“Para mim, a anorexia é só um sintoma e a causa é o autismo”: Investigando transtornos de restrição alimentar em mulheres autistas
Brede, J., Babb, C.,
Jones, C., Elliott, M., Zanker, C., Tchanturia, K., Serpell, L., Fox, J, &
Mandy, W. (2020). “For me, the anorexia is just a symptom, and the cause
is the autism”: Investigating restrictive eating disorders in autistic women.
Journal of Autism and Developmental Disorder, 50, 4280-4296. https://doi.org/10.1007/s10803-020-04479-3
Resenhado por Giulia
Mulheres autistas têm risco elevado de
desenvolver anorexia nervosa. Quando analisadas as motivações para restrição
alimentar nesse grupo, notam-se diferenças em relação àquelas de mulheres não
autistas: estas geralmente se preocupam com a influência do próprio peso na
autoestima; já as mulheres autistas são motivadas por dificuldades específicas
ao autismo. O estudo conduziu uma série de entrevistas para investigar os
mecanismos associados ao autismo responsáveis por propiciar comportamentos relacionados
a transtornos alimentares. Seis temas foram frequentes nos discursos dos
participantes, os quais serão descritos a seguir.
Um dos temas mais mencionados nas
entrevistas como impulsionador dos comportamentos relacionados a transtornos
alimentares foi a sensibilidade sensorial, o que causava
sobrecarga sensorial geral, sensibilidade sensorial específica a alimentos e
desconforto quanto a sensações corporais internas. Consequentemente, muitas
mulheres autistas relataram parar de comer para aliviar sensações aversivas a
determinados barulhos, texturas e iluminação. Outra razão citada por elas para
restringir a alimentação foi evitar experiências sensoriais negativas a certos
alimentos que causavam repulsa (por conta do cheiro ou temperatura, por
exemplo). Pular refeições também foi mencionado como formar de evitar sensações
internas aversivas relacionadas ao ato de comer (como se sentir inchada ou a
sensação de digerir alimentos). Além
disso, pode haver hiposensitividade, o que causa dificuldade em reconhecer e
entender emoções e estranheza quanto a sensações relacionadas ao ato de comer,
como fome e saciedade. Algumas mulheres relataram que deixavam de comer, pois
não conseguiam reconhecer sua fome, e que dependiam de dicas externas, como
horário do dia ou tamanho do prato, para regular seus hábitos alimentares.
Outro tema citado foram as dificuldades
com interações sociais. Em muitos casos, a restrição alimentar foi descrita
como uma estratégia para se distrair ou aliviar sentimentos resultantes da
solidão e exclusão das mulheres autistas. Comumente, as dificuldades sociais
pioravam na adolescência, coincidindo com o início do transtorno alimentar. A falta
de identidade e de senso de si foram citados por quase toda as
participantes como fatores centrais para o desenvolvimento do transtorno
alimentar, levando-as a focar no seu peso e formato e, por vezes, pensar no seu
corpo como o motivo por não conseguirem se encaixar socialmente ou adotar
certos hábitos alimentares para se “camuflarem no mundo neurotípico”.
As dificuldades emocionais em
identificar, regular e comunicar emoções também estimularam
comportamentos relacionados a transtornos alimentares, como se exercitar em excesso,
para diminuir a confusão e sobrecarga emocional ou se distrair dela, dando
maior sensação de controle. Além disso, os comportamentos alimentares eram
utilizados como maneira de canalizar a ansiedade e outras questões de saúde
mental, pois assim as mulheres podiam focar sua preocupação na comida. A necessidade
de controle e previsibilidade associados ao autismo, levava as
mulheres a adotarem rotinas fixas e rituais envolvendo comida, evitando
dificuldades em lidar com mudanças. O último fator citado por todas as mulheres
foram os estilos de pensamento característicos do autismo, como o
pensamento literal, os interesses obsessivos e o pensamento enrijecido. Isso
tornava as mulheres mais vulneráveis a desenvolver regras rígidas envolvendo a
alimentação, tornando-se difícil interrompê-las uma vez que eram estabelecidas,
principalmente porque essas características ficavam mais nítidas quando estavam com fome.
Essas descobertas fornecem novas
informações valiosas sobre fenômenos de grande relevância para a psicologia da
saúde atualmente, além de delimitar importantes focos para intervenção em um
público específico cujos estudos ainda são escassos.
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