Transtornos depressivos em crianças

11 years ago

Resenhado por Luana Santos

Avanci, J. et al. (2008). Transtornos depressivos em crianças. Série violência e saúde mental infanto-juvenil. In: Depressão em crianças – Uma reflexão sobre crescer em meio à violência (pp. 11-30). Rio de Janeiro: Fiocruz/Ensp/Claves/Cnpq.

O livro “Depressão em crianças” faz parte da série violência e saúde mental infanto-juvenil, fruto de uma pesquisa financiada pelo Programa Estratégico de Apoio à Pesquisa em Saúde (PAPES IV) da Fundação Oswaldo Cruz. Seu objetivo é caracterizar a depressão infanto-juvenil, seus fatores desencadeadores, intervenção e prevenção.
Foi feito um estudo com 500 crianças entre 6 e 13 anos, sorteadas ao acaso em todas as escolas municipais de São Gonçalo em 2005, na primeira série do ensino fundamental da rede pública de ensino. As crianças foram entrevistadas em dois anos consecutivos e os achados embasaram a construção dos três capítulos do livro.
Para o estudo da depressão na amostra de São Gonçalo foi utilizado um instrumento denominado Child Behavior Checklist (CBCL), cuja escala avalia os seguintes sintomas depressivos: existir poucas coisas que dão prazer à criança, ter preferência por ficar sozinho, recusar-se a falar, ser reservado, não contar suas coisas para ninguém, ser tímido, ser pouco ativo, movimentar-se vagarosamente, faltar-lhe energia, ser infeliz/triste/deprimido, ser retraído e não se relacionar com outros. A CBCL permite identificar crianças com problemas depressivos em nível clínico, quando os sintomas
são associados e frequentes, com prejuízo severo à vida das crianças; em nível limítrofe,
quando os sintomas são menos frequentes e/ou ocorrem mais isoladamente; e em nível não clínico, quando os sintomas não estão presentes ou são inexpressivos.
Transtornos mentais são comuns mesmo na infância, inclusive a depressão. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 10-20% das crianças a nível mundial apresentam algum transtorno mental. O capítulo “Transtornos depressivos em crianças” visa, então, além de caracterizar a depressão infanto-juvenil, chamar atenção para alguns aspectos relevantes sobre a mesma.
Há uma dificuldade acentuada no diagnóstico durante a fase infantil visto que é complicado identificar o limiar tênue entre um comportamento que pode ser considerado patológico e aquele que é parte do processo de desenvolvimento. Um comportamento patológico compromete o funcionamento da criança em todos os contextos em que está inserida (família, escola, sociedade). Além disso, os sintomas depressivos estão interiorizados na criança, dificultando ainda mais sua percepção e distinção de um comportamento retraído normal.
Em síntese, a depressão é um transtorno afetivo cuja principal característica é o humor deprimido ou a perda de prazer, persistentes por semanas podendo incluir pessimismo ou ideações suicidas. Em crianças, a irritabilidade pode substituir o humor deprimido, e outros sintomas são relevantes como queixas somáticas e retraimento social (Harrington, 2002; DSM-IV-TR; CID-10 apud Avanci et al,2008).
Para Toolan (apud Avanci et al, 2008), há ainda distinções na ênfase dos sintomas no decorrer da infância: nas crianças bem pequenas os sintomas sobressalentes seriam distúrbios do sono e alimentação, cólica, choro, balanço de cabeça; na criança mais crescida o isolamento, apatia e comportamento regredido seriam mais prevalentes; e, enfim, nas mais velhas os problemas de comportamento começam a substituir os sintomas depressivos. Quanto mais perto da idade adulta, mais o quadro clínico se assemelha ao do adulto.
Como a adolescência em si é um período de instabilidade afetiva, os adolescentes estariam mais suscetíveis a estressores e, consequentemente, a maiores flutuações na autoestima. Logo, assim como na infância, a depressão na adolescência também corre o risco de passar despercebida como uma simples oscilação de humor  inerente a essa fase do desenvolvimento.
Foi constatado que 10,4% das crianças de São Gonçalo apresentam sintomas depressivos a nível clínico ou limítrofe, necessitando de atenção especial da família, da escola e dos profissionais de saúde e, ainda,  quase 7% delas apresentam expressivos sintomas depressivos, enquanto que o restante (3,4%) revela sinais limítrofes de depressão, que, se cuidados, podem desaparecer, e ao contrário evoluir para quadros mais severos. Importante destacar aqui novamente que a depressão em crianças é pouco diagnosticada, chama pouca atenção dos pais e professores, o que não significa a ausência do transtorno. Entretanto, comportamentos retraídos podem ser normais e deve-se atentar também para a generalização do diagnóstico.
Ademais, a comorbidade, co-ocorrência de transtornos, é mais comum do que se imagina mesmo em crianças.  Ignorar os sintomas pode parecer inofensivo a priori, mas a longo prazo pode comprometer a vida da criança, ainda mais se existirem sintomas depressivos em conjunto com outros problemas. Os estudos indicam que entre 20% e 50% das crianças depressivas possuem outros dois ou mais transtornos psiquiátricos. Dentre as comorbidades mais comuns estão o transtorno de conduta ou desafiador-opositivo e o de ansiedade. Menos presentes estão os problemas na atenção e hiperatividade, os de aprendizagem, de abuso de substância e a anorexia nervosa (Harrington, 2005 apud Avanci, 2008).
Entre as crianças com sintomas depressivos de São Gonçalo, identificou-se em 74% delas algum outro tipo de problema associado, especialmente as queixas somáticas, (enjoos, dores de estômago e de cabeça). Assim como o diagnóstico da depressão, é importante também a identificação da presença ou não de comorbidade, pois esse é um fator relevante para o direcionamento do atendimento e encaminhamento da criança.
Como percebido, as autoras conduzem o texto de modo que o relato dos dados encontrados vai se articulando a vieses teóricos e chamando atenção para questões pontuais. Os dados estatísticos são do Rio de Janeiro, mas os aspectos levantados no decorrer do texto devem extrapolar essas fronteiras, tornando o texto uma leitura recomendada e acessível tanto para profissionais, que já possuem um alicerce teórico, quanto para estudantes, familiares, professores e outros que possam se interessar pelo tema.

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