Como anda a saúde mental na Universidade?
Postado
por Millena Bahiano
As notícias
sobre adoecimento mental e suicídio entre estudantes universitários têm trazido
à tona um fenômeno que vem preocupando a comunidade acadêmica e a sociedade em
geral. O estresse, sofrimento e adoecimento mental na universidade têm
evidenciado as pressões, tensões e impasses relativos à vida universitária.
Dessa maneira, a intervenção do psicólogo se torna imprescindível para a
promoção, prevenção e recuperação da saúde, tanto de discentes quanto de
docentes no contexto acadêmico.
Já parou para pensar em como você
tem se sentido no seu curso e na sua universidade? Tem se alimentado bem,
dormido bem, praticado atividades de lazer? Está se sentindo feliz e apoiado
pelos colegas, familiares e membros da comunidade acadêmica? Ou está mais para
sobrecarregado, esgotado e, quem sabe, até sem tempo para ler esse texto ou
falar sobre isso?
O período de formação acadêmica
é comumente caracterizado como uma etapa de transição que requer alto grau de
adaptação a estressores institucionais, pessoais, sociais e econômicos. Nem
sempre esses estressores são ruins, uma vez que é importante para nossa
formação aprendermos a passar por situações de dificuldade. Existem momentos,
porém, em que esses períodos de grande estresse passam a ser um problema.
Quando isso acontece?
Segundo dados da Andifes (Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), a maior parte dos
estudantes que ingressam no ensino superior encontra-se numa faixa etária de
transição à vida adulta. Dessa forma, eles estão passando por uma fase que
envolve a aquisição de maiores responsabilidades e autonomia, expectativas com
o curso e com a vida, a construção da identidade pessoal, a busca por
independência financeira e, em muitos casos, a formação de novos vínculos e
distanciamento de casa. Soma-se a isso o fato de que, como mostram alguns
estudos, essa é uma faixa etária em que sinais e sintomas relacionados ao
adoecimento mental costumam ter início ou são mais percebidos/agravados em
pessoas predispostas. Ou seja, o adoecimento mental dentro da universidade não
é algo simples: é um fenômeno multifatorial que envolve diversas questões
biológicas, psicológicas e socioambientais.
Não é de hoje que nos deparamos com assustadores
dados de depressão e ansiedade – que podem chegar a
até um terço dos estudantes –, assim como de estresse ou síndrome
de burnout – esta última caracterizada por um processo de
estresse crônico e/ou intenso, relacionado ao trabalho (ou estudo) –, de uso
abusivo de substâncias ou tecnologia e até mesmo de casos de suicídio no ambiente acadêmico que
causam grande impacto e comoção em toda a comunidade e familiares. O
adoecimento mental não está restrito à graduação, uma vez que parece persistir
e até se intensificar nos demais graus de formação. Apesar desses dados
alarmantes, ainda são muitas as pessoas em sofrimento que não se sentem
apoiadas pelos colegas, professores ou pela própria instituição. Esse
sentimento de desamparo tem consequências muito negativas: atrasa a busca por
ajuda e gera um sentimento de solidão. Soma-se a isso a ocorrência do fenômeno
de estigmatização das doenças mentais, que é um dos principais entraves à busca
de ajuda e identificação precoce de sofrimento psíquico. Mas o que será que
contribui para esse quadro? Além dos fatores já citados, podemos ainda
identificar a cultura da performance, em que o indivíduo, perante uma
extenuante pressão e carga de trabalho, acredita que deva assumir a
responsabilidade integral pelos seus resultados e, por isso, constrói sua
identidade baseada na ideia de produtividade. Essa cultura estimula a
competitividade e inibe a cooperação, aumentando o sentimento de que pedir
ajuda pode ser entendido como uma fraqueza. Outros fatores são as formas de
ensino e avaliação, muitas vezes pouco sensíveis a dificuldades e fatores
individuais envolvidos no processo de aprendizagem, além dos diversos tipos de
assédios morais e discriminações.
Resumindo: sabemos que o estresse é uma
característica adaptativa evolutiva e necessária para a adequada formação
profissional. Assim, ele faz parte de toda a vida. Será que, então, se
reduzirmos os estímulos e os estressores dentro da academia, não vamos ter como
resultado uma queda da produtividade e formação de profissionais piores? A
resposta é não. Estudos sugerem que tanto a ausência de estresse como estímulo
em demasia não garantem resultados melhores, mas, sim, um declínio de
produtividade.
Algumas experiências internacionais também reforçam
essa hipótese: na Universidade de Saint Louis, em 2010, mudanças curriculares
importantes foram feitas visando a melhorias na qualidade de vida de seus
estudantes: a carga horária do curso foi reduzida em 10%, atividades de
descanso, lazer e voluntárias foram incentivadas e a avaliação foi alterada
apenas para “aprovado” ou “não aprovado”. Após 5 anos, os alunos apresentaram
melhor qualidade de vida, menores níveis de estresse e de sintomas depressivos
e melhor performance acadêmica, sem prejuízo na avaliação geral da
universidade.
Levando em consideração esse cenário e buscando
suscitar ainda mais a discussão sobre saúde mental e incentivar estratégias de
prevenção no ambiente universitário, criamos o Pega Leve, ação de
extensão da UFRGS focada no estudante e que estimula seu empoderamento
e autonomia. Entre as ações do projeto, organizamos palestras – exposições
dialogadas sobre saúde mental do estudante universitário – baseadas em
psicoeducação e combate ao estigma.
Mas, afinal, para que isso tudo agora se “sempre
foi assim” e “todos passam por isso”? Realmente, já passou da hora de nos
focarmos mais em evidências e trabalharmos juntos para uma mudança cultural em
nossas universidades, valorizando seus pontos positivos (que são muitos!) e
potencializando seu papel de espaço universal de construção de saberes,
cooperações e diversidades.
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