Câncer e estresse: um estudo sobre crianças em tratamento quimioterápico.
Resenhado por Thatianne Almico
Marques, A. P.
F. S. (2004). Câncer e estresse: um estudo sobre crianças em tratamento
quimioterápico. Revista de Psicologia Hospitalar, v. 2, n. 2, São Paulo
Segundo a perspectiva da autora, a
compreensão das relações entre fatores psicossociais, adoecimento e tratamento
é intrínseca ao conceito de holismo. Este por sua vez considera o indivíduo
como um todo, não o compartimentaliza em sistemas orgânicos. Sendo o homem,
biopsicossocial, seja na saúde como na doença, este método procura entendê-lo além
da realidade física, sem negá-lo, já que a terapêutica clínica é fundamental
para a cura e reabilitação do indivíduo. Sem deixar de lado as implicações
emocionais e sociais que também implicam no bem estar do mesmo. O enfoque
biopsicossocial vem ganhando espaço na formação e prática dos profissionais de
saúde, pois proporciona reflexões acerca de ações mais voltadas para o paciente
e não somente ao sintoma ou à doença.
Pelo fato de ameaçar a vida o câncer é
uma doença de proporções graves, já que pode afetar qualquer parte do
organismo, atacando pessoas de todas as idades. E também por ser uma doença
degenerativa resultante do acúmulo de lesões no material genético das células,
induzindo o processo de crescimento, reprodução e dispersão anormal das células.
Já foram detectados cerca de 802 tipos diferentes de câncer, sendo a maioria
curável se diagnosticado precocemente. No entanto, em crianças esse diagnóstico
precoce é mais difícil, já que a progressão da doença desde o início é
silenciosa e seus sinais e sintomas vêm aparecer quando a doença já está bem
avançada.
O
diagnóstico do câncer em crianças para muitos é o mesmo que uma sentença de
morte, considerando que a notícia vem geralmente como uma catástrofe, causando
uma intensa desestruturação psicológica na criança e na família. Por outro
lado, o tratamento visa obter maior sobrevida e melhorar a qualidade de vida do
indivíduo, neste caso a quimioterapia tem o objetivo de maximizar as
possibilidades de cura. Como muitos medicamentos afetam também outras células
normais, e não apenas as cancerígenas, isso causa na criança inúmeros efeitos
colaterais desagradáveis. O tratamento causa um desconforto maior nas crianças,
pois este altera rapidamente suas vidas, perspectivas e possibilidades de
escolha, já que são retiradas do convívio social e passam a conviver em um
mundo estranho e doloroso.
A busca pela cura englobará também essa
nova adaptação da criança à rotina do tratamento, em geral,
quimioterápico. Tal situação submete a
criança a uma série de conseqüências como, desestruturação do sistema
biopsicossocial e intensificação das angústias de morte, que por sua vez levará
à mobilização de defesas psicológicas e ao redirecionamento das energias para a
adaptação à realidade hospitalar e aos seus procedimentos. Desse modo, a
criança vê-se exposta tanto física quanto emocionalmente a situações
estressantes.
Os sintomas do estresse infantil são
manifestações, exteriorizações de pressões e tensões que podem ser de ordem
psicológica, física ou ambos. As exigências
de um tratamento de câncer geram na criança sentimentos de medo, angústia,
impotência e dor. Dito isto, as reações de estresse podem ser identificadas em
decorrência destas alterações ou influenciadas pela idade da criança, pela
forma como ela vivencia a situação de doença, hospitalização e tratamento,
incluindo também a compreensão da mesma do que está acontecendo. Desse modo,
este estudo objetivou verificar a presença da sintomatologia de estresse nas
crianças em tratamento quimioterápico e Examinar a possível relação entre estresse
e tratamento, observando o quadro físico, psicoafetivo e social que o
tratamento implica no cotidiano da criança.
Em relação aos dados, a respeito da
manifestação de estresse encontrou-se que, do total de crianças entrevistadas,
60% apresentaram sintomatologia de estresse. A respeito da área de manifestação
do estresse, verificou-se que em relação às crianças que apresentaram
sintomatologia de estresse, predominou a psicológica com 40%. Quanto ao gênero,
as meninas apresentaram maior sintoma de estresse (53%). Em relação à faixa
etária, verificou-se que entre as crianças menores (6 a 8 anos) houve maior concentração
de estresse com 53%. Por fim, quanto à localidade, 52% das crianças eram do
interior.
Em relação à “área de manifestação do
estresse”, predominou os sintomas psicológicos, tais aspectos foram percebidos
nas falas dos pacientes que diziam estar tristes, que a vida era melhor,
sentem-se angustiados, com vergonha, sofrendo, não gostam da situação que se
encontram, dizem sentir raiva, desânimo, dificuldades interpessoais, etc. Quanto
à “relação estresse com o dado gênero”, as meninas se mostraram mais
estressadas, no entanto, ambos estão suscetíveis ao estresse considerando as
particularidades de cada um a respeito da percepção sobre a doença. No que se
refere a faixa etária, entre as crianças mais novas observou-se um sentimento
de privação do mundo fora do hospital, já que estas relataram a imposição de
restrição do que elas mais gostavam de fazer, o que lhes causava sentimentos de
inconformismo e hostilidade por não levarem uma vida normal. Quanto à localidade,
para as crianças que vêm do interior, a frequência do estresse foi maior, pois
além das situações de sofrimento acarretada pela própria doença e tratamento,
tem o afastamento da família, da escola, entre outros. Sobre a percepção da
doença, o conhecimento e a significação que a criança tem acerca do que a
doença modificou em sua vida, mostra a dimensão subjetiva da doença e seu
impacto. A doença impossibilita a criança de aproveitar a infância, principalmente
o brincar, privando-a do muito exterior, limitando-a ao hospital.
A família também é um fator propiciador
de estresse, visto que a descoberta do câncer na criança causa profundas
alterações no ambiente familiar, o que pode provocar muitos conflitos,
acusações mútuas entre os pais pela responsabilidade da doença, sentimentos de
culpa, dificuldades financeiras, etc. Isso acarreta na criança sentimentos de
culpa, por se perceber como causa da discórdia na família, como a causa de
tristezas, medo de ser abandonada, etc. Por outro lado, a opinião sobre a
família está sempre permeada de muito carinho, referindo-se também à
superproteção que é dada a elas.
Conclui-se então que o conhecimento e a
percepção da doença e a representação do tratamento junto a outros fatores
atuam como agentes estressores. As crianças têm uma visão negativista da
doença, como perda dos prazeres da infância que gera limitações, tirando a
criança de uma vida normal e sadia. Neste sentido, o papel da Psicologia seria
contribuir para o resgate da qualidade de vida, promovendo a compreensão da
criança e da família para a reestruturação dos mesmos sob situações
adversas. O objetivo seria então
melhorar a qualidade de vida, não focando apenas nas questões biológicas da
doença. Compreender algumas condições do cotidiano de crianças com câncer é
importante no sentido de incentivar reflexões a fim de buscar alternativas para
amenizar o sofrimento, propondo intervenções que ajudem a criança a lidar com o
estresse, favorecendo o enfrentamento do tratamento na busca do bem-estar
psíquico e social, e auxiliar a família na promoção de suporte emocional.
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