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terça-feira, 30 de maio de 2023

O desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático em indivíduos com deficiência visual: Uma busca sistemática e revisão.

 

Resenhado por Susana Santana

 

van der Ham, A. J., van der Aa, H. P., Brunes, A., Heir, T., de Vries, R., van Rens, G. H., & van Nispen, R. M. (2021). The development of posttraumatic stress disorder in individuals with visual impairment: a systematic search and review. Ophthalmic and Physiological Optics, 41(2), 331-341. https://doi.org/10.1111/opo.12784

 

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é um distúrbio de ansiedade que pode ser desenvolvido a partir da experiência de ser vítima ou testemunha em situações traumáticas.  Trata-se de um problema de saúde mental com impacto negativo na qualidade de vida. Considerando-se pessoas com deficiência visual, pouco se sabe sobre a relação entre o TEPT e a perda da visão. De acordo com os critérios de diagnóstico de TEPT, a perda da visão em si geralmente não seria compreendida como um evento traumático. Acredita-se que seja mais provável que TEPT em pessoas com deficiência visual seja o resultado de eventos traumáticos que não estão diretamente relacionados à deficiência visual.

O objetivo do estudo em questão foi mapear evidências sobre o desenvolvimento de TEPT em pessoas com deficiência visual através de uma busca sistemática da literatura. Após os procedimentos de busca e seleção, 13 artigos foram selecionados. Dentre os resultados, foi apontado que pessoas com deficiências visuais podem correr um risco maior de serem expostas a determinados eventos potencialmente traumáticos. O acesso limitado e/ou restrito a informações situacionais durante alguns eventos pode contribuir para o estresse da experiência. Além disso, a deficiência visual pode moldar o impacto de eventos traumáticos. As evidências atuais sugerem que algumas experiências e desafios são exclusivos para pessoas com deficiência visual. Outro achado foi que o TEPT foi comum nessa população, com prevalência variando desde 4% a 50%.

Foi observado que pessoas com deficiência visual podem estar mais sujeitas a certos tipos de eventos traumáticos como: acidentes (quedas), maior risco de agressões sexuais, a própria perda da visão ou suas causas serem descritas como uma experiência traumática, ou ainda, o ataque de outros cães aos cães-guia de pessoas cegas. Quantos aos sintomas de TEPT, esses foram mais comumente descritos como flashbacks visuais (nas pessoas com visão residual), flashbacks envolvendo experiências auditivas ou corporais, sintomas de evitação e sintomas de hiperexcitação, como distúrbios de concentração, estado de hiperalerta auditivo e problemas para distinguir sons diferentes.

Os autores do estudo afirmaram que esses resultados podem auxiliar profissionais de saúde a identificarem e tratarem TEPT nessa população. Outro direcionamento do estudo foi o de que há a necessidade de explorar as demandas de tratamento e o comportamento de busca de ajuda entre as pessoas com deficiência visual e TEPT. Estudos como esse, que investigam a associação entre fatores psicossociais, como a perda visual, e a ocorrência de outras doenças, são do escopo da Psicologia da Saúde. Esses achados podem contribuir para o desenvolvimento de intervenções de saúde mais direcionadas e efetivas, levando em conta as especificidades de cada contexto.

domingo, 21 de maio de 2023

Transtorno de Personalidade Borderline

 

Descrição: Texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

Segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição), o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é caracterizado por “um padrão de instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e afetos, bem como de impulsividade acentuada, que se inicia no início da idade adulta e está presente em diversos contextos”. Dentre os sintomas propostos para caracterizar tal condição, está o seguinte: “esforços frenéticos para evitar o abandono real ou imaginado”.

Como mostrado na tirinha acima, o indivíduo com diagnóstico de TPB tende a interpretar eventos quotidianos em relacionamentos interpessoais como tentativas de abandono (o que o DSM-5 descreve como “abandono imaginário”) e apresentar reações intensas ou desproporcionais em decorrência dessa percepção.

 

sábado, 20 de maio de 2023

O Modelo de Crenças em Saúde

 

Green, E. C., Murphy, E. M., & Gryboski, K. (2020, September 2). The health belief model. The Wiley Encyclopedia of Health Psychology, pp. 211–214. doi:10.1002/9781119057840.ch68

Resenhado por Matheus Macena

O Modelo de Crenças em Saúde (MCS) foi desenvolvido para compreender a falta de adoção de estratégias de prevenção de doenças ou testes de rastreamento para a detecção precoce de doenças por parte das pessoas. O MCS sugere que a crença de uma pessoa em relação à ameaça pessoal de uma doença, juntamente com a crença na eficácia do comportamento ou ação de saúde recomendada, irá predizer a probabilidade de a pessoa adotar tal comportamento.

O MCS tem como base que os dois componentes do comportamento relacionado à saúde são: 1) o desejo de evitar doenças ou, inversamente, recuperar-se se já estiver doente; e 2) a crença de que uma ação de saúde específica irá prevenir ou curar doenças. Em última instância, a conduta de um indivíduo muitas vezes depende das percepções da pessoa em relação aos benefícios e barreiras relacionados ao comportamento de saúde. O MCS consiste em seis construtos. Os quatro primeiros foram desenvolvidos como princípios fundamentais do MCS, ao passo que os dois últimos foram adicionados à medida que as pesquisas sobre o modelo avançaram.

  • Percepção de suscetibilidade - Refere-se à percepção subjetiva de uma pessoa em relação ao risco de adquirir uma doença.
  • Percepção de gravidade - Refere-se aos sentimentos de uma pessoa em relação à gravidade de contrair uma doença.
  • Percepção de benefícios - Refere-se à percepção de uma pessoa em relação à eficácia de várias ações disponíveis para reduzir a ameaça de uma doença.
  • Percepção de barreiras - Refere-se aos sentimentos de uma pessoa em relação aos obstáculos para realizar uma ação de saúde recomendada.
  • Estímulo para ação - Este é o estímulo necessário para iniciar o processo de tomada de decisão para aceitar uma ação de saúde recomendada. Esses estímulos podem ser internos (por exemplo, dores no peito, chiado no peito, etc.) ou externos (por exemplo, conselhos de outras pessoas, doença de um membro da família, artigo de jornal, etc.).
  • Autoeficácia - Refere-se ao nível de confiança de uma pessoa em sua capacidade de executar com sucesso um comportamento.

O modelo traz limitações que incluem uma pressuposição de acesso igualitário a informações de saúde e desconsidera o papel de atitudes, crenças e comportamentos habituais no processo de tomada de decisão em saúde. Ainda assim, o MCS traz várias vantagens em relação à compreensão e promoção de comportamentos de saúde por possibilitar a compreensão individualizada dos problemas de saúde, previsão de comportamentos de saúde, avaliação de percepção de risco e permitir a avaliação de benefícios e barreiras na tomada de decisões relacionadas a saúde.

