Automutilação não suicida e bulimia: O papel da desregulação emocional e insatisfação corporal

 Hovrud, L., Simons, R., Simons, J., & Korkow, J. (2020). Non-suicidal self-injury and bulimia: The role of emotion dysregulation and body dissatisfaction. Eating and Weight Disorders-Studies on Anorexia, Bulimia and Obesity, 25(4), 1089-1097. https://doi.org/10.1007/s40519-019-00741-5.

Resenhado por Luiz Guilherme Lima-Silva.

O comportamento auto lesivo sem intencionalidade suicida em pessoas que sofrem de bulimia é bastante comum. A prevalência desse comportamento nessa população pode variar de 26 a 61%. Em termos de precedência da relação autolesão-bulimia, sugere-se que os sintomas bulímicos predizem o engajamento na automutilação. Uma população que é bastante propensa ao desenvolvimento de sintomas do referido transtorno alimentar são os estudantes universitários, particularmente as mulheres, visto que a prevalência é de 16% em contraposição ao gênero masculino com 9% de risco de desenvolver sintomas para estabelecer um diagnóstico formal. Segundo o modelo de evitação experiencial, o engajamento na automutilação proporciona alívio momentâneo e evitação de estados emocionais indesejados. Esse modelo lança luz no papel das emoções negativas em comportamentos disruptivos e pode ajudar a entender o comportamento automutilatório entre pessoas com sintomas de bulimia. Além disso, outro ponto relevante é a insatisfação corporal de pessoas com bulimia. Maior insatisfação corporal foi encontrada em pessoas com histórico de autolesão do que naquelas que não se engajavam em tal comportamento. Diante disso, o estudo visou analisar a relação entre os construtos supracitados a fim de criar modelos de mediação e moderação para melhor explicar o fenômeno da autolesão em pessoas com sintomas de bulimia.

A amostra foi composta por 488 jovens adultos de 18 a 25 anos, sendo que cerca de 60% foram do gênero feminino, 38% do gênero masculino, 1% foram de pessoas não binárias e 1,5% não respondeu. Os instrumentos usados foram: How I Deal with Stress para mensurar o engajamento em autolesão; Eating Disorder Inventory-3rd Edition para medir cognições e comportamentos acerca de problemas alimentares; Deliberate Self-Harm Inventory para aferir automutilação; Positive Affect Negative Affect Schedule para capturar a experiência de afetos negativos; Distress Tolerance Scale mensura o quanto alguém consegue tolerar eventos estressantes; UPPS Impulsive Behavior Scale para medir a tendência a agir precipitadamente ao experienciar uma emoção negativa.

Cerca de metade da variância da autolesão em pessoas com sintomas de bulimia se deveu aos padrões específicos de regulação emocional. Outro resultado relevante foi o papel mediador dos sintomas de bulimia entre regulação emocional e automutilação, fornecendo precedência temporal desses desfechos. Independente do gênero, maiores déficits na regulação emocional fazem com que os indivíduos se tornem mais propensos a desenvolver comportamentos disruptivos. Esses achados, em conjunto, permitem expandir o modelo de evitação experiencial dos comportamentos autolesivos para distúrbios alimentares, visto que uma menor habilidade de tolerar eventos estressantes e maior impulsividade, quando experienciam afetos negativos, foram associados a maior probabilidade de engajamento em comportamentos de autolesão.

A Psicologia da Saúde tem como parte de sua fundamentação teórica o estudo do estresse e os mecanismos de enfrentamento utilizados para lidar com ele. Assim, está dentro do campo epistemológico dessa área técnicas de enfrentamento baseadas no problema e na emoção, que podem ser utilizadas em casos de indivíduos com sintomas de bulimia e de automutilação. Dessa forma, a Psicologia da Saúde pode intervir nesses casos a fim de aumentar a regulação emocional e diminuir a insatisfação corporal nesses indivíduos que poderia resultar em possíveis intervenções estéticas. Além do suporte teórico e técnico da Psicologia da Saúde, pode-se contar também com a Terapia Comportamental Dialética, que preconiza o ensino de habilidades para tolerar o estresse e diminuir a baixa tolerância à frustração.


                                        


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