Adesão ao tratamento da dor crônica e o lócus de controle da saúde
Resenhado
por Geovanna Souza
Kurita,
G. P., & Pimenta, C. D. M. (2004). Adesão ao tratamento da dor crônica e o
lócus de controle da saúde. Revista
Escola Enfermagem USP, 38, 254-61.
A
adesão tem sido fonte de interesse de muitos pesquisadores das ciências humanas
e da saúde, uma vez que vem demonstrando sua relevância na saúde pública nas
últimas décadas. As crenças e os comportamentos que o indivíduo tem diante da
doença podem elevar ou não a probabilidade de adesão ao tratamento, uma vez que
há probabilidade dos fatores que tendem a influenciar tais decisões estarem
relacionados ao quanto o indivíduo se sente responsável pelo tratamento e ao
que/quem ele atribui a causa de sua doença.
A atribuição de
causalidade ou lócus de controle diz respeito às causas que as pessoas atribuem
aos acontecimentos da sua vida. Trata-se de um modelo que propõe ser a crença
do indivíduo que determina a ação a ser tomada. Sendo ela interna (quando ele
acredita que ‘algo’ depende de si) ou externa (‘algo’ depende de fatores
externos ou ao acaso). Tais crenças podem influenciar os indivíduos doentes a
perceber e expressar sua dor e em como lidar com ela e seu tratamento. Desta
forma, o presente estudo teve o objetivo de avaliar
a adesão dos doentes ao tratamento da dor crônica não oncológica e identificar relações
entre a crença de controle da saúde e a adesão. Para tal, foi a metodologia
utilizada teve um caráter prospectivo longitudinal, com 30 pacientes doentes
com dor (não oncológica) em tratamento num ambulatório. Foram coletados dados
durante um período de seis meses, com pacientes que preenchessem os
pré-requisitos da pesquisa, tais como: ter idade igual ou superior a 18 anos,
já estar internado no período anterior a pesquisa, entre outros. A idade dos
sujeitos variaram entre 24 e 76 anos, sendo 86,7% do sexo feminino.
Para
avaliar a adesão foi utilizado o próprio relato do doente, sendo classificada
em “plena”, “parcial” e “não adesão”. Os pesquisadores também calcularam o
Índice de Acerto de Ingestão Medicamentosa (IAIM), que é o percentual de
medicação ingerida corretamente, conforme a prescrição passada pelo médico e a
intensidade da dor, avaliada numa escala de 0 (ausência de dor) a 10 (pior dor
imaginável).
Foram
feitas cinco avaliações (a primeira entre 7 e 15 dias após o início do tratamento,
2ª entre 15 e 25 dias, a terceira, entre 45 e 55 dias, a quarta, entre 105 e
115 dias, e a quinta avaliação, entre 165 e 175 dias) para identificar o
comportamento de adesão e a intensidade da dor, e três para avaliar o lócus de
controle da saúde. Para avaliação do lócus de controle da saúde (LCS)
utilizou-se o instrumento Escala de Lócus de Controle da Saúde (ELCS), que
mensura as dimensões pessoal, social e impessoal. Para análise foram realizados
testes estatísticos para avaliar a existência de mudanças dos construtos ao
longo do tempo.
Na
avaliação da adesão as pesquisadoras observaram que o número de “plenamente
aderentes” variou entre 43,3% a 56,7%, durante os cinco momentos de avaliação.
Já ao final do período de seis meses, 27 doentes foram “parcialmente aderentes”
e apenas 3 “plenamente aderentes”. Já o maior Índice de Acerto de Ingestão Medicamentosa
(IAIM) foi de 69,5% na quarta avaliação e o menor foi de 57,2% na primeira
avaliação. Os testes estatísticos aplicados revelaram que não houve diferença
no IAIM entre as avaliações.
A variável
cultural lócus de controle da saúde não apresentou variação estatisticamente significativa
ao longo do tempo, isto é, o estilo de lócus de controle da saúde permaneceu o
mesmo, ao longo de 6 meses. Foi relatado também que na terceira avaliação houve uma
correlação significativa entre a adesão e a “internalidade”, ou seja, quanto
maior a crença do doente de que o controle da sua saúde depende de si, menor
sua adesão. Este fato surpreendeu as autoras, umas vez que a hipótese do estudo
era de que maior “internalidade” estaria relacionada a maior adesão. De forma
geral as autoras observaram altos índices de adesão parcial e não adesão ao
tratamento (40,0% a 56,7%), médias do IAIM entre 57,2% e 69,5%, e que doentes
com crenças de maior “internalidade” aderiram menos ao tratamento.
Há dúvidas de que o lócus de controle
seja um atributo com características de traço ou de estado, por isso esse
estudo teve como base o estudo longitudinal, a fim de observar se há uma
possibilidade de mudança na orientação do lócus ao longo do tempo. Há
alguns estudos citados pelas autoras que pesquisar lócus de controle da saúde
em doentes com dor crônica, no entanto, elas dizem que deve-se levar em
consideração a falta de sustentação empírica do LCS. Ainda não se sabe qual o
‘valor desejável’ do lócus de controle e também faltam estudos sobre fatores
como suporte social, motivação e comportamento prévio.
A grande preocupação em saúde é que a
não adesão pode resultar em inúmeros efeitos negativos, tanto a nível físico
como social, como progressão da doença, piora da qualidade de vida, entre
outros agravamentos. Os resultados encontrados nessa
pesquisa demonstram a importância das crenças no manejo do tratamento da dor
crônica e de intervenções que ajudem os pacientes a aderir ao tratamento de
forma mais eficaz, além de mostrar a sociedade científica novas faces do lócus
de controle da saúde que vão em contradição a muitos resultados que mostram que
maior lócus interno, maior a adesão.
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