Carga Alostática: Quando A Proteção Dá Lugar Ao Dano
Resenhado por Iracema Freitas
McEwen, B.S e Lasley, E. N. (2003). O fim do
estresse como nós o conhecemos. Nova fronteira.cap.IV, pp.79-91
Uma
reação alostática pode se transformar em carga alostática (quando uma pessoa ou
animal é submetido a estresse repetido, não aliviado ou continuo). Isso não
significa um mau funcionamento.Porém uma reação ao estresse mesmo bem ajustada,
quando acionada por muito tempo e repetidas vezes pode ser danosa. Portanto,
estresse crônico pode causar doenças, porque força o coração, compromete a
eficiência do sistema imunológico e pode desencadear processos que levem a
outras doenças, como por exemplo, o diabetes.
Alostase é
uma reação natural de luta ou fuga diante de uma ameaça, ou seja, é a maneira
do corpo lidar com o perigo. No entanto, esse processo pode ser alterado quando
o organismo está exposto a uma situação continua de estresse, fazendo com que a
reação a ele se volta contra o próprio organismo, essa é chamada de Carga Alostática.
O estresse crônico (contínuo),
danifica os vasos sanguíneos nas artérias coronárias, podendo levar a
aterosclerose em virtude da obstrução dessas artérias. Isso ocorre porque,
diante do estresse a pessoa se prepara fisiologicamente para uma reação de luta
ou fuga, e a descarga de hormônios como adrenalina facilita, por exemplo, que o
sujeito se mova com rapidez. Esse processo do organismo diante de uma ameaça é
natural, porém quando ativado com muita frequência leva a aterosclerose.
Um
estudo sobre ruptura social (perder segurança do seu lugar no grupo, provocando
instabilidade emocional) em macacos, exibiu paralelos no universo das ações
humanas. Nesse estudo os animais expostos as situações novas de enfretamento
com seus pares e que exigiam adaptação, provocou comportamentos agressivos,
resultado de uma reação alostática que em decorrência a ativação excessiva
transformou-se em carga alostática. Na Europa Oriental, Reino Unido e na Rússia,
foram observadas as reações dos indivíduos que pertenciam a determinadas
camadas sociais, diante das mudanças políticas e organizacionais do seu
contexto social e constatou-se que quando colocados diante de agentes
estressores contínuos, os grupos ameaçados apresentavam várias manifestações
orgânicas negativas, tais como: pressão sanguínea alta, aumento no índice da
massa corpórea, insônia, colesterol e incidência de acidentes vasculares
cerebrais. A vida e a saúde ficam comprometidas quando submetidas a um estado
de instabilidade.
Estresse
provoca a diminuição da resistência à doença, pois quando se está sujeito ao
estresse contínuo o sistema imunológico fica temporariamente inativo, em
decorrência da demanda constante e do seu desgaste, aumentando a
suscetibilidade a infecções do trato respiratório. A função primeira do sistema
imunológico é a preparação para lidar com ferimentos, porém vai se desgastando
quando solicitado continuamente. Em
alguns indivíduos com incapacidade de adaptação, a reação inadequada ao
estresse pode se manter ativa, mesmo quando uma situação deixa de ser
desconhecida ou desafiadora, ou seja, mesmo em uma situação trivial, o esquema
orgânico natural de luta ou fuga continua em ação. Esses indivíduos, podem permanecer
expondo os efeitos do estresse diário diante de eventos que outras pessoas não
considerariam estressantes. Existem casos em que mesmo após fim do evento
estressante, o organismo continua a recriar uma reação alostática. Logo, mesmo
com o termino do estresse o sistema não consegue recobrar-se e voltar a linha
de base. É como se sistema não ouvisse o sinal de fim de alarme. Todas essas
condições estão relacionadas à exposição excessiva dos hormônios do estresse (
por exemplo adrenalina e hidrocortisona), seja pela duração prolongada ao tempo
do estresse, seja pela incapacidade de acomodação do sistema a algo que não é
mais estressante ou mesmo pela impossibilidade da suspensão de tal
funcionamento.
O
excesso desses hormônios pode comprometer estruturas cerebrais como hipocampo e
amígdala cerebelar, enfraquecendo a capacidade de distinguir aquilo que é de
fato estressante, além de impedir a suspensão da reação a ele. Contudo, quando
essa reação é insuficiente, em decorrência da subprodução de hormônios do
estresse, especificamente da hidrocortisona que estabiliza o sistema
imunológico, o corpo passa a reagir a coisas que não seriam ameaçadoras ao
corpo como por exemplo, poeira e pelos de gato, resultando em alergias, como
também outros tipos de doenças inflamatórias as autoimunes (por exemplo
erupções cutâneas, artrite reumatoide e esclerose múltipla).
Doenças
associadas à superprodução de hidrocortisona: Síndrome de Cushing; Depressão
melancólica; Diabetes; Privação de sono; Anorexia nervosa; Exercício excessivo;
Transtorno obsessivo-compulsivo; Síndrome do pânico; Alcoolismo ativo crônico;
Abuso físico e sexual na infância; Doença gastrintestinal funcional, Hipertireoidismo.
Doenças associadas a subprodução de hidrocortisona: Depressão atípica sazonal;
Síndrome de fadiga crônica; Fibromialgia; Hipotireoidismo; Abstinência de
nicotina; Artrite reumatoide; alergias e asma.
A
carga alostática não está ligada apenas a experiência do estresse, ela também
reflete nosso estilo de vida e o modo como enfrentamos o dia-a-dia, uma vez que
escolhas ruins podem contribuir para o surgimento de doenças relacionadas com o
estresse. Já atividades que ajudem a contrabalancear o estresse ao nosso favor,
por exemplo, atividades físicas. Há também a contribuição das conexões sociais
e do isolamento que segundo pesquisas podem motivar ou reduzir os efeitos
negativos do estresse.
Leitura recomendada aos profissionais na área da saúde,
estudantes e demais interessados no tema, uma vez que o texto trata dos fatores
biológicos e sociais geradores e mantenedores do estresse, como também doenças
associadas a ele. Alguns textos sobre o estresse que podem ajudar no
aprofundamento: STRESS – temas de psiconeuroendocrinologia (Gonzalez, M.A.A); Estresse: Revisão narrativa da evolução conceitual, perspetivas
teóricas e metodológicas (Faro, A; Pereira, M. E);
Nenhum comentário: