A psicologia do transtorno de Tourette: Revisitando o passado e avançando em direção ao futuro orientado para a cognição
Gagné, J. P. (2018). The
psychology of Tourette disorder: Revisiting the past and moving toward a
cognitively-oriented future. Clinical
Psychology Review,
67, 11-21. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2018.09.005.
Resenhado por
Michelle Leite
O transtorno de Tourette (TT) é um
transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado pela presença de múltiplos
tiques motores e vocais. Tiques são movimentos e vocalizações súbitas,
repetitivas, de caráter involuntário e podem ser simples ou complexos. Os tiques
motores simples incluem movimentações breves (milésimos de segundo) de músculos
isolados, como piscar os olhos ou virar o pescoço. Os tiques motores complexos
envolvem vários grupos musculares, duram mais tempo e imitam o comportamento
volitivo, como fazer gestos com as mãos. Por outro lado, os tiques vocais se
caracterizam por vocalizações de sons únicos (simples) ou de várias palavras e
frases (complexos), podendo ocorrer a repetição de frases ditas por terceiros. Diante
disso, o artigo revisado em questão aborda os principais achados neurobiológicos
e psicológicos relativos ao TT, além de propor uma formulação orientada para
aspectos cognitivos do transtorno.
O início do TT ocorre tipicamente na
infância, por volta dos 7 anos, e a gravidade atinge seu pico durante a
adolescência. Os sintomas são imprevisíveis e podem aumentar ou diminuir em
tipo e intensidade. No entanto, aponta-se que a deficiência associada aos
tiques geralmente diminuem a partir da idade adulta jovem. As taxas de prevalência em amostras da
comunidade variam entre 1 e 2% e sua ocorrência é mais comum no sexo masculino.
Além disso, a presença de comorbidades associadas ao TT é frequente, sendo o
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e o transtorno
obsessivo-compulsivo os mais comuns. Nesses casos, a gravidade e consequências
atreladas são ainda maiores. Indivíduos com TT apresentam déficits
principalmente nas interações sociais e percepção das expressões faciais, mas
também mais sintomas depressivos, sofrimento geral associados aos tiques e,
consequentemente, pior qualidade de vida e maior desejo de controlá-los.
Sabe-se que os tiques crônicos são
influenciados por processos neurobiológicos e psicológicos. Quanto aos achados
neurobiológicos, verifica-se que o TT apresenta natureza hereditária, além de
anormalidades nas estruturas cerebrais e déficits no controle inibitório,
embora as evidências ainda sejam inconsistentes. Em relação aos achados
psicológicos, relata-se que estados emocionais como a ansiedade, o estresse, a
frustração e a excitação, funcionam como antecedentes internos da ocorrência
dos tiques, uma vez que aumentam a probabilidade de ocorrência deles. Por outro
lado, estados passivos e de relaxamento tendem a reduzir a ocorrência dos
tiques. Outrossim, princípios comportamentais são utilizados para explicar os
episódios de tiques, sendo a remoção do impulso premonitório aversivo
(sensações desagradáveis precedentes aos tiques) a principal recompensa interna
que os mantém.
Dado que os fatores cognitivos
envolvidos no TT ainda não são bem entendidos, um modelo integrado com ênfase
cognitiva foi proposto. Além dos estados emocionais, sugere-se que outros
processos cognitivos como crenças sobre o desconforto/sensações aversivas (“é
impossível de suportar”, por exemplo), e sobre a capacidade de lidar com eles
levam os indivíduos a perceber negativamente e prestar atenção seletiva nos
impulsos premonitórios, que por sua vez, aumentam a motivação para o
envolvimento em comportamento de tiques. Importante salientar que pesquisas
nessa direção fornecem suporte na formulação de planos de tratamento mais
abrangentes para indivíduos que sofrem com a condição do TT, além auxiliar os
profissionais a direcionar fatores de manutenção idiossincráticos dos tiques de
forma mais eficaz.
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