A Compreensão da Depressão na População Pobre, uma ocorrência mais (fortemente) social, do que uma doença (fracamente clínica).
Resenhado por Mariana Menezes
Santos, J. F.
Q., Nakamura, E., Martin, D. (2007). A
compreensão da depressão na população pobre, uma ocorrência mais (fortemente)
social, do que uma doença (fracamente clínica). Mediações, Londrina 12(1),
313-322.
A
depressão sofreu um aumento considerável em todo o mundo a partir dos anos 90,
aumento esse que contribuiu para que a depressão deixasse de estar restrita
apenas ao âmbito médico e se tornasse mais popular. Assim, a depressão passou a
ser vista mais como uma condição social com componentes clínicos. Para
compreender a depressão não se deve considerar apenas os sintomas relatados
pelo paciente, mas também é importante levar em conta os contextos sociais e
culturais que dão significado as suas experiências. É necessário compreender a
depressão não somente do ponto de vista clínico patologizante, mas também
explorar aspectos socioculturais que ainda são pouco conhecidos e cada vez mais
banalizados. Ou seja, para entender de maneira adequada a depressão é
necessário conhecer a sociedade, pois o contexto social é de extrema importância
para esse entendimento, além de que não é viável estudar a depressão como algo
puramente interno.
A
compreensão do corpo e das doenças não é exclusividade da medicina científica,
pois isto pode ser feito pela população que se preocupa com o bem estar. Assim,
mesmo que a medicina científica produza saúde, cure e diagnostique, não é tão
universal e exclusiva. Os pacientes também possuem um discurso próprio que
necessita ser considerado e não deve ser subestimado pelo discurso médico.
Apesar de a população fazer uso dos termos técnicos, a medicina não se apropria
dos termos utilizados pelo senso comum para definir os sintomas de alguma
doença. Porém, isso ocorre com a depressão.
Conotações
técnicas para o termo depressão foram incorporadas ao vocabulário médico há
algumas poucas décadas. A conotação médica do termo depressão é eminentemente biológica,
classifica-a como doença a partir de manuais e seu tratamento é medicamentoso. De
acordo com essa concepção a depressão é um desvio da normalidade característica
de grande parte da população. Num processo de banalização, no qual uma nova
conotação se formou fora da ciência, os aspectos sociais da depressão mudaram de
contexto, e deixaram de ser outro componente do termo para ser uma acepção
própria e autônoma. Assim, o termo pode ser usado exclusivamente em um sentido
social, a pessoa não precisa conhecer as outras conotações para emprega-lo ou
para que os outros o entenda.
O
referente estudo buscou fazer uma análise sócio cultural da depressão com base
em dois estudos empíricos: O de Martin sobre depressão em mulheres e o outro de
Nakamura e Santos sobre depressão em crianças. Estudos que ajudaram na
compreensão dos diferentes significados atribuídos à depressão por moradores da
periferia de São Paulo (região metropolitana).
No
trabalho de Nakamura e Santos que estudou crianças com diagnóstico confirmado
de depressão, as entrevistas foram realizadas com os pais dessas crianças, e
com vários profissionais da saúde do mesmo serviço, principalmente psiquiatras
que conheciam as crianças e seus pais. Nos depoimentos dos psiquiatras e
familiares foi possível observar a existência de uma conotação de depressão
como doença, revelando uma noção única de depressão infantil um tanto
inapropriada. No depoimento dos psiquiatras pode-se perceber uma noção de
depressão infantil que remete à ideia de adaptação e de ajuste. Seguindo a lógica médico-cientifica, eles
defendem que a depressão necessita de intervenção por se tratar de um mau
funcionamento das crianças. Nos depoimentos das famílias das crianças pode-se
perceber que a noção que elas têm de depressão não tem relação com os critérios
médicos de classificação da doença, mas diz respeito a uma insatisfação e
desconforto relacionados ao sentimento de dúvida no que diz respeito ao como lidar
com determinadas incertezas da vida, inclusive determinados comportamentos
infantis considerados diferentes e estranhos. Ambas as conotações mostram que a
depressão pode ser ampla e vaga ao ponto de permitir a vulgarização do termo, ao
mesmo tempo, que é importante para a comunicação entre médicos e familiares de pacientes.
No
estudo de Martin sobre mulheres com depressão foram realizadas entrevistas com psiquiatras
e pacientes. O principal resultado evidencia a generalização do termo que é
usado coloquialmente e com grande familiaridade pelas entrevistadas. O segundo resultado
importante diz respeito a nova conotação que o termo assumiu, conotação que se distancia
da noção de doença e se aproxima de um estado de alma e de uma baixa autoestima
persistente. As entrevistadas se queixam
da sua situação familiar como algo bastante negativo. O estudo revelou um padrão
de autoestima ferida e que a nova conotação do termo é uma verdadeira condição
político-social, que engloba novas pessoas com muita rapidez e as acostuma a
pensarem em si como pacientes de uma nova classe de doença rebaixadora. Nessa
conotação há um componente masculino de irresponsabilidade e omissão ao passo
que as mulheres entrevistadas fazem menção ao companheiro e às condições pobres
e violentas em que vivem.
Portanto,
o presente estudo buscou abordar os mecanismos sociais e políticos envolvidos
na formação de uma nova conotação mais difundida e menos precisa da depressão. Identificou-se
que a depressão é uma maneira de se encaminhar uma consciência doente, pois é
reconhecida pelo médico que a trata com remédios e é uma saída médica eficaz
para questões de exclusão socioeconômica, auxiliando na manutenção da
estabilidade social e política, reconduzindo a insatisfação dos excluídos para dentro
da sociedade através da sua classificação como doentes.
Enfim,
o tema é relevante para os profissionais da saúde que lidam com pacientes portadores
de doenças mentais, mais especificamente, com pacientes deprimidos, pois a
atenção direcionada a tais conotações permite uma melhor compreensão do estado
de saúde do paciente, da extensão do problema e do seu envolvimento no aspecto social.
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