está associada a redução do bem-estar, algumas doenças como doença arterial coronariana, diabetes, alguns canceres, doença renal crônica e acidente vascular encefálico estão associadas a maior sintomatologia depressiva. Outro aspecto importante é o fim de vida, onde a saúde claramente impacta no bem-estar psicológico, a qualidade do cuidado nessa fase é fundamental para que o processo de morte ocorra da melhor forma possível, o foco geralmente é no controle da dor e sofrimento, porém aspectos relacionados com bem-estar como dignidade e alívio da angustia raramente são abordados.

Dessa forma, tendo em vista que o envelhecimento é um processo gradual e natural onde ocorrem mudanças físicas e psicológicas, entender fatores envolvidos no bem-estar psicológico da população idosa é de grande relevância para a psicologia da saúde, uma vez que apesar pesquisas nessa área estarem em fases iniciais, existem evidências de que o bem-estar psicológico é importante para a saúde e qualidade de vida.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Ajustamento para eventos ameaçadores: Uma teoria de adaptação cognitiva

 

Taylor, S. E. (1983). Adjustment to threatening events: A theory of cognitive adaptation. American Psychologist, 38(11), 1161–1173https://doi.org/10.1037/0003-066X.38.11.1161

 

Resenhado por Lucila Moraes

Uma das qualidades mais impressionantes do ser humano é sua capacidade de resistir a eventos traumáticos e estressantes com eficácia, muitas vezes sem ajuda profissional, e como algumas pessoas conseguem manter sua qualidade de vida anterior ao evento traumático. Mesmo diante da perda de um membro da família ou frente um diagnóstico difícil, uma parte considerável da população consegue reajustar suas vidas apenas por meio de recursos próprios ou apoio social obtendo resultados impressionantes de autossatisfação e taxas relativamente altas de cura diante de doenças.

A teoria da adaptação cognitiva é uma linha teórica que investiga tais habilidades de reajustamento psíquico em pessoas que vivenciaram alguma situação traumática e/ou ameaçadora – como pessoas vítimas de abuso sexual ou que possuem diagnóstico de câncer, por exemplo. Tal teoria propõem que um indivíduo que experiencia um evento ameaçador irá passar por um processo de reajuste focado em 3 temas, são elas: 1) A procura de significado para a experiência, ou seja, busca entender porque aquele evento ocorreu e o que isso significa para sua vida no presente; 2) A tentativa de retomar o domínio sobre o evento em questão e sobre sua própria vida (p. ex. ‘O que posso fazer para evitar ou diminuir as chances de isso ocorrer?’); 3) O esforço de resgatar a autoestima através de avaliações de autoaprimoramento, o que faz alusão às comparações sociais como forte estratégias de elevação do autoconceito.

No presente artigo foi realizado um estudo com 78 pacientes oncológicas diagnósticas com câncer de mama com intuito de entender melhor os mecanismos de reajustamento usados diante de uma situação estressora como câncer. Os resultados demonstraram que, apesar das participantes apresentarem um grau variável de prognósticos e de qualidade de vida após diagnóstico, todas apresentaram alguma tentativa de resolver as questões relacionadas a significado, atribuição e autoaprimoramento. A principal estratégia usada pelas participantes para resolver eficazmente as três temáticas da teoria da adaptação cognitiva (significado, domínio e autoaprimoramento) ocorre através do processo de manutenção de um conjunto de ilusão. Muitas participantes apresentaram pensamentos e ideias menos realistas sobre a situação vivida, tais como acreditar que possuíam controle sobre reincidência do câncer ou acreditando que estão mais saudáveis que antes do diagnóstico; porém, ao contrário do que se possa imaginar, esse tipo de ilusão permitia melhores respostas adaptativas em relação a ao enfrentamento da doença e possibilitava uma ressignificação sua experiência de modo mais positivo. Em relação às comparações sociais, por exemplo, as pacientes que precisaram operar apenas a retirada do tumor, se viam como mais bem afortunadas que aquelas que necessitaram tirar todo o peito. Caso não existisse uma pessoa em desvantagem disponível para se comparar, a paciente ainda poderia fabricar alguém para promover sua adaptação e sensação de satisfação com seu enfrentamento da doença. Ou seja, ao invés de um impedimeto de ajuste, a ilusão pode ser essencial para um enfrentamento adequado de uma situação.

Por fim, foi encontrado no presente artigo que a natureza das cognições não é tão robusta e estática como se imaginava. A flexibilidade cognitiva demonstrou ser um processo mais adaptativo para o sujeito que enfrenta uma situação ameaçadora e a crença ilusória podem ser um catalizador para que os pacientes enfrentem a doença com maior determinação e otimismo. Do ponto de vista evolutivo, as ilusões promovem comportamento de persistência, além de ajudar a manter o sujeito altamente organizado no sistema de processamento de informações. Autopercepções positivas podem influenciar pessoas a se comportarem de acordo com essas crenças para si e para os outros e ajudam a aumentar comportamentos protetores em saúde.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Efeitos da Terapia Cognitivo-Comportamental no ajustamento psicológico em crianças em tratamento com quimioterapia

 

