A prática profissional do psicólogo no Brasil: marcos históricos e desafios (nada) atuais
Postado por Maísa
Carvalho
No
dia 27 de agosto de 1964, através da lei 4.119/64, a psicologia obteve sua
prática profissional devidamente regulamentada no Brasil. Não obstante, a
trajetória feita até esse marco histórico foi iniciada ainda no século anterior,
podendo ser dividida de forma educativa em três grandes períodos, sendo eles:
Pré-profissional (1833-1890)
Os
primeiros passos da psicologia no Brasil surgiram com a criação das faculdades
de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro (RJ) em 1833. Nelas os médicos
apresentavam grande interesse acerca de temas psicológicos principalmente
relacionados à higiene mental, psiquiatria forense e psicologia experimental –
crescente no cenário internacional. Apesar da ciência médica ter se apropriado
em maior proporção de estudos e pesquisas concernentes à psicologia, o
comportamento humano e sua subjetividade também era de grande interesse de
saberes como a filosofia, pedagogia e teologia.
De profissionalização (1890/1906-1975) e Profissional
(1975-atual)
A medicina e a
educação foram dois saberes que impulsionaram o processo de profissionalização
da psicologia no Brasil. A aproximação da psicologia com a educação veio
primeiro a partir da Reforma Benjamim Constant (1890), que incorporou a
disciplina de Psicologia nos currículos das escolas normais, proporcionando o
início desse processo. Em 1906 foi criado o primeiro laboratório de psicologia
experimental no Brasil, com posterior inclusão obrigatória da psicologia nos
currículos dos cursos de pedagogia. Concernente à medicina, a materialização do
interesse pelo saber psicológico ocorreu com a criação de um laboratório de
psicologia experimental dentro da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro no
RJ. Fatos posteriores como a criação de um currículo totalmente dedicado à
psicologia em 1957 no Rio e em São Paulo, o curso pioneiro na Pontifícia
Universidade Católica, a criação do curso na Universidade de São Paulo (USP) em
1958, o primeiro mestrado em 1966 e o de doutorado em 1974 levaram aos dois
marcos mais importantes desse período: a criação dos Conselhos Regionais de
Psicologia pela Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971 e o surgimento do
primeiro código de ética através da Resolução nº 8 de 02 de fevereiro de 1975 do
Conselho Federal de Psicologia (CFP).
O primeiro código
de ética surgiu em um momento de efervescência profissional, visto que a década
de 70 foi marcada por um crescimento significativo de profissionais formados em
psicologia decorrentes dos surgimentos de cursos universitários particulares e
também por uma demanda de serviços psicológicos – tido na época como fator de
status social. Assim, desde seu surgimento até o momento presente, o psicólogo
no Brasil ainda vivencia alguns dilemas identitários e profissionais.
Desafios
(nada) atuais
Ao longo desse
processo de definição e identidade, a prática profissional do psicólogo foi
atravessada por obstáculos que se estendem até o presente. Dados e pesquisas
das décadas de 70 e 80 sinalizavam - além de outros aspectos identitários - que
a psicologia era exercida na tríade educação-trabalho-clínica, sendo esta
última a área de atuação predominante. Em 2020, aos 56 anos da psicologia no
Brasil, levantamentos realizados pelo CFP e por demais pesquisadores apontam
que essa continua sendo a realidade do psicólogo no país: uma profissão
feminina, jovem, mal remunerada e preferencialmente clínica. Ainda que seja
considerada uma ciência moderna e uma profissão recente no país, o saber
psicológico é flexível e passível de ser inserido em áreas que vão além da
prática clínica, a exemplo da saúde, social, jurídica, esporte, dentre outras.
Entretanto, os currículos dos cursos de psicologia ainda são pautados em fatos,
personalidades históricas e teorias, além da inclinação à área clínica. Dessa
forma, tornam-se ultrapassados, pouco científicos e homogêneos, não
acompanhando as necessidades e evoluções urgentes à própria área do saber, que
sofre com a desvalorização profissional, apropriação por outras áreas do saber e
confusão identitária dos profissionais em formas de atuação que fujam à prática
clínica convencional.
Em conclusão, é
possível perceber que os desafios vivenciados pela psicologia no Brasil possuem
um caráter sintomático que precisa ser superado com urgência. Faz-se necessário
que o saber psicológico e sua prática sejam continuamente construídos de uma
forma que valorizem sua riqueza científica e multiplicidade de práticas,
buscando superar os obstáculos que são entraves ao processo de consolidação
desse saber como necessário e relevante para o crescimento da humanidade.
Fontes:
Cassepp-Borges, V. (2013). Desafios para o futuro da Psicologia: Contribuições
da Psicologia na construção do conhecimento no século XXI. Psicologia:
Ciência e Profissão, 33(spe), 14-23. Recuperado em 15 de agosto
de https://www.scielo.br/pdf/pcp/v33nspe/v33speca03.pdf
Conselho
Federal de Psicologia. Quantos somos. Recuperado em 15 de agosto de 2020 de http://www2.cfp.org.br/infografico/quantos-somos/
Pereira, F. M., & Pereira Neto, A. (2003).
O psicólogo no Brasil: Notas sobre seu processo de profissionalização. Psicologia
em estudo, 8(2), 19-27. doi: 10.1590/S1413-73722003000200003
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