Sobre a (não) adesão ao tratamento: ampliando sentidos do autocuidado.
Resenhado por
Geovanna Souza
Camargo-Borges, C., & Japur, M. (2008).
Sobre a (não) adesão ao tratamento: ampliando sentidos do autocuidado. Texto Contexto Enferm,17(1),
64-71.
O SUS desde que foi
implementado no Brasil vem lutando por espaço dentro da saúde pública. Seus
princípios e diretrizes vem demonstrando ter um forte impacto dentro do
contexto de uma saúde mais humanizada. No entanto, apesar de ter inúmeros
pontos positivos, ele também apresenta falhas, dentre as quais estão a falta de
equipamentos de saúde e de serviços especializados. Sendo assim, os
profissionais de saúde são vistos como um dos principais fatores que provocam mudanças
em comportamentos sociais que não são saudáveis. Esses trabalhadores juntamente
com a comunidade é o que faz o sistema de saúde pública funcionar melhor a cada
dia, deixando de lado o trabalho tecnicista, focando em práticas mais
humanizadas, voltadas para o cuidado do outro.
A partir de então as
autoras tentam trazer em seu artigo o conceito de cuidado, problematizando-o de
acordo com a sua antiga visão, capitalista, e com sua atual visão, assistencial,
falando também da sua nova vertente baseada na perspectiva de saúde ampliada. O
autocuidado é um termo que vem surgindo dentro desse contexto, onde o paciente
também é responsável pelo seu cuidado. Com isso, a proposta do presente estudo
se constituiu em problematizar a questão do autocuidado dentro do sistema de
saúde. Para isso, as autoras coletaram dados de 28 sujeitos, de sexo feminino,
com faixa etária aproximada de 50 anos, que participavam de cinco grupos
comunitários sobre Estratégias de Saúde da Família. As participantes respondiam a questões como: o que é estar com saúde,
o que é estar doente e o que é cuidar da saúde. As respostas foram gravadas e
analisadas posteriormente, focando nas narrativas de autocuidado. A análise propriamente
dita, baseada no referencial do construcionismo social, gerou a construção de eixos
temáticos, sendo um deles relativo ao autocuidado, no contexto das conversas tanto
sobre a promoção como sobre a recuperação da saúde (p. 67).
Nas narrativas das
participantes, as pesquisadoras puderam observar que elas descreviam problemas
como a conduta médica, onde os profissionais não examinam minuciosamente os
pacientes antes de passar qualquer medicação. Também criticaram a forma de
atendimento nas unidades de saúde, afirmando que muitas vezes não retornam a
unidade, dizendo ainda, que só vão a unidade em caso de emergência, uma vez que
se sentem menosprezadas e desrespeitadas.
Dessa forma, as
mulheres entrevistadas demonstraram uma grande preocupação com a saúde, levadas
por experiências cotidianas dentro de suas unidades de saúde, desfavorecendo o
processo de adesão terapêutica, não tomando os remédios prescritos pelos
profissionais que segundo elas, sequer as ouviram verdadeiramente. Com isso, o
que as autoras trazem é o fato de que
as conversas das mulheres nos grupos possibilitam
ampliar um sentido bastante prevalente, o da irresponsabilidade, segundo os
quais os pacientes que não cumprem com o tratamento indicado são considerados
irresponsáveis com sua saúde. No entanto, as dificuldades mencionadas pelas
participantes dos grupos não estavam referidas a serem responsáveis, mas sim ao
sentimento de insegurança por não se sentirem compreendidas em suas queixas
(Camargo-Borges & Japur, 2008, p. 68)
A partir
da perspectiva trazida pelas participantes, pode-se observar que a (não)
adesão deixa de ser um processo único do paciente, ao qual se atribui a ele a
responsabilidade de tomar seu medicamento ou não e passa a ser uma questão
referente a influência que a relação profissional de saúde-paciente exerce
sobre o comportamento de saúde dos usuários. Camargo-Borges & Japur (2008) apontam
ainda para uma análise de ordem relacional, onde as inter-relações podem
ajustar os comportamentos de adesão ao medicamento.
Por tudo isso, é
importante que se veja a adesão aliada ao autocuidado e também às relações
profissionais-usuários. A escuta qualificada faz parte do projeto de
humanização do SUS e merece destaque dentro desse texto, onde a escuta se mostra deficitária, uma vez que os pacientes costumam falar
sobre seus problemas e os profissionais só escutam de fato aquilo que os interessam.
É preciso dar aplicabilidade a essa nova forma de ver o outro dentro das
práticas clínicas, levando o contexto de humanização às unidades de saúde, para
que sejam estabelecidas novas formas de autocuidado, melhorando a adesão e a
saúde como um todo.
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