Relacionamento abusivo pode causar doenças

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Postado por Brenda Fernanda

A violência contra a mulher tem sido uma constante, podendo ser considerada epidêmica. Além dos danos à saúde psicológica, ela também pode ocasionar danos à saúde física, desencadeando quadros de gastrite nervosa, distúrbios alimentares, alopecia, problemas dermatológicos, baixa no sistema imunológico, deixando o corpo vulnerável a inflamações e alergias, assim como transtornos depressivos e ansiosos, ataques de pânico e transtorno de estresse pós-traumático. A vivência neste contexto também interfere no funcionamento diário das mulheres, afetando sua rotina laboral e vida social. Os relacionamentos abusivos muitas vezes são romantizados por uma sociedade majoritariamente machista, o que dificulta que tais mulheres quebrem este ciclo de violência. As consequências destes abusos refletem o quanto o corpo e a mente estão interligados, sendo de fundamental importância o cuidado e assistência à saúde mental. 

Fonte: http://www2.correio24horas.com.br/detalhe/saude/noticia/relacionamento-abusivo-pode-causar-doencas/?cHash=ef267ca5315fcf0a7159760145a1e7a0


“Meu aparelho digestivo estava totalmente destruído. De afta a gastrite, esofagite, pedra na vesícula, hemorroidas. Da boca ao ânus, estava tudo destruído”, lembra a educadora Tulipa*, 42 anos. Naquele mesmo ano, foi diagnosticada com depressão. Hoje, além da depressão – que ganhou o adjetivo ‘profunda’ –, ela tem ansiedade generalizada.
Vítima de um casamento que durou 15 anos e que a persegue até hoje, Tulipa sofreu tanto nesse relacionamento abusivo que ficou doente. “Minha vontade, na época, era de ter um câncer maligno e morrer”.
É bem nessa época do ano – que emenda o dia 12 de junho, quando é comemorado o Dia dos Namorados, e o dia 13, dia de Santo Antônio, o casamenteiro – que muita gente lamenta por não ter um amor romântico para viver. Só que relatos como o de Tulipa trazem uma reflexão: que relacionamentos podem ser a razão para que muita gente adoeça, literalmente.
“Comecei a ter crises de novo. No último dia 31, fui a um psiquiatra, porque comecei a ter dor de cabeça o tempo inteiro. Me explicaram que, além da além da insônia causada pela ansiedade, há a insônia da depressão”, continua Tulipa. Em casa, nem sempre há compreensão. A mãe não aceita que ela tem depressão. Prefere não acreditar. “Ela diz que é menopausa, que eu preciso ir na praia, qualquer coisa... Menos depressão”, revela Tulipa, que é assistida pelo Centro de Referência Loreta Valadares.
De fato, ansiedade e depressão são os relatos mais comuns, mas até transtornos alimentares, queda de cabelo, insônia, problemas de pele e crises de rinite são recorrentes. No entanto, como explica a psiquiatra Fabiana Nery, médica da Clínica Holiste e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), é mais provável que as pessoas desenvolvam apenas os sintomas. 
“Os sintomas mais prevalentes associados seriam os sintomas depressivos e ansiosos. São quadros mais leves. Na verdade, você pode ter esse comportamento associado a sintomas de ataque de pânico e transtorno de estresse pós-traumático relacionado a situações que relembram um relacionamento abusivo, uma relação violenta”, diz.
A situação é mais frequente do que parece. E, segundo a psicanalista e hipnoterapeuta Shirley Moraes, do NitidaMente Instituto, está muito mais presente em mulheres do que em homens. “Às vezes, temos homens que passam por essa situação, mas, lá no consultório, de dez pacientes que chegam, dois são homens e oito são mulheres”. 
Isso seria explicado pelo fato de que muitas mulheres têm uma visão ideal de casamento de conto de fadas, de princesa e até de que dependem de um homem que as complete. “A cultura do machismo acaba protegendo um pouco o homem nessa relação, porque ele é mais autossuficiente nesse aspecto”. 
As mulheres, por outro lado, podem ter depressão relacionada a maus tratos por parte do companheiro – não apenas no que diz respeito à violência física, mas psicológica. Shirley cita, inclusive, casos de mulheres que deixam de lado amigos e parentes, saem do contexto social que vivem para se tornar submissas ao relacionamento. “Junto com isso, vem a queda de cabelo, de unha, a rinite que aumenta, o problema de pele”, exemplifica. 
Para a psicanalista e hipnoterapeuta, tudo acontece porque mente e corpo são integrados – assim, quando a mente não está bem, o corpo sofre. Shirley diz que muitos de seus pacientes chegam até ela indicados por médicos, especialmente após resultados de exames não indicarem quadros que expliquem o mal-estar físico. 
“É muito comum pacientes serem indicados para mim por médicos, porque fazem exames e veem que não tem nenhum motivo para que a pessoa não tenha desejo sexual pelo marido, por exemplo. Todos os hormônios estão normais, mas a pessoa não tem desejo. Às vezes, a pessoa está perdendo cabelo, faz um monte de tratamento estético, médico, mas não resolve, porque tem que resolver a emoção”. 
A empresária Flora*, 23, é uma das que foi indicada para a terapia por um médico. Tinha vivido uma relação de seis anos, mas, um ano após o término, continuava com dificuldades para encarar seu próprio luto. “Passei por um tempo que só bebia. Tomo remédio para insônia até hoje. Procurei psiquiatra, minha neurologista me passou remédios. Não conseguia dormir, não conseguia trabalhar. A queda de cabelo eu tento reverter até hoje, porque arrancava muito o cabelo”, conta. As coisas só mudaram depois que ela começou o tratamento hipnoterapêutico, associado à psicoterapia convencional. 
DisfuncionalidadeA psiquiatra Fabiana Nery destaca que o amor é um sentimento complexo. Assim, relacionamentos podem ser funcionais ou disfuncionais. No caso de um relacionamento disfuncional, podem ocorrer sofrimentos diversos. 
No Centro Loreta Valadares, ligado à Superintendência de Políticas para Mulheres e Juventude e que acolhe mulheres vítimas de violência doméstica, é comum que elas cheguem com sofrimentos. Lá, os relacionamentos se encaixam nos ‘disfuncionais’. 
“Quando elas vêm pela primeira vez, geralmente estão no limite da violência. Muitas têm insônia, ficam sobressaltadas, têm pânico. Quando já existe algum sofrimento mental, isso se agrava”, explica a assistente social Tânia Palma.
Segundo ela, muitas vezes, as mulheres têm dificuldades de identificar a violência que sofrem dentro dos relacionamentos. Por isso, acabam levando marcas invisíveis para a vida toda.
“A gente, então, encaminha para o acompanhamento psicológico. Se for necessário, também para o acompanhamento psiquiátrico no Caps (Centro de Atenção Psicossocial). A gente tenta fazer com que elas entendam que o problema não é ela. A violência contra a mulher é milenar. Precisamos informar, esclarecer e empoderar para que elas rompam o ciclo”.


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