Zhang, P., Mo, L., Torres, J., & Huang, X. (2019). Effects of cognitive behavioral therapy on psychological adjustment in Chinese pediatric cancer patients receiving chemotherapy. Medicine, 98(27). doi: 10.1097/MD.0000000000016319

Resenhado por Laís Gabriela Rocha

 

As taxas de sucesso no tratamento oncológico em crianças na China estão em crescimento, mas os efeitos psicológicos do tratamento quimioterápico ainda são um desafio. A quimioterapia é uma intervenção bastante agressiva que causa impactos negativos nas funções cognitivas, na regulação emocional e na habilidade de enfrentamento da doença, o que tende a dificultar o ajustamento psicológico nesse público. Fatores como a ausência de transtornos mentais, resiliência, sucesso em tarefas e satisfação com a vida em geral são importantes indicadores de ajustamento psicológico adequado em pacientes pediátricos oncológicos. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) atua sobre a modificação de distorções cognitivas e modulação de atitudes e comportamentos visando melhorias na saúde e este estudo teve como objetivo avaliar os efeitos da TCC no ajustamento psicológico de crianças chinesas em tratamento de câncer com quimioterapia.

A amostra do estudo foi composta por 106 jovens de 08 a 18 anos com diagnóstico de tumor maligno submetidas à quimioterapia, sem comprometimentos cognitivos ou psiquiátricos no Departamento de Oncologia e Hematologia de um hospital universitário infantil em Chongqing, China. Foi feito um estudo clínico randomizado em que se dividiram dois grupos: um grupo controle que recebeu uma rotina de cuidados psicológicos voltados para informações de saúde e outro grupo em que os pacientes, além desses cuidados, receberam intervenções baseadas na TCC. Nesta modalidade os pacientes, suas famílias e a equipe multidisciplinar do hospital participaram seguindo o mesmo protocolo, que durou cinco semanas. Neste período foram trabalhados vínculo terapêutico, psicoeducação, distorções cognitivas, treino de respiração e relaxamento muscular progressivo. O ajustamento psicológico foi medido através da resiliência e do humor negativo, segundo as escalas Conner-Davidson Resilience Scale (CD-RISC) e a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS) antes e após a intervenção.

Antes da aplicação do protocolo, ambos os grupos não apresentaram diferença significativa no ajuste psicológico, já após foram encontrados escores maiores de resiliência e menores de depressão, ansiedade e estresse no grupo que recebeu a intervenção cognitiva-comportamental. Foi perceptível a diminuição dos escores de humor negativo em crianças com o tipo de tumor do saco vitelínico e o aumento da resiliência nos pacientes com câncer em estágio III.

Neste estudo foi possível perceber que as intervenções psicológicas baseadas da terapia cognitivo-comportamental podem ser úteis no ajustamento psicológico em situações graves de saúde, como no caso de pacientes oncológicos em quimioterapia. Na amostra estudada foram observadas mudanças de atitudes em relação ao tratamento no sentido de uma melhor cooperação, que podem levar a um aumento na qualidade de vida dos pacientes a longo prazo.

Os resultados dessa pesquisa apresentam algumas limitações, como a amostra reduzida e restrita ao ambiente hospitalar. Pacientes pediátricos com idade menor que 8 anos também não foram inseridos no estudo, assim como crianças diagnosticadas com câncer recebendo outros tipos de tratamentos também invasivos, cuja lacuna pode nortear futuros estudos. Esta pesquisa se mostra importante no campo da Psicologia da Saúde por se propor a compreender e intervir nos aspectos psicológicos e comportamentais relacionados ao contexto de pacientes pediátricos oncológicos, cujo tratamento tende a comprometer o humor e a qualidade de vida.

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Estratégias de Enfrentamento de Adultos Vítimas de Acidente Vascular Cerebral e sua Relação com o Ajustamento Psicológico

 

Reis, C., & Faro, A. (2020). Estratégias de enfrentamento de adultos vítimas de acidente vascular cerebral e sua relação com o ajustamento Psicológico. Psicogente, 23(43), 167-184. https://doi.org/10.17081/psico.23.43.3379  

Resenhado por Thayslane Ribeiro-Almeida

            O Acidente Vascular Cerebral (AVC) se trata de uma doença neurológica causada por uma lesão ao cérebro. Essa comorbidade está relacionada as doenças cardiovasculares e acarreta diversas sequelas em seus portadores. As consequências de um AVC são rápidas e afetam tanto a autonomia pessoal quanto a social. O período após um AVC pode ser bastante estressor e, dessa forma, as pessoas que passaram por isso utilizam de diferentes estratégias para lidar com as adversidades. Tal manejo é entendido como enfrentamento, podendo ser dividido segundo a estratégias funcionais e disfuncionais. Outra possível divisão das estratégias de enfrentamento é a classificação entre aquelas com foco na emoção e as com foco no problema. Enquanto o primeiro tipo objetiva diminuir os sintomas ocasionados pelo evento adverso, o segundo intervém especificamente na questão estressora.

O presente estudo se tratou de uma pesquisa descritiva do tipo exploratória que teve por objetivo descrever e analisar estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas pessoas após o AVC, além de buscar identificar de que forma as estratégias impactam a adaptação. A pesquisa contou com 23 vítimas de AVC (12 homens e 11 mulheres), contatados por meio da estratégia de conveniência. Os participantes tinham tido AVC há pelo menos seis meses e se encontravam no período crônico da doença. Utilizou-se um questionário sociodemográfico e um roteiro de entrevista aberto baseado em quatro eixos temáticos: 1) evento do AVC, diagnóstico e sequelas; 2) Impacto familiar e social; 3) Impacto laboral e financeiro e 4) Expectativa para o futuro. As perguntas foram voltadas a identificação das estratégias de enfrentamento utilizadas e as entrevistas foram transcritas e analisadas com base em um único corpus contendo os eixos citados. A partir da análise dos assuntos mais presentes foram criadas categorias.

            Os resultados apontaram que o tipo de enfrentamento mais mencionado foi o foco no problema, como por exemplo busca pela reabilitação, superação das sequelas e reorganização financeira. A maior incidência das estratégias com foco no problema pode ser explicada pela característica repentina do AVC. Devido a isso, os pacientes podem sentir-se obrigados a aderir ao tratamento, a fim de diminuir os efeitos das sequelas. O fato das consequências do AVC apresentarem caráter crônico também indicam uma possibilidade desse tipo de enfrentamento ser utilizado ao longo do tempo. Foram definidas a partir da análise das entrevistas outras duas categorias temáticas, elas são: foco na emoção e suporte social. As estratégias de enfrentamento “lidando com o problema” e “regulação emocional” estiveram mais presentes em pacientes com funcionalidade pouco comprometida.

A Psicologia da Saúde é uma área que investiga os aspectos psicológicos, como cognições e comportamentos, relacionados a condições clínicas de saúde. Os achados da presente pesquisa indicam que a utilização de estratégias de enfrentamento funcionais pode impactar positivamente no prognóstico de pessoas que passaram por um AVC. Dessa forma, pesquisas sobre enfrentamento relacionadas ao AVC podem fornecer embasamento para propor intervenções nos fatores psicossociais mais relacionados ao ajustamento psicológico dessa população.

 

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Deficiência Física Adquirida e Aspectos Psicológicos: Uma Revisão Integrativa da Literatura

 

Oliveira, T. K. P., & Paraná, C. M. O. B. (2021). Deficiência Física Adquirida e Aspectos Psicológicos: Uma Revisão Integrativa da Literatura. Revista Psicologia e Saúde, 13(2), 97-110. https://doi.org/10.20435/pssa.v13i2.1212

Resenhado por Hugo Santana-Batista

 

De acordo com o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que 23,9% da população brasileira afirma ter algum tipo de deficiência, seja ela física, visual, auditiva ou intelectual. A partir desse fato, é importante ressaltar que, no âmbito da origem das deficiências físicas, existem dois grupos. O primeiro refere-se à origem congênita, em que o indivíduo já nasce com essa condição. Já o segundo grupo, às deficiências físicas adquiridas, que podem ser decorrentes de sequelas de doenças ou acidentes de diversos tipos.

O presente estudo teve como objetivo fazer uma revisão integrativa da literatura e  compreender os aspectos psicológicos relacionados à nova condição de vida de uma pessoa acometida pela deficiência física adquirida na fase adulta. A seleção dos estudos foi realizada a partir dos seguintes objetivos de pesquisa: 1) aspectos psicológicos na fase adulta; 2) impacto da deficiência física adquirida; 3) relações familiares, sociais e afetivas; e 4) autonomia na realização de atividades cotidianas e autoestima. Foram selecionadas publicações no período entre 2009 e 2018, nas bases de dados Google Acadêmico; Portal da CAPES e Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

Após a coleta de dados e os devidos descartes, restaram 13 artigos, que tratavam de deficiência física congênita ou abarcavam outros tipos de deficiência (visual, auditiva, múltiplas). Feita a leitura completa dos estudos, foram selecionados 10 artigos. A partir desses resultados, os autores dividiram a análise nas seguintes categorias temáticas: 1) autoestima, autonomia e processos subjetivos, 2) sexualidade, 3) relações sociais e familiares, e 4) profissão.

Em relação à discussão dos resultados, diversos pontos importantes foram mencionados. Os estudos mostraram que dificuldade de aceitação e sentimento de culpa são alguns dos aspectos psicológicos percebidos em adultos acometidos por uma deficiência física. Foi possível concluir que o desenvolvimento da autonomia no que for possível pode contribuir positivamente para a reestruturação da autoestima do sujeito. Foi também pontuado que é importante que o indivíduo não se prive de ter relacionamentos afetivos e sexuais para a reestruturação da autoestima, relações familiares e sociais podem contribuir nesse âmbito. O ambiente laboral também terá um papel importante no reconhecimento do indivíduo como deficiente, com a avaliação e adequação do indivíduo às necessidades do trabalho, quando possível.

Portanto, conclui-se que muitos fatores envolvem a questão dos aspectos psicológicos de pessoas com deficiências adquiridas. O estudo traz contribuições para a psicologia da saúde ao apresentar quais estratégias de enfrentamento esse grupo possui e quais fatores colaboram para a adesão aos diversos tipos de tratamentos que indivíduos com deficiências físicas adquiridas se submetem. Também é importante ressaltar a contribuição do artigo para entender quais aspectos ajudam na reestruturação da autoestima desse grupo.

