COVID-19: Complicando o rito da morte e o luto
Hott, M. C. M. (2020). COVID-19: Complicando o rito da morte
e o luto. InterAmerican Journal of
Medicine and Health, 3. doi: 10.31005/iajmh.v3i0.121
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Resenhado por Márcio Diego Reis
O Brasil e o
mundo vivem uma verdadeira guerra biológica. A COVID-19 se instaurou em todos
os continentes, fazendo o mundo parar. Diante das incertezas, a população
científica, médica, política e civil se encontra insegura e receosa. As
batalhas para a prevenção e o enfrentamento da enfermidade potencialmente fatal
envolve o desejo de “vitória” sobre a morte anunciada em larga escala, mas nem
sempre a tentativa de evitar o óbito prospera.
Quando ocorre a
morte, advém o luto e este, uma vez instaurado, desencadeia sofrimento. Caso o
luto não seja bem elaborado, afetará não somente o portador, mas todo o seu
contexto familiar e social. O luto complicado está se configura como um
problema de saúde pública e o adoecimento causado pelo excesso de sofrimento requer
atenção e intervenção psicológica. O Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-5), no capítulo “Condições para estudos posteriores”,
aborda o Transtorno do Luto Complexo Persistente como um problema de saúde
mesmo sem reconhecimento oficial, uma vez que demanda mais estudos conclusivos
sobre o tema.
Reconhecer que o
luto é um processo natural, mas que se não for bem concebido pode desencadear
sérios problemas físicos e emocionais, já é um indicativo de que a temática não
pode ser negligenciada. Nesse contexto, uma questão importante é a eficácia
para a elaboração saudável do estado de enlutamento por meio da celebração do
funeral. Esse é o ritual mais significativo para o ser humano que vivencia a
perda parental: o respeito e a consagração do corpo sem vida. Independente da
religiosidade, todos querem velar e sepultar seus mortos. O velório torna o
espaço sagrado e, para algumas sociedades, somente através desses rituais a
morte se legitima, pois o ser que não é sepultado não está morto.
Contudo, esse ritual,
que tem extrema relevância, se depara com uma pandemia sem precedentes que
altera o como, o quando e o onde se despedir dos seus mortos. O afastamento do
doente durante o tratamento, a espera por notícias que demoram a chegar e pelos
corpos abandonados em necrotérios, a ausência de familiares e amigos no velório,
o sepultamento em caixões lacrados e em túmulos coletivos, são fatos que,
acumulados ou não, provavelmente contribuirão de forma negativa para o processo
do luto. Assim, o falecimento de um ente querido pode ser suficiente para
desencadear transtornos psíquicos de alta complexidade
Dessa forma,
quando o nível traumático do enlutamento é muito alto, os distúrbios emocionais
podem ser catastróficos, visto que as estratégias de enfrentamento fracassam. Devido
ao novo cenário desenhado pela pandemia, ainda não se encontrou uma maneira de
reformular os procedimentos fúnebres que precisam de restrição parcial ou total
das práticas que eram comuns até um tempo atrás. Assim, o acolhimento às
demandas do enlutado em tempo de pandemia é um desafio a ser pensado.
Enquanto o mundo
pensa o cenário após o COVID-19, compete à psicologia vislumbrar, dentro desta
perspectiva, como ficarão os sobreviventes, não somente aqueles que foram
contagiados e venceram a doença, mas também os que vivenciaram a morte dos seus
entes, e não puderam se despedir por meio dos ritos tradicionais em cada
cultura. Cabe a psicologia pensar modos e estratégias de enfrentamento para
impulsionar o pretencioso “seguir em frente”.
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