O modelo tem sido amplamente utilizado na psicologia da saúde para compreender e prever o comportamento relacionado à saúde nas pessoas. Ele oferece uma estrutura teórica que permite analisar as crenças, percepções e motivações individuais que influenciam a adoção de comportamentos de prevenção de doenças, adesão ao tratamento e busca por cuidados de saúde. Por fim, o MCS destaca a importância das percepções de suscetibilidade, gravidade, benefícios e barreiras, bem como o papel dos estímulos para ação e da autoeficácia na tomada de decisões relacionadas à saúde.


sexta-feira, 19 de maio de 2023

Autoavaliação de saúde por pacientes em hemodiálise no Sistema Único de Saúde

 

Moreira, T. R., Giatti, L., Cesar, C. C., Andrade, E. I. G., Acurcio, F. D. A., & Cherchiglia, M. L. (2016). Autoavaliação de saúde por pacientes em hemodiálise no Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública50(10), 1-11. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050005885

 

Resenhado por Júlia Nunes Cardoso

A autoavaliação de saúde é uma medida subjetiva, abrangente e robusta de saúde, considerada forte preditora de incapacidade. O contexto em que o indivíduo vive pode influenciar sua autoavaliação de saúde. Entre os fatores associados à pior autoavaliação de saúde estão características sociodemográficas como sexo feminino, idade avançada, e menores níveis de escolaridade e de renda, assim como, comportamentos não saudáveis, presença de condições objetivas de saúde, incapacidade funcional e aspectos psicossociais como isolamento social. A presença de doenças crônicas influencia diretamente a autoavaliação de saúde, e a prevalência de autoavaliação ruim cresce à medida que aumenta o número de doenças referidas.

A doença renal crônica é um problema de saúde pública caracterizado por alta morbidade e mortalidade, com impacto econômico, social, pessoal e para o sistema de saúde. Pacientes com doença renal crônica que desenvolvem o estágio final da doença necessitam hemodiálise para o restante da vida ou de transplante renal. A qualidade e o desempenho dos serviços de diálise são fundamentais para manutenção da melhor condição clínica dos pacientes. Por isso, as características dos serviços de diálise influenciam a qualidade de vida dos pacientes em tratamento e os seus resultados, como a redução da taxa de ureia após a sessão de hemodiálise, o controle da anemia e o tempo de sobrevida.

Considerando esse cenário, juntamente a carência de estudos avaliando a associação entre autoavaliação de saúde e doença renal crônica, foi feito um estudo transversal com objetivo de analisar se o nível de complexidade de estrutura dos serviços e características sociodemográficas e clínicas de pacientes em hemodiálise estão associados à prevalência de autoavaliação de saúde ruim. Participaram do estudo 1621 indivíduos, alocados em 81 serviços de diálise no país. Entre eles, 54,5% relataram autoavaliação da saúde ruim. A chance de autoavaliação de saúde ruim aumentou com a idade e foi mais alta entre os que gastavam mais de 60 minutos no trajeto de casa até o serviço de diálise do que aqueles que gastavam menos de 20 minutos. A chance de autoavaliação de saúde ruim foi menor em pacientes atendidos em serviços de alto nível de complexidade (OR = 0,67; IC95% 0,53–0,86). Além disso, se o paciente se transfere para um serviço de diálise com condições mais inadequadas de atendimento, o risco de autoavaliar sua saúde como ruim pode aumentar em 48,0%.

Esse foi o primeiro estudo em nível nacional a investigar a prevalência de autoavaliação de saúde ruim em pacientes em hemodiálise e sua associação com características individuais e dos serviços de diálise. Essas iniciativas sobre percepção e avaliação de sistemas de saúde é um campo que cabe a psicologia da saúde aumentar sua produção. Investigar as variáveis que afetam o tratamento de doenças físicas é uma área promissora para o psicólogo da saúde poder propor nos setores, públicos e privados de saúde, intervenções que promovam mais efetividade no tratamento dos quadros.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

O protocolo unificado realmente muda neuroticismo? Resultados de um estudo randomizado

 Resenhado por Brenda Fernanda P. Silva-Ferraz

 

Sauer-Zavala, S., Fournier, J. C., Jarvi Steele, S., Woods, B. K., Wang, M., Farchione, T. J., & Barlow, D. H. (2020). Does the unified protocol really change neuroticism? Results from a randomized trial. Psychological Medicine, 1–10. https://doi.org/10.1017/S0033291720000975

 

O neuroticismo é um traço de personalidade do modelo Big Five que está associado ao aparecimento e manutenção de uma série de transtornos mentais e condições de saúde, bem como uma série de resultados danosos, como problemas de saúde física, maiores taxas de divórcio, perda de produtividade e maior procura por tratamento). Sendo assim, tem-se considerado o quanto esta característica pode ser abordada no tratamento. Até o presente momento, evidências demonstram resultados mistos em relação à capacidade de resposta do neuroticismo ao tratamento, talvez devido ao fato de que as intervenções dos estudos geralmente são projetadas para atingir os sintomas dos transtornos ao invés do próprio neuroticismo.

O objetivo do presente estudo foi explorar se o tratamento com o protocolo unificado (UP), uma intervenção transdiagnóstica que foi desenvolvida especialmente para atingir o neuroticismo, resulta em maiores reduções no neuroticismo em comparação aos protocolos padrão-ouro da terapia cognitivo-comportamental (TCC) com foco em sintomas e uma condição de controle de lista de espera (WL). O protocolo unificado foi desenvolvido por Barlow e colaboradores (2018) e é composto por tópicos e sessões que abordam: consciência plena em relação às emoções (aumentar atenção às emoções sem julgá-las), flexibilidade cognitiva, engajamento em comportamentos positivos, tolerância a sensações físicas (frente a situações desafiadoras) e exposição emocional, visando a um melhor enfrentamento.

Participaram do estudo 223 pacientes com transtornos de ansiedade. Utilizou-se uma medida de auto-relato validada de neuroticismo, bem como medidas de sintomas psicológicos. No que concerne aos resultados, na semana 16 (última semana do protocolo), os participantes na condição UP exibiram níveis significativamente mais baixos de neuroticismo do que os participantes da TCC focada em sintomas e na lista de espera.