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Avanços na Psicometria: Da Teoria Clássica dos Testes à Teoria de Resposta ao Item

 

Sartes, L. M. A., & Souza-Formigoni, M. L. O. D. (2013). Avanços na psicometria: da Teoria Clássica dos Testes à Teoria de Resposta ao Item. Psicologia: Reflexão e Crítica26, 241-250. https://doi.org/10.1590/S0102-79722013000200004

 

Resenhado por Maria Heloísa

A demanda por métodos objetivos de avaliação psicológica surgiu a partir da emergência da ciência positivista, possibilitando o surgimento e a modificação de métodos de avaliação das propriedades psicométricas de instrumentos. A Teoria Clássica dos Testes (TCT) e a Teoria de Resposta ao Item (TRI) são empregadas com esse objetivo. A TCT avalia a validade e a confiabilidade dos testes e é o principal método utilizado até a atualidade. Já a TRI, por sua vez, é uma teoria mais recente e tem sido usada na avaliação de construtos e no estudo da equivalência de grupos com características sociodemográficas distintos. O objetivo da pesquisa foi apresentar aspectos conceituais das teorias e um panorama comparativo entre elas quanto à avaliação da validade de construto e forma de otimização dos instrumentos.

A TCT tem como principal objetivo obter o resultado de um sujeito em um teste a partir de seus postulados, que pressupõem que erros aleatórios na medida são independentes em qualquer circunstância. Em suas análises, há a seleção dos melhores itens por meio da avaliação do índice de dificuldade e do parâmetro de discriminação. A dificuldade avalia a proporção de respondentes que apresentam respostas afirmativas ao item e a discriminação é a forma de identificar os grupos que tiveram alta ou baixa pontuação.

Já a TRI é um conjunto de modelos psicométricos que parte da pressuposição de que cada indivíduo possui um traço latente (teta) referente a uma característica a ser mensurada. O nível desse traço permite identificar se o indivíduo responderá positivamente ou não a um item, estabelecendo probabilidades de respostas. A estimação do parâmetro dos itens é feita por diferentes modelos estatísticos e é o primeiro passo da TRI, sendo baseado no número de populações envolvidas, na natureza das respostas (dicotômica ou não dicotômica), na dimensionalidade do instrumento e no número de parâmetros avaliados. Duas suposições fundamentais para o uso da TRI são a unidimensionalidade, isto é, apenas um traço latente é responsável predominantemente pelas respostas, e a independência local, que indica que as respostas aos itens são independentes.

Na TRI, modelos de dois parâmetros são utilizados para avaliar itens dicotômicos (como sim ou não) e avaliam a probabilidade de o entrevistado responder positivamente ao traço latente. Tal probabilidade é representada no gráfico da Curva Característica do Item (CCI). Já os itens politômicos são aqueles que apresentam várias categorias de resposta ordinais e crescentes. Os modelos logísticos da TRI geram, ao final, uma escala de níveis do traço latente, que possibilitam a interpretação do resultado encontrado. Os resultados do sujeito também são posicionados na escala, de acordo com sua pontuação no traço latente. Foi identificado que TRI representa avanços no campo da psicometria quando comparada à TCT, já que possibilita a realização de cálculos que independem da amostra e dos itens do teste. Além disso, permite posicionar itens e sujeitos em uma mesma escala de traço latente, o que torna viável e estabelecimento de relações entre os itens. Por fim, possibilita que respostas nulas não sejam consideradas similares a respostas que não se aplicam a alguns sujeitos. Apesar disso, a TRI não visa substituir a TCT, apenas complementar suas análises. Ambas são importantes para a Psicologia, o que abarca a Psicologia da Saúde, pois possibilitam a avaliação de instrumentos de mensuração dos construtos psicológicos. Cada método de análise psicométrica, seja a TCT ou a TRI, deve ser aplicado quando pertinente, existindo casos em que é justificável a realização de análises conjuntas.

domingo, 8 de outubro de 2023

Manutenção da ansiedade social na gagueira – um modelo da terapia cognitivo-comportamental

 

Iverach, L., Rapee, R. M., Wong, Q. J. J., & Lowe, R. (2017). Maintenance of social anxiety in stuttering: A cognitive-behavioral model. American Journal of Speech-Language Pathology, 26(2), 540–556. https://doi.org/10.1044/2016_ajslp-16-0033

Resenhado por Luiz Fernando de Andrade Melo

 

O transtorno de ansiedade social é caracterizado pelo medo intenso de situações sociais, especialmente as que podem envolver a avaliação de outras pessoas. Tal transtorno é crônico e incapacitante, além de estar relacionado com interferências significativas em vários domínios da vida. A gagueira é uma desordem na fala que é frequentemente acompanhada com ansiedade social uma vez que há medo de avaliação negativa, vieses de atenção e uso de comportamentos de segurança. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo verificar os modelos do transtorno de ansiedade social da terapia cognitivo-comportamental para sua manutenção em pessoas com gagueira, bem como para orientar pesquisas futuras sobre o tema.

