Lá vamos nós outra vez: A reemergência do ativismo antivacina na internet
Camargo
Jr., K. R. (2020). Lá vamos nós outra vez: A reemergência do ativismo
antivacina na internet. Cadernos de Saúde
Pública, 36(Supl. 2), e00037620. https://doi.org/10.1590/0102-311x00037620.
Resenhado
por Michelle Leite
Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), a relutância ou recusa em vacinar é
considerada uma das dez maiores ameaças para a saúde global. O movimento
antivacina não é novo. Historicamente, há relatos de resistências relacionadas
ao ato de vacinação, os quais relacionavam-se principalmente à falta de
informações acerca da sua eficácia e riscos. No entanto, mesmo com o
desenvolvimento educacional e a ampla propagação de informações, sociedades
instruídas têm sido palco para tal movimento no século XXI. O ensaio em questão
apresenta algumas respostas provisórias que podem ajudar a explicar tal
fenômeno.
A
primeira das explicações possíveis se relaciona à eficácia das vacinas. Com o
sucesso da erradicação, muitas doenças graves deixaram de ser vistas com
frequência, de modo que o benefício da vacinação tornou-se cada vez mais
intangível para a população em geral. Em segundo lugar, há incompreensões sobre
os riscos de vacinar, que são superestimados, e de não vacinar, que são
subestimados. Sabe-se que, apesar de haver chances de ocorrência de efeitos
adversos das vacinas, em geral elas são extremamente baixas, sendo os prejuízos
da não-vacinação muito mais prejudiciais do que qualquer complicação da vacina.
Em terceiro lugar, é possível verificar uma aversão à objetividade científica e
reduzida confiança na expertise. Ou
seja, o ceticismo face a ciência ou a medicina leva a recusa sistemática de
qualquer afirmação dessas fontes, cuja atitude está amparada na ideia de que os
especialistas estão a serviço da indústria farmacêutica e visam apenas
interesses econômicos.
O
movimento antivacina ganha ainda mais força nas redes sociais. Elas são um solo
fértil para propagação de teorias da conspiração e reforço positivo de
conceitos errados. Os principais argumentos utilizados pelos ativistas são: (1)
A vacina é produzida com ingredientes perigosos. Porém, sabe-se que o
etil-mercúrio, uma das substâncias apontadas, não representa qualquer risco
para a saúde. (2) Os danos da vacina são mais prevalentes do que os admitidos
pelo establishment biomédico. Tal
crença é alimentada por mal-entendidos sobre a forma como possíveis eventos
adversos são relatados. (3) São utilizados como evidências argumentos de
autoridade produzidos por “experts”
questionáveis. (4) As doenças teriam diminuído por outras razões que não as
vacinas e/ou não teriam diminuído de forma nenhuma. Esse argumento é baseado em
análises epidemiológicas equivocadas e teorias da conspiração. (5) A imunidade
“natural” é melhor. Essa crença subestima os riscos de exposição a doenças e se
ancora numa incompreensão de como a imunidade funciona. (6) Os pais teriam
maior conhecimento. De acordo com essa ideia, intuições dos pais (especialmente
das mães) devem prevalecer sobre qualquer prova científica que ateste o oposto.
Pelo
fato de tais narrativas serem carregadas de componente emocional, é difícil
contra argumentar de um modo puramente racional. Uma abordagem possível é
recorrer a medidas legais para coagir as pessoas a vacinar, uma vez que elas
são eticamente justificáveis em prol da saúde pública. Além disso, devido à dificuldade em convencer
os ativistas antivacina acerca da importância da vacinação, um público alvo
para tais esforços são os indivíduos “em cima do muro”, que acabam sendo
conquistados por omissão. O oferecimento de fontes de informações corretas para
esse público pode corrigir a desinformação na internet. As mensagens
pró-vacinas eficazes devem evitar repetir os argumentos antivacina, considerar
a ressonância emocional das ideias apresentadas, evitar o paternalismo ou antagonismo
e ocupar espaço nos meios de comunicação social. Ao menos, com o emprego de
tais estratégias no debate público, o ativismo antivacina pode deixar de
conquistar as pessoas pela simples omissão dos pró-vacina.
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