Síndrome de Cotard: presentación de un caso.
Resenhado por Mariana Menezes
Muñoz, E. C., & Alzate, B. G. (2009). Síndrome de Cotard: presentación de un caso. Revista Colombiana de Psiquiatria, 38 (1), 194-202.
A Síndrome de Cotard foi descoberta em 1880 pelo neurologista francês Jules Cotard a partir do caso de uma mulher de 43 anos que acreditava que não tinha cérebro nem nervos e que era formada apenas por peles e ossos. Assim, Cotard, em 1882, usou o termo ilusão de negação para descrever esta condição. Apenas em 1897 é que Séglas consolidou e divulgou o termo síndrome de Cotard.
Essa síndrome rara se caracteriza, principalmente, pela presença de delírio niilista que leva o paciente à negação de sua existência e do mundo exterior. Os pacientes acometidos por essa síndrome acham que estão apodrecendo, que todo mau cheiro do mundo vem deles e que partes de seu corpo se perderam. Também podem acreditar que estão mortos ou que nunca vão morrer. As ideias de imortalidade podem estar associadas com outras ideias megalomaníacas, tais como delírios de grandiosidade. Já as ideias de negação que levam o paciente a negar a existência de partes do seu corpo, geralmente começam com a negação de uma parte específica. Os pacientes costumam dizer frases como “costumava ter um coração, agora eu tenho algo no lugar dele”, “Eu não tenho estômago, por isso eu nunca tive fome, a comida parecia cair em um buraco”.
A síndrome de Cotard é mais comum na idade adulta e em mulheres. Há evidências de que na síndrome estejam presentes: depressão, delírios niilistas relacionadas ao corpo, delírios relacionados com a existência, ansiedade, ideias de culpa, delírios hipocondríacos e delírios de imortalidade. Geralmente acontece repentinamente, sem ter havido uma condição psiquiátrica anterior, porém, muitas vezes, no seu início, o paciente pode apresentar ansiedade que pode durar algumas semanas ou mesmo anos. Esta ansiedade muitas vezes é associada com irritabilidade e torna-se de caráter niilista com a evolução do quadro clínico. Nos casos de gravidade intermediária, pode haver, no início, sentimentos depressivos acompanhados pela perda da capacidade de raciocínio e de experimentar emoções. Os sintomas são: silêncio, automutilação, ideação suicida e alucinações. O suicídio também é recorrente nesses casos, pois embora tais pacientes acreditem estar mortos, podem tentar destruir a si mesmos.
Em pacientes com transtornos afetivos, o tratamento da síndrome pode ser feito através de antidepressivos, em pacientes com esquizofrenia a utilização de drogas antipsicóticas pode favorecer o tratamento, e em casos de pacientes com ideação suicida ou que praticam a automutilação é recomendado que o paciente seja monitorado. A recuperação total do paciente pode surgir de repente e espontaneamente, mesmo em casos mais graves. No entanto, em casos de intensidade moderada, a recuperação pode ser rápida ou gradual.
O artigo de Muñoz e Alzate aborda a síndrome de Cotard de maneira completa, abordando sua definição, histórico, características clínicas, etiologia, tratamento e prognóstico, além de trazer o relato de caso de uma paciente que tem a síndrome para melhor entendimento dessa condição. Abaixo um resumo do relato de caso:
Paciente do sexo feminino, natural de Buenaventura, viúva, 48 anos de idade, ensino técnico. Viveu nos EUA dos 26 aos 47 anos, lá ela teve episódios depressivos recorrentes, mas recebeu tratamento. Retornou para a Colômbia no final de 2006, após
ser demitida do emprego e ser forçada a desistir de um apartamento e um carro comprados à prazo. A partir daí passou a apresentar os seguintes sintomas: insônia, hiporexia, anedonia, tristeza e ansiedade, juntamente com idéias de culpa e desespero. Ela dizia se sentir sozinha e indefesa, então resolveu viajar para Buenaventura para a casa de sua mãe. Lá os sintomas persistiram e novos apareceram: pensamentos de morte e suicídio. Ela tentou cortar os pulsos e foi encaminhada para um psiquiatra, que recomendou tratamento com antidepressivos e pílulas para dormir. A paciente não apresentou melhora e resolveu viajar para Medellín para viver com sua irmã, que se ofereceu para ajudá-la. A paciente expressou a seguinte descrição dos acontecimentos que ocorreram em Medellín: "Em 20 de fevereiro à noite eu vi fumaça saindo da minha boca. No dia seguinte eu olhei no espelho e vi que meus olhos tinham mudado: eles não tinham vida. Eu percebi que a fumaça era minha alma saindo do meu corpo. Estou condenada a me tornar um morto, um zumbi, viver por toda a eternidade. Minha alma saiu tomada por um poder sobrenatural." Além disso, ela começou a ter alucinações olfativas e cinestésicas percebendo um cheiro podre que emanava de seu corpo e um formigamento sob a pele, sintomas interpretadas como sinais de que sua carne estava em decomposição, e os vermes em breve iriam sair da carne e da pele. Ela reduziu sua ingestão de alimentos e disse que os mortos não comem nem vão ao banheiro. Diante de tal quadro, vários especialistas foram consultados por ela: neurologistas, psiquiatras e psicólogos. Ela também passou por vários ritos de cura e libertação em diferentes igrejas cristãs. No entanto, a paciente continuava se recusando a comer e estava convicta de que não tinha órgãos. Os exames físicos realizados indicaram normalidade. Mesmo quando confrontada em exame físico no qual foi autorizada a ouvir o seu próprio coração, a paciente manteve-se na ideia de que não tinha órgãos, segundo ela aquele som seria uma prova de que tinham roubado e se apossado da sua alma. Ela dizia que seu caso era único no mundo, algo nunca visto antes e que por isso os médicos não podiam fazer nada por ela. Apesar das ideias delirantes que se mantiveram, pois a paciente repetia “Eu estou morta” “Eu sou um zumbi” “Estou condenada a permanecer na terra pra sempre”, ela apresentou melhoras, passou a se alimentar e as alucinações olfativas e cinestésicas desapareceram.
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