Os componentes da terapia cognitivo-comportamental foram utilizados para entender a manutenção da ansiedade social em indivíduos com gagueira. Tais elementos foram descritos para entender os processos antes, durante e depois a avaliação de situações sociais, que estão relacionados com o aumento da probabilidade da persistência do medo. Os modelos utilizados para a revisão foram o de Clark e Wells (1995) e de Rapee e Heimberg (1997).

A partir do estudo, verificou-se que indivíduos com gagueira e socialmente ansiosos poderiam relatar mais pensamentos negativos antes e depois de eventos que envolvam avaliação social. Além disso, as pessoas com níveis severos de gagueira poderiam estar mais propensas a visualizar seus desempenhos em interações sociais como fracassos em comparação às que apresentam níveis mais leves. No que diz respeito aos vieses de atenção, pessoas com gagueira poderiam dedicar maior atenção aos termos gaguejados e aos sinais de desinteresse ou desconforto de ouvintes. Esses enviesamentos poderiam intensificar os níveis de ansiedade a partir da detecção da ameaça social. Outro aspecto foi a presença de autoavaliação negativa e a recordação de memórias distorcidas após eventos de interação social.

Através das características descritas, verifica-se elementos cognitivos que facilitam a persistência de crenças que consideram que a gagueira será avaliada negativamente pelos outros. Seus componentes estão presentes nos modelos da terapia cognitivo-comportamental para ansiedade, a exemplo de autoavaliação negativa e vieses de atenção. Os achados podem servir de base para estudos e intervenções no âmbito da Psicologia da Saúde em pessoas que possuam gagueira em conjunto com ansiedade social. Assim, torna-se factível identificar fatores que mantêm o medo sentido perante eventos sociais em pessoas com gagueira, assim como elaborar estratégias que lidem diretamente com tais elementos para diminuição da ansiedade.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Obesidade e ansiedade: Qual a relação?

 

Amiri, S. & Behnezhad, S. (2019). Obesity and anxiety symptoms: A systematic review and meta-analysis. Neuropsychiatr, (33)72–89. https://doi.org/10.1007/s40211-019-0302-9

 

Resenhado por Beatriz Lima

 

A ansiedade é um dos transtornos psiquiátricos mais comuns. Indivíduos com essa condição podem apresentar sintomas físicos e cognitivos, como tensão muscular, sensibilidade, inquietação e fadiga, os quais podem impactar negativamente o seu funcionamento diário. Diferentes fatores como questões socioeconômicas, eventos estressantes e violência têm sido associados com a presença de sintomas ansiosos. Dados apontam um aumento nas taxas de ansiedade na população em geral e extensos esforços têm sido feitos para identificar o curso dessa patologia. A obesidade é outra questão de saúde que vem apresentando um drástico crescimento. A estimativa para a população adulta é que 1 a cada 3 pessoas em todo o mundo esteja acima do peso, segundo o IMC (índice de massa corporal). A obesidade e o excesso de peso são preocupantes, uma vez que podem tornar-se fator de risco para outras doenças e até mesmo a morte. Estudos apontam uma relação entre a obesidade e a manifestação de problemas psicológicos, incluindo transtornos psiquiátricos. Nesse aspecto, foi encontrada uma forte associação entre a obesidade e a ansiedade, com uma maior prevalência de sintomas ansiosos ao longo da vida em indivíduos com excesso de peso.

O presente estudo buscou identificar a prevalência de sintomas de ansiedade em pessoas com sobrepeso ou obesidade. Para isso, foi realizada uma metanálise, a partir do método Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), que contou com a participação de 25 estudos. Como critérios de inclusão foram adotados estudos que adotaram delineamentos transversal ou de coorte e que apresentaram um grupo controle para fins de comparação. Além disso, foram incluídos somente aqueles que tiveram obesidade ou sobrepeso como exposição e ansiedade como desfecho estudado. A ansiedade foi definida a partir dos critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e da Classificação Internacional de Doenças (CID). Já para a obesidade, foram utilizadas as classificações da Organização Mundial de Saúde para o IMC.

Os resultados encontrados corroboram a hipótese inicial: Indivíduos com sobrepeso ou obesidade apresentaram maiores índices de ansiedade quando comparados com pessoas não-obesas. A esse respeito, a população feminina com obesidade mostrou-se mais vulnerável a sintomas ansiosos em comparação com homens com a mesma condição. A obesidade foi associada com aumento nos sintomas ansiosos em todas as temporalidades analisadas. Além disso, foi encontrada uma forte relação entre a ansiedade e obesidade, tanto em participantes autorreferidos como entre os que foram mensurados de acordo com os critérios. Não foram encontradas variações entre o excesso de peso e ansiedade relacionada com fatores etários dos participantes. 

A partir desses achados, pode-se concluir que pessoas com excesso de peso apresentam maior predisposição a manifestar sintomas ansiosos em comparação com a população em geral. Para proporcionar uma atuação eficaz em aspectos de saúde, faz-se necessário que o psicólogo da saúde compreenda a relação entre sobrepreso e saúde mental. Desse modo, ao atuar com um paciente com o diagnóstico citado, ele poderá conduzir a utilização de um enfrentamento funcional, prevenindo possíveis desfechos psicológicos negativos.