Conclui-se, portanto, que os efeitos do tratamento no neuroticismo podem ser mais robustos quando esse traço é explicitamente visado, em detrimento a intervenções voltadas para os transtornos como ansiedade e depressão. Conhecer tais informações é fundamental para que os psicólogos da saúde possam pensar em ações eficazes baseadas em construtos psicológicos, visando melhores desfechos de saúde física e mental.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Sintomatologia depressiva e regulação emocional em pacientes com Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa

Menezes, M. S., & Faro, A. (2018). Sintomatologia depressiva e regulação emocional em pacientes com Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa. Psicologia, Saúde e Doenças 19(3), 743-754. http://dx.doi.org/10.15309/18psd190321


Resenhado por Thayslane Larissa Ribeiro Almeida

 

            A Doença de Crohn (DC) e a Retocolite Ulcerativa (RCU) são as formas mais comumente encontradas das Doenças Inflamatórias do Intestino (DII), sendo caracterizadas pela presença de inflamação crônica do sistema digestivo, o que pode gerar fístulas, febre, diarreia, dor ou até hemorragias. Esses sintomas ocorrem nos momentos de crise das DII, mas existem, também, períodos de remissão. As DII afetam a qualidade de vida dos seus portadores não só a nível físico, mas também social e psicológico, pois são potencialmente geradoras de estresse. Diante de um cenário como esse, é preciso que os indivíduos com DII se ajustem a um novo contexto. A Psicologia da Saúde, área que estuda aspectos psicológicos relacionados a doenças, postula sobre a Regulação Emocional (RE), que se refere à capacidade de manejar as emoções e é dividido em duas estratégias: Reavaliação Cognitiva e Supressão. Enquanto na primeira é procurado alterar o significado de uma situação estressora, na segunda se busca suprimir as emoções.

            No presente estudo participaram 63 pacientes com DII de ambos os sexos (66,7% mulheres) e idade entre 18 a 70 anos, com média de 42 anos (Desvio Padrão [DP] = 14,66), todos eles pacientes aguardavam atendimento no ambulatório de coloproctologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe. As informações foram coletadas por meio da aplicação de um questionário sociodemográfico, Questionário de Regulação Emocional (QRE), que avalia as duas estratégias de Regulação Emocional anteriormente descritas, e escala Center for Epidemiologic Studies Depression - Revised (CESD-R) para avaliação de sintomas depressivos. Sobre as variáveis clínicas, 65,1% (n= 41) eram portadores de DC e 34,9% (n = 22) de RCU e apenas 3,2% (n= 32) estavam em crise no momento da pesquisa.

            A amostra exibiu escores mais altos que o ponto de corte quando se refere à sintomatologia depressiva, especialmente na população da faixa etária dos 36 aos 49 anos, em pessoas com escolaridade mais elevada e naqueles que possuíam outras doenças crônicas. Os resultados do estudo também indicaram que a presença de DII por mais de cinco anos pareceu impactar na sintomatologia depressiva, dessa forma, os pacientes que convivem com a doença por mais tempo tiveram piores índices nesse quesito.

Ainda nesse sentido, as pessoas que pontuaram abaixo da média na escala de reavaliação cognitiva e maiores pontuações na escala de supressão também demonstraram maior probabilidade de apresentar sintomatologia depressiva.  Isso pode ser explicado devido ao fato de que suprimir os sentimentos negativos não faz com que eles desapareçam, portanto, uma postura mais ativa frente a situação estressora acarretaria desfechos mais positivos. Outros fatores também associados a sintomatologia depressiva foram a presença de crises recentes e procedimentos cirúrgicos anteriores para tratamento das DII.

            A importância deste trabalho se dá pela contribuição em entender as variáveis psicológicas envolvidas nas DII, como a regulação emocional, tendo em vista que isso pode proporcionar intervenções mais efetivas, reduzindo assim os efeitos negativos da doença, tanto em relação a aspectos físicos como psicológicos. A pesquisa também é importante devido à promoção de conhecimento, pois pode ajudar em novas investigações científicas sobre a temática ou semelhantes.

terça-feira, 16 de maio de 2023

Impactos do Bullying na Autoestima e Autoimagem

 

Albuquerque, P. P. de ., & Fragelli, R. M. . (2023). Impactos do bullying na autoestima e autoimagem. Revista Psicologia E Saúde, 14(4), 57–69. https://doi.org/10.20435/pssa.v14i4.1844

 

Resenhado por Hugo Vinicius Santana Batista

 

            O bullying é um tipo de violência entre pares, no qual ações físicas e sociais negativas são cometidas de forma intencional e repetitiva contra um indivíduo. Um alto número de estudantes relata já ter sido vítima de bullying devido à sua aparência física, especialmente escolares do gênero feminino. A autoestima e autoimagem são de extrema importância para a compreensão das repercussões de tais situações nos adolescentes. Por essa razão, o seguinte estudo teve como objetivo investigar, retrospectivamente, a ocorrência de bullying motivado por aparência física e seus impactos no bem-estar de estudantes por meio dos níveis de autoimagem e autoestima

            Realizou-se uma pesquisa com 107 estudantes de uma universidade pública do interior de Minas Gerais. Foi utilizado como instrumento o “Questionário Violência entre pares na adolescência e construção de autoimagem”, construído pelas autoras. O instrumento se divide em três partes, com itens relacionados à violência, aparência física, autoestima e autoimagem dos participantes. Para analisar os dados, utilizou-se estatística descritiva, teste Qui Quadrado para  avaliar a relação entre diferentes variáveis analisadas na pesquisa (como gênero e bullying), além do teste t de Student de amostras independentes, para comparar os níveis de autoestima e autoimagem nos que vivenciaram bullying e os que não vivenciaram.

De acordo com os resultados, observou-se que 66,4% dos participantes afirmaram ter sido alvos de bullying na adolescência. Dos aspectos  da aparência das vítimas que possam  ter  motivado a experiência de bullying, o peso, formato corporal, formato do cabelo e gênero foram os mais relatados. De forma mais específica, 36,4% do público masculino indicou ter sido alvo de violência especialmente por aspectos relacionados a peso corporal, ao passo que o público feminino apontou gênero (35,1%) e tipo capilar (32,4%) como pretexto para a violência. Cabe destacar que, dentre os resultados, houve relação significativa entre vivência de bullying e o nível de autoestima (t(105)=3,05,p=0,003), porém não existiu relação relevante entre o bullying e o nível de autoimagem (t(105)=0,28,p=0,78), o que se diferencia de estudos da mesma vertente.

            Essas evidências permitiram reafirmar estreita relação com padrões sociais e culturalmente valorizados, em que as diferenças e diversidades não são toleradas. Em relação aos resultados dos aspectos da aparência, a imagem corporal também pode estar relacionada ao bullying, visto que na adolescência, também existe uma demanda por um “corpo ideal”. Assim, qualquer causa que diferencie o jovem do seu grupo de amigos pode ser vivenciada como algo perturbador. Descobertas relacionadas a preocupações e comportamentos com a imagem corporal são de extrema importância para o desenvolvimento de intervenções promotoras de saúde e satisfação do corpo com adolescentes.

