Intolerância à incerteza e saúde mental no Brasil durante a pandemia de COVID-19

 

Ferreira, D. C. S., Oliveira, W. L., Delabrida, Z. N.C., Faro, A., & Cerqueira-Santos, E. (2020). Intolerance of uncertainty and mental health in Brazil during the Covid-19 pandemic. Suma Psicológica, 27(1), 62-69. doi: 10.14349/sumapsi.2020.v27.n1.8

Resenhado por Luanna Silva

 

A pandemia provocada pelo novo coronavírus produziu um cenário de dúvidas em torno da doença, como enfrentá-la e quais seus efeitos econômicos, comerciais e políticos. No Brasil, notou-se que as divergências entre as medidas estabelecidas pelas diferentes agências oficiais e a massiva propagação de notícias falsas contribuíram para um sentimento de incerteza quanto ao futuro. A sensibilidade a eventos incertos, intolerância à incerteza, pode ser definida como a tendência de um indivíduo em julgar como inaceitável a ocorrência de um evento negativo, independentemente da probabilidade desse acontecimento. A literatura tem apontado esse construto como um fator importante para o desenvolvimento de diversos quadros psiquiátricos, tais como ansiedade generalizada, transtorno obsessivo compulsivo, ansiedade social e transtorno do pânico.

Em uma situação de pandemia, marcada por dúvidas sobre a transmissão da doença e eficácia dos procedimentos de prevenção, investigar a intolerância à incerteza dos indivíduos pode ser importante pra compreender desfechos psicológicos negativos. Assim, este estudo se propôs a analisar como as respostas diferenciais à incerteza dos eventos podem estar relacionadas à depressão, ansiedade e estresse durante os primeiros dias da pandemia de COVID-19 em Sergipe. Participaram 924 indivíduos, de ambos os sexos, com idade entre 18 a 72 anos (M = 36,8; SD = 11,70). Os instrumentos utilizados incluíram questionário sociodemográfico, a Intolerance of Uncertainty Scale (IUS-12) e a Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21).

Os resultados indicaram que as mulheres e indivíduos mais jovens apresentaram maior probabilidade de reportar sintomas de ansiedade, depressão e estresse. Quando comparadas aos homens, as mulheres exibiram três vezes mais chances de manifestar ansiedade e estresse. É possível que esse resultado possa ser explicado em razão das diferenças fisiológicas e socioeconômicas desses grupos. Ressalta-se que o número de mulheres que são chefes de famílias tem aumentado no Brasil, sendo possível que o forte impacto econômico da pandemia tenha contribuído para os níveis elevados de ansiedade e estresse encontrados neste estudo. Por sua vez, os participantes mais jovens, com até 30 anos, apresentaram de 2 a 2,5 vezes mais chances de estar acima da mediana nas três subescalas da DASS-21. As medidas de isolamento social e quarentena atingiram intensamente esse grupo, que precisou se adaptar e lidar com o gerenciamento das responsabilidades laborais e escolares. Por fim, verificou-se que os escores da IUS-12 se correlacionaram significativa e positivamente com os escores das três subescalas da DASS-21.

Concluiu-se que os resultados deste estudo apontaram a intolerância à incerteza como um fator relevante para a saúde mental e adicionaram evidências empíricas em torno de sua natureza transdiagnóstica, visto a constatação de sua relação com ansiedade, depressão e estresse. A Psicologia da Saúde se beneficia dos achados desta pesquisa, uma vez que tratar a intolerância à incerteza pode ser um passo importante no processo terapêutico de vários transtornos mentais distintos. É interessante que futuras pesquisas analisem o papel de possíveis variáveis mediadoras dos efeitos da intolerância à incerteza na saúde mental, como otimismo, preocupação e esperança.

 


                                     

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