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Ajustamento psicológico dos casais em paternidade de gêmeos: modo de concepção (reprodução espontânea versus assistida) e diferenças de gênero

 

Resenhado por Susana Santana

Tendais, I., Figueiredo, B., Canário, C., & Kenny, D. (2019). Couples’ psychological adjustment to twin parenthood: Mode of conception (spontaneous versus assisted reproduction) and gender differences. Primary Health Care Research & Development, 20(e56), 1-7. https://doi.org/10.1017/S1463423618000269

 

O crescimento do uso da Tecnologia de Reprodução Assistida (TRA) e o aumento das taxas de nascimento de gêmeos são dados expressivos mundialmente. Nesse tipo de gestação, mesmo que planejada, pais de gêmeos podem estar expostos a repetidas situações estressantes. A sobrecarga no atendimento às necessidades de dois ou mais filhos, dificuldades financeiras e problemas físicos e psicológicos podem surgir nesse contexto. Além disso, a angústia relacionada aos receios de infertilidade poderia gerar um efeito cumulativo negativo no ajustamento psicológico dos pais de gêmeos após TRA.

Embora o conceito de ajustamento psicológico possa ser entendido tanto como o processo de adaptação e, numa definição mais ampla, como o resultado satisfatório da adaptação, é comum investigar esse construto pela presença ou ausência de dados referentes à sintomas de ansiedade, depressão, bem-estar, estresse, qualidade de vida, entre outros. Neste estudo, buscou-se verificar se o ajustamento psicológico de pais de gêmeos estava associado ao modo de concepção e ao gênero no contexto de transição para a paternidade de gêmeos. Foram analisados índices de sintomas depressivos, ansiosos e informações de relacionamento conjugal, atitudes quanto ao sexo, bem como em relação à gravidez e ao bebê. Participaram da pesquisa 41 casais que esperavam gêmeos, sendo 25 deles com gestação de concepção espontânea (CE) e 16 com TRA.

Dentre os resultados, verificou-se que os pais do grupo TRA mostraram um declínio na qualidade do relacionamento conjugal, mas nenhuma mudança nas atitudes em relação à gravidez e ao bebê e nenhuma mudança nas atitudes em relação ao sexo no pós-parto. Em contrapartida, os pais de CE não mudaram sua percepção do relacionamento conjugal e relataram atitudes mais positivas em relação à gravidez, ao bebê e em relação ao sexo no pós-parto. Em comparação com mães e pais de CE e pais de TRA, as mães de TRA apresentaram aumento dos sintomas depressivos e ansiosos da gravidez até o pós-parto, com declínio dos sintomas de ansiedade somente no pós-parto.

Essas descobertas sugerem que pais de TRA podem ter mais dificuldades psicológicas durante a transição para a paternidade de gêmeos quando comparados aos pais de CE. As mães de TRA, em particular, parecem estar mais expostas ao risco de altos níveis de sintomas depressivos. Estudos em Psicologia da Saúde investigam os aspectos emocionais, cognitivos e comportamentais de condições físicas de saúde. Assim, pesquisas sobre adaptação psicológica à gestação, parto, puerpério e parentalidade podem fornecer dados importantes para propor intervenções nos fatores psicossociais que mais influenciam no ajustamento psicológico desse público.

sábado, 30 de setembro de 2023

Avaliando os construtos do Modelo de Crenças em Saúde na adoção de comportamento preventivo em relação ao Papilomavírus Humano

 

Mohammadi, S., Rabiei, Z., Pajohideh, Z. S., Barati, Z., Talebi, S. S., & Keramat, A. (2023). Evaluating the Health Belief Model Constructs in Adopting the HPV Preventive Behavior. Journal of Family & Reproductive Health, 17(1), 37-44. https://doi.org/10.18502/jfrh.v17i1.11975

Resenhado por Lucila Moraes

 

O Papilomavírus Humano (HPV) é doença sexualmente transmissível (DST) por contato pele-a-pele e suas manifestações mais graves variam desde verrugas genitais até câncer de vulva e câncer de pênis. Apesar de não haver tratamento específico para HPV, a doença pode ser prevenida por vacinação anterior ao contato sexual, uso de camisinha e triagem. Somado a isto, o conhecimento das mulheres sobre exame colpocitologia oncótica cervical (exame de Papanicolau) leva a diagnósticos e tratamentos mais precoces, além de redução de complicações por infecção de HPV. A contaminação por HPV, bem como sua disseminação, estão associadas a comportamentos de alto risco e falta de ações seguras em saúde. Logo, identificar as variáveis determinadoras desses comportamentos e entender o papel delas nas percepções em saúde contribui para delimitar programas efetivos de intervenção. 