            A importância do estudo se dá pela contribuição às pesquisas que relacionam bullying e seus impactos nos adolescentes, visto que é uma situação que reverbera em diversos âmbitos da vida desse grupo, inclusive na saúde mental. A pesquisa, além de contribuir com a psicologia da saúde no sentido da melhor compreensão de transtornos que envolvem a autoimagem na adolescência, como o transtorno dismórfico corporal, também pode servir como base para programas de prevenção à violência nas escolas. Trabalhos de prevenção, intervenção e acompanhamento devem envolver não só a comunidade escolar, mas a família e a sociedade como um todo, o que faz com que o profissional da psicologia tenha um papel essencial nesse contexto.

 

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Prevalência e preditores de ansiedade e sintomas depressivos entre pacientes diagnosticados com câncer bucal na China

Yuan, L., Pan, B., Wang, W., Wang, L., Zhang, X., & Gao, Y. (2020). Prevalence and predictors of anxiety and depressive symptoms among patients diagnosed with oral cancer in China: A cross-sectional study. BMC Psychiatry, 20(1), 1-15. https://doi.org/10.1186/s12888-020-02796-6

 

Resenhado por Gessica Natalia Andrade Leal

 

O câncer bucal é um termo amplo que engloba as neoplasias da cavidade oral e orofaríngea, a exemplo dos carcinomas do assoalho da boca, palato e bochecha. O diagnóstico da doença é um grande estressor que pode influenciar no desenvolvimento de sintomas significativos de ansiedade e depressão, quadros clínicos em saúde mental que interferem na capacidade de adaptação à doença. Alguns fatores têm sido associados à ocorrência de transtornos ansiosos e depressivos nesses pacientes, tais como variáveis sociodemográficas e o estigma vivenciado por eles. Por outro lado, recursos psicológicos positivos como esperança, autoeficácia, otimismo e apoio social podem atenuar o desenvolvimento dos quadros mencionados.

Diante desse cenário, foi realizado um estudo transversal entre maio de 2016 e outubro de 2017 com 230 pacientes diagnosticados com câncer bucal, em dois hospitais da China. Seu objetivo foi explorar a prevalência de ansiedade e sintomas depressivos dentre esses pacientes, além de investigar os principais fatores preditivos associados aos sintomas ansiosos e depressivos. A hipótese do estudo é que a ansiedade e os sintomas depressivos estão negativamente associados à percepção de estresse e estigma, além de positivamente associados à percepção de apoio social, autoeficácia, otimismo e esperança.

As características sociodemográficas e clínicas foram coletadas através de um questionário geral, a ansiedade foi mensurada pela Zung Self-Rating Anxiety Scale (SAS) e os sintomas depressivos pela Center for Epidemiologic Studies Depression Scale (CES-D). A esperança, o estigma social, o suporte social, o otimismo, o estresse percebido e a autoeficácia foram mensurados, respectivamente, pelos seguintes instrumentos: Herth Hope Index (HHI), Social Impact Scale, Multidimensional Scale of Perceived Social Support (MSPSS), Revised Life Orientation Test (LOT-R), Perceived Stress Scale-10 (PSS-10) e General Perceived Self-efficacy Scale (GSE).

A prevalência de sintomas ansiosos foi de 36% e de sintomatologia depressiva foi de 65%. Quanto às variáveis sociodemográficas, foi identificado que os pacientes casados tinham maior risco de desenvolver sintomas depressivos. Os resultados da regressão logística indicaram que o estresse percebido foi associado tanto à sintomatologia ansiosa, quanto depressiva. O estigma, principalmente a dimensão do isolamento social, também foi associado às duas sintomatologias. Quanto aos recursos positivos de enfrentamento, a esperança foi identificada como um fator protetivo relativamente importante para sintomas depressivos, especialmente a dimensão de prontidão positiva e expectativa. O otimismo foi considerado fator de proteção para os sintomas de ansiedade. O suporte social e a autoeficácia não mostraram relações significativas com os sintomas ansiosos e depressivos, refutando, parcialmente, a hipótese inicial.

Os achados deste estudo são relevantes para a psicologia da saúde, pois reforçam que a vivência de uma doença como o câncer oral pode afetar o ajustamento psicológico do indivíduo, desencadeando sintomas de ansiedade e depressão em níveis de severidade importantes. Ao mesmo tempo, os achados apontam para intervenções que podem ser realizadas com esses pacientes, com o objetivo de reduzir o estresse percebido e o estigma, bem como aumentar os recursos positivos, especialmente o otimismo e a esperança. 

domingo, 14 de maio de 2023

Anabolizantes: Conceitos segundo praticantes de musculação de Aracaju (SE)

 

Faro, A., Mendonça, P. M. H., Santos, L. D. A., Silva, N. F., & Tavares, J. K. L. (2006). Anabolizantes: Conceitos segundo praticantes de musculação em Aracaju (SE). Psicologia em Estudo11, 371-380.

 

Os anabolizantes, mais conhecido popularmente como “bombas”, são hormônios derivados da testosterona. São utilizados no tratamento de câncer de mama, hipogonadismo, osteoporose, déficit de crescimento corporal e entre outros. Porém, também são muito utilizados para melhor a aparência física do indivíduo. O uso inadequado dessas substâncias pode provocar problemas no sistema cardiovascular, reprodutor, dermatológicos e psicológico. Portanto, este estudo tem o objetivo de delinear os principais conceitos a respeito dos anabolizantes entre praticantes de musculação nas academias de Aracaju (se), bem como conhecer a prevalência de seu uso na amostra selecionada.

A pesquisa contou com 58 indivíduos do sexo masculino. A faixa etária variou de 18 a 30 anos, sendo 69% da amostra, e 31 a 35 anos com o equivalente a 31%. O nível de escolaridade mais prevalente foi o superior, com 53%, logo em seguida ensino médio, com 43%, e por último o nível fundamental, com 4%. Os critérios de seleção para locais e dias de pesquisa ocorreu de modo aleatório. Utilizou-se como campo de estudo 6 academias, dentre 22 encontradas em dois bairros da cidade. O tamanho da amostra foi caracterizado através das abordagens de todos os alunos praticantes de musculação nos dias selecionados para a pesquisa. As entrevistas aconteceram em um local de sigilo dentro das academias, utilizando um roteiro de entrevista semiaberto, assim como um questionário fechado.

