Saúde mental dos doadores de órgãos e familiares

 Resenhado por Laurisson Albuquerque da Costa

 

O transplante de órgãos constitui o melhor tratamento para muitas doenças crônicas. Com o objetivo de conscientizar a população a respeito do tema, dia 27 de setembro foi instituído o dia nacional da doação de órgãos, pela Lei N.º 11.584, de 28 de novembro de 2007. A doação de órgãos e tecidos pode ocorrer através de doador falecido (após morte encefálica) ou doador vivo, como por exemplo rim, fígado, medula óssea. Para o doador falecido, de acordo com a legislação brasileira, não existe cadastro e não são válidos testamentos, declarações em documentos de identidade ou carteira de motorista. Dessa forma, para ocorrer a doação em caso de morte encefálica, é necessária a autorização familiar. No caso de doação em vida, é possível disponibilizar gratuitamente o órgão para parentes consanguíneos até quarto grau, para cônjuge e para qualquer pessoa mediante autorização judicial mais a avaliação da Central de transplante e da comissão de ética do hospital, devendo ser descartada a possibilidade de comércio de órgãos (ABTO, 2023).

O transplante doador vido possui aspectos positivos e negativos para a saúde mental do doador. Um estudo realizado em doadores de rim demonstrou, numa média de 6 anos após doação, um escore de bem-estar emocional e social maior que a população geral, e os escores de saúde mental foram comparáveis a população geral, bem como os sintomas psicológicos pré-doação foram semelhantes aos pós-doação (Massey et al., 2022). A segurança da saúde física e mental do doador é motivo de preocupação dos profissionais envolvidos nos serviços de transplante. Dessa forma, com o objetivo de entender a longo prazo os desfechos psicossociais do doador, um estudo americano realizou questionários em doadores de rim entre os anos de 1963 a 2005 a respeito de perspectivas do doador, tempo de recuperação, suporte social, motivação, impacto financeiro e estado psicológico. Numa média de 17 (±10 anos) após transplante, a maioria dos doadores (95%) relatou a experiência como boa ou excelente. Entretanto, alguns doadores descreveram experiencias negativas da doação, tais como complicações dos doadores, falência do enxerto e dificuldades psicossociais, sendo a falência do enxerto do receptor o único preditor de desfechos psicossociais desfavoráveis (Jowsey et al., 2014).

Em relação ao transplante doador falecido, informar a família previamente em vida é fundamental no processo de decisão, uma vez que em grande parte das ocasiões a morte acontece por acidente ou doenças não previstas, o que leva ao estresse da decisão, com possibilidade de acarretar em depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Tendo em vista que o cuidado com os familiares é de extrema importância no processo, um estudo investigou o suporte emocional dos familiares de doadores de órgãos após a doação e encontrou que a maioria (67,70%) obteve suporte emocional sendo principalmente de familiares direto (73,91%), entretanto, a maioria das famílias dos doadores afirmou a necessidade de apoio emocional e ajuda psicológica dos profissionais da psicologia (Xie et al., 2022).

Existem muitas barreiras no processo não efetividade da doação, as principais são a contraindicação clínica, recusa familiar ou do doador em vida, a preocupação com a integridade do corpo, descontentamento com o atendimento do serviço e o tempo de demora do processo e crenças religiosas (Marinho et al., 2018). Para além disso, o apoio psicológico do doador vivo e dos familiares após a doação é de extrema importância. A compreensão dos principais aspectos psicossociais do período da doação pode auxiliar na decisão mais segura e na redução da taxa de não efetivação da doação, bem como o acompanhamento psicológico após a doação é fundamental para redução do estresse psicológico e desfechos desfavoráveis de saúde mental dos doadores em caso de doador vivo e dos familiares no doador falecido.

 

Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO, 2023). Como ser um doador. https://site.abto.org.br/como-ser-um-doador/

Jowsey, S. G., Jacobs, C., Gross, C. R., Hong, B. A., Messersmith, E. E., Gillespie, B. W., . . . Group, R. S. (2014). Emotional well-being of living kidney donors: findings from the RELIVE Study. Am J Transplant, 14(11), 2535-2544. https://doi.org/10.1111/ajt.12906

Marinho, B. B. O., Santos, A. T. F., Figueredo, A. S., Cortez, L. S. A. B., Viana, M. C. A., Santos, G. M., . . . Braga-Neto, P. (2018). Challenges of Organ Donation: Potential Donors for Transplantation in an Area of Brazil's Northeast. Transplant Proc, 50(3), 698-701. https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2018.02.055

Massey, E. K., Pronk, M. C., Zuidema, W. C., Weimar, W., van de Wetering, J., & Ismail, S. Y. (2022). Positive and negative aspects of mental health after unspecified living kidney donation: A cohort study. Br J Health Psychol, 27(2), 374-389. https://doi.org/10.1111/bjhp.12549

Xie, W., Kong, S., He, H., Xiong, H., Zhu, Q., & Huang, P. (2022). A mixed-methods study of emotional support for families of organ donors in Hunan Province, China. Front Psychol, 13, 952524. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.952524

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