Uma das teorias mais usadas para explicar comportamentos em saúde é o Modelo de Crenças em Saúde (MCS). Seu principal pressuposto é de que comportamentos preventivos de doenças são influenciados por seis aspectos: percepção de benefícios da ação, barreiras percebidas (p.ex., custo, tempo, esforço), gravidade percebida, suscetibilidade percebida, estímulo para a ação (seja interno devido a dor, por. ex., ou externo, por aconselhamento de familiares, p.ex.) e autoeficácia.  Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar os construtos do MCS para prever os comportamentos de saúde relacionados a infecção por HPV adotados por mulheres no Irã. Participaram deste estudo 1000 mulheres, com as quais foi realizado um questionário com 72 itens, dentre eles perguntas sociodemográficas, questões sob conhecimento do HPV; além perguntas relativas a comportamentos protetivos em saúde baseada no MCS como a autoeficácia (‘estou certa de que consigo despender tempo em realizar o exame Papanicolau, mesmo estando ocupada?’), suscetibilidade percebida (‘tenho risco em desenvolver verrugas genitais?), entre outros.

Os resultados mostraram que 88,2% das participantes percebiam a adoção de comportamento preventivos em saúde como benéficos (p.ex., usar camisinha durante relação sexual). No entanto, apenas 18,2% das participantes afirmaram usar preservativos como método de contracepção. Os preservativos femininos/masculinos são os únicos métodos de contracepção conhecidos por prevenir a transmissão e infecção pelo HPV. Um dado relevante da pesquisa ressaltou que as pontuações médias de comportamentos preventivos foram mais altas nas mulheres que obtiveram algum registro de DSTs ou haviam realizado exame de Papanicolau, possivelmente devido ao treinamento recebido durante a triagem da doença e seu posterior processo de tratamento. Outro achado do estudo apontou uma relação significativa entre adoção de comportamentos preventivos em saúde com maior suscetibilidade percebida e maior autoeficácia entre a amostra. Acerca da percepção de suscetibilidade em contrair a doença, as participantes que se consideravam com maior risco de contrair HPV foram as mais prováveis de se engajarem em comportamentos preventivos em saúde.

Por fim, o estudo se faz relevante para o desenvolvimento e implementação de programas de promoções de saúde relacionados a prevenção de infecção por HPV, pois auxilia a identificar os determinantes de comportamentos protetores em saúde para a construção de intervenções educativas eficazes. Os resultados apontaram que se faz necessário um maior foco em intervenções relacionadas a percepção de suscetibilidade à doença e autoeficácia, pois se mostraram como preditores de comportamentos preventivos em saúde.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Intervenções na personalidade

 

Resenha por Brenda Fernanda Silva-Ferraz

 

Jackson, J. J., Beck, E. D., & Mike, A. (2021). Personality interventions. In O. P. John & R. W. Robins (Eds.), Handbook of Personality: Theory and Research (pp. 793-805). Guilford Press.

 

Traços de personalidade estão prospectivamente associados a uma série de resultados importantes na vida em todas as idades, a exemplo da saúde, nível educacional, divórcio e sucesso no trabalho. O potencial de impactar muitos aspectos da vida tem despertado interesse no que diz respeito às políticas públicas. Frente a isso, destaca-se a importância de compreender a efetividade das intervenções na personalidade.

Existem algumas características que tornam interessantes as intervenções nos traços de personalidade, a saber: 1) associação com desfechos importantes de vida; 2) o fato de que os traços de personalidade são passíveis de mudança ao longo da vida; 3) o fato de que a personalidade costuma ser estável e consistente ao longo da vida, o que implica que, uma vez modificada mediante intervenção, os efeitos tendem a ser duradouros.

Apesar de as intervenções na personalidade parecerem promissoras, sua viabilidade ainda não está clara, e é importante se atentar a alguns aspectos. O primeiro deles é que existem desafios éticos ao se pensar a intervenção na personalidade, uma vez que esta costuma ser entendida como identidade e individualidade de uma pessoa. A segunda barreira para a viabilidade de intervenções na personalidade é que os processos subjacentes às mudanças de personalidade que ocorrem naturalmente são, em sua maioria, desconhecidos. Ainda que haja relativa aceitação de que as experiências podem mudar a personalidade, existem poucos eventos de vida que estão consistentemente associados a mudanças na personalidade.

Algumas intervenções podem ser pensadas de modo a modificar pensamentos, emoções e comportamentos. Consequentemente, podem vir a impactar a personalidade. São elas: programas parentais e escolares; programas para mitigar o comportamento antissocial em adolescentes; intervenções clínicas; intervenções psicofarmacológicas; fortalecimento de autocontrole; intervenções em saúde; treinamento cognitivo; dentre outros.

Questões ficam em aberto e nos direcionam para novas caminhos, a saber: que experiências são necessárias para modificar a personalidade? Quanto tempo devem durar essas intervenções? Há uma idade mais efetiva para as intervenções? Destaca-se, neste sentido, a importância de que mais estudos sejam realizados, especialmente os de delineamento longitudinal.

O capítulo conclui que existem diversas intervenções disponíveis, contudo, há uma lacuna de estudos clínicos randomizados, além de que não existem muitas evidências de validade sobre as intervenções. É papel da psicologia da saúde, portanto, identificar variáveis relevantes para modificar aspectos da personalidade, uma vez que esta está relacionada a importantes desfechos de saúde. Reconhecidos fatores de risco e proteção, podem-se pensar, então, em testes de modelos explicativos e em possíveis testes de intervenções, a fim de construir evidências confiáveis.   

