Por que as crianças são maltratadas? Explicações para a prática de maus-tratos infantis na literatura

Gomes, R., Deslades, S. F., Veiga, M. M., Bhering, C., & Santos, J. F. (2002). Por que as crianças são maltratadas?: Explicações para a prática de maus-tratos infantis na literatura. Cadernos de Saúde Pública18, 707-714.

Resenhado por Mariana Menezes

A violência é um fenômeno que se constitui como um problema de saúde pública na maior parte do mundo. O Brasil está entre as nações que se destacam na mortalidade por homicídio ou lesões intencionais. Além disso, no país, a violência é a principal causa de morte de crianças a partir de cinco anos e de adolescentes. Alguns tipos de violências cometidas contra crianças e adolescentes podem não provocar a morte, mas resultar em outros tipos de lesões físicas ou causar graves danos emocionais. A violência doméstica ou intrafamiliar é uma delas e faz parte do cotidiano de muitas crianças e adolescentes, em grande parte das vezes, de forma oculta.
A referida pesquisa conduziu uma revisão da literatura a fim de compreender como os maus-tratos cometidos contra crianças e adolescentes vêm sendo explicados no campo da saúde, especialmente na área de saúde infantil. Para isso foi feito um levantamento em três revistas nacionais representativas da Pediatria. Foram considerados todos os artigos que abordavam, especificamente, os maus-tratos cometidos contra crianças, não sendo incluídos os que abordavam questões relacionadas, simultaneamente, a crianças e adolescentes. Ao final, 14 trabalhos foram analisados através do método de análise de conteúdo.
Os autores apontaram nos resultados que diversos tipos de maus-tratos contra as crianças são em sua maioria de teor doméstico, de forma que os pais ou parentes da criança são os agressores. Além disso, constataram que os maus-tratos infantis podem ser explicados em termos de reprodução das experiências de violência familiar. De acordo com essa perspectiva, pessoas que sofreram maus-tratos quando crianças, tornam-se adultos agressores, contribuindo para a perpetuação da violência. Desta forma, pais que sofreram maus-tratos na infância estariam mais predispostos a cometer os mesmos tipos de violência que sofreram contra seus filhos. Há fortes evidências de que pais que sofreram abuso sexual na infância têm mais chances de cometer abuso sexual com seus filhos. Do mesmo modo, mães que sofreram abuso na infância tendem a ser coniventes com o companheiro abusador de seus filhos assumindo uma postura omissa, evitando denunciar ou confrontar o agressor.
A ideia de violência como produto de desajustes familiares, psíquicos e do alcoolismo também tem servido de explicação para os maus-tratos contra crianças. Acerca da negligência cometida por algumas mães, por exemplo, vertentes afirmam que estas geralmente são jovens e despreparadas para a maternidade, além disso, na maioria dos casos, a gravidez foi indesejada. Quanto ao alcoolismo, em geral, os autores relatam que ele acaba ocasionando violências incontroláveis e, no caso de ser crônico, provocando negligência e abandono dos cuidados com o filho. Outra explicação para os maus-tratos infantis é de que estes podem ser influenciados por dificuldades econômicas. Comportamentos agressivos costumam ser mais evidentes em populações de baixa renda e isso pode ser atribuído ao estresse decorrente das dificuldades econômicas que essas pessoas enfrentam.
Por fim, cabe ressaltar que nenhum dos modelos explica por si só as causas dos diversos tipos de violência infantil, assim, é importante que os profissionais da saúde tomem cuidado com possíveis reducionismos sobre o assunto. Quanto à relevância da pesquisa para o campo da Psicologia da Saúde, destaca-se que possibilitou o conhecimento de características dos agressores e de situações que parecem compor a etiologia dos comportamentos violentos contra crianças. Isso pode contribuir para a realização de intervenções diretivas por parte de profissionais da saúde que visem a prevenção dos maus-tratos infantis ou até mesmo o tratamento daqueles que já cometeram tais agressões, evitando a sua recorrência.

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