Os resultados apresentaram que o conceito predominante foi “anabolizantes como uma droga prejudicial”, com 38%, seguido de “anabolizantes como algo que promove um rápido crescimento muscular e ganho de peso”, com 34%. A pequena diferença na porcentagem das subcategorias pode revelar um paradoxo entre crescer e ficar forte e o perigo em consumir estas drogas. Na amostra selecionada, 19% utilizavam esteroides. A partir da literatura, viu-se que um estudo feito com fisiculturistas constatou que os indivíduos apresentavam baixo nível de informação adequado sobre os anabolizantes, seus relatos não estavam associados as propriedades farmacológicas destas drogas, o que pode ser comparado, em certa medida, à presente pesquisa. Outro estudo revelou que indivíduos que utilizavam anabolizantes apresentou insatisfação corporal, em alguns casos pode revelar um transtorno dismórfico corporal, tal patologia tende a aumentar o risco ao uso de anabolizantes.  Desta forma, observou-se que o entendimento acerca das “bombas” está associado ao senso comum. Tais conceituações, que são baseadas no conhecimento vulgar, podem desviar a concepção do verdadeiro uso dos anabolizantes, que contém propriedades terapêuticas e, por vezes, nocivas, quando mal utilizadas.

Portanto, é importante a elaboração de pesquisas como esta, de modo a entender os conceitos acerca do uso de anabolizantes e, assim buscar desmitificar crenças distorcidas e propagar informações verídicas a respeito do consumo. Com base nestas descobertas, há necessidade em realizar novas pesquisas com o intuito investigar a percepção de risco em relação aos anabolizantes, visando a ser apurado se os benefícios do uso se sobressaem aos malefícios. Vale salientar a atuação da psicologia da saúde a frente destes estudos, uma vez que tais concepções podem levar ao uso inadequado das substâncias anabolizantes, aumentando a chance de efeitos colaterais significativos na saúde e bem-estar dos indivíduos.

 

 

sábado, 13 de maio de 2023

Associação de intolerância a alimentos com síndrome do intestino irritável, sintomas psicológicos e qualidade de vida

Jansson-Knodell, C. L., White, M., Lockett, C., Xu, H., & Shin, A. (2022). Associations of food intolerance with irritable bowel syndrome, psychological symptoms, and quality of life. Clinical Gastroenterology and Hepatology, 20(9). https://doi.org/10.1016/j.cgh.2021.12.021

 

Resenhado por Luiz Fernando de Andrade Melo

 

Intolerância a alimentos é uma resposta não imunológica adversa à alimentação e com uma gama de sintomas variados como flatulência, dor abdominal, inchaço e diarreia. A intolerância à lactose constitui ao tipo de intolerância mais frequente, sendo caracterizada pela má digestão provocada pela deficiência da enzima lactase no organismo. Embora as diversas intolerâncias a comidas sejam prevalentes na população, há ainda lacunas sobre sua relação com outros aspectos da saúde dos indivíduos como sua influência na qualidade de vida. Com isso, este estudo buscou analisar a relação entre intolerância a alimentos com a síndrome do intestino irritável, ansiedade, depressão e a qualidade de vida.

Foram incluídos 470 participantes, separados em dois grupos: um com 197 que havia algum tipo de intolerância e outro com 273 sem nenhum tipo de intolerância. Seus dados foram coletados através do Charlson Comorbodity Index para avaliação de sintomas gastrointestinais e avaliação médica. Para verificar a presença da síndrome do intestino irritável foi utilizado o Rome IV Diagnostic Questionnaire. Já para aspectos psicológicos usou-se a Hospital Anxiety and Depression Scale – HADS para mensurar os níveis de ansiedade e de depressão e o Short-Form Health Survey 12 – SF-12 para avaliar a qualidade de vida a partir do relato de saúde física e mental. Ademais, as análises consistiram em regressões lineares, testes t e análises multivariadas secundárias.

Os resultados da pesquisa demonstraram que pessoas com algum tipo de intolerância a comida têm maior probabilidade de ter a síndrome do intestino irritável, sendo que intolerantes à lactose com outro tipo de intolerância possuem chances ainda maiores. Os escores de ansiedades e depressão foram os maiores entre aqueles que possuíam intolerância à lactose, especialmente nos indivíduos com outra intolerância associada. Também foi visto que os escores da SF-12, que representam a qualidade de vida, foram menores entre intolerantes à lactose que possuíssem outra intolerância a alimentos em conjunto. Por fim, os resultados que compreendem sintomas e comportamentos demonstraram que pessoas com intolerância frequentemente eliminam alimentos, faltam o trabalho e buscam serviços médicos.

Os achados revelam a importância de estudar as variáveis presentes no estudo. A associação entre má digestão da lactose e a síndrome do intestino irritável ainda é incerta, necessitando de maiores pesquisas que analisem profundamente tal relação, suas causas e seus impactos. Já no caso dos sintomas psicológicos, podem ser levantadas hipóteses que expliquem os resultados obtidos, mas que salientam a relevância de estudos nesse sentido. Algumas delas incluem o papel do metabolismo do L-triptofano na síntese de serotonina, o efeito da ansiedade na percepção dos sintomas da intolerância e as mudanças na dieta que interferem na regulação do estresse, da inflamação e da produção de cortisol. Além disso, os sintomas gastrointestinais e a qualidade de vida física podem estar ligados com a relação entre intolerância e bem-estar mental, mas é necessário pesquisar variáveis presentes nessa relação.

Em resumo, o estudo se mostra relevante e pode servir de base para pesquisas futuras que preencham as lacunas encontradas na literatura. Ele também é importante porque aborda aspectos psicológicos relacionados à saúde física e problemas do sistema digestivo. Desse modo, a Psicologia da Saúde poderá tê-lo como referência para intervenções clínicas que reduzam o estresse sofrido por pacientes intolerantes e facilitem sua adesão a dietas e à reeducação alimentar. 

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Associação da função familiar e o risco de suicídio em adolescentes com histórico de comportamentos autolesivos: papel mediador do bem-estar subjetivo e da depressão

 Chen, M., Zhou, Y., Luo, D., Yan, S., Liu, M., Wang, M., Li, X., Yang, B. X., Li, Y., Liu, L. Z. (2023). Association of Family function and suicide risk in teenagers with a history of self-harm behaviors: Mediating role of subjective wellbeing and depression. Frontiers in Public Health, 11, 1164999. 10.3389/fpubh.2023.1164999.

 

                        Jucimara Cabral de Santana


Os comportamentos autolesivos são atitudes que causam danos ao próprio corpo e podem ser categorizados em: sem a intenção suicida e com o objetivo do suicídio. A emissão desses comportamentos autolesivos tem maior prevalência na adolescência, iniciando entre os 12 aos 14 anos de idade. Essa fase do desenvolvimento pode ser caracterizada como estressora, como as mudanças biológicas, hormonais, físicas, sociais. Desse modo, a autolesão pode ser emitida com funções de comunicação social, regulação emocional diante das vivências estressoras na adolescência. Este estudo buscou identificar fatores de risco ao suicídio entre adolescentes com o histórico de autolesão mediado pela variável de distúrbios emocional que se relaciona a alterações nas emoções em um nível disfuncional, bem-estar subjetivo que se refere a fenômenos que geram satisfação com a vida, risco ao suicídio ou condutas autolesivas e função familiar que é a relação familiar.