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Saúde mental dos doadores de órgãos e familiares

 Resenhado por Laurisson Albuquerque da Costa

 

O transplante de órgãos constitui o melhor tratamento para muitas doenças crônicas. Com o objetivo de conscientizar a população a respeito do tema, dia 27 de setembro foi instituído o dia nacional da doação de órgãos, pela Lei N.º 11.584, de 28 de novembro de 2007. A doação de órgãos e tecidos pode ocorrer através de doador falecido (após morte encefálica) ou doador vivo, como por exemplo rim, fígado, medula óssea. Para o doador falecido, de acordo com a legislação brasileira, não existe cadastro e não são válidos testamentos, declarações em documentos de identidade ou carteira de motorista. Dessa forma, para ocorrer a doação em caso de morte encefálica, é necessária a autorização familiar. No caso de doação em vida, é possível disponibilizar gratuitamente o órgão para parentes consanguíneos até quarto grau, para cônjuge e para qualquer pessoa mediante autorização judicial mais a avaliação da Central de transplante e da comissão de ética do hospital, devendo ser descartada a possibilidade de comércio de órgãos (ABTO, 2023).

O transplante doador vido possui aspectos positivos e negativos para a saúde mental do doador. Um estudo realizado em doadores de rim demonstrou, numa média de 6 anos após doação, um escore de bem-estar emocional e social maior que a população geral, e os escores de saúde mental foram comparáveis a população geral, bem como os sintomas psicológicos pré-doação foram semelhantes aos pós-doação (Massey et al., 2022). A segurança da saúde física e mental do doador é motivo de preocupação dos profissionais envolvidos nos serviços de transplante. Dessa forma, com o objetivo de entender a longo prazo os desfechos psicossociais do doador, um estudo americano realizou questionários em doadores de rim entre os anos de 1963 a 2005 a respeito de perspectivas do doador, tempo de recuperação, suporte social, motivação, impacto financeiro e estado psicológico. Numa média de 17 (±10 anos) após transplante, a maioria dos doadores (95%) relatou a experiência como boa ou excelente. Entretanto, alguns doadores descreveram experiencias negativas da doação, tais como complicações dos doadores, falência do enxerto e dificuldades psicossociais, sendo a falência do enxerto do receptor o único preditor de desfechos psicossociais desfavoráveis (Jowsey et al., 2014).

Em relação ao transplante doador falecido, informar a família previamente em vida é fundamental no processo de decisão, uma vez que em grande parte das ocasiões a morte acontece por acidente ou doenças não previstas, o que leva ao estresse da decisão, com possibilidade de acarretar em depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Tendo em vista que o cuidado com os familiares é de extrema importância no processo, um estudo investigou o suporte emocional dos familiares de doadores de órgãos após a doação e encontrou que a maioria (67,70%) obteve suporte emocional sendo principalmente de familiares direto (73,91%), entretanto, a maioria das famílias dos doadores afirmou a necessidade de apoio emocional e ajuda psicológica dos profissionais da psicologia (Xie et al., 2022).

Existem muitas barreiras no processo não efetividade da doação, as principais são a contraindicação clínica, recusa familiar ou do doador em vida, a preocupação com a integridade do corpo, descontentamento com o atendimento do serviço e o tempo de demora do processo e crenças religiosas (Marinho et al., 2018). Para além disso, o apoio psicológico do doador vivo e dos familiares após a doação é de extrema importância. A compreensão dos principais aspectos psicossociais do período da doação pode auxiliar na decisão mais segura e na redução da taxa de não efetivação da doação, bem como o acompanhamento psicológico após a doação é fundamental para redução do estresse psicológico e desfechos desfavoráveis de saúde mental dos doadores em caso de doador vivo e dos familiares no doador falecido.

 

Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO, 2023). Como ser um doador. https://site.abto.org.br/como-ser-um-doador/

Jowsey, S. G., Jacobs, C., Gross, C. R., Hong, B. A., Messersmith, E. E., Gillespie, B. W., . . . Group, R. S. (2014). Emotional well-being of living kidney donors: findings from the RELIVE Study. Am J Transplant, 14(11), 2535-2544. https://doi.org/10.1111/ajt.12906

Marinho, B. B. O., Santos, A. T. F., Figueredo, A. S., Cortez, L. S. A. B., Viana, M. C. A., Santos, G. M., . . . Braga-Neto, P. (2018). Challenges of Organ Donation: Potential Donors for Transplantation in an Area of Brazil's Northeast. Transplant Proc, 50(3), 698-701. https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2018.02.055

Massey, E. K., Pronk, M. C., Zuidema, W. C., Weimar, W., van de Wetering, J., & Ismail, S. Y. (2022). Positive and negative aspects of mental health after unspecified living kidney donation: A cohort study. Br J Health Psychol, 27(2), 374-389. https://doi.org/10.1111/bjhp.12549

Xie, W., Kong, S., He, H., Xiong, H., Zhu, Q., & Huang, P. (2022). A mixed-methods study of emotional support for families of organ donors in Hunan Province, China. Front Psychol, 13, 952524. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.952524