Impacto do trauma infantil no curso do transtorno do pânico: Contribuições das características clínicas e de personalidade
De Venter, M., Van Den Eede, F.,
Pattyn T., Wouters K., Veltman, D.J., Penninx, B.W.J.H., & Sabbe, B.G.
(2017). Impact of
childhood trauma on course of panic disorder: Contribution of clinical and
personality characteristics. Acta Psychiatrica Scandinavica, 135(6),554-563.
doi: 10.1111/acps.12726.
Resenhado por Michelle Leite
Sabe-se que
os traumas da infância estão relacionados com o aumento do risco e comorbidade
de transtornos de ansiedade na vida adulta. Estudos evidenciam que relatos de
traumas infantis, e não das histórias de vida, se associam a desfechos mais
desfavoráveis em adultos com ansiedade ou depressão.
O transtorno
do pânico é caracterizado por recorrentes e inesperados períodos de intenso
medo e desconforto, tendo no mínimo 4 dos 13 sintomas adicionais que incluem
taquicardia, sudorese, tremores, sensação de falta de ar, dor ou desconforto
torácico, sensação de asfixia, náusea, sensação de desmaio, calafrios, sensação
de formigamento, desrealização, medo de perder o controle ou enlouquecer e medo
de morrer (DSM-V, 2014). Possui uma prevalência de 3,8% e é um transtorno comum
com alto grau de sofrimento e também com um papel central em casos de abuso
infantil em sua patogênese.
No tocante às causas subjacentes
entre a associação entre traumas infantis e o curso do transtorno do pânico, os
mecanismos de enfrentamento mal adaptativos e as distorções cognitivas que
superenfatizam o perigo e a adversidade podem estar no cerne dessa relação. As
experiências traumáticas podem também estar associadas aos traços da personalidade.
Estudos constataram que o abuso sexual estava relacionado a sintomas de
personalidade esquiva. Além disso, características clinicas como alta
gravidade, início precoce e maior duração dos sintomas, bem como traços da
personalidade como níveis elevados de neuroticismo e desesperança, locus de
controle externo e níveis baixos de extroversão estão entre os preditores mais
fortes de um curso clínico ruim do transtorno.
O estudo em questão examinou a
influência do trauma infantil no curso clínico do transtorno do pânico, bem
como os efeitos diferenciais dos tipos de trauma infantil e do papel dos
fatores clínicos e de personalidade nessa relação. Os pesquisadores retiraram
de uma amostra de um estudo longitudinal com 539 participantes entre 18 e 65
anos diagnosticados com transtorno do pânico atual, sendo a maioria do sexo
feminino (69,8%). O trauma de infância foi medido através de uma entrevista
estruturada e dividido em 4 tipos: negligencia emocional, abuso psicológico,
abuso físico e abuso sexual. Além do transtorno do pânico, a ocorrência de
outros transtornos de ansiedade também foi analisada. Observou-se que os
traumas de infância não foram fatores preditivos da persistência do transtorno
do pânico, mas que negligência emocional e abuso psicológico estavam associados
a maior ocorrência da fobia social e a maior cronicidade de sintomas gerais de
ansiedade. Essas relações foram parcialmente explicadas pela duração e
severidade dos sintomas ansiosos e depressivos, do neuroticismo e da
extroversão.
Chama-se atenção que tal associação
pode ajudar a reduzir a subestimação do impacto da negligência e do abuso
psicológico, o que pode proporcionar maior reconhecimento e intervenções
adequadas para prevenir sintomas e transtornos de ansiedade a longo prazo. Cabe
à psicologia o papel de legitimar ocorrência de tal impacto e atuar na
intervenção com foco na ressignificação da experiência traumática, com a
correção de possíveis distorções cognitivas, além de promover melhores
estratégias de enfrentamento.
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