Esta é uma pesquisa transversal que contou com 913 participantes adolescentes Chineses e seus cuidados com o histórico de comportamentos autolesivos.  Foram utilizados: Family Adaptation, Partnership, Growth, Affection, and Resolve Index foi usado para avaliar a função familiar desses adolescentes os questionários PHQ-9 e GAD-7 buscaram mensurar as variáveis depressão e ansiedade dos participantes e seus pais. Outros instrumentos utilizados foram a Delighted Terrible Faces Scale para avaliar o bem-estar subjetivo, e a Suicidal Behaviors Questionnaire-Revised para analisar o risco de suicídio.

Dentre os resultados encontrados pela pesquisa, foi identificado condutas autolesivas (comportamentos de dano ao próprio corpo) em 78,6% dos participantes e desse quantitativo 90% apresentaram sintomas de transtornos psiquiátricos. Além disso, houve uma relação significativa entre a função familiar, depressão e bem-estar subjetivo associados ao risco do suicídio. O estudo indicou que quanto menor a função familiar, maior suscetibilidade a problemas emocionais, ao mesmo tempo que a coesão familiar pode se tornar um fator protetivo ao suicídio.

            O estudo evidenciou a importância de estratégias interventivas como educação para a depressão, além de programas que promovam aumento na função familiar e no bem-estar subjetivo para os adolescentes, como forma de prevenir e intervir nos comportamentos autolesivos. A Psicologia da Saúde é uma área que estuda os fenômenos psicológicos relacionados ao processo de saúde/doença e pode atuar na identificação dos fatores de risco que levam a autolesão. Esse é um método eficaz para a educação em saúde em casos de depressão na adolescência, além de vislumbrar práticas e a fomentação da coesão familiar, são práticas interventivas que essa área pode desenvolver na unidade básica de saúde.  

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Eventos traumáticos e infância: Uma revisão narrativa

 Menezes, M. S., & Faro, A. (2023). Eventos traumáticos e infância: Uma revisão narrativa. In A. Faro, E. Cerqueira-Santos, J. Tejada, & J. P. Silva (Orgs.). Pesquisas em psicologia, saúde e sociedade (1th ed., pp. 16-34). Edições Concern. http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.14335.07841

Resenhado por Beatriz Oliveira

Eventos traumáticos (ET) são aqueles que ocorrem de maneira inesperada e proporcionam ao indivíduo uma experiência de estresse intensa. São exemplos de eventos como esses a perda de entes queridos de maneira trágica, uma mudança de residência forçada, ataques de animais, exposição a situações humilhantes, violências físicas ou sexuais. Vivências como essas são consideradas traumáticas uma vez que superam a capacidade de enfrentamento da pessoa, exigindo uma reorganização da sua vida. Os ET são fortes indicadores de trauma psicológico (TP). O TP está relacionado à percepção do indivíduo diante da situação estressora, de modo que ele avalia e interpreta o evento como algo ameaçador e catastrófico, bem como está associado aos pensamentos e sentimentos negativos desencadeados a partir da experiência.

Quando ET ocorrem na infância ou adolescência podem acabar interferindo no desenvolvimento saudável, com consequências físicas, psicológicas, comportamentais, cognitivas e sociais que não se limitam apenas a essas fases, mas que podem persistir até a fase adulta. O objetivo deste capítulo foi, a partir de uma revisão narrativa, reunir achados a respeito dos tipos mais comuns de ET, suas repercussões psicológicas, sociais e físicas, seus impactos à saúde mental, variáveis de enfrentamento e adaptação positiva diante dos eventos e as medidas mais utilizadas para sua avaliação.

Em relação aos ET mais recorrentes, foi encontrado desastres ou tragédias, perda inesperada de pessoas próximas e violência interpessoal (física, sexual, negligência e abuso psicológico). Observou-se que alguns grupos estão mais vulneráveis à experiência de determinados ET no Brasil. Por exemplo, crianças e adolescentes são as principais vítimas de violência interpessoal. A maioria das pessoas que sofrem violência sexual são do gênero feminino. Idosos, população infantojuvenil e pessoas com alguma condição de saúde incapacitante são as que mais sofrem com abandono e negligência. Quanto aos prejuízos à saúde mental, foi observado uma predisposição das pessoas expostas a ET para o desenvolvimento de transtornos de depressão, de ansiedade, de personalidade, de estresse pós-traumático e trauma complexo. Já as estratégias de enfrentamento que poderiam auxiliar no manejo dos efeitos negativos dos ET foram resiliência, coping, suporte social e crescimento pós-traumático.

A revisão apontou algumas das repercussões dos ET, podendo ser (1) físicas, como: atraso do crescimento e desenvolvimento físico, doenças dermatológicas e doenças sexualmente transmissíveis; (2) psicológicas, associadas às alterações cognitivas (redução da capacidade de concentração e atenção), emocionais (maior experiência de sentimentos negativos) e comportamentais (autolesão); (3) sociais, relacionada ao engajamento em comportamentos de risco, antissociais e agressivos. Por fim, foi listado alguns dos instrumentos disponíveis para a avaliação dos ET. Em âmbito internacional, há o Child Trauma Interview (CTI) e a Retrospective Assessment of Traumatic Experience (RATE). Já no contexto brasileiro, tem-se o Questionário Sobre Traumas na Infância (QUESI), o Early Trauma Inventory (ETI), bem como sua versão reduzida, o Early Trauma Inventory Self Report – Short Form (ETISR-SF) e a Escada de Cuidado (EC).

Os pontos abordados neste capítulo deixam evidente os impactos significativos à saúde e ao desenvolvimento que podem ser experimentados por aqueles que foram expostos a ET. Estudos como este são essenciais para que profissionais da saúde, especialmente psicólogos, possam nortear suas práticas, a fim de proporcionar um melhor cuidado às pessoas que foram vítimas de ET e lidam com suas consequências em diferentes âmbitos. 

terça-feira, 9 de maio de 2023

Impactos da endometriose na QVRS, bem-estar psicológico e imagem corporal

 

Niekerk, L. V., Steins, E., Matthewson, M. (2022). Correlates of health-related quality of life: The influence of endometriosis, body image and psychological wellbeing. Journal of Psychosomatic Research, 161, 110993. https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.2022.110993

 

Resenhado por Beatriz Lima

           

