O conceito da síndrome de “sintomas medicamente inexplicados” e o modelo de tratamento cognitivo-comportamental
Scott, M. J., Crawford, J. S., Geraghty, K. J., & Marks, D. F. (2021). The ‘medically unexplained symptoms’ syndrome concept and the cognitive-behavioral treatment model. Journal of Health Psychology. https://doi.org/10.1177/13591053211038042
Resenha por
Giulia
Sintomas medicamente inexplicados
(SMI) são ocorrências comuns nas práticas de saúde. Esse é um termo
guarda-chuva que se refere a uma variedade de queixas corporais persistentes
para as quais o exame comum não aponta a presença de uma patologia específica.
Alguns exemplos desses sintomas são: fadiga, tontura, dor resistente, dores de
cabeça e incômodos musculoesqueléticos. Diferentemente de outras condições
médicas, nesses casos não há causas orgânicas conhecidas ou aspectos biomédicos
relacionados aos sintomas. Há pouco tempo, começou-se a classificar esse
fenômeno como uma síndrome, o que possibilita a utilização de tratamentos do modelo
cognitivo-comportamental (MCC), baseando-se na premissa de que existem
comunalidades entre todas as manifestações de SMI. Entretanto, críticas têm
sido feitas quanto a validade do diagnóstico e a credibilidade do tratamento com
o MCC.
Primeiramente,
a categoria diagnóstica dos SMI inclui cerca de um terço dos pacientes da
atenção básica, o que pode expor a artificialidade do conceito, principalmente porque
as evidências que apoiam esse quadro são derivadas de estudos metodologicamente
frágeis. Alguns críticos também expressam preocupações relacionadas à
consideração de tudo que é “inexplicado” como sendo decorrente de disfunções
comportamentais ou cognitivas. Além do mais, os modelos explicativos dos SMI
falham em explicitar fatores de predisposição, precipitantes e perpetuadores.
Conforme o MCC, crenças
disfuncionais sobre a doença estão ligadas a um pior prognóstico. Contudo, a
terapia cognitiva-comportamental não tem apresentado bons resultados na mudança
de crenças de pacientes com SMI, possivelmente porque eles não desejam mudar o
modo como pensam e se comportam. Consequentemente, cria-se um ciclo vicioso no
qual o exame médico revela as crenças e comportamentos prejudiciais dos
pacientes, levando-os a procurar um terapeuta cognitivo-comportamental, que por
sua vez, não é eficaz, e então se reinicia o ciclo com o retorno aos exames
médicos. Isso gera sentimentos de raiva, culpa e frustração no paciente.
Pacientes
com SMI também costumam ser deslegitimados por profissionais da saúde, um
fenômeno que alguns pesquisadores denominam como “Está tudo na sua cabeça”. Esses
profissionais tendem a atribuir sintomas inexplicados a processos psicológicos
quando os percebem como imaginários, exagerados ou como um reflexo de condições
como ansiedade, estresse e depressão. Tal tratamento perpetua o sofrimento dos
pacientes e esgota os recursos de saúde disponíveis para os seus cuidados,
podendo gerar um “viés de confirmação”, no qual o paciente inventa melhoras na
tentativa de agradar o profissional ou justificar os esforços do tratamento. Assim,
nesses casos, a adoção do MCC pode ser prejudicial, pois enviesa negativamente
o modo como o profissional aborda o paciente com SMI, deixando-os sem o suporte
apropriado, o que gera estressores que podem intensificar as queixas
fisiopatológicas que apresentam.
Diante das problemáticas levantadas
acima acerca da validade e credibilidade do quadro diagnóstico do SMI e seu
tratamento, revela-se crucial a realização de mais estudos que focalizem o
tratamento desses casos, especialmente no campo da terapia cognitivo-comportamental,
a fim de fornecer evidências robustas que possibilitem desenvolver protocolos
de tratamento interdisciplinares empiricamente eficazes. A ampliação dos
estudos permitirá também identificar o que não funciona nas práticas de
cuidado com SMI, superando técnicas e ideias improdutivas ou danosas. Ressalta-se,
por fim, que profissionais da saúde devem receber treinamentos direcionados
para o atendimento de pacientes com essas manifestações clínicas, utilizando-se
dos conhecimentos da psicologia clínica e da saúde.
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