O que aconteceu aos pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo durante a pandemia de COVID-19?

 Benatti, B., Albert, U., Maina, G., Fiorillo, A., Celebre, L., Girone, N., ... & Dell’Osso, B. (2020). What happened to patients with obsessive compulsive disorder during the COVID-19 pandemic? A multicentre report from tertiary clinics in northern Italy. Frontiers in Psychiatry11, 720.  https://doi.org/10.3389/fpsyt.2020.00720

 

Resenhado por Daiane Nunes

 

Sabe-se que pandemias impactam não apenas nos contextos biológico e social, mas também no psicológico. Dentre as diversas consequências, o agravamento dos sintomas obsessivo-compulsivos tem sido pouco abordado pela comunidade científica e por prestadores de serviços em saúde. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é caracterizado por pensamentos ou imagens recorrentes e intrusivos (obsessões) associados a esforços comportamentais que visam neutralizar a ansiedade causada por obsessões (compulsões). Considerando o alto impacto do TOC na qualidade de vida dos pacientes e as altas taxas de comorbidades psiquiátricas, o atual surto de COVID-19 representa um desafio único para pacientes com TOC. Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto da pandemia em pacientes ambulatoriais com TOC atendidos em clínicas no norte da Itália, região particularmente afetada pelo surto.

A amostra incluiu 123 pacientes ambulatoriais diagnosticados com TOC, de ambos os sexos e de qualquer idade. Os dados foram coletados através de entrevistas, em que foram abordadas questões como presença e tipo de comorbidade psiquiátrica, principais fenótipos de obsessões e compulsões, agravamento do TOC (definido como piora clínica avaliada durante a entrevista clínica e referida aos últimos 3 meses de pandemia), início de novas obsessões ou compulsões, obsessões passadas ou recorrência de compulsões, entre outros.

No geral, mais de um terço da amostra relatou piora clínica. Não surgiram diferenças significativas entre os pacientes com e sem piora clínica em termos de fenótipos obsessivos, sendo os mais frequentes a violência/dano e os fenótipos múltiplos (por exemplo, lavar e limpar) em ambos os subgrupos. No entanto, o desenvolvimento de novas obsessões e a recorrência de obsessões anteriores foram significativamente maiores no grupo com piora clínica. Além disso, os pacientes com piora experimentaram um aumento nos comportamentos de evitação. Destaca-se que ambos os subgrupos apresentaram um quadro clínico globalmente comprometido. Em particular, observaram-se taxas significativamente mais altas de ajuste da terapia farmacológica, ideação suicida, distúrbios do sono, entre outros.

Cumpre ressaltar que uma primeira característica clínica relevante relacionada ao subgrupo com piora clínica foi o aparecimento de novas obsessões e compulsões e o reaparecimento de obsessões e compulsões anteriores, que estavam ausentes antes do início da pandemia. Tal achado pode estar relacionado à necessidade de maior controle contra potencial contaminação ou ao aumento do tempo livre durante o lockdown, possivelmente motivando o aumento de comportamentos repetitivos.

A exacerbação da sintomatologia do TOC foi bem documentada anteriormente em outros surtos pandêmicos, como os da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) e da Influenza. Os autores reforçam a necessidade de monitorar cuidadosamente a potencial recidiva da sintomatologia e sua proporcionalidade à situação atual, para evitar retrocessos. Além disso, destaca-se a necessidade de realização de pesquisas adicionais com medidas psicométricas específicas e avaliação de acompanhamento da amostra, para que seja esclarecido o risco potencial e as consequências clínicas da atual pandemia de COVID-19 em pacientes com TOC.



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