A endometriose é uma doença caracterizada pelo crescimento do tecido endometrial na camada externa do útero, desencadeando respostas inflamatórias. Essa doença costuma  ser diagnosticada em cerca de 6 anos a partir dos sintomas iniciais, o que pode contribuir para o agravamento do quadro. Costuma apresentar sintomatologia variada, como fadiga, ansiedade, estresse, irregularidade menstrual e dor durante esse período. Os tratamentos existentes buscam conter a progressão da patologia e diminuir a dor decorrente, melhorando a qualidade de vida da paciente. Contudo, essa dor pode persistir mesmo após intervenções cirúrgicas e tratamento médico. A literatura aponta uma correlação entre a dor oriunda da endometriose e uma queda no bem-estar psicológico da paciente, de modo que mulheres com um número maior de sintomas relativos a essa doença apresentaram uma Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) significativamente menor. Além disso, achados mostram que a endometriose influencia negativamente a autoimagem corporal das portadoras, contudo, esses estudos são limitados

O presente trabalho investigou o impacto da endometriose a partir dos domínios da QVRS (função física, limitação do papel físico, dor corporal, saúde geral, vitalidade, funcionamento social, limitação do papel emocional, saúde emocional) e dos fatores da imagem corporal (percepção do corpo e estimativa do tamanho e imagem corporal, familiaridade com ele e insatisfação corporal geral). Para isso, foi realizado um estudo transversal que contou com a participação de 738 mulheres divididas em dois grupos: portadoras ou não de endometriose. Para mensuração da imagem corporal foi utilizada a Body Attitude Test (BAT) e para avaliar o bem-estar psicológico foram aplicadas a PROMIS Depression Short Form (PED), PROMIS Anxiety Short Form (PAS) e Patient Health Questionnaire (PHQ-15). Por fim, a QVRS foi medida através da Short-Form Health Survey (SF-36).

Os achados confirmaram a hipótese apresentada inicialmente: o grupo com endometriose apresentou níveis mais baixos de QVRS e imagem corporal quando comparados com o outro grupo. As participantes com a doença relataram menor QVRS em todas as subescalas mensuradas, o que corrobora a relação entre a endometriose e uma menor qualidade de vida relacionada à saúde. Além disso, conforme a literatura, indivíduos com endometriose demonstraram imagem corporal total significativamente pior em comparação àqueles sem a doença. A percepção negativa e falta de familiaridade com o corpo também foram maiores nesse público. Também foi observado que o diagnóstico da doença e a preocupação somática foram os fatores que mais interferiram na QVRS da amostra estudada. Nesse aspecto, estudos anteriores apontam que níveis mais altos de dor, em pacientes com endometriose, estão relacionados à falta de familiaridade corporal. De modo que ao tentar se distanciar do seu corpo como forma de lidar com o quadro patológico, o paciente acaba perdendo a sua identificação com ele.

            A partir desses achados, pode-se concluir que a presença da endometriose impacta para além do quadro físico da paciente, afetando aspectos sociais e psicológicos.  Assim, faz-se necessário que o psicólogo da saúde conheça as dimensões da doença, a fim de intervir efetivamente nas dimensões mais afetadas, como a imagem corporal. A esse respeito, é recomendada uma conceituação biopsicossociocultural da endometriose pelo profissional, manejando preocupações somáticas e estratégias de enfrentamento. Além disso, ele pode utilizar elementos da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) e Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), por exemplo, tendo em vista que possuem potencial de melhorar a qualidade de vida de pessoas com endometriose.

 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Sou eu? O impacto das interações médico-paciente no bem-estar psicológico, na cognição e nos comportamentos de busca em cuidados com a saúde.

 

Resenhado por Susana Santana

 

Sloan, M., Naughton, F., Harwood, R., Lever, E., D’Cruz, D., Sutton, S., Walia, C., Howard, P., & Gordon, C. (2020). Is it me? The impact of patient–physician interactions on lupus patients’ psychological well-being, cognition and health-care-seeking behaviour. Rheumatology Advances in Practice, 4(2), p. 1-13. https://doi.org/10.1093/rap/rkaa037

 

O lúpus é uma doença autoimune cuja conclusão do diagnóstico costuma demorar. O tempo que se passa entre o surgimento dos primeiros sintomas e o fechamento do diagnóstico pode contribuir para os impactos físicos e psicológicos adversos da doença. Além disso, vários diagnósticos errôneos podem ocorrer durante esse período, atribuindo-se aos sintomas iniciais causas exclusivamente psicológicas, de saúde mental ou de sintomas medicamente inexplicáveis. Também é documentado que as experiências sintomáticas vivenciadas por esses pacientes costumam, frequentemente, serem deslegitimadas. Esse contexto de incerteza pode influenciar na redução da confiança dos pacientes nos médicos e na diminuição dos comportamentos de busca por cuidados de saúde.

O objetivo do estudo em questão foi explorar o impacto das interações médico-paciente, antes e depois do diagnóstico, sobre o bem-estar psicológico, a cognição e o comportamento de busca de atendimento médico de pacientes com lúpus e doença indiferenciada do tecido conjuntivo. Após a realização de um levantamento com 233 pacientes, sobre experiências de pacientes com suporte médico, foram realizadas 21 entrevistas semiestruturadas com alguns deles para analisar os temas recorrentes ao se reportarem ao lúpus. Os temas que surgiram passaram por uma análise temática e envolveram, principalmente: 1) o impacto da jornada diagnóstica; 2) a influência dos médicos na confiança e segurança do paciente; 3) disparidades nas prioridades médico-paciente; 4) insegurança e desconfiança persistentes; 5) mudanças nos comportamentos de busca de assistência médica; e 6) capacitação dos profissionais de saúde.

Os autores concluíram que interações médicas negativas antes e depois do diagnóstico podem causar perda de autoconfiança e perda de confiança na profissão médica. Essa insegurança pode persistir mesmo em relacionamentos médicos positivos posteriores e deve ser abordada. Os médicos que implementam estratégias de capacitação e de indução de segurança, incluindo a disponibilidade em momentos de crise de saúde e a validação dos sintomas relatados pelo paciente, podem levar a relacionamentos médicos mais confiáveis e a um comportamento positivo de busca de cuidados de saúde.

Por fim, percebe-se que estudos como esse mostram a importância de pesquisas na área da Psicologia da Saúde. Quadros clínicos complexos, como é o caso do lúpus, apontam para a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre os fatores psicossociais associados à doença. Diante de evidências sólidas, pode-se propor estratégias de intervenção para melhorar a relação médico-paciente, favorecer a adesão ao tratamento e desenvolver comportamentos que promovam a qualidade de vida desses pacientes.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Mindfulness para transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados: Revisão sistemática e metanálise

 

Pseftogianni, F., Panagioti, M., Birtwell, K., & Angelakis, I. (2023). Mindfulness interventions for obsessive–compulsive and related disorders: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Clinical Psychology: Science and Practice. Advance online publication. https://dx.doi.org/10.1037/cps0000132

Escrito por Luiz Guilherme Lima-Silva.

O transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados (TOCR) são caracterizados por preocupações obsessivas e comportamentos ou atos mentais repetitivos, considerados compulsivos. A prevalência na população geral é elevada, variando entre 0,6 e 3,1%. Estratégias de exposição e prevenção de resposta são capazes de reduzir sintomas do TOCR. Porém, existe alta probabilidade de reincidência e a aplicação das estratégias, por serem complexas, podem levar ao erro. Intervenções baseadas em mindfulness (IBM) enfatizam prestar atenção no momento presente de modo a não julgar a experiência, que incluem habilidades de não reatividade às experiências internas. O presente estudo examinou a efetividade das IBM em reduzir sintomas de TOCR e comorbidades controlando os efeitos de exposição, além de examinar, quando possível, se as IBM foram efetivas em reduzir sintomas individuais, como as obsessões, a fim de entender as contribuições no desfecho.

A metanálise foi conduzida seguindo os padrões PRISMA e registrada na plataforma PROSPERO. Para obtenção dos ensaios clínicos randomizados que compuseram a metanálise, foram procurados nas bases de dados Medline, PsychInfo, Embase, Web of Science e no Registro de Ensaios Cochrane. Uma série de análises de metarregressão foi conduzida para examinar a influência de variáveis metodológicas, de participantes e a nível de tratamento na efetividade das IBM para reduzir TOCR e depressão no pós-tratamento. Foram incluídos 26 estudos para a realização da presente revisão.

Os principais achados apontaram para reduções moderadas a fortes em relação a sintomas de transtorno dismórfico corporal (TDC), tricotilomania e transtorno obsessivo compulsivo (TOC) nas IBM quando comparados com os grupos controle. Tais achados se sustentaram quando os estudos não se baseavam em estratégias de exposição até 24 semanas depois da última sessão de psicoterapia para indivíduos com TDC. Em relação à diminuição de sintomas individuais, houve evidências fracas a moderadas da redução de obsessões no pós-tratamento, que não continuaram no follow-up. Também foi examinada a diminuição do escore de depressão em pessoas com TOC e TDC, visto que é uma comorbidade comum nesses grupos. Encontrou-se reduções pequenas a moderadas nos escores de depressão em pacientes com TOC, mas a melhora não se sustentou com o decorrer do tempo. Assim, verificou-se que intervenções em mindfulness para casos de TOCR podem ser tratamentos efetivos nesses casos. Entretanto, para pessoas que experienciam sintomas significativos de depressão e obsessão, as intervenções podem ser menos efetivas.

A Psicologia da Saúde possui como foco a promoção de saúde, prevenção de doenças e a intervenção em questões psicológicas atreladas ao adoecimento físico e mental dos indivíduos. Dentre as diversas intervenções que podem ser utilizadas, destaca-se o mindfulness, sobretudo quando existe comportamentos compulsivos associados a quadros em saúde, como foi observado na presente revisão. Diante disso, psicólogos da saúde podem se beneficiar do uso do mindfulness em casos de TOCR, como no TDC, transtorno de escoriação e tricotilomania, que afetam a aparência do indivíduo. Contudo, ressalta-se que o uso de tal intervenção nesses casos acompanhados de sintomas depressivos pode não ser tão efetivo.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Traços de dependência, instabilidade de humor e inconsequência para discriminação do transtorno da personalidade Borderline

 

Dependency, mood instability, and inconsequence traits for discriminating borderline personality disorder

 

Carvalho, L. F., & Pianowski G. (2019). Dependency, mood instability, and inconsequence traits for discriminating borderline personality disorder. Trends in Psychiatry and Psychothery, 41(1), 78-82. doi: 10.1590/2237-6089-2018-0010.

 

Resenhado por Millena Bahiano

 

O transtorno de personalidade Borderline (TPB) é caracterizado pela presença de instabilidade emocional, sensação de vazio, ansiedade, depressão, impulsividade, comportamentos autoagressivos, diminuição da autopercepção e comprometimentos nas relações interpessoais. Acontece que alguns destes sinais também podem ser identificados em pessoas com outros tipos de transtornos mentais ou, até mesmo, em pessoas que não apresentam nenhuma perturbação mental. Desse modo, é importante que profissionais habilitados do campo da saúde mental se utilizem de instrumentos de rastreamento e avaliação diagnóstica a fim de orientar e tratar corretamente os pacientes com condição de cuidados psiquiátricos.

O presente estudo foi realizado no Brasil, com 305 participantes. A amostra foi composta por pacientes ambulatoriais psiquiátricos com diagnóstico de TPB (n = 30), pacientes ambulatoriais com diagnósticos de outros transtornos cognitivos (n = 75) e uma amostra da população geral (n = 200).  O objetivo foi investigar as dimensões e os fatores discriminantes do Inventário Dimensional Clínico da Personalidade 2 (IDCP-2) em pacientes psiquiátricos com e sem diagnóstico de TPB.  Para tanto, três dimensões do IDCP-2 foram analisadas: dependência (autodesvalorização, esquiva do abandono e insegurança), instabilidade de humor (vulnerabilidade, preocupação ansiosa e desesperança) e inconsequência (comportamento imprudente e de riscos).

Dentre os resultados, observou-se que a amostra dos pacientes com diagnóstico de TPB foi composta em sua maioria por mulheres (83,3%) com idade entre 19 e 56 anos. Os pacientes com outros transtornos cognitivos apresentaram idade entre 19 e 73 anos, a maioria também foi composta por mulheres (76%). Já na população geral, 95,5% da amostra foi de estudantes de graduação e à média de idade foi de 24,1 anos. As dimensões de instabilidade de humor, dependência e inconsequência/comportamento imprudente do IDCP-2 foram capazes de distinguir o grupo dos pacientes diagnosticados com TPB da amostra comunitária, mas não foram capazes de diferenciar o grupo TPB do grupo sem diagnóstico de TPB. Os autores pontuaram que esses resultados podem se relacionar com o fato dos traços do TPB serem um indicador da gravidade do comprometimento da personalidade, aproximando esses grupos psiquiátricos com base na gravidade. No estudo, o grupo dos pacientes com TPB apresentaram as maiores médias e os fatores relacionados à instabilidade de humor foram os mais discriminativos quando comparados aos outros grupos da pesquisa.

Por fim, espera-se que o uso de instrumentos para a avaliação e compreensão das características psicopatológicas da personalidade sejam cada vez mais utilizados por psicólogos e psiquiatras. A partir do conhecimento das variáveis que se atrelam ao comportamento do paciente psiquiátrico é possível que psicólogos da saúde e demais profissionais do campo da saúde mental possam intervir e auxiliar precocemente o paciente psiquiátrico no processo de enfrentamento e, também, no melhor ajustamento psicológico frente ao